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Informativo STJ 753 Comentado

Informativo nº 753 do STJ COMENTADO saindo do forno (quentinho) para quem está ligado aqui conosco no Estratégia Carreiras Jurídicas!

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DIREITO ADMINISTRATIVO

1.      Prescrição aplicável às empresas estatais prestadoras de serviços públicos essenciais, não dedicadas à exploração de atividade econômica com finalidade lucrativa e natureza concorrencial

RECURSO ESPECIAL

Aplica-se a prescrição quinquenal do Decreto n. 20.910/1932 às empresas estatais prestadoras de serviços públicos essenciais, não dedicadas à exploração de atividade econômica com finalidade lucrativa e natureza concorrencial.

REsp 1.635.716-DF, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 04/10/2022, DJe 11/10/2022. (Info 753)

1.1.  Situação FÁTICA.

Trata-se de ação cobrando verbas derivas contrato administrativo firmado com a empresa pública Companhia de Saneamento DF. O tribunal local afastou a tese de prescrição trienal alegada pela Companhia por entender aplicável a prescrição quinquenal prevista no Decreto 20.910/1932.          

1.2.  Análise ESTRATÉGICA.

1.2.1.     Questão JURÍDICA.

Decreto n. 20.910/1932:

Art. 1º: As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.

Decreto-Lei n. 4.597/1942:

Art. 2º O Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932, que regula a prescrição qüinqüenal, abrange as dívidas passivas das autarquias, ou entidades e órgãos paraestatais, criados por lei e mantidos mediante impostos, taxas ou quaisquer contribuições, exigidas em virtude de lei federal, estadual ou municipal, bem como a todo e qualquer direito e ação contra os mesmos.

Código Civil de 2002:

Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

Art. 206. Prescreve:

§ 3 Em três anos:

I – a pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos;

II – a pretensão para receber prestações vencidas de rendas temporárias ou vitalícias;

III – a pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações acessórias, pagáveis, em períodos não maiores de um ano, com capitalização ou sem ela;

IV – a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa;

V – a pretensão de reparação civil;

VI – a pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebidos de má-fé, correndo o prazo da data em que foi deliberada a distribuição;

VII – a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por violação da lei ou do estatuto, contado o prazo:

a) para os fundadores, da publicação dos atos constitutivos da sociedade anônima;

b) para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do balanço referente ao exercício em que a violação tenha sido praticada, ou da reunião ou assembléia geral que dela deva tomar conhecimento;

c) para os liquidantes, da primeira assembléia semestral posterior à violação;

VIII – a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial;

IX – a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório.

1.2.2.     Qual o prazo prescricional aplicável?

R: A prescrição QUINQUENAL do Decreto n. 20.910/1932!!!!

Segundo o art. 1º do Decreto n. 20.910/1932, “As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem“. Tal lustro prescricional é aplicável ainda às “autarquias ou entidades e órgãos paraestatais” por expressa disposição do artigo 2º do Decreto-Lei n. 4.597/1942, ao prescrever que “o Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932, que regula a prescrição quinquenal, abrange as dívidas passivas das autarquias, ou entidades e órgãos paraestatais, criados por lei e mantidos mediante impostos, taxas ou quaisquer contribuições, exigidas em virtude de lei federal, estadual ou municipal, bem como a todo e qualquer direito e ação contra os mesmos”.

Por outro lado, o art. 205 do Código Civil de 2002 prevê, como regra, a prescrição decenal, sempre que “a lei não lhe haja fixado prazo menor”, além de estabelecer alguns prazos específicos no art. 206, dentre eles o trienal, fixado no § 3º.

Daí a controvérsia consistente em saber se o prazo quinquenal previsto para as dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios e para “todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal”, seria também aplicável às empresas públicas e sociedades de economia mista – comumente designadas por empresas estatais -, quando prestadoras de serviços públicos essenciais, não dedicadas à exploração de atividade econômica com finalidade lucrativa e natureza concorrencial, ou se, ao contrário, teriam incidência as regras de prescrição dispostas no Código Civil. As empresas públicas e sociedades de economia mista, conquanto assumam personalidade jurídica de Direito Privado, não deixam de destinar-se à consecução de finalidades estatais, consoante a doutrina.

Surge inevitável constatar que o regime jurídico dessas sociedades é marcadamente HÍBRIDO, caracterizando-se pela convivência entre normas de Direito Público e de Direito Privado.

Tal caráter híbrido, decorrente do influxo de normas de Direito Público que se aplicam às empresas estatais, conquanto constituídas como pessoas jurídicas de Direito Privado, revela-se contundente em se tratando de empresas públicas e sociedades de economia mista destinadas, exclusivamente, à prestação de serviços públicos sem finalidade lucrativa e sem natureza concorrencial.

Presentes tais circunstâncias, reconhece-se a essas entidades tratamento jurídico assemelhado ao das pessoas jurídicas de Direito Público, operando-se verdadeira extensão do conceito de Fazenda Pública que, em certa medida, passa a albergar, também, essas entidades integrantes da Administração Pública Indireta.

Consoante orientação há muito sedimentada no STJ, “[…] o prazo de prescrição quinquenal, previsto no Decreto n. 20.910/32 e no Decreto-Lei n. 4.597/42, aplica-se apenas às pessoas jurídicas de direito público (União, Estados, municípios, Distrito Federal, autarquias e fundações públicas), excluindo-se, portanto, as pessoas jurídicas de direito privado da Administração Pública Indireta (sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações)” (REsp 1.270.671/RS, relator Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 16.2.2012, DJe de 5.3.2012).

Contudo, o STJ tem esposado entendimento diverso quando se cuida de empresas estatais destinadas, exclusivamente, à prestação de serviços públicos essenciais e que, assim, não se dediquem à exploração de atividade econômica com finalidade lucrativa e não possuam natureza concorrencial.

A partir do panorama jurisprudencial delineado, nota-se que as regras de prescrição estabelecidas no Código Civil não têm incidência quando a demanda envolver empresa estatal prestadora de serviços públicos essenciais, não dedicada à exploração de atividade econômica com finalidade lucrativa e natureza concorrencial.

Com efeito, em tais casos, aplica-se a prescrição quinquenal do Decreto n. 20.910/1932, por se tratar de entidade que, conquanto dotada de personalidade jurídica de direito privado, faz as vezes do próprio ente político ao qual se vincula e, com isso, pode, em certa medida, receber tratamento assemelhado ao de Fazenda Pública.

1.2.3.     Resultado final.

Aplica-se a prescrição quinquenal do Decreto n. 20.910/1932 às empresas estatais prestadoras de serviços públicos essenciais, não dedicadas à exploração de atividade econômica com finalidade lucrativa e natureza concorrencial.

DIREITO CIVIL

2.      Propriedade de metade do imóvel usucapiendo e incidência da vedação de não possuir “outro imóvel” urbano, contida no artigo 1.240 do Código Civil.

RECURSO ESPECIAL

O fato de os possuidores serem proprietários de metade do imóvel usucapiendo não faz incidir a vedação de não possuir “outro imóvel” urbano, contida no artigo 1.240 do Código Civil.

REsp 1.909.276-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 27/09/2022, DJe 30/09/2022. (Info 753)

2.1.  Situação FÁTICA.

Nirso e Nirse ajuizaram ação de usucapião urbana em face de Craudio. O casal alega que reside há mais de cinco anos no imóvel e ressaltam que adquiriram metade do imóvel em hasta pública. Em contestação, Craudio alega a impossibilidade jurídica do pedido, por serem os autores proprietários de metade do imóvel.

O tribunal local acolheu a tese defensiva e entendeu que o casal não cumpriu um dos requisitos para a aquisição da propriedade com fundamento na usucapião constitucional, qual seja, não possuir outro imóvel urbano. Isso porque eles seriam proprietários da outra metade do imóvel que pretendem usucapir.

2.2.  Análise ESTRATÉGICA.

2.2.1.     Questão JURÍDICA.

Código Civil:

Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

2.2.2.     Incide a vedação?

R: Nooops!!!!

A usucapião constitucional ou especial urbana apresenta os seguintes requisitos para o seu reconhecimento: (i) área urbana não superior a 250 m² (duzentos e cinquenta metros quadrados); (ii) posse mansa e pacífica de 5 (cinco) anos ininterruptos, sem oposição, com animus domini; (iii) imóvel utilizado como moradia do possuidor ou de sua família, e (iv) o possuidor não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural, não lhe tendo sido deferida a usucapião especial urbana em outra ocasião.

Na hipótese, a Corte de origem entendeu que os recorrentes não cumpriram um dos requisitos para a aquisição da propriedade com fundamento na usucapião constitucional, qual seja, não possuir outro imóvel urbano. Isso porque eles seriam proprietários da outra metade do imóvel que pretendem usucapir.

Quanto ao ponto, vale esclarecer que os recorrentes, enquanto residiam no imóvel, adquiriram 50% (cinquenta por cento) de sua propriedade em hasta pública, no ano de 1984. Tiveram dificuldade para registrar a carta de arrematação diante da existência de gravames na matrícula, ainda que prescritos, motivo pelo qual ingressaram com o pedido de declaração de propriedade da totalidade do imóvel. Durante a tramitação do feito, conseguiram registrar a carta de arrematação, de modo que desapareceu o interesse processual no que diz respeito à metade do imóvel adquirida em leilão.

A controvérsia, portanto, gira em torno de definir se o fato de os recorrentes serem proprietários de metade do imóvel usucapiendo corresponde a possuir “outro imóvel” urbano, faltando-lhes um dos requisitos do artigo 1.240 do Código Civil. Como enfatiza a doutrina, os constituintes, ao delinearem a usucapião especial urbana, tinham como preocupação contemplar as pessoas sem moradia própria, daí a exigência de não ser proprietário de outro imóvel.

Sob essa perspectiva, o fato de os recorrentes serem proprietários da metade ideal do imóvel que pretendem usucapir não parece constituir o impedimento de que trata o art. 1.240 do Código Civil, pois não possuem moradia própria, já que eventualmente teriam que remunerar o co-proprietário para usufruir com exclusividade do bem.

Cumpre assinalar, ademais, que é firme a jurisprudência do STJ no sentido de ser admissível a usucapião de bem em condomínio, desde que o condômino exerça a posse do bem com exclusividade.

Assim, tendo os recorrentes (i) permanecido no imóvel durante ao menos 30 (trinta) anos, de 1984 até 2003, data da propositura da ação, sem contrato de locação regular, (ii) sem ter pagado alugueres, (iii) tendo realizado benfeitorias, (iv) tendo se tornado proprietários da metade do apartamento, (v) adimplido com todas as taxas e tributos, inclusive taxas extraordinárias de condomínio, não há como afastar a hipótese de transmudação da posse, que passou a ser exercida com animus domini.

Desse modo, consumado o prazo da usucapião constitucional, estando presentes os demais requisitos do artigo 1.240 do Código Civil, deve ser declarada a propriedade sobre a integralidade do imóvel.

2.2.3.     Resultado final.

O fato de os possuidores serem proprietários de metade do imóvel usucapiendo não faz incidir a vedação de não possuir “outro imóvel” urbano, contida no artigo 1.240 do Código Civil.

3.      Estatuto da Pessoa Idosa e cancelamento de cláusulas de inalienabilidade e de impenhorabilidade em imóvel rural

RECURSO ESPECIAL

Para o cancelamento de cláusulas de inalienabilidade e de impenhorabilidade em imóvel rural, os dispositivos protetivos do Estatuto da Pessoa Idosa devem ser analisados em conjunto com a exigência de justa causa para manutenção ou levantamento dos gravames.

REsp 2.022.860-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 27/09/2022, DJe 30/09/2022. (Info 753)

3.1.  Situação FÁTICA.

Creide e Creiton, casal de idosos, foram beneficiados há mais de duas décadas com a doação de imóvel rural a um deles, tendo esse imóvel sido gravado, no ato de celebração do contrato, por cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade.

Porém, em razão das dificuldades impostas pelo avanço da idade do casal, a propriedade já não se mostra lucrativa, ao contrário, apresenta prejuízos anuais. O casal então ajuizou ação com o intuito de cancelar as cláusulas em questão. Ressaltaram que os donatários já faleceram e os filhos do casal concordam com o cancelamento. Porém, ação foi julgada improcedente na origem em razão da suposta inexistência de justa causa para levantamento dos gravames.

3.2.  Análise ESTRATÉGICA.

3.2.1.     Questão JURÍDICA.

Estatuto da Pessoa Idosa:

Art. 2º A pessoa idosa goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.

Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar à pessoa idosa, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.   

Art. 37. A pessoa idosa tem direito a moradia digna, no seio da família natural ou substituta, ou desacompanhada de seus familiares, quando assim o desejar, ou, ainda, em instituição pública ou privada.  

CC/2002:

Art. 1.848. Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima.

3.2.2.     O que se faz?

R: Analisa em conjunto com o Estatuto da Pessoa!!!

Inicialmente, alega-se violação dos arts. 2º, 3º e 37 do Estatuto da Pessoa Idosa em virtude da decisão do Tribunal de origem de denegação do pedido de cancelamento das cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade gravadas sobre imóvel rural, consequentemente, mantendo-se o referido imóvel em seu patrimônio.

Os mencionados dispositivos prescrevem normas fundamentais de proteção da pessoa idosa. Trata-se, em parte, de prescrições normativas com conteúdo principiológico e, portanto, amplo e abstrato (mandamentos de otimização a serem observados por toda a sociedade) e, em outra parte, de regras que não estão relacionadas, diretamente, com o caso em apreço: não se está diante, por exemplo, de uma norma com suporte fático e consequências jurídicas específicos e delimitados, voltados precisamente à permissão ou não do cancelamento de cláusulas restritivas à propriedade.

Assim, a mera manutenção de imóvel na propriedade de pessoas idosas, pela denegação de cancelamento de cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade, não pode ser vista, por si mesma e em todos os casos, como protetiva. Cabe, portanto, a ressalva de que, como o levantamento dos gravames é medida EXCEPCIONAL. Poderá haver casos em que a manutenção das cláusulas seja a solução mais aconselhável, sem que isso represente afronta aos direitos fundamentais da pessoa idosa, devendo a análise ser feita caso a caso. Nesses moldes, a alegação de ofensa aos arts. 2º, 3º e 37 do Estatuto da Pessoa Idosa deve ser analisada em conjunto com a arguição de violação do art. 1.848 do CC/2002. Isso porque, no presente caso, não se verifica uma violação direta daquelas normas, mas, sim, uma violação reflexa.

No que se refere ao art. 1.848 do CC/2002, a síntese dos fatos permite concluir que houve doação de imóvel rural em benefício dos recorrentes, na qual constou, por vontade dos doadores, as cláusulas de impenhorabilidade e inalienabilidade. Com a passagem do tempo, alegam os recorrentes que a administração do aludido imóvel se tornou dispendiosa em decorrência de suas circunstâncias pessoais. Portanto, por meio da presente ação, em procedimento de jurisdição voluntária, buscam o levantamento dessas cláusulas restritivas. A matéria de direito discutida foi regulada no CC/1916, em seus arts. 1.676 e 1.723, e se encontra ora normatizada no CC/2002, nos arts. 1.848 e 1.911.

Nesse contexto, a possibilidade de cancelamento das cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade instituída pelos doadores depende da observação de critérios jurisprudenciais: (i) inexistência de risco evidente de diminuição patrimonial dos proprietários ou de seus herdeiros (em especial, risco de prodigalidade ou de dilapidação do patrimônio); (ii) manutenção do patrimônio gravado que, por causa das circunstâncias, tenha se tornado origem de um ônus financeiro maior do que os benefícios trazidos; (iii) existência de real interesse das pessoas cuja própria cláusula visa a proteger, trazendo-lhes melhor aproveitamento de seu patrimônio e, consequentemente, um mais alto nível de bem-estar, como é de se presumir que os instituidores das cláusulas teriam querido nessas circunstâncias; (iv) ocorrência de longa passagem de tempo; e, por fim, nos casos de doação, (v) se já sejam falecidos os doadores.

3.2.3.     Resultado final.

Para o cancelamento de cláusulas de inalienabilidade e de impenhorabilidade em imóvel rural, os dispositivos protetivos do Estatuto da Pessoa Idosa devem ser analisados em conjunto com a exigência de justa causa para manutenção ou levantamento dos gravames.

4.      Natureza do prazo de 60 (sessenta) dias para exigir prestação de contas, previsto no art. 54, § 2º, da Lei n. 8.245/1991.

RECURSO ESPECIAL

O prazo de 60 (sessenta) dias para exigir prestação de contas, previsto no art. 54, § 2º, da Lei n. 8.245/1991, refere-se a um intervalo mínimo a ser respeitado pelo locatário para promover solicitações desta natureza e, portanto, não é decadencial.

REsp 2.003.209-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 27/09/2022, DJe 30/09/2022. (Info 753)

4.1.  Situação FÁTICA.

Gogo Calçados ajuizou ação de exigir contas em desfavor de Palladium Shopping por meio da qual objetiva conferir lançamentos realizados em boletos de cobrança, decorrentes de contrato de locação comercial (shopping center) firmado entre as partes.

Houve decisão interlocutória julgando parcialmente procedente o pedido para condenar a ré a prestar as contas exigidas (taxas condominiais, taxa de administração e fundo promocional) relativas a todo o período contratual.

Inconformada, Palladium interpôs sucessivos recursos alegando que em não tendo a recorrida exigido a comprovação de contas no prazo de 60 dias estabelecido em lei, teria se operado a decadência de seu direito de exigir contas.

4.2.  Análise ESTRATÉGICA.

4.2.1.     Questão JURÍDICA.

Lei n. 8.245/1991:

Art. 22. O locador é obrigado a:

VI – fornecer ao locatário recibo discriminado das importâncias por este pagas, vedada a quitação genérica;

IX – exibir ao locatário, quando solicitado, os comprovantes relativos às parcelas que estejam sendo exigidas;

Art. 54. Nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center , prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei.

§ 2º As despesas cobradas do locatário devem ser previstas em orçamento, salvo casos de urgência ou força maior, devidamente demonstradas, podendo o locatário, a cada sessenta dias, por si ou entidade de classe exigir a comprovação das mesmas.

4.2.2.     Trata-se de prazo decadencial?

R: Nooops!!!!

A controvérsia consiste em definir se o prazo de 60 (sessenta) dias previsto no art. 54, § 2º, da Lei n. 8.245/1991 refere-se a prazo decadencial que detém o locatário para exigir a prestação de contas sobre os valores dele cobrados por força de contrato de locação de loja em shopping center.

É regra geral, que comanda os deveres do locador, aquela que o torna obrigado a fornecer ao locatário recibo discriminado das importâncias por este pagas, vedada a quitação genérica, bem como dos comprovantes relativos às parcelas que lhe estejam sendo exigidas (art. 22, VI e IX, da Lei n. 8.245/1991).

Mais especificamente no que concerne às relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, o art. 54, § 2º, da referida legislação enuncia que “As despesas cobradas do locatário devem ser previstas em orçamento, salvo casos de urgência ou força maior, devidamente demonstradas, podendo o locatário, a cada sessenta dias, por si ou entidade de classe exigir a comprovação das mesmas”.

Convém destacar que o artigo mencionado, em verdade, estabelece uma FACULDADE ao locatário, permitindo-lhe que exija a prestação de contas a cada 60 (sessenta) dias na via extrajudicial, o que não inviabiliza, a propósito, o ajuizamento da ação de exigir contas (REsp 1.746.337/RS, Terceira Turma, DJe 12/04/2019).

E, de fato, da leitura do referido preceito legal, não se infere outra conclusão que não a de que o prazo de 60 (sessenta) dias refere-se a um intervalo mínimo a ser respeitado pelo locatário para promover solicitações desta natureza, dada, certamente, a complexidade das relações locatícias nestes centros comerciais.

É indiscutível, portanto, que o prazo de 60 (sessenta) dias previsto no art. 54, § 2º, da Lei n. 8.245/1991 não é decadencial, isto é, não impõe a perda de direito ao locatário pelo não exercício de tal faculdade neste mencionado prazo.

Ademais, tem-se que a pretensão de exigir contas está sujeita ao prazo prescricional geral de 10 (dez) anos, ante a ausência de previsão de prazo específico no ordenamento jurídico.

4.2.3.     Resultado final.

O prazo de 60 (sessenta) dias para exigir prestação de contas, previsto no art. 54, § 2º, da Lei n. 8.245/1991, refere-se a um intervalo mínimo a ser respeitado pelo locatário para promover solicitações desta natureza e, portanto, não é decadencial.

5.      Abusividade da cláusula constante de programa de fidelidade que impede a transferência de pontos/bônus de milhagem aérea aos sucessores do cliente titular no caso de seu falecimento.

RECURSO ESPECIAL

Não é abusiva a cláusula constante de programa de fidelidade que impede a transferência de pontos/bônus de milhagem aérea aos sucessores do cliente titular no caso de seu falecimento.

REsp 1.878.651-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 04/10/2022, DJe 07/10/2022. (Info 753)

5.1.  Situação FÁTICA.

A Associação Pró Consumidor propôs ação civil pública em face de TOM Linhas Aéreas em virtude de cláusulas abusivas no contrato de adesão que regula o Programa TOM Fidelidade.

A sentença julgou a ação procedente para declarar a nulidade da cláusula que impedia a transferência de pontos/bônus de milhagem aérea aos sucessores do cliente titular no caso de seu falecimento. Inconformada, a companhia aérea interpôs sucessivos recursos alegando a inexistência de abusividade em virtude de a pontuação obtida no programa TOM Fidelidade não ser transmitida aos herdeiros do participante falecido.

5.2.  Análise ESTRATÉGICA.

5.2.1.     Questão JURÍDICA.

Lei n. 8.078/1990:

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. 

CDC:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

CC/2002:

Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente.

5.2.2.     A cláusula é abusiva?

R: Nooops!!!!

Inicialmente, anota-se que o contrato para aquisição de benefícios instituído por companhia aérea deve ser considerado como contrato de ADESÃO pois nos termos do art. 54 da Lei n. 8.078/1990, contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

Nos contratos de adesão não existe ilegalidade intrínseca, razão pela qual só serão declaradas abusivas e, portanto, nulas, aquelas cláusulas que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, que tragam desequilíbrio de direitos e obrigações típicos àquele contrato específico, que frustrem os interesses básicos das partes presentes naquele tipo de relação, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade, nos termos do art. 51, IV do CDC.

Dessa forma, há que se ter em mente que existem casos em que é possível reconhecer uma cláusula como abusiva se vista ISOLADAMENTE, mas não se analisada no todo daquele contrato.

Por sua vez, o contrato para aquisição de pontos por programa de fidelidade também deve ser considerado UNILATERAL, em seus efeitos, pois gera obrigações somente à companhia aérea , instituidora do programa. Sobre o tema, a doutrina segue no sentido de que o contrato é unilateral se, no momento em que se forma, origina obrigação, tão somente, para uma da partes – ex uno latere. A outra parte não se obriga. O peso do contrato é todo de um lado, os efeitos são somente passivos de um lado, e somente ativos de outro.

Assim, porque só a instituidora do programa, assume obrigações, não há como se dizer que a impossibilidade de transferência dos pontos gratuitos acumulados pelo consumidor, após o seu falecimento, acarreta, aos seus sucessores, excessiva desvantagem apta a ser coibida pelo Poder Judiciário.

Além de ser considerado como um contrato de adesão e unilateral, em seus efeitos, a adesão ao Regulamento do Programa de benefícios instituído também deve ser considerada como sendo um contrato gratuito/benéfico, pois ao passo que gera obrigações somente à instituidora do programa, o consumidor que pretende a ele aderir e dele se beneficiar, não precisa desembolsar nenhuma quantia. Ou seja, pelo fornecimento do serviço de acúmulo de pontos não há uma contraprestação pecuniária do consumidor.

E, em sendo contrato gratuito, deve ser interpretado de forma RESTRITIVA, nos termos do disposto no art. 114 do CC/2002, que é claro ao pontuar que os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente

No caso, o referido contrato é unilateral, gratuito – que deve ter suas cláusulas interpretadas restritivamente – e intuito personae, e porque o direito de propriedade, no caso, deve ser analisado sob o enfoque do poder de fruição. Não há como fugir do entendimento de que a cláusula impugnada, não se mostra abusiva, ambígua e nem mesmo contraditória, pois é clara ao estabelecer que “a pontuação obtida na forma do regulamento é pessoal e intransferível, sendo vedada sua transferência para terceiros, a qualquer título, inclusive por sucessão ou herança, dessa forma, no caso de falecimento do Cliente titular do Programa, a conta corrente será encerrada e a Pontuação existente e as passagens prêmio emitidas serão canceladas”.

Em suma, ao se considerar que (1) como o consumidor nunca foi obrigado a se cadastrar no mencionado programa de benefícios e tal fato não o impede de se utilizar dos serviços, dentre eles o de transporte aéreo oferecidos pela companhia aérea, ou seus parceiros; (2) quando se cadastrou, de livre e espontânea vontade, era sabedor das regras benéficas que são claras em relações aos direitos, obrigações e limitações; e, (3) como benefício por ele concedido nada paga e sequer assume deveres em face de outros, não há mesmo como se admitir o reconhecimento de abusividade da cláusula que impede a transferência dos pontos bônus após a morte do seu titular. Assim, inexistindo ilegalidade ou abusividade, se o consumidor não concorda com as regras do programa de benefícios, era só a ele não aderir. E se aderiu, deve prevalecer a cláusula rebus sic stantibus.

5.2.3.     Resultado final.

Não é abusiva a cláusula constante de programa de fidelidade que impede a transferência de pontos/bônus de milhagem aérea aos sucessores do cliente titular no caso de seu falecimento.

6.      Terreno cuja unidade habitacional está em fase de construção para moradia e impenhorabilidade por dívidas

RECURSO ESPECIAL

O terreno cuja unidade habitacional está em fase de construção, para fins de residência, está protegido pela impenhorabilidade por dívidas, por se considerar antecipadamente bem de família.

REsp 1.960.026-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 11/10/2022. (Info 753)

6.1.  Situação FÁTICA.

Crementino interpôs agravo de instrumento contra decisão proferida pelo juízo de primeiro grau em execução de título extrajudicial (contrato de mútuo), a qual rejeitou a impugnação à penhora apresentada em que ele arguiu a impenhorabilidade do imóvel em construção sob o fundamento de ser o bem de família.

Conforme Crementino, o terreno sob o qual incidiria a penhora estaria em fase de construção, o que lhe garantiria a proteção da impenhorabilidade em razão de ser bem de família, ainda que a edificação não esteja averbada na matrícula do bem.

6.2.  Análise ESTRATÉGICA.

6.2.1.     Questão JURÍDICA.

Lei n. 8.009/90:

Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

Art. 5º Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.

6.2.2.     Impenhorável?

R: Aparentemente, SIM!!!!

O Tribunal de origem concluiu pela penhorabilidade do terreno com edificação inacabada, sob o fundamento de ser imprescindível à proteção legal conferida ao bem de família que o imóvel sirva de efetiva residência aos devedores.

Como se vê, a deliberação da instância precedente considera como condição/requisito à proteção legal conferida pela Lei n. 8.009/1990, a efetiva fixação de residência no imóvel, o que, no momento, não se afiguraria possível por estar a unidade habitacional em fase de construção. Inegavelmente, a instância ordinária está a permitir a penhora do imóvel de propriedade do casal, por dívida civil, em evidente interpretação literal e restritiva aos artigos 1º e 5º da Lei n. 8.009/90.

As normas protetivas desses direitos devem ter as exceções interpretadas RESTRITIVAMENTE, sendo vedado ao julgador criar hipóteses de limitação da impenhorabilidade do bem de família, isto é, dos direitos fundamentais que regem a matéria.

O colegiado da Terceira Turma do STJ deliberou ser possível considerar como bem de família terreno sequer edificado, mas que, diante das provas apresentadas, tais como projeto de construção, compra de materiais e início da obra, pudesse ser deduzida a pretensão de moradia.

No caso, em que já há edificação para fins de moradia em curso, a princípio, a interpretação que melhor atende ao escopo da Lei n. 8.009/1990 é a de que, em se tratando de único imóvel de propriedade dos devedores, cuja unidade habitacional está em fase de construção, deve incidir a benesse da impenhorabilidade, desde que não configuradas as exceções previstas nos artigos 3º e 4º da mencionada lei.

Assim, obra inacabada presume-se residência e será protegida, pois a interpretação FINALÍSTICA e VALORATIVA da Lei n. 8.009/1990, considerando o contexto sociocultural e econômico do País, permite concluir que o imóvel adquirido para o escopo de moradia futura, ainda que não esteja a unidade habitacional pronta – por estar em etapa preliminar de obra, sem condições para qualquer cidadão nela residir -, fica excluído da constrição judicial, uma vez que a situação econômico-financeira vivenciada por boa parte da população brasileira evidencia que a etapa de construção imobiliária, muitas vezes, leva anos de árduo esforço e constante trabalho para a sua concretização, para fins residenciais próprios ou para obtenção de frutos civis voltados à subsistência e moradia em imóvel locado.

6.2.3.     Resultado final.

O terreno cuja unidade habitacional está em fase de construção, para fins de residência, está protegido pela impenhorabilidade por dívidas, por se considerar antecipadamente bem de família.

7.      (In)Existência de vedação legal ao reconhecimento da fraternidade/irmandade socioafetiva, ainda que post mortem

PROCESSO SOB SEGREDO DE JUSTIÇA

Inexiste qualquer vedação legal ao reconhecimento da fraternidade/irmandade socioafetiva, ainda que post mortem, pois a declaração da existência de relação de parentesco de segundo grau na linha colateral é admissível no ordenamento jurídico pátrio, merecendo a apreciação do Poder Judiciário.

Processo sob segredo de justiça, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por maioria, julgado em 04/10/2022. (Info 753)

7.1.  Situação FÁTICA.

Creide e Creosvaldo ajuizaram ação com o intuito de reconhecimento de parentesco colateral em segundo grau, calcado em vínculo socioafetivo fraternal.  Porém, as instâncias ordinárias, de plano (em apreciação dos requisitos de admissibilidade da petição inicial), afastaram a pretensão autoral ante os seguintes fundamentos: (i) incompatibilidade entre o instituto da socioafetividade e da busca, apenas post mortem, do reconhecimento do vínculo; (ii) a inexistência de declaração judicial prévia acerca da caracterização da posse do estado de filho entre a de cujus e os pais dos autores inviabilizaria a dedução da pretensão, pois seria pressuposto para que o parentesco socioafetivo possa estender-se aos demais membros da família.

Processo sob segredo de justiça- Caso imaginado.

7.2.  Análise ESTRATÉGICA.

7.2.1.     Existe vedação para tanto?

R: Nooops!!!!

De forma reiterada, a jurisprudência dos Tribunais Superiores – o STJ e o próprio Supremo Tribunal Federal – tem se orientado pela concepção de que o afeto solidário ínsito às relações familiares consubstancia, por ele mesmo, fonte de parentesco. Referida exegese decorre da margem ampla de integração acima indicada, em virtude do texto normativo com contornos abertos, ao aludir a “outras origens” e, assim, permitir a integração hermenêutica, realizada pelo intérprete da norma.

A particularidade do presente caso concerne ao fato de não se tratar de investigação de filiação socioafetiva (paternidade ou maternidade) – hipótese comumente submetida à apreciação do Poder Judiciário -, mas sim do reconhecimento de parentesco colateral em segundo grau, calcado em vínculo socioafetivo fraternal.

As instâncias ordinárias, de plano (em apreciação dos requisitos de admissibilidade da petição inicial), afastaram a pretensão autoral ante os seguintes fundamentos: (i) incompatibilidade entre o instituto da socioafetividade e da busca, apenas post mortem, do reconhecimento do vínculo; (ii) a inexistência de declaração judicial prévia acerca da caracterização da posse do estado de filho entre a de cujus e os pais dos autores inviabilizaria a dedução da pretensão, pois é pressuposto para que o parentesco socioafetivo possa estender-se aos demais membros da família.

Contudo, os motivos acima declinados não representam óbice ao exercício do direito de ação, tampouco consubstanciam impossibilidade jurídica do pedido. Isso porque, a afetividade é reconhecidamente fonte de parentesco e sua configuração, a considerar o caráter essencialmente fático, não se restringe ao parentesco em linha reta.

É possível, assim, compreender que a socioafetividade tenha assento tanto na relação paterno-filial quanto no âmbito das relações mantidas entre irmãos, associada a outros critérios de determinação de parentesco (presuntivo ou biológico), ou mesmo de forma individual/autônoma.

Não há falar, portanto, em condição essencial à caracterização do parentesco colateral por afetividade, consistente em prévia declaração judicial de filiação (linha reta) socioafetiva. Desse modo, não se visualiza óbice, em tese, à pretensão autônoma deduzida, calcada na configuração da posse do estado de irmãos. Afigurou-se prematuro, portanto, o indeferimento da petição inicial, sem que pudessem os demandantes efetivamente demonstrar os requisitos necessários à caracterização do citado status.

No âmbito das relações de parentesco, a ideia de posse de estado traduz-se em comportamentos reiterados, hábeis a constituírem situações jurídicas passíveis de tutela. Assim, além da própria aparência e reconhecimento social, o vínculo constituído qualifica a real dimensão da relação familiar/parentesco, erigida sobre a socioafetividade, a qual não pode ser ignorada pelo sistema jurídico.

A partir desse pressuposto, infere-se que a citada relação/vínculo, identificada por meio da posse de estado, é passível de ser declarada judicialmente. Trata-se, com efeito, de objeto de declaração a existência de uma situação jurídica consolidada, da qual defluem efeitos jurídicos – pessoais e patrimoniais -, a exemplo do eventual direito sucessório alegado na exordial.

No caso, menciona-se que a questão afeta ao direito sucessório, referida pelas instâncias ordinárias como óbice à pretensão veiculada, em realidade demonstra ou corrobora o próprio interesse de agir dos recorrentes – traduzido no binômio necessidade/possibilidade -, ante os efeitos sucessórios decorrentes da aludida declaração.

Por fim, no que se refere a eventual motivação essencialmente patrimonial, não compete ao julgador, nesta fase incipiente do processo, tecer conjecturas acerca de eventuais razões para o não ajuizamento de demanda, pela de cujus, em vida, a bem de declarar eventual filiação socioafetiva em relação aos genitores dos autores. A uma, porque, conforme acima delineado, não se trata de pressuposto necessário à declaração de fraternidade (parentesco colateral em segundo grau) socioafetiva; a duas, porque eventual contorno da relação mantida entre a de cujus e os autores, e, reflexamente, aos demais membros da família, configura matéria sobre a qual deverá recair a atividade probatória

7.2.2.     Resultado final.

Inexiste qualquer vedação legal ao reconhecimento da fraternidade/irmandade socioafetiva, ainda que post mortem, pois a declaração da existência de relação de parentesco de segundo grau na linha colateral é admissível no ordenamento jurídico pátrio, merecendo a apreciação do Poder Judiciário.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

8.      Cabimento de honorários advocatícios na fase de cumprimento de sentença em processo de Mandado de Segurança.

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL

No processo de Mandado de Segurança individual, não cabem honorários advocatícios, na esteira do disposto no art. 25 da Lei n. 12.016/2009 e na Súmula 105/STJ, não havendo ressalva à fase de cumprimento de sentença.

AgInt no REsp 1.968.010-DF, Rel. Min. Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF da 5ª Região), Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 09/05/2022, DJe 11/05/2022. (Info 753)

8.1.  Situação FÁTICA.

Nerso impetrou mandado de segurança em face do INSS. A sentença julgou o pedido procedente e em cumprimento de sentença, Dr. Creisson, patrono do autor, requereu a condenação do INSS ao pagamento de honorários advocatícios. Conforme o nobre advogado, seria lícita a fixação de honorários advocatícios na execução da sentença concessiva da ordem, mormente quando presentes reflexos de ordem patrimonial.

8.2.  Análise ESTRATÉGICA.

8.2.1.     Questão JURÍDICA.

Lei n. 12.016/2009:

Art. 25.  Não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé.      

Súmula 105/STJ:

Na ação de mandado de segurança não se admite condenação em honorários advocatícios.

8.2.2.     Cabível a condenação em honorários no cumprimento de sentença de MS?

R: Nooops!!!!

Inicialmente, destaque-se que o art. 25 da Lei n. 12.016/2009 assim dispõe: “Não cabem, no processo de Mandado de Segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé.” O STF, em recente julgado, declarou a CONSTITUCIONALIDADE do citado art. 25 da Lei n. 12.016/2009 (ADI 4.296, Relator Min. Marco Aurélio, Relator p/ Acórdão Min. Alexandre de Moraes, publicado em 11/10/2021).

Quanto à interpretação do referido dispositivo legal, destaco que a Segunda Turma do STJ vem adotando o entendimento de que, no processo de Mandado de Segurança, não cabem honorários advocatícios, na esteira do disposto na Súmula 105/STJ, não havendo ressalva à fase de cumprimento de sentença.

Com efeito, embora o Superior Tribunal de Justiça tenha firmado a orientação de que são devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública nas execuções individuais de sentença proferida em ações coletivas, ainda que não embargadas (Súmula 345/STJ), inclusive nos Mandados de Segurança coletivos (AgInt no AREsp 1.236.023/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 09/08/2018), ratio decidendi desse posicionamento se deve à natureza genérica das sentenças proferidas em tais demandas, a exigir do patrono do exequente, além da individualização e liquidação do valor devido, a demonstração da titularidade do exequente em relação ao direito material, o que revela o alto conteúdo cognitivo existente nessas execuções, situação diversa da enfrentada da questão em exame, que trata do cumprimento de título judicial oriundo de ação mandamental individual.

In casu, trata-se de mero incidente visando ao acertamento da ordem judicial concessiva da segurança, não havendo a formação de processo de conhecimento autônomo, de modo que não há como se afastar a incidência do art. 25 da Lei n. 12.016/2009.

8.2.3.     Resultado final.

No processo de Mandado de Segurança individual, não cabem honorários advocatícios, na esteira do disposto no art. 25 da Lei n. 12.016/2009 e na Súmula 105/STJ, não havendo ressalva à fase de cumprimento de sentença.

9.      Renúncia ao cargo de governador como impedimento recebimento de pedido de abertura de impeachment

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA

A renúncia ao cargo de governador impede o recebimento de pedido de abertura de impeachment.

RMS 68.932-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 16/08/2022, DJe 06/09/2022. (Info 753)

9.1.  Situação FÁTICA.

Craudio impetrou mandado de segurança contra alegado ato coator da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, praticado pelo presidente da citada assembleia, que julgou inepta a exordial do pedido de abertura de impeachment contra o governador do Estado de São Paulo pela prática, em tese, de crimes de responsabilidade.

A segurança foi denegada em razão da renúncia do então governador para concorrer à Presidência da República. Inconformado, Craudio interpôs recurso no qual alega que seria inadmissível que o Presidente da ALESP julgue inepta uma denúncia que descreve clara e suficientemente o fato criminoso e suas circunstâncias, identifica o acusado e indica a classificação penal.

9.2.  Análise ESTRATÉGICA.

9.2.1.     Questão JURÍDICA.

Lei n. 1.079/1950 :

Art. 15: A denúncia só poderá ser recebida enquanto o denunciado não tiver, por qualquer motivo, deixado definitivamente o cargo.

Art. 76. A denúncia assinada pelo denunciante e com a firma reconhecida, deve ser acompanhada dos documentos que a comprovem, ou da declaração de impossibilidade de apresentá-los com a indicação do local em que possam ser encontrados. Nos crimes de que houver prova testemunhal, conterão rol das testemunhas, em número de cinco pelo menos. Parágrafo único. Não será recebida a denúncia depois que o Governador, por qualquer motivo, houver deixado definitivamente o cargo.

9.2.2.     Renúncia ao cargo impede o pedido?

R: Yeaph!!!!

Trata-se, na origem, de Mandado de Segurança impetrado contra alegado ato coator da Mesa Diretora de Assembleia Legislativa estadual, praticado pelo presidente, que julgou inepta a exordial do pedido de abertura de impeachment contra governador pela prática, em tese, de crimes de responsabilidade e de crimes comuns.

No entanto, para disputar a vaga para a Presidência da República, o governador renunciou ao cargo.

E de acordo com o art. 15 da Lei n. 1.079/1950 “A denúncia só poderá ser recebida enquanto o denunciado não tiver, por qualquer motivo, deixado definitivamente o cargo“.

A mesma solução se aplica aos governadores estaduais, conforme se infere da leitura do art. 76, parágrafo único, do mesmo diploma legal: “Art. 76. A denúncia assinada pelo denunciante e com a firma reconhecida, deve ser acompanhada dos documentos que a comprovem, ou da declaração de impossibilidade de apresentá-los com a indicação do local em que possam ser encontrados. Nos crimes de que houver prova testemunhal, conterão rol das testemunhas, em número de cinco pelo menos. Parágrafo único. Não será recebida a denúncia depois que o Governador, por qualquer motivo, houver deixado definitivamente o cargo“.

Portanto, diante da renúncia ocorrida, que inviabiliza o recebimento da denúncia oferecida, evidente a perda do objeto da impetração, e, consequentemente, do Recurso Ordinário contra a denegação da segurança.

9.2.3.     Resultado final.

A renúncia ao cargo de governador impede o recebimento de pedido de abertura de impeachment.

10.  Ineficácia do negócio jurídico decretada no Juízo Falimentar como impedimento do prosseguimento da Execução Fiscal.

RECURSO ESPECIAL

A ineficácia do negócio jurídico decretada no Juízo Falimentar não impede prosseguimento da Execução Fiscal.

REsp 1.822.226-RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 27/09/2022. (Info 753)

10.1.                   Situação FÁTICA.

O juízo falimentar reconheceu a nulidade de uma série de negócios jurídicos realizados pela empresa “quebrada”. A União, em execução fiscal, se manifestou expressamente no sentido de que não deseja fazer a habilitação de seu crédito diretamente na falência, devendo-se dar prosseguimento a execução. A empresa alega que a declaração da ineficácia dos negócios jurídicos impediria o prosseguimento da execução fiscal.

10.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

10.2.1. Impede a continuidade da execução fiscal?

R: Nooops!!!

O Tribunal de origem consignou que o Juízo Falimentar arrecada bens e apura a responsabilidade do falido e seus sócios com a finalidade de satisfazer os créditos oriundos do exercício da atividade empresarial, faltando-lhe, contudo, competência para decidir acerca da existência ou não dos créditos fiscais, bem como sobre os responsáveis legais pelo seu pagamento. Assim, concluiu-se que inexiste relação de prejudicialidade externa entre a decisão que afastara a responsabilidade da agravante, no processo de falência, e a decisão proferida na Execução Fiscal, que reconhecera a responsabilidade tributária.

Nota-se que o Tribunal a quo aplicou a compreensão firmada no STJ de que a cobrança judicial da dívida não se sujeita à habilitação em falência, não sendo suspenso, por conseguinte, o prosseguimento da Execução Fiscal

Sobre o tema, a Segunda Turma do STJ já teve a oportunidade de decidir que a declaração de ineficácia do negócio jurídico de aquisição de marcas e maquinário, decretada no Juízo Falimentar, não impediria o redirecionamento da execução fiscal em desfavor da empresa adquirente, dado que a decretação de medidas tendentes a preservar o patrimônio da empresa não prejudicaria a propositura e o prosseguimento da Execução Fiscal.

Com efeito, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, “‘os atos considerados ineficazes pela Lei de Falências não produzem qualquer efeito jurídico perante a massa. Não são atos nulos ou anuláveis, ressalte-se, mas ineficazes. Quer dizer, sua validade não se compromete pela lei falimentar – embora de alguns deles até se pudesse cogitar de invalidação por vício social, nos termos da lei civil. Por isso, os atos referidos pela Lei de Falências como ineficazes diante da massa falida produzem, amplamente, todos os efeitos para os quais estavam preordenados em relação aos demais sujeitos de direito” (REsp 1.119.969/RJ, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 15/10/2013).

10.2.2. Resultado final.

A ineficácia do negócio jurídico decretada no Juízo Falimentar não impede prosseguimento da Execução Fiscal.

11.  Legitimidade da empresa estipulante de contrato de seguro de vida coletivo em ações nas quais pleiteia-se o pagamento de indenizações securitárias

RECURSO ESPECIAL

Apesar de, em princípio, a empresa estipulante de contrato de seguro de vida coletivo não possuir legitimidade passiva em ações nas quais pleiteia-se o pagamento de indenizações securitárias, em se tratando de ação que questiona o cumprimento das obrigações firmadas entre as partes contratantes, pode ser reconhecida a legitimidade ativa da mandatária, sem prejudicar os beneficiários do segurado a fazer jus ao recebimento da indenização.

REsp 2.004.461-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 27/09/2022, DJe 30/09/2022. (Info 753)

11.1.                   Situação FÁTICA.

Condomínio Acácia ajuizou ação de cobrança de pagamento de seguro de vida em grupo, no qual atuou como estipulante, em face de Somo Seguros, que recusou o pagamento da indenização alegando o não enquadramento do segurado nas condições contratuais. A sentença extinguiu a ação sem resolução de mérito por ilegitimidade ativa. A sentença foi reformada pelo tribunal local, que entendeu pela legitimidade ativa da estipulante do seguro de vida em grupo.      

11.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

11.2.1. Questão JURÍDICA.

CC/2002:

Art. 436. O que estipula em favor de terceiro pode exigir o cumprimento da obrigação.

Parágrafo único. Ao terceiro, em favor de quem se estipulou a obrigação, também é permitido exigi-la, ficando, todavia, sujeito às condições e normas do contrato, se a ele anuir, e o estipulante não o inovar nos termos do art. 438.

Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.

Art. 794. No seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito.

Lei n. 9.656/1998:

Art. 30.  Ao consumidor que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, no caso de rescisão ou exoneração do contrato de trabalho sem justa causa, é assegurado o direito de manter sua condição de beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral. 

§ 1o  O período de manutenção da condição de beneficiário a que se refere o caput será de um terço do tempo de permanência nos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o, ou sucessores, com um mínimo assegurado de seis meses e um máximo de vinte e quatro meses. 

§ 2o A manutenção de que trata este artigo é extensiva, obrigatoriamente, a todo o grupo familiar inscrito quando da vigência do contrato de trabalho.

§ 3o Em caso de morte do titular, o direito de permanência é assegurado aos dependentes cobertos pelo plano ou seguro privado coletivo de assistência à saúde, nos termos do disposto neste artigo.

§ 4o O direito assegurado neste artigo não exclui vantagens obtidas pelos empregados decorrentes de negociações coletivas de trabalho.

§ 5o  A condição prevista no caput deste artigo deixará de existir quando da admissão do consumidor titular em novo emprego. 

§ 6o  Nos planos coletivos custeados integralmente pela empresa, não é considerada contribuição a co-participação do consumidor, única e exclusivamente, em procedimentos, como fator de moderação, na utilização dos serviços de assistência médica ou hospitalar. 

        Art. 31.  Ao aposentado que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, pelo prazo mínimo de dez anos, é assegurado o direito de manutenção como beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral.

11.2.2. Pode ser reconhecida a legitimidade?

R: Em se tratando de ação que questiona o cumprimento das obrigações firmadas entre as partes contratantes, SIM!!!!

Os arts. 757 e 794 do CC/2002 determinam que o contrato de seguro de vida, seja na modalidade individual, seja na modalidade de grupo, destina-se, precipuamente, a garantir, por meio de correlata contraprestação, o interesse legítimo do segurado, relativo a sua pessoa, contra riscos predeterminados durante a vigência do contrato.

Nas hipóteses em que há contratação de seguro de vida em grupo, a estipulante, conforme determinado no art. 01 da Resolução CNSP n. 107/2004, é a pessoa física ou jurídica que contrata apólice coletiva de seguros, ficando investida dos poderes de representação dos segurados perante as sociedades seguradoras.

Assim, o entendimento do STJ é no sentido de afirmar que a estipulante age “apenas como interveniente, na condição de mandatário do segurado, agilizando o procedimento de contratação do seguro”. (REsp 1673368/MG, Terceira Turma, julgado em 15/08/2017, DJe 22/08/2017; AgRg no REsp 1.253.446/MG, Quarta Turma, julgado em 14/2/2022, DJe de 21/2/2022).

Por essa consideração, o STJ tem entendido que a estipulante não possui legitimidade para figurar no polo passivo de ação que visa ao pagamento de indenização por seguro de vida em grupo (REsp 49.688/MG, Terceira Turma, DJe 05/09/94; REsp 121.011/RS, Quarta Turma, julgado em 5/08/1997, DJ de 22/09/1997)

Tampouco entende-se que existe legitimidade da estipulante em demanda proposta por ex-empregado que busca, nos termos dos arts. 30 e 31 da Lei n. 9.656/1998, a permanência de determinadas condições contratuais em plano de saúde coletivo após a ocorrência da aposentadoria ou da demissão sem justa causa” (REsp 1.575.435/SP, Terceira Turma, julgado em 24/5/2016, DJe 3/6/2016; AgInt no REsp 1.941.896/SP, Quarta Turma, julgado em 13/12/2021, DJe de 15/12/2021).

DIVERSA é a situação quando se fala em legitimidade ATIVA, pois na estipulação em favor de terceiro, tanto a estipulante (promissária) quanto o beneficiário podem exigir do promitente (ou prestador de serviço) o cumprimento da obrigação, de acordo com a determinação do art. 436, parágrafo único, do Código Civil.

Tratando-se de situação em que a estipulante firmou apólice de seguro de vida em grupo com a seguradora a fim de beneficiar seus funcionários, mas que, na ocorrência do sinistro, a seguradora nega-se a pagar a indenização alegando que a estipulante descumpriu com seus deveres contratuais, tem-se reconhecido o interesse de agir da estipulante. Isso, pois, por ter efetuado pagamentos com o objetivo de beneficiar terceiro, a não obtenção de sua satisfação lhe causa prejuízos.

Logo, ainda que a obrigação do promitente seja pagar os beneficiários, nem por isso se desobriga ante a estipulante, razão pela qual esta tem o direito de exigir o cumprimento da obrigação. Assim, na fase de execução contratual, o terceiro passa a ser CREDOR, podendo exigir o cumprimento da prestação prometida.

11.2.3. Resultado final.

Apesar de, em princípio, a empresa estipulante de contrato de seguro de vida coletivo não possuir legitimidade passiva em ações nas quais pleiteia-se o pagamento de indenizações securitárias, em se tratando de ação que questiona o cumprimento das obrigações firmadas entre as partes contratantes, pode ser reconhecida a legitimidade ativa da mandatária, sem prejudicar os beneficiários do segurado a fazer jus ao recebimento da indenização.

DIREITO EMPRESARIAL

12.  Vocábulos genéricos e possibilidade de registro como marca.

RECURSO ESPECIAL

Nos termos do art. 124, incisos VI e VIII, da Lei de Propriedade Industrial, vocábulos genéricos, de uso comum, e que designam produtos ou serviços inseridos do segmento de atuação da sociedade, bem como as cores e suas denominações, exceto se combinadas de modo peculiar e distintivo, não são registráveis como marca.

REsp 1.339.817-RJ, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 11/10/2022. (Info 753)

12.1.                   Situação FÁTICA.

Nap Importação requereu pedido de registro junto ao INPI da marca mista ROSE & BLUE, os quais foram concedidos em 18/12/2007, com o apostilamento “sem direito ao uso exclusivo dos elementos nominativos”. Diante disso, ajuizou em face do INPI ação ordinária visando à anulação do ato administrativo do INPI de apostilamento, com a consequente concessão dos registros sem nenhuma ressalva.

A empresa alega a possibilidade de registro com direito a uso exclusivo da marca “ROSE & BLEU”, por se tratar de marca mista, revestida de suficiente forma distintiva, em que as palavras do idioma francês estão dispostas e combinadas de modo peculiar e distintivo, de acordo com o que exigiria a legislação de regência.

12.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

12.2.1. Questão JURÍDICA.

Lei de Propriedade Industrial:

Art. 124. Não são registráveis como marca:

VI – sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva;

VIII – cores e suas denominações, salvo se dispostas ou combinadas de modo peculiar e distintivo;

12.2.2. Possível o registro?

R: Somente se for demonstrada a combinação de modo peculiar e distintivo!!!!

Consoante já afirmado por esta Corte, “O uso da marca goza de ampla proteção jurídica, pois, além de ser instrumento de garantia da livre iniciativa e de combate à concorrência desleal, permite ao consumidor exercer livremente a escolha dos produtos e dos serviços postos à sua disposição, ao facilitar a correta identificação destes. Nesta medida, coopera, também, para integral reparação dos danos decorrentes das relações consumeristas, pois permite o reconhecimento do empresário responsável pela inserção no mercado de produtos ou serviços defeituosos” (REsp 1.107.558/RJ, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 01/10/2013, DJe de 06/11/2013.)

Nos termos do art. 124, incisos VI e VIII, da Lei de Propriedade Industrial, vocábulos genéricos, de uso comum, e que designam produtos ou serviços inseridos do segmento de atuação da sociedade, bem como as cores e suas denominações, exceto se combinadas de modo peculiar e distintivo, não são registráveis como marca.

Com feito, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que “Nos termos da jurisprudência desta Corte, marcas dotadas de baixo poder distintivo, formadas por elementos de uso comum, evocativos, descritivos ou sugestivos, podem ter de suportar o ônus de coexistir com outras semelhantes” (REsp 1.819.060/RJ, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de 26/2/2020).

Nessa perspectiva, conclui-se que nem toda expressão ou termo nominativo dotado de baixo poder distintivo, formado por elementos de uso comum, evocativos, descritivos ou sugestivos é irregistrável, sendo necessário analisar as ESPECIFIDADES do caso concreto.

Em regra, não há impedimento para o registro de marca em idioma estrangeiro, o qual deve seguir as mesmas regras e limitações exigidas para o registro de marca em português sendo que, ao examinar o pedido de registro, o INPI levará em conta tanto o elemento nominativo na língua estrangeira, quanto sua tradução para o português.

Na hipótese, tem-se que, analisados isoladamente, os termos “rose” e “bleu” – considerando sua tradução para a língua portuguesa – tratam de signos que representam cores e, em princípio, não podem ser registrados, nos termos do art. 124, inciso VIII, da Lei de Proteção Industrial. Contudo, o próprio dispositivo legal traz a hipótese na qual a regra pode ser excepcionada: quando dispostas ou combinadas de modo peculiar e distintivo.

Nesse contexto, na medida em que formada pela junção de dois signos abstratamente irregistráveis e, em princípio, inapropriáveis, a expressão “ROSE & BLEU”, da maneira como disposta e combinada, também não alcança distintividade suficiente a merecer a proteção almejada pela recorrente.

Isso, porque, as cores rosa e azul são tradicionalmente associadas aos gêneros feminino e masculino, principalmente no que se refere aos infantes e, apesar de não descreverem os elementos essenciais nem fazer referência direta ao segmento de roupas e acessórios infantis, possui “laço conotativo entre a marca e a atividade designada”.

12.2.3. Resultado final.

Nos termos do art. 124, incisos VI e VIII, da Lei de Propriedade Industrial, vocábulos genéricos, de uso comum, e que designam produtos ou serviços inseridos do segmento de atuação da sociedade, bem como as cores e suas denominações, exceto se combinadas de modo peculiar e distintivo, não são registráveis como marca.

DIREITO PENAL

13.  (A)Tipicidade da conduta de colecionador, com registro para a prática desportiva e guia de tráfego, que se dirigia ao clube de tiros sem portar consigo a guia de trânsito da arma de fogo

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS

É atípica a conduta de colecionador, com registro para a prática desportiva e guia de tráfego, que se dirigia ao clube de tiros sem portar consigo a guia de trânsito da arma de fogo.

AgRg no AgRg no RHC 148.516-SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 09/08/2022, DJe 15/08/2022. (Info 753)

13.1.                   Situação FÁTICA.

Creiton, colecionador de armas com registro para a prática desportiva e guia de tráfego, foi abordado enquanto supostamente se dirigia para o clube de tiros sem portar consigo a guia de trânsito da arma de fogo em razão de ter se esquecido o documento em casa.

O MP ofereceu denúncia pelo crime de porte de arma de fogo na forma do art. 14 do Estatuto do Desarmamento. Inconformada, a defesa de Creiton impetrou Habeas Corpus no qual alega a atipicidade da conduta.

13.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

13.2.1. Questão JURÍDICA.

Lei n. 10.826/2003:

Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente. 

13.2.2. Conduta atípica?

R: Mas é claro!!

Inicialmente, a acusação imputou o crime previsto no art. 14 da Lei n. 10.826/2003 (Estatuto do desarmamento), em virtude do agente estar transportando uma arma de fogo de uso permitido sem portar a necessária guia de tráfego no momento da abordagem.

Todavia, não é possível a imputação de uma conduta como típica sem analisar a proporcionalidade entre o fato e a respectiva sanção penal.

O acusado possui o certificado de registro para a prática de tiro desportivo, bem como a guia de tráfego para transportar a arma até o clube de tiros, e o Ministério Público ofereceu a denúncia apenas por ter o agente se OLVIDADO de carregar consigo a referida guia quando se deslocava da sua residência para o clube.

Dessa forma, conclui-se que a tipificação dessa conduta como crime ofende o princípio da proporcionalidade e deve ser repelida, por não encontrar abrigo no moderno Direito Penal.

A simples ausência de cumprimento de uma formalidade não pode fazer com que o agente possa ser considerado criminoso, até porque ele é colecionador de armas e não praticou nenhum ato que pudesse colocar em risco a incolumidade de terceiros, pois a sua conduta não pode ser considerada como ilícito penal.

13.2.3. Resultado final.

É atípica a conduta de colecionador, com registro para a prática desportiva e guia de tráfego, que se dirigia ao clube de tiros sem portar consigo a guia de trânsito da arma de fogo.

14.  Crime de sonegação fiscal e necessidade de dolo específico

HABEAS CORPUS

O dolo de não recolher o tributo, de maneira genérica, não é suficiente para preencher o tipo subjetivo do crime de sonegação fiscal (art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990).

HC 569.856-SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 11/10/2022, DJe 14/10/2022. (Info 753)

14.1.                   Situação FÁTICA.

Borba foi condenado pelo crime de sonegação fiscal. Inconformada, a defesa impetrou Habeas Corpus no qual alega constrangimento ilegal na condenação do paciente, em afronta ao julgamento do RHC n. 163.334 pelo Supremo Tribunal Federal.

Conforme a combativa defesa, ficaria configurado no caso de Borba a figura do devedor contumaz. Além disso, o MP não teria comprovado o dolo de apropriação.

14.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

14.2.1. Questão JURÍDICA.

Lei n. 8.137/1990:

Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:

II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;

14.2.2. Suficiente o dolo genérico?

R: Nooops!!!!

O Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou a questão no RHC 163.334/SC e firmou o entendimento de que o contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990.

Nesta Corte, a questão foi pacificada pela Terceira Seção, por ocasião do julgamento do HC 399.109/SC, que consignou: para a configuração do delito em apreço, o fato de o agente registrar, apurar e declarar em guia própria ou em livros fiscais o imposto devido não tem o condão de elidir ou exercer nenhuma influência na prática do ilícito, visto que este não pressupõe a clandestinidade nem a fraude.

Note-se que o sujeito ativo do crime é o sujeito passivo da obrigação, que, na hipótese do ICMS próprio, é o comerciante, conforme claramente descrito pelo art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, que exige, para sua configuração, seja a conduta dolosa (elemento subjetivo do tipo), consistente na consciência (ainda que potencial) de não recolher o valor do tributo devido. A motivação não tem importância no campo da tipicidade; por opção do legislador, é prescindível a existência de elemento subjetivo especial.

No caso, o acusado, na condição de proprietário e administrador da empresa, deixou de efetuar, no prazo legal, o recolhimento de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS cobrado de consumidores, locupletando-se ilicitamente mediante este tipo de apropriação de valores e em prejuízo do Estado, conforme declarado pelo sujeito passivo da obrigação nas DIMEs (Declarações do ICMS e do Movimento Econômico) dos meses de março, maio, julho, outubro e dezembro de 2012 e dezembro de 2013.

A conduta acima descrita seria típica pelo seu aspecto formal. Contudo, o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de ser necessário, para a condenação, a demonstração da contumácia e do dolo de apropriação, circunstâncias não identificáveis na espécie.

Há de se levar em consideração o dolo com a imprescindível consideração do elemento subjetivo especial de sonegar, qual seja, a vontade de se apropriar dos valores retidos, omitindo o cumprimento do dever tributário com a intenção de não os recolher.

O dolo de não recolher o tributo, de maneira genérica, não seria suficiente para preencher o tipo subjetivo do art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990. É necessária a presença de uma vontade de apropriação fraudulenta dos valores do Fisco para materializar o elemento subjetivo especial do tipo em comento. Esse ânimo manifesta-se pelo ardil de omitir e/ou alterar os valores devidos e se exclui com a devida declaração da espécie tributária junto aos órgãos de administração fiscal. Na situação em exame, inexiste imputação de fraude.

Dessa forma, no caso em análise, o não pagamento do tributo por seis meses aleatórios não é circunstância suficiente para demonstrar a contumácia nem o dolo de apropriação. Ou seja, não se identifica, em tais condutas, haver sido a sonegação fiscal o recurso usado pelo empresário para financiar a continuidade da atividade em benefício próprio, em detrimento da arrecadação tributária.

14.2.3. Resultado final.

O dolo de não recolher o tributo, de maneira genérica, não é suficiente para preencher o tipo subjetivo do crime de sonegação fiscal (art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990).

15.  Flagrante do delito de tráfico de drogas em comunidade apontada como local dominado por facção criminosa e presunção de que os réus eram associados (de forma estável e permanente) à referida facção.

HABEAS CORPUS

O fato de o flagrante do delito de tráfico de drogas ter ocorrido em comunidade apontada como local dominado por facção criminosa, por si só, não permite presumir que os réus eram associados (de forma estável e permanente) à referida facção, sob pena de se validar a adoção de uma seleção criminalizante norteada pelo critério espacial e de se inverter o ônus probatório, atribuindo prova diabólica de fato negativo à defesa.

HC 739.951-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 09/08/2022, DJe 18/08/2022. (Info 753)

15.1.                   Situação FÁTICA.

Creitinho e Jonimar foram condenados pelos crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico. Os acusados foram flagrados com certa quantidade de drogas em uma comunidade sabidamente dominada por uma facção criminosa, razão que fundamentou a condenação pelo crime de associação para o tráfico.

Embora agentes policiais tenham testemunhado no sentido da existência da referida facção na comunidade, a defesa de ambos impetrou Habeas Corpus no qual alega que o simples fato de determinada pessoa ser flagrada, com certa quantidade de entorpecentes, acondicionados em determinado modo, em certo local ou dentro de uma comunidade não seria elemento apto a ensejar a sua condenação pelo delito de associação.

15.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

15.2.1. Presumiram demais?

R: Yeaph!!!!

No caso, os elementos relativos à estabilidade e à permanência, exigidos para a configuração do crime de associação para o tráfico, foram deduzidos da apreensão de significativa quantidade de drogas e de petrechos comuns na prática da narcotraficância, quando da realização de operação na comunidade, além dos depoimentos policiais atestando que seria notória a existência de facção criminosa na localidade e que não seria possível que os acusados estivessem ali sem prévia associação com os demais integrantes da referida facção.

Ocorre que não houve investigação prévia ou qualquer elemento de prova capaz de apontar que os acusados estavam associados, de forma estável (sólida) e permanente (duradoura), entre si ou a outrem. Não foi indicada a existência de alvos específicos na citada operação policial nem sequer mencionado o lapso temporal durante o qual os agentes supostamente estavam associados ou quais seriam as suas funções no grupo.

Não se pode referendar uma condenação por associação para o tráfico pautada apenas em ilações a respeito do local em que apreendidas as drogas etiquetadas e os petrechos comumente utilizados na endolação de entorpecentes, pois isso equivaleria a validar a adoção de uma seleção criminalizante norteada pelo critério espacial, em que as vilas e favelas são mais frequentemente percebidas como “lugares de tráfico”, em razão das representações desses espaços territoriais como necessariamente associados ao comércio varejista de drogas, conforme apontam os crescentes estudos a respeito do espaço como elemento da seletividade penal, especialmente em crimes dessa natureza. Admitir-se que o simples fato de o flagrante ter ocorrido em comunidade dominada por facção criminosa – e não em outros locais da cidade – comprove, ipso facto, a prática do crime em comento significa, em última instância, inverter o ônus probatório e atribuir prova diabólica de fato negativo à defesa, pois exige-se, de certo modo, que o acusado comprove que não está envolvido com facção criminosa.

Nessa conjuntura e considerando a jurisprudência do STJ sobre o tema, conclui-se que foi demonstrada tão somente a configuração do delito de tráfico de drogas, deixando a jurisdição ordinária de descrever objetivamente fatos que demonstrassem o dolo e a existência objetiva de vínculo estável e permanente entre agentes. Por isso, mostra-se indevida a condenação pelo crime de associação para o tráfico de drogas, no qual o sistema acusatório impõe o ônus de que seja declinada a configuração do elemento subjetivo do tipo, com “a demonstração concreta da estabilidade e da permanência da associação criminosa” (HC 462.888/RJ, Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 05/11/2018).

15.2.2. Resultado final.

O fato de o flagrante do delito de tráfico de drogas ter ocorrido em comunidade apontada como local dominado por facção criminosa, por si só, não permite presumir que os réus eram associados (de forma estável e permanente) à referida facção, sob pena de se validar a adoção de uma seleção criminalizante norteada pelo critério espacial e de se inverter o ônus probatório, atribuindo prova diabólica de fato negativo à defesa.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

16.  Constrangimento ilegal em razão das instalações do preso advogado.

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS

Estando o advogado em cela individual, sem registro de eventual inobservância das condições mínimas de salubridade e dignidade humanas, não se configura constrangimento ilegal em razão das instalações em que se encontra recolhido.

AgRg no HC 765.212-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 27/09/2022, DJe 04/10/2022. (Info 753)

16.1.                   Situação FÁTICA.

Dr. Creisson, advogado, foi preso preventivamente pela prática de estelionato. Ocorre que o causídico não gostou muito de suas novas instalações. Inconformada, sua defesa impetrou Habeas Corpus, alegando constrangimento ilegal pelo fato de se encontrar custodiado em ‘cela comum’, no que estariam sendo violadas prerrogativas asseguradas pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.

16.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

16.2.1. Questão JURÍDICA.

Lei n. 8.906/1994:

Art. 7º São direitos do advogado:

V – não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, assim reconhecidas pela OAB, e, na sua falta, em prisão domiciliar; 

Código de Processo Penal:

Art. 295.  Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva:

§ 2o Não havendo estabelecimento específico para o preso especial, este será recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento. 

16.2.2. Constrangimento ilegal?

R: Para né…

O Estatuto da Advocacia (Lei n. 8.906/1994) garante ao advogado, enquanto não transitar em julgado a sentença penal condenatória, o direito de “não ser recolhido preso (…), senão em sala de Estado-Maior (…) e, na sua falta, em prisão domiciliar” (art. 7º, inciso V).

Posteriormente, a Lei n. 10.258/2001, alterando o art. 295 do Código de Processo Penal, dispôs que, “não havendo estabelecimento específico para o preso especial, este será recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento” (§ 2º).

O aparente conflito entre as normas do art. 7º, inciso V, do Estatuto da Advocacia (norma anterior especial) e da Lei n. 10.258/2001 (norma posterior geral), que alterou o art. 295 do CPP, é superado pela aplicação do critério da especialidade (“lex posterior generalis non derogat priori speciali“).

Assim, não obstante o advento da Lei n. 10.258/2001, há de se respeitar a prerrogativa de índole profissional, qualificável como direito público subjetivo do advogado regularmente inscrito na OAB.

Cumpre-se verificar, pois, se o cumprimento da prisão preventiva em cela individual fere o art. 7º, V, do Estatuto da Advocacia.

No caso, consta da decisão de primeiro grau: “1. Conforme ofício de fls. 2682, o acusado encontra-se em cela distinta dos demais presos, uma vez que ostenta a condição de advogado. Observa-se que não há qualquer violação das prerrogativas que lhe são próprias, conforme pacífica jurisprudência do STJ“.

É da jurisprudência das Turmas que compõem a Terceira Seção do STJ que “a ausência, simplesmente, de sala do Estado Maior não autoriza seja deferida prisão domiciliar ao paciente, advogado, preso preventivamente, dado que encontra-se segregado em cela separada do convívio prisional, em condições dignas de higiene e salubridade, inclusive com banheiro privativo” (HC 270.161/GO, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 12/08/2014, DJe 25/08/2014).

Do exposto, estando o advogado em cela individual, sem registro de eventual inobservância das condições mínimas de salubridade e dignidade humanas, separado dos outros presos e sem o rigor e a insalubridade do cárcere comum, não há falar em constrangimento ilegal em razão das instalações em que ele se encontra recolhido.

16.2.3. Resultado final.

Estando o advogado em cela individual, sem registro de eventual inobservância das condições mínimas de salubridade e dignidade humanas, não se configura constrangimento ilegal em razão das instalações em que se encontra recolhido.

Jean Vilbert

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