Informativo nº 742 (Parte 2) do STJ COMENTADO saindo do forno (quentinho) para quem está ligado aqui conosco no Estratégia Carreiras Jurídicas!
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL
É possível ao devedor poupar valores sob a regra da impenhorabilidade no patamar de até quarenta salários mínimos, não apenas aqueles depositados em cadernetas de poupança, mas também em conta corrente ou em fundos de investimento, ou guardados em papel-moeda.
AgInt no REsp 1.958.516-SP, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 14/06/2022. (Info 742)
CoopCampos ajuizou ação de execução extrajudicial em desfavor de Edegar. Em determinado momento do processo, foi realizado o bloqueio de valores via SISBAJUD. Os valores bloqueados, embora em quantidade inferior a 40 salários mínimos, não estavam na poupança, mas sim em conta corrente e fundos de investimento. A despeito disso, Edegar interpôs sucessivos recursos nos quais alega a impenhorabilidade dos valores, enquanto a cooperativa defende que tal proteção seria restrita aos valores constantes na poupança, conforme prevê o CPC.
CPC/2015:
Art. 833. São impenhoráveis:
X – a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;
R: Para o STJ, nops!
A Segunda Seção do STJ pacificou o entendimento de que “é possível ao devedor poupar valores sob a regra da impenhorabilidade no patamar de até quarenta salários mínimos, não apenas aqueles depositados em cadernetas de poupança, mas também em conta corrente ou em fundos de investimento, ou guardados em papel-moeda” (EREsp 1.330.567/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, DJe de 19/12/2014).
“Nos termos do entendimento jurisprudencial firmado por esta Corte, a abrangência da regra do art. 833, X, do CPC/2015 se estende a todos os numerários poupados pela parte executada, até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, não importando se depositados em poupança, conta-corrente, fundos de investimento ou guardados em papel-moeda, autorizando as instâncias ordinárias, caso identifiquem abuso do direito, a afastar a garantia da impenhorabilidade” (AgInt nos EDcl no AREsp 1.323.550/RJ, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 27/09/2021, DJe 30/09/2021).
Ademais, no que se refere à possibilidade de MITIGAÇÃO da mencionada regra, o STJ tem entendimento de que a impenhorabilidade pode ser relativizada quando a hipótese concreta dos autos permitir que se bloqueie parte da verba remuneratória do devedor inadimplente, ocasião em que deve ser preservado montante suficiente a assegurar a subsistência digna do executado e sua família.
É possível ao devedor poupar valores sob a regra da impenhorabilidade no patamar de até quarenta salários mínimos, não apenas aqueles depositados em cadernetas de poupança, mas também em conta corrente ou em fundos de investimento, ou guardados em papel-moeda.
PROCESSO SOB SEGREDO JUDICIAL
O Defensor Público, atuando em nome da Defensoria Pública, possui legitimidade para impetrar mandado de segurança em defesa das funções institucionais e prerrogativas de seus órgãos de execução, atribuição não conferida exclusivamente ao Defensor Público-Geral.
Processo sob segredo judicial, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 07/06/2022, DJe 10/06/2022. (Info 742)
Tadeu, Defensor Público, impetrou mandado de segurança em defesa das funções institucionais e prerrogativas de seus órgãos de execução. Porém, a parte contrária alegou a ilegitimidade de Tadeu para tanto, sustentando que somente o Defensor Público-Geral poderia fazê-lo.
Lei Complementar n. 80/1994:
Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:
IX – impetrar habeas corpus, mandado de injunção, habeas data e mandado de segurança ou qualquer outra ação em defesa das funções institucionais e prerrogativas de seus órgãos de execução;
Art. 100. Ao Defensor Publico-Geral do Estado compete dirigir a Defensoria Pública do Estado, superintender e coordenar suas atividades, orientando sua atuação, e representandoa judicial e extrajudicialmente.
R: Nooopss!!!!
Inicialmente cumpre salientar que, a Defensoria Pública estadual, representada pelo Defensor Público, possui legitimidade para impetrar mandado de segurança em defesa das funções institucionais e prerrogativas de seus órgãos de execução, conforme se depreende da leitura do artigo 4°, IX, da Lei Complementar n. 80/1994, que “organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados, e dá outras providências”.
O acórdão recorrido, com base no disposto no art. 100, da Lei Complementar n. 80/1994, entende caberia com exclusividade ao Defensor Público-Geral do Estado a legitimidade ativa para impetrar mandado de segurança em defesa das funções institucionais do órgão.
Tal compreensão, todavia, não se extrai do sistema da Lei Complementar n. 100/1994, cujo art. 3° dispõe que são princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.
Nesse sentido, a doutrina afirma que “em virtude da unidade da Instituição, os atos praticados pelo Defensor Público no exercício de suas funções não devem ser creditados ao agente, mas atribuídos à própria Defensoria Pública a qual integra”, o que é reforçado também pelo princípio da indivisibilidade, corolário daquele, que estabelece que, “quando um membro da Defensoria Pública atua, quem na realidade está atuando é a própria Defensoria Pública; por isso, a doutrina tem reconhecido a fungibilidade dos membros da Instituição”.
O art. 100 da Lei Complementar n. 80/1994, ao atribuir ao Defensor Público-Geral a representação judicial da Defensoria Pública do Estado, não exclui a legitimidade dos respectivos órgãos de execução – os defensores públicos atuantes perante os diversos juízos – de impetrar mandado de segurança na defesa da atuação institucional do órgão.
Caso se cuidasse de discussão a propósito de ato da esfera de competência do próprio Defensor Público-Geral, como a lotação de defensores pelas comarcas, a legitimidade para representar judicialmente a instituição seria privativa da referida autoridade. Como exemplos, citam as razões de recurso as ações civis públicas ajuizadas no Estado em desfavor da instituição para que as comarcas do interior tenham defensor.
O Defensor Público, atuando em nome da Defensoria Pública, possui legitimidade para impetrar mandado de segurança em defesa das funções institucionais e prerrogativas de seus órgãos de execução, atribuição não conferida exclusivamente ao Defensor Público-Geral.
RECURSO ESPECIAL
O Protocolo de Las Leñas, do qual o Brasil é signatário, não traz dispensa genérica da prestação de caução, limitando-se a impor o tratamento igualitário entre todos os cidadãos e residentes nos territórios de quaisquer dos Estados-Partes.
REsp 1.991.994-SP, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 07/06/2022, DJe 20/06/2022. (Info 742)
Pablo, argentino residente em Israel, ajuizou ação de cobrança em face de Capitale Turismo Eireli (empresa brasileira) sustentando ser cessionário de crédito originariamente titularizado por Net Agency, empresa estrangeira com sede em Israel. Na referida demanda, Pablo postulou dispensa da caução exigida nos termos do art. 83 do CPC/2015.
Em decisão interlocutória, esse pleito foi indeferido pelo Juízo de primeiro grau, dando azo à interposição de agravo de instrumento, ao qual se negou provimento. Em recurso especial, Pablo alega a dispensa da exigência de caução prevista no art. 83, caput, do CPC, uma vez que é cidadão argentino, cujo país aderiu ao Protocolo de Las Leñas.
Código de Processo Civil:
Art. 83. O autor, brasileiro ou estrangeiro, que residir fora do Brasil ou deixar de residir no país ao longo da tramitação de processo prestará caução suficiente ao pagamento das custas e dos honorários de advogado da parte contrária nas ações que propuser, se não tiver no Brasil bens imóveis que lhes assegurem o pagamento.
§ 1º Não se exigirá a caução de que trata o caput :
I – quando houver dispensa prevista em acordo ou tratado internacional de que o Brasil faz parte;
II – na execução fundada em título extrajudicial e no cumprimento de sentença;
III – na reconvenção.
R: Nooops!!!!
O Brasil é parte signatária do Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa – Protocolo de Las Leñas, internalizado por meio do Decreto n. 2.067/1996, e ampliado por meio do Decreto n. 6.891/2009. Por meio do referido tratado, atribuiu-se a igualdade de tratamento processual a todo e qualquer cidadão ou residente permanente dos Estados-partes (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Chile e Bolívia).
A controvérsia central cuida em definir se a caução exigida pelo art. 83, caput, do Código de Processo Civil é dispensada a todo e qualquer cidadão dos Estados-partes ou, se para tanto, faz-se necessária também a residência fixada em território correspondente a estes Estados.
O Código de Processo Civil, em seu art. 83, impõe que o autor não residente no Brasil prestará caução suficiente às custas e honorários de advogado da parte contrária, se não tiver imóveis no Brasil que assegurem o pagamento de eventual sucumbência.
A exigência de caução é imposta tanto ao promovente brasileiro como ao estrangeiro, desde que atendidas duas condições objetivas e cumulativas: (I) não resida no Brasil ou deixe de residir na pendência da demanda; e (II) não seja proprietário de bens imóveis no Brasil, suficientes para assegurar o pagamento das custas e dos honorários advocatícios, na hipótese de sua sucumbência.
O segundo requisito impõe, tanto aos brasileiros como aos estrangeiros, a necessidade de serem titulares de bens imóveis no território submetido à jurisdição brasileira, o que não ocorre com os prédios localizados em território alienígena.
O Protocolo de Las Leñas, do qual o Brasil é signatário, não traz dispensa genérica da prestação de caução, limitando-se a impor o tratamento igualitário entre todos os cidadãos e residentes nos territórios de quaisquer dos Estados-partes.
Portanto, o escopo do Protocolo de Las Leñas, quanto à exigência de caução, fica adstrito à equiparação de tratamento interno, assegurando isonomia de tratamento entre os nacionais e residentes nos Países signatários, quando venham a litigar perante os Poderes Judiciários uns dos outros. Enfatiza, ainda, que cauções e depósitos não podem ser exigidos sob o fundamento da qualidade de nacional ou residente em outro território de Estado-Parte.
Com efeito, não se aplica a regra excepcional do § 1º do art. 83 do CPC, a qual afasta a exigência da caução prevista no caput do mesmo artigo apenas quando houver dispensa expressamente prevista em acordo ou tratado de que seja o Brasil signatário. Não é o caso do Protocolo de Las Leñas.
Nesse mister, cumpre assentar que a exigência de caução, nos termos do Código de Processo Civil, não é imposta em razão da nacionalidade da parte, mas em vista da verificação de que o autor não tem residência no território nacional, tampouco bens imóveis aqui localizados.
O Protocolo de Las Leñas, do qual o Brasil é signatário, não traz dispensa genérica da prestação de caução, limitando-se a impor o tratamento igualitário entre todos os cidadãos e residentes nos territórios de quaisquer dos Estados-Partes.
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
A omissão na fiscalização e mitigação dos danos ambientais enseja a imposição judicial de obrigações positivas para o Município a fim de solucionar o problema cuja extensão temporal e quantitativa revela afronta à dimensão ecológica da dignidade humana.
AREsp 2.024.982-SP, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 14/06/2022, DJe 24/06/2022. (Info 742)
O MP ajuizou ação civil pública contra particular, a municipalidade e empresa pública estadual (Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano Estadual – CDHU) em razão de maus-tratos identificados desde 2012 em abrigo clandestino de animais. A particular instalou o abrigo em área pública abandonada. Na vistoria, que ocorreu 6 anos após a ocupação, havia 107 cães com diversos problemas, inclusive presença de roedores e raiva.
Firmado termo de ajustamento de conduta, a área foi desocupada. Porém, verificou-se a mudança do canil clandestino para outro imóvel, igualmente da CDHU, igualmente com problemas e sem licença. Nessa feita, identificou-se contaminação ambiental do solo e instalação desautorizada de poço. Os pedidos do MP foram acolhidos na sentença e mantidos no acórdão recorrido, que apenas ampliou o prazo de implementação das medidas administrativas e ambientais de 60 para 180 dias.
Inconformado, o Município interpôs recurso especial no qual alega a ilegitimidade passiva do município por uso indevido, por terceira, de área da CDHU, bem como a irrazoabilidade e desproporcionalidade da multa fixada e ainda a violação da discricionariedade administrativa pela imposição judicial de prioridades para a gestão política.
R: Yeaph!!!!
Ação civil pública foi ajuizada, em 2018, contra particular, a municipalidade e empresa pública estadual (Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano Estadual – CDHU) em razão de maus-tratos identificados desde 2012 em abrigo clandestino de animais. A particular instalou o abrigo em área pública abandonada. Na vistoria, que ocorreu 6 (seis) anos após a ocupação, havia 107 (cento e sete) cães com diversos problemas, inclusive presença de roedores e raiva.
Firmado termo de ajustamento de conduta, a área foi desocupada. Porém, verificou-se a mudança do canil clandestino para outro imóvel, igualmente da CDHU, igualmente com problemas e sem licença. Nessa feita, identificou-se contaminação ambiental do solo e instalação desautorizada de poço. Visou a ação: I) impedir que a particular introduzisse novos animais no canil clandestino, bem como permitir a remoção dos existentes; II) a CDHU proceder à recuperação ambiental de seus imóveis e os fiscalizar contra novas invasões; e III) o município acolher os animais em local adequado, com acompanhamento veterinário e encaminhamento para doação ou destinação a entidades de proteção.
Os pedidos foram acolhidos na sentença e mantidos no acórdão recorrido, que apenas ampliou o prazo de implementação das medidas administrativas e ambientais de 60 (sessenta) para 180 (cento e oitenta) dias.
No que tange à ilegitimidade passiva do município, o acórdão, a despeito de menção à norma local e à Constituição da República, funda-se na responsabilidade administrativa comum pela fiscalização das violações ambientais. Nesse sentido, o Tribunal local alinha-se à jurisprudência do STJ: “[…] 4. O ordenamento jurídico brasileiro conferiu a todos os entes federativos o dever-poder de polícia ambiental, que inclui tanto a competência de fiscalização, como a competência de licenciamento, faces correlatas, embora inconfundíveis, da mesma moeda, as quais respondem a regime jurídico diferenciado. Para aquela, nos termos da Lei Complementar 140/2011, vigora o princípio do compartilhamento de atribuição (= corresponsabilidade solidária). Para esta, em sentido diverso, prevalece o princípio da concentração mitigada de atribuição, mitigada na acepção de não denotar centralização por exclusão absoluta, já que, com frequência, responde mais a intento pragmático de comodidade e eficiência do que à falta de poder/interesse/legitimidade de outras esferas federativas. Precedentes. […] (AgInt no REsp n. 1.922.574/RN, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 29/11/2021, DJe de 16/12/2021)”.
Portanto, não há que se falar em ilegitimidade passiva da municipalidade que, ciente dos fatos por 13 (treze) anos, deixou de tomar medidas efetivas para sua solução, penalizando os animais submetidos ao “abrigo”, o que não pode mesmo ser tolerado, inclusive diante da dimensão ecológica da dignidade humana, já reconhecida por este colegiado (REsp n. 1.797.175/SP, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 21/3/2019, REPDJe de 13/5/2019, DJe de 28/3/2019).
A omissão na fiscalização e mitigação dos danos ambientais enseja a imposição judicial de obrigações positivas para o Município a fim de solucionar o problema cuja extensão temporal e quantitativa revela afronta à dimensão ecológica da dignidade humana.
PROCESSO SOB SEGREDO JUDICIAL
O risco real de contaminação pelo coronavírus (covid-19) em casa de abrigo justifica a manutenção de criança de tenra idade com a família substituta, apesar da suposta irregularidade/ilegalidade dos meios empregados para a obtenção da guarda da infante.
Processo sob segredo judicial, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 21/06/2022, DJe 23/06/2022. (Info 742)
A família Mutreta conseguiu a guarda de um infante mediante burla ao cadastro de adoção. Quando a situação se tornou pública, foi deferida liminar nos autos da ação para medida de proteção de acolhimento institucional, determinando-se a imediata busca e apreensão do menor.
Aguerrida, a família Mutreta impetrou sucessivos recursos alegando que, dentre outros motivos, o risco de contaminação pelo covid-19 em uma instituição de acolhimento justificaria a manutenção da criança com a família substituta.
ECA:
Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.
Art. 34. O poder público estimulará, por meio de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, o acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente afastado do convívio familiar.
§ 1 o A inclusão da criança ou adolescente em programas de acolhimento familiar terá preferência a seu acolhimento institucional, observado, em qualquer caso, o caráter temporário e excepcional da medida, nos termos desta Lei.
Art. 50. A autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou foro regional, um registro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e outro de pessoas interessadas na adoção.
§ 13. Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando:
I – se tratar de pedido de adoção unilateral;
II – for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade;
III – oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238 desta Lei.
R: Yeaph!!!!
Inicialmente, deve-se observar que, no caso, a determinação de acolhimento institucional se justificou unicamente pela presença de indícios de burla ao cadastro de adoção, não tendo sido cogitado qualquer risco físico ou psicológico à criança.
Embora, na hipótese, estivesse zelando pela observância do procedimento legal de adoção, há que se convir que o deferimento de liminar nos autos da ação para medida de proteção de acolhimento institucional, determinando a imediata busca e apreensão do menor, sem ao menos realizar um estudo psicossocial ou verificar a possibilidade de concessão da guarda provisória aos postulantes, certamente não atendeu o melhor interesse da criança.
Assim, não obstante a suposta irregularidade/ilegalidade dos meios empregados para a obtenção da guarda da infante, é do seu melhor interesse a sua permanência no lar da família que a acolheu desde os primeiros dias de vida.
Verifica-se, portanto, que a suposta guarda irregular do infante não lhe trouxe prejuízo, mas, ao contrário, atendeu aos seus superiores interesses.
Aliás, em questões afetas a crianças e adolescentes, é da tradição das decisões desta Corte sobrelevar, sempre, o melhor interesse do menor, em atenção à proteção integral e à diretiva estabelecida no art. 6º da Lei n. 8.069/90, segundo a qual: “Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.”
A interpretação que melhor atende ao microssistema consubstanciado no ECA e a teleologia de suas normas é aquela que não veda que, em hipóteses que refujam das previstas nos seus três incisos do § 13º do art. 50, no melhor interesse do infante, possa se dar andamento ao pedido de adoção, investigando se os pretendentes reúnem condições de ser pais e, ainda, se os interesses do menor confluem com os dos pretendentes.
O escopo deste cadastro, certamente, é acelerar o processo de adoção, torná-lo mais seguro e cristalino, procedendo-se a uma prévia análise dos pretendentes à paternidade e maternidade, cadastro este que, ainda, é fiscalizado pelo Ministério Público.
Não pode, no entanto, tornar-se o cadastro em um fim em si mesmo, especialmente quando a realidade informar que a adoção por aqueles que ali não estão inscritos – em que pese aptos a cuidar, respeitar, proteger e auxiliar no desenvolvimento seguro do adotando, com o afeto que toda criança e adolescente é merecedor – esteja em sintonia com os interesses da criança.
Aqui, verifica-se que o único motivo para a adoção de medida de proteção mais drástica foi a burla ao cadastro de adoção e a suspeita de entrega irregular pela genitora, em contrariedade ao disposto no art. 34, §1º, do ECA, e a própria orientação jurisprudencial do STJ. Neste momento de situação pandêmica, portanto, apesar da aparência da chamada “adoção à brasileira”, é preferível e recomendada a manutenção da criança em um lar já estabelecido, com uma família que a deseja como membro.
O risco real de contaminação pelo coronavírus (covid-19) em casa de abrigo justifica a manutenção de criança de tenra idade com a família substituta, apesar da suposta irregularidade/ilegalidade dos meios empregados para a obtenção da guarda da infante.
RECURSO ESPECIAL
É abusiva a exclusão unilateral do usuário, quando seu direito de manutenção tem amparo contratual, pactuado/firmado no “Termo de Opção”, e o rompimento unilateral do vínculo somente seria admitido nas hipóteses previstas na RN ANS n. 195/2008.
REsp 1.940.391-MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 21/06/2022, DJe de 23/06/2022. (Info 742)
Creosvaldo, demitido da Fundação Pio, assinou termo de opção visando ser mantido no plano de saúde oferecido pela operadora. No referido termo de opção, havia cláusulas ambíguas acerca do tempo de permanência do empregado demitido, pois uma cláusula previa o prazo de 6 a 24 meses, ao passo que a cláusula seguinte previa prazo indeterminado, além de constar na parte final do documento uma observação também no sentido do prazo indeterminado.
Por força desse Termo de Opção, Creosvaldo permaneceu vinculado ao plano de saúde de forma inconteste até à data de 14/09/2009, quando foi notificado pela estipulante sobre o “cancelamento” (exclusão) do plano de saúde, sob fundamento de que o direito de manutenção teria sido concedido de forma indevida.
Indignado, Creosvaldo então ajuizou ação visando ser mantido no plano de saúde por prazo indeterminado, como constou no Termo de Opção.
Lei n. 9.656/1998:
Art. 30. Ao consumidor que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, no caso de rescisão ou exoneração do contrato de trabalho sem justa causa, é assegurado o direito de manter sua condição de beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral.
§ 1o O período de manutenção da condição de beneficiário a que se refere o caput será de um terço do tempo de permanência nos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o, ou sucessores, com um mínimo assegurado de seis meses e um máximo de vinte e quatro meses.
§ 2o A manutenção de que trata este artigo é extensiva, obrigatoriamente, a todo o grupo familiar inscrito quando da vigência do contrato de trabalho.
§ 3o Em caso de morte do titular, o direito de permanência é assegurado aos dependentes cobertos pelo plano ou seguro privado coletivo de assistência à saúde, nos termos do disposto neste artigo.
§ 4o O direito assegurado neste artigo não exclui vantagens obtidas pelos empregados decorrentes de negociações coletivas de trabalho.
§ 5o A condição prevista no caput deste artigo deixará de existir quando da admissão do consumidor titular em novo emprego.
§ 6o Nos planos coletivos custeados integralmente pela empresa, não é considerada contribuição a co-participação do consumidor, única e exclusivamente, em procedimentos, como fator de moderação, na utilização dos serviços de assistência médica ou hospitalar.
Art. 31. Ao aposentado que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, pelo prazo mínimo de dez anos, é assegurado o direito de manutenção como beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral.
§ 1o Ao aposentado que contribuir para planos coletivos de assistência à saúde por período inferior ao estabelecido no caput é assegurado o direito de manutenção como beneficiário, à razão de um ano para cada ano de contribuição, desde que assuma o pagamento integral do mesmo.
§ 2o Para gozo do direito assegurado neste artigo, observar-se-ão as mesmas condições estabelecidas nos §§ 2o, 3o, 4o, 5o e 6o do art. 30.
§ 3o Para gozo do direito assegurado neste artigo, observar-se-ão as mesmas condições estabelecidas nos §§ 2o e 4o do art. 30.
R: Yeaph!!!!
A controvérsia é pertinente à abusividade da exclusão unilateral de usuário que, na condição de ex-empregado, foi mantido no plano de saúde por força de documento escrito que lhe assegurou o direito de permanecer no plano por tempo indeterminado, embora não tivesse contribuído para o plano de saúde na vigência do contrato de trabalho, que durou menos de dez anos.
Inicialmente, esclareça-se que o ponto de partida é a exegese do referido “Termo de Opção” o qual contempla a previsão de vigência do plano da saúde por prazo indeterminado.
Nos termos dos arts. 30 e 31 da Lei n. 9.656/1998, o ex-empregado demitido tem direito de ser mantido no plano de saúde pelo prazo máximo de 24 meses, ao passo que o aposentado tem o mesmo direito pelo tempo que contribuiu para o plano, ou por prazo indeterminado, caso tenha contribuído por mais de dez anos.
Após atendidos esse requisitos legais, a lei confere ao usuário do plano de saúde o direito subjetivo de ser mantido no plano de saúde, independentemente da manifestação de vontade da operadora. A lei não veda, entretanto, que a operadora venha a admitir o direito de manutenção em outras hipóteses. Nesse sentido, a própria norma ressalva os direitos previstos em negociação coletiva de trabalho.
No caso, a permanência do usuário no plano de saúde estava ASSEGURADA por uma norma contratual, firmado no “Termo de Opção”, previsto no regulamento do plano de saúde, e formalizado entre o usuário e a empresa estipulante. Além disso, no âmbito infralegal, a Resolução CONSU n. 20/1999 (vigente à época dos fatos) previa a possibilidade de o regulamento do plano assegurar ao usuário demitido o direito de permanecer vinculado por prazo indeterminado, não obstante o prazo máximo de 24 meses previsto em lei.
Por outro lado, é certo que o conteúdo do “Termo de Opção” pode ter extrapolado os limites contratuais do regulamento do plano de saúde, pois concedeu direito de manutenção por prazo indeterminado a um usuário que não permaneceu no plano por mais de dez anos, e nem sequer contribuiu para o plano nesse período.
Esse fato, contudo, não autorizaria a operadora a excluir unilateralmente o usuário do plano de saúde, pois a exclusão unilateral de usuário só está prevista para as hipóteses taxativamente previstas na regulação, especificamente na Resolução Normativa n. 195/2009.
É abusiva a exclusão unilateral do usuário, quando seu direito de manutenção tem amparo contratual, pactuado/firmado no “Termo de Opção”, e o rompimento unilateral do vínculo somente seria admitido nas hipóteses previstas na RN ANS n. 195/2008.
RECURSO ESPECIAL
1. Nos termos do § 1º do art. 155 do Código Penal, se o crime de furto é praticado durante o repouso noturno, a pena será aumentada de um terço.
2. O repouso noturno compreende o período em que a população se recolhe para descansar, devendo o julgador atentar-se às características do caso concreto.
3. A situação de repouso está configurada quando presente a condição de sossego/tranquilidade do período da noite, caso em que, em razão da diminuição ou precariedade de vigilância dos bens, ou, ainda, da menor capacidade de resistência da vítima, facilita-se a concretização do crime.
4. São irrelevantes os fatos das vítimas estarem, ou não, dormindo no momento do crime, ou o local de sua ocorrência, em estabelecimento comercial, via pública, residência desabitada ou em veículos, bastando que o furto ocorra, obrigatoriamente, à noite e em situação de repouso.
REsp 1.979.989-RS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 22/06/2022. (Tema 1144) (Info 742)
Crementino foi condenado pelo crime de furto cometido em período noturno. A defesa interpôs apelação. Segundo a defesa, não haveria que se falar na qualificadora em razão do ato ter ocorrido em horário noturno, uma vez que as vítimas não estavam dormindo no momento do crime.
Já o MP alega a que para a caracterização da majorante do repouso noturno, mostra-se suficiente que a investida contra o patrimônio da vítima ocorra durante a noite, sendo irrelevante a discussão acerca do local do delito ou da possibilidade de que as vítimas estivessem por perto. Isso porque a carência de vigilância e, por conseguinte, a maior vulnerabilidade do bem jurídico, estaria presente em qualquer hipótese.
Código Penal:
Furto
Art. 155 – Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1º – A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.
R: Yeaph!!!!
A controvérsia delimita-se em definir a) se, para a configuração da circunstância majorante do § 1º do art. 155 do Código Penal, basta que a conduta delitiva tenha sido praticada durante o repouso noturno e, também, b) se há relevância no fato das vítimas estarem ou não dormindo no momento do crime, ou a sua ocorrência em estabelecimento comercial ou em via pública.
Nos termos do § 1º do art. 155 do Código Penal, se o crime de furto é praticado durante o repouso noturno, a pena será aumentada de um terço.
No tocante ao horário de aplicação, o Superior Tribunal de Justiça já definiu que “este é variável, devendo obedecer aos costumes locais relativos à hora em que a população se recolhe e a em que desperta para a vida cotidiana”. Sendo assim, não há um horário prefixado, devendo, portanto, atentar-se às características da vida cotidiana da localidade (REsp 1.659.208/RS, Rel. Ministra Maria Thereza De Assis Moura, DJ 31/3/2017).
Em um análise objetivo-jurídica do art. 155, §1º, do CP, percebe-se que o legislador pretendeu sancionar de forma mais severa o furtador que se beneficia dessa condição de sossego/tranquilidade, presente no período da noite, para, em razão da diminuição ou precariedade de vigilância dos bens, ou, ainda, da menor capacidade de resistência da vítima, facilitar-lhe a concretização do intento criminoso.
O crime de furto só implicará no aumento de um terço se o fato ocorrer, obrigatoriamente, à noite e em situação de repouso. Nas hipóteses concretas, será importante extrair dos autos as peculiares da localidade em que ocorreu o delito.
Assim, haverá casos em que, mesmo nos furtos praticados no período da noite, mas em lugares amplamente vigiados, tais como em boates e comércios noturnos, ou, ainda, em situações de repouso, mas ocorridas nos períodos diurno ou vespertino, não se poderá valer-se dessa causa de aumento.
O STJ passou a destacar a IRRELEVÂNCIA do local estar ou não habitado, ou o fato da vítima estar ou não dormindo no momento do crime para os fins aqui propostos, bastando que a atuação criminosa seja realizada no período da noite e sem a vigilância do bem. Seguiu-se à orientação de que para a incidência da causa de aumento não importava o local em que o furto fora cometido, em residências, habitadas ou não, lojas e veículos, bem como em vias públicas.
Assim, se o crime de furto é praticado durante o repouso noturno, na hora em que a população se recolhe para descansar, valendo-se da diminuição ou precariedade de vigilância dos bens, ou, ainda, da menor capacidade de resistência da vítima, a pena será aumentada de um terço. Não importa, nesse sentido, se as vítimas estão ou não dormindo no momento do crime, ou o local de sua ocorrência, em estabelecimento comercial, residência desabitada, via pública ou veículos.
1. Nos termos do § 1º do art. 155 do Código Penal, se o crime de furto é praticado durante o repouso noturno, a pena será aumentada de um terço.
2. O repouso noturno compreende o período em que a população se recolhe para descansar, devendo o julgador atentar-se às características do caso concreto.
3. A situação de repouso está configurada quando presente a condição de sossego/tranquilidade do período da noite, caso em que, em razão da diminuição ou precariedade de vigilância dos bens, ou, ainda, da menor capacidade de resistência da vítima, facilita-se a concretização do crime.
4. São irrelevantes os fatos das vítimas estarem, ou não, dormindo no momento do crime, ou o local de sua ocorrência, em estabelecimento comercial, via pública, residência desabitada ou em veículos, bastando que o furto ocorra, obrigatoriamente, à noite e em situação de repouso.
RECURSO ESPECIAL
É possível (obrigatória), na segunda fase da dosimetria da pena, a compensação integral da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência, seja ela específica ou não. Todavia, nos casos de multirreincidência, deve ser reconhecida a preponderância da agravante prevista no art. 61, I, do Código Penal, sendo admissível a sua compensação proporcional com a atenuante da confissão espontânea, em estrito atendimento aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade.
REsp 1.931.145-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 22/06/2022, DJe 24/06/2022. (Tema 585) (Info 742)
Creitinho, já reincidente no tráfico, foi denunciado pela prática, em tese, dos crimes de tráfico de drogas e de direção de veículo sem habilitação, e condenado à pena de 8 anos de reclusão. A defesa interpôs apelação, a qual foi desprovida pelo Tribunal.
Inconformada, a defesa então interpôs recurso especial no qual sustenta a necessidade do redimensionamento da pena do acusado, com a compensação integral da agravante da reincidência com a atenuante da confissão espontânea.
Código Penal:
Art. 61 – São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:
I – a reincidência;
Art. 65 – São circunstâncias que sempre atenuam a pena:
III – ter o agente:
d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime;
Art. 67 – No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência.
R: Yeaph!!!!
A questão suscitada já foi objeto de inúmeros julgados do STJ e cinge-se a delimitar os efeitos da compensação da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência, irradiando seus efeitos para ambas as espécies (genérica ou específica), sendo imprescindível, ainda, adequar-se a redação do Tema n. 585/STJ à hipótese de multirreincidência.
Em 2012, diante da divergência entre as Turmas de Direito Penal, a Terceira Seção desta Corte, no julgamento do EREsp n. 1.154.752/RS, pacificou o entendimento, no sentido de ser possível, na segunda fase do cálculo da pena, a compensação da agravante da reincidência com a atenuante da confissão espontânea, por serem igualmente preponderantes, de acordo com o art. 67 do Código Penal.
Na oportunidade, definiu-se que a incidência da atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal, independe se a confissão foi integral ou parcial, especialmente quando utilizada para fundamentar a condenação. Isso porque a confissão, por indicar arrependimento, demonstra uma personalidade mais ajustada, a ponto de a pessoa reconhecer o erro e assumir suas consequências. Então, por demonstrar traço da personalidade do agente, o peso entre a confissão e a reincidência deve ser o mesmo, nos termos do art. 67 do Código Penal, pois são igualmente preponderantes.
Em seguida, a Terceira Seção, em 10/4/2013, sob a sistemática dos recursos especiais repetitivos, firmou, no julgamento do REsp. n. 1.341.370/MT, DJe de 17/4/2013, o entendimento de que, observadas as especificidades do caso concreto, deve-se compensar a atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência na segunda fase da dosimetria da pena (Tema n. 585/STJ).
No julgamento do Habeas Corpus n. 365.963/SP, definiu-se que a especificidade da reincidência não obstaculiza sua compensação com a atenuante da confissão espontânea. Em outras palavras, a reincidência, ainda que específica, deve ser compensada integralmente com a atenuante da confissão, demonstrando, assim, que não deve ser ofertado maior desvalor à conduta do réu que ostente outra condenação pelo mesmo delito.
Destacou-se ainda que, tratando-se de réu multirreincidente, deve ser reconhecida a preponderância da agravante prevista no art. 61, I, do Código Penal, sendo admissível a sua compensação proporcional com a atenuante da confissão espontânea, em estrito atendimento aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade.
Na verdade, a condição de multirreincidência exige maior reprovação do que a conduta de um acusado que tenha a condição de reincidente em razão de um evento único e isolado em sua vida.
Se a simples reincidência é, por lei, reprovada com maior intensidade, porque demonstra um presumível desprezo às solenes advertências da lei e da pena, reveladora de especial tendência antissocial, por questão de lógica e de proporcionalidade, e em atendimento ao princípio da individualização da pena, há a necessidade de se conferir um maior agravamento na situação penal do réu nos casos de multirreincidência, em função da frequência da atividade criminosa, a qual evidencia uma maior reprovabilidade da conduta, devendo, assim, prevalecer sobre a confissão.
Assim, a recidiva prepondera nas hipóteses em que o acusado possui várias condenações por crimes anteriores, transitadas em julgado, reclamando repressão estatal mais robusta.
É possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a compensação integral da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência, seja ela específica ou não. Todavia, nos casos de multirreincidência, deve ser reconhecida a preponderância da agravante prevista no art. 61, I, do Código Penal, sendo admissível a sua compensação proporcional com a atenuante da confissão espontânea, em estrito atendimento aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade.
PROCESSO SOB SEGREDO JUDICIAL
É cabível a concessão de salvo-conduto para o plantio e o transporte de Cannabis Sativa para fins exclusivamente terapêuticos, com base em receituário e laudo subscrito por profissional médico especializado, e chancelado pela Anvisa.
Processo sob segredo judicial, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 14/06/2022. (Info 742)
Cidinei sofre de uma doença grave e sem cura. Seu médico lhe alertou que o uso do óleo de Cannabis Sativa poderia aliviar (e muito) seus sintomas. Em razão disso, Cidinei ajuizou ação por meio da qual requereu salvo-conduto para o plantio e o transporte de Cannabis Sativa para fins exclusivamente terapêuticos. Na inicial, Cidinei juntou o atestado médico, receituário expedido por profissional médico especializado e devidamente chancelado pela Anvisa.
Processo sob segredo judicial – Caso Hipotético
Lei n. 11.343/2006:
Art. 2º Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso.
Parágrafo único. Pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas.
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I – importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;
II – semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;
III – utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.
IV – vende ou entrega drogas ou matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, a agente policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente.
CP:
Contrabando
Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 ( cinco) anos.
R: Yeaph!!!!
Discute-se o cabimento de habeas corpus preventivo visando a concessão de salvo-conduto para o plantio e o transporte de Cannabis Sativa, como objetivo de extração de substância necessária para a produção artesanal dos medicamentos prescritos para fins de tratamento de saúde.
Inicialmente, vale destacar que o art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 apresenta-se como norma penal em branco, porque define o crime de tráfico a partir da prática de dezoito condutas relacionadas a drogas – importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer -, sem, no entanto, trazer a definição do elemento do tipo “drogas”.
A definição do que sejam “drogas”, capazes de caracterizar os delitos previstos na Lei n. 11.343/2006, advém da Portaria n. 344/1998, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde. A Cannabis Sativa integra a “Lista E” da referida portaria, que, em última análise, a descreve como planta que pode originar substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas.
Uma vez que é possível, ao menos em tese, que os pacientes tenham suas condutas enquadradas no art. 33, § 1º, da Lei n. 11.343/2006, punível com pena privativa de liberdade, é indiscutível o cabimento de habeas corpus para os fins por eles almejados: concessão de salvo-conduto para o plantio e o transporte de Cannabis Sativa, da qual se pode extrair a substância necessária para a produção artesanal dos medicamentos prescritos para fins de tratamento de saúde.
Também há o risco, pelo menos hipotético, de que as autoridades policiais tentem qualificar a pretendida importação de sementes de Cannabis no tipo penal de contrabando (art. 334-A do CP), circunstância que reforça a possibilidade de que os pacientes se socorram do habeas corpus para o fim pretendido, notadamente porque receberam intimação da Polícia Federal para serem ouvidos em autos de inquérito policial. Ações pelo rito ordinário e outros instrumentos de natureza cível podem até tratar dos desdobramentos administrativos da questão trazida a debate, mas isso não exclui o cabimento do habeas corpus para impedir ou cessar eventual constrangimento à liberdade dos interessados.
Se para pleitear aos entes públicos o fornecimento e o custeio de medicamento por meio de ação cível, o pedido pode ser amparado em laudo do médico particular que assiste a parte (STJ, EDcl no REsp n. 1.657.156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 21/09/2018), não há razão para se fazer exigência mais rigorosa na situação em que a pretensão da defesa não implica nenhum gasto financeiro ao erário.
Há, na hipótese, VASTA documentação médica atestando a necessidade de o tratamento médico dos pacientes ser feito com medicamentos à base de canabidiol, inclusive com relato de expressivas melhoras na condição de saúde deles e esclarecimento de que diversas vias tradicionais de tratamento foram tentadas, mas sem sucesso, circunstância que reforça ser desnecessária a realização de dilação probatória com perícia médica oficial.
Não há falar que a defesa pretende, mediante o habeas corpus, tolher o poder de polícia das autoridades administrativas. Primeiro, porque a própria Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária), por meio de seu diretor, afirmou que a regulação e a autorização do cultivo doméstico de plantas, quaisquer que sejam elas, não fazem parte do seu escopo de atuação. Segundo, porque não se objetiva nesta demanda obstar a atuação das autoridades administrativas, tampouco substituí-las em seu mister, mas, apenas, evitar que os pacientes sejam alvo de atos de investigação criminal pelos órgãos de persecução penal.
Embora a legislação brasileira possibilite, há mais de 40 anos, a permissão, pelas autoridades competentes, de plantio, cultura e colheita de Cannabis exclusivamente para fins medicinais ou científicos (art. 2º, parágrafo único, da Lei n. 11.343/2006; art. 2º, § 2º, da Lei n. 6.368/1976), fato é que até hoje a matéria não tem regulamentação ou norma específica, o que bem evidencia o descaso, ou mesmo o desprezo – quiçá por razões morais ou políticas – com a situação de uma número incalculável de pessoas que poderiam se beneficiar com tal regulamentação.
Em 2019, a Diretoria Colegiada da Anvisa, ao julgar o processo que teve como objetivo dispor sobre os requisitos técnicos e administrativos para o cultivo da planta Cannabis exclusivamente para fins medicinais ou científicos, decidiu pelo arquivamento da proposta de resolução. Ficou claro, portanto, que o posicionamento da Diretoria Colegiada da Anvisa, à época, era o de que a autorização para cultivo de plantas que possam originar substâncias sujeitas a controle especial, entre elas a Cannabis Sativa, é da competência do Ministério da Saúde, e que, para atuação da Anvisa, deveria haver uma delegação ou qualquer outra tratativa oficial, de modo a atribuir a essa agência reguladora a responsabilidade e a autonomia para definir, sozinha, o modelo regulatório, a autorização, a fiscalização e o controle dessa atividade de cultivo.
O Ministério da Saúde, por sua vez, a quem a Anvisa afirmou competir regular o cultivo doméstico de Cannabis, indicou que não pretende fazê-lo, em resposta à Consulta Dirigida sobre as propostas de regulamentação do uso medicinal e científico da planta Cannabis, assinada pelo ministro responsável pela pasta. O quadro, portanto, é de intencional omissão do Poder Público em regulamentar a matéria.
Havendo prescrição médica para o uso do canabidiol, a ausência de segurança, de qualidade, de eficácia ou de equivalência técnica e terapêutica da substância preparada de forma artesanal – como se objeta em desfavor da pretendida concessão do writ – torna-se um risco assumido pelos próprios pacientes, dentro da autonomia de cada um deles para escolher o tratamento de saúde que lhes corresponda às expectativas de uma vida melhor e mais digna, o que afasta, portanto, a abordagem criminal da questão. São nesse sentido, aliás, as disposições contidas no art. 17 da RDC n. 335/2020 e no art. 18 da RDC n. 660/2022 da Anvisa, ambas responsáveis por definir “os critérios e os procedimentos para a importação de Produto derivado de Cannabis, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde”.
Em 2017, com o advento da Resolução n. 156 da Diretoria Colegiada da Anvisa, a Cannabis Sativa foi incluída na Lista de Denominações Comuns Brasileiras – DCB como planta medicinal, marco importante em território nacional quanto ao reconhecimento da sua comprovada capacidade terapêutica. Em dezembro de 2020, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes – UNODC acolheu recomendações feitas pela Organização Mundial de Saúde sobre a reclassificação da Cannabis e decidiu pela retirada da planta e da sua resina do Anexo IV da Convenção Única de 1961 sobre Drogas Narcóticas, que lista as drogas consideradas como as mais perigosas, e a reinseriu na Lista 1, que inclui outros entorpecentes como a morfina – para a qual a OMS também recomenda controle -, mas admite que a substância tem menor potencial danoso.
Tanto o tipo penal do art. 28 quanto o do art. 33 se preocupam com a tutela da saúde, mas enquanto o § 1º do art. 28 trata do plantio para consumo pessoal (“Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica”), o § 1º, II, do art. 33 trata do plantio destinado à produção de drogas para entrega a terceiros.
A conduta para a qual os pacientes pleitearam e obtiveram salvo-conduto no Tribunal de origem não é penalmente típica, seja por não estar imbuída do necessário dolo de preparar substâncias entorpecentes com as plantas cultivadas (nem para consumo pessoal nem para entrega a terceiros), seja por não vulnerar, sequer de forma potencial, o bem jurídico tutelado pelas normas incriminadoras da Lei de Drogas (saúde pública).
O que pretendem os pacientes com o plantio da Cannabis não é a extração de droga (maconha) com o fim de entorpecimento – potencialmente causador de dependência – próprio ou alheio, mas, tão somente, a extração das substâncias com reconhecidas propriedades medicinais contidas na planta. Não há, portanto, vontade livre e consciente de praticar o fim previsto na norma penal, qual seja, a extração de droga, para entorpecimento pessoal ou de terceiros.
Outrossim, a hipótese também não se reveste de tipicidade penal – aqui em sua concepção material -, porque a conduta, ao invés de atentar contra o bem jurídico saúde pública, na verdade intenciona promovê-lo – e tem aptidão concreta para isso – a partir da extração de produtos medicamentosos; isto é, a ação praticada não representa nenhuma lesividade, nem mesmo potencial (perigo abstrato), ao bem jurídico pretensamente tutelado pelas normas penais contidas na Lei n. 11.343/2006.
O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada pela própria Constituição Federal à generalidade das pessoas.
No caso, uma vez que o uso pleiteado do óleo da Cannabis Sativa, mediante fabrico artesanal, se dará para fins exclusivamente terapêuticos, com base em receituário e laudo subscrito por profissional médico especializado, chancelado pela Anvisa na oportunidade em que autorizou os pacientes a importarem o medicamento feito à base de canabidiol – a revelar que reconheceu a necessidade que têm no seu uso -, não há dúvidas de que deve ser obstada a iminente repressão criminal sobre a conduta praticada pelos pacientes/recorridos.
Se o Direito Penal, por meio da “guerra às drogas”, não mostrou, ao longo de décadas, quase nenhuma aptidão para resolver o problema relacionado ao uso abusivo de substâncias entorpecentes – e, com isso, cumprir a finalidade de tutela da saúde pública a que em tese se presta -, pelo menos que ele não atue como empecilho para a prática de condutas efetivamente capazes de promover esse bem jurídico fundamental à garantia de uma vida humana digna, como pretendem os recorridos com o plantio da Cannabis Sativa para fins exclusivamente medicinais.
É cabível a concessão de salvo-conduto para o plantio e o transporte de Cannabis Sativa para fins exclusivamente terapêuticos, com base em receituário e laudo subscrito por profissional médico especializado, e chancelado pela Anvisa.
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS
Para fins do disposto no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, a menção a inúmeros inadimplementos (inscritos em dívida ativa) gera a presunção relativa da ausência de tentativa de regularização.
AgRg no HC 728.271-SC, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 21/06/2022, DJe 24/06/2022 (Info 742)
Virso foi denunciado pelo crime de deixar de recolher tributos aos cofres públicos. Tal conduta teria ocorrido ao menos dezesseis vezes e o valor que deixou de ser recolhido ultrapassa dez milhões, devidamente inscritos em dívida ativa e sem qualquer menção de tentativa de parcelamento ou regularização.
Inconformada, sua defesa impetrou Habeas Corpus no qual alega que a peça acusatória incorreu em inegável ilegalidade ao se limitar a descrever o não recolhimento de tributos declarados, equiparando a infração fiscal a um crime ao ignorar por completo o dolo e os demais elementos caracterizadores do tipo penal.
CPP:
Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.
R: Yeaph!!!!
Discute-se acerca da inépcia de denúncia que não descreve especificamente o papel do agente, na qualidade de diretor-superintendente e diretor, descrito no contrato social da empresa.
Contudo, não é inepta a exordial acusatória que atende aos requisitos do art. 41 do CPP, descrevendo a conduta, especificando os meses em que o denunciado deixou de recolher tributos e detalhando o cargo ocupado pelo agente na empresa, bem como o valor dos prejuízos causados aos cofres públicos.
Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal decidiu, no RHC n. 163.334/SC, que “a caracterização do crime depende da demonstração do dolo de apropriação, a ser apurado a partir de circunstâncias objetivas factuais, tais como o inadimplemento prolongado sem tentativa de regularização dos débitos, a venda de produtos abaixo do preço de custo, a criação de obstáculos à fiscalização, a utilização de “laranjas” no quadro societário, a falta de tentativa de regularização dos débitos, o encerramento irregular das suas atividades, a existência de débitos inscritos em dívida ativa em valor superior ao capital social integralizado etc” (RHC n. 163.334/SC, relator Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 18/12/2019, processo eletrônico DJe-271, divulgado em 12/11/2020, publicado em 13/11/2020).
No caso, a denúncia destacou que o agente deixou de recolher 12 (doze) meses de ICMS cobrado dos consumidores e 5 (cinco) meses de ICMS relativo a operações tributáveis pelo regime de substituição tributária, elementos que, segundo o precedente citado, são utilizados para caracterizar o dolo de apropriação.
Assevera-se, por oportuno, que, o mero inadimplemento prolongado não é suficiente para caracterizar o ilícito, sendo necessário, também, a ausência de tentativa de regularização do débito.
De mais a mais, apesar de a denúncia não afirmar expressamente que não foi realizada tentativa de regularização dos débitos, não se verifica ilegalidade ensejadora de concessão de habeas corpus, porquanto a menção a inúmeros inadimplementos (inscritos em dívida ativa) gera a presunção relativa de ausência de tentativa de regularização. Dessa forma, cabe à defesa alegar e demonstrar que foram efetuadas tais tentativas.
Para fins do disposto no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, a menção a inúmeros inadimplementos (inscritos em dívida ativa) gera a presunção relativa da ausência de tentativa de regularização.
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS
A concessão de prisão domiciliar às genitoras de menores de até 12 anos incompletos não está condicionada à comprovação da imprescindibilidade dos cuidados maternos, que é legalmente presumida.
AgRg no HC 731.648-SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Rel. Acd. Min. João Otávio de Noronha, Quinta Turma, por maioria, julgado em 07/06/2022, DJe 23/06/2022. (Info 742)
Gertrude cumpre pena privativa de liberdade de 10 anos, 3 meses e 8 dias de reclusão pela prática de delitos de tráfico de drogas e furto qualificado, tendo alcançado a progressão ao regime semiaberto em 25/6/2021. Posteriormente, a defesa requereu a concessão de prisão domiciliar, em razão da ora agravante possuir filhos menores de 12 anos de idade, o que foi indeferido pelo juiz da execução e pelo tribunal local por não ter restado comprovada a imprescindibilidade dos cuidados da detenta em relação aos filhos.
Inconformada, a defesa de Gertrude impetrou Habeas Corpus no qual alega que não seria necessária a demonstração de imprescindibilidade da genitora para o cuidado dos filhos.
CPP:
Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:
V – mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;
LEP:
Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de:
III – condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental;
R: Nooops!!
No caso, as instâncias antecedentes indeferiram a prisão domiciliar visto que não fora demonstrada a imprescindibilidade da sentenciada aos cuidados dos filhos menores de 12 anos.
Por razões humanitárias e para proteção integral da criança, é cabível a concessão de prisão domiciliar a genitoras de menores de até 12 anos incompletos, nos termos do art. 318, V, do CPP, desde que (a) não se trate de crime cometido com violência ou grave ameaça, (b) que não tenha sido praticado contra os próprios filhos e (c) não esteja presente situação excepcional que contraindique a medida (AgRg no PExt no RHC n. 113.084/PE, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 10/6/2020).
Tal entendimento diverge da orientação firmada no julgamento da Rcl n. 40.676/SP (relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 1º/12/2020), em que a Terceira Seção do STJ, dando interpretação extensiva à decisão do STF no HC coletivo n. 143.641/SP, concluiu ser possível a extensão do benefício de prisão-albergue domiciliar, prevista no art. 117, III, da LEP, às sentenciadas gestantes e mães de crianças de até 12 anos, ainda que em regime semiaberto ou fechado, desde que preenchidos os requisitos legais.
Aliás, a imprescindibilidade da genitora ao cuidado dos filhos menores de 12 anos é presumida, “tanto que propositalmente o legislador retirou da redação do art. 318, V do CPP, a comprovação de que seria ela imprescindível aos cuidados do menor” (STF, HC n. 169.406/MG, relatora Ministra Rosa Weber, Primeira Turma, DJe de 26/4/2021).
A concessão de prisão domiciliar às genitoras de menores de até 12 anos incompletos não está condicionada à comprovação da imprescindibilidade dos cuidados maternos, que é legalmente presumida.
HABEAS CORPUS
É possível celebrar acordo de colaboração premiada em quaisquer condutas praticadas em concurso de agentes, mesmo fora do âmbito de organização criminosa.
HC 582.678-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 14/06/2022. (Info 742)
Dr. Creisson, juiz aposentado, é investigado em inquérito para apurar a eventual existência de organização, hierarquicamente estabelecida no tribunal ao qual era vinculado, para o cometimento de crimes como lavagem de capitais, previsto no art. 1.º da Lei n. 9.613/98, e corrupção passiva e ativa.
Ocorre que Dr. Creisson não estava sozinho no esquema. Posteriormente, um dos favorecidos celebrou acordo de colaboração premiada com o MP, delação esta bastante comprometedora ao ex-juiz. Inconformada, sua defesa impetrou HC no qual alega a ilegalidade da utilização da colaboração premiada como meio de obtenção de prova, nos termos da Lei Federal nº. 12.850/2013, quando não houver indícios de organização criminosa, terrorista ou criminalidade transnacional.
Lei n. 9.613/1998:
Art. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.
Código Penal:
Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.
Art. 317 – Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
§ 1º – A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.
Art. 333 – Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Parágrafo único – A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.
Lei n. 12.850/2013:
Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.
§ 2º As penas aumentam-se até a metade se na atuação da organização criminosa houver emprego de arma de fogo.
§ 3º A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução.
§ 4º A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços):
I – se há participação de criança ou adolescente;
II – se há concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração penal;
III – se o produto ou proveito da infração penal destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior;
IV – se a organização criminosa mantém conexão com outras organizações criminosas independentes;
V – se as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização.
§ 5º Se houver indícios suficientes de que o funcionário público integra organização criminosa, poderá o juiz determinar seu afastamento cautelar do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à investigação ou instrução processual.
§ 6º A condenação com trânsito em julgado acarretará ao funcionário público a perda do cargo, função, emprego ou mandato eletivo e a interdição para o exercício de função ou cargo público pelo prazo de 8 (oito) anos subsequentes ao cumprimento da pena.
§ 7º Se houver indícios de participação de policial nos crimes de que trata esta Lei, a Corregedoria de Polícia instaurará inquérito policial e comunicará ao Ministério Público, que designará membro para acompanhar o feito até a sua conclusão.
§ 8º As lideranças de organizações criminosas armadas ou que tenham armas à disposição deverão iniciar o cumprimento da pena em estabelecimentos penais de segurança máxima.
§ 9º O condenado expressamente em sentença por integrar organização criminosa ou por crime praticado por meio de organização criminosa não poderá progredir de regime de cumprimento de pena ou obter livramento condicional ou outros benefícios prisionais se houver elementos probatórios que indiquem a manutenção do vínculo associativo.
R: Yeaph!!!!
Examina-se se a homologação do acordo de colaboração premiada entabulado entre o Ministério Público Estadual e terceiro (o Delator) envolvido em suposto esquema cumpre os requisitos legais.
No caso, as apurações iniciais realizadas pela Corregedoria-Geral de Justiça de Estado indicavam a participação de ao menos 7 (sete) pessoas naturais com atribuições específicas no esquema, supostamente para a prática de infrações penais cujas penas máximas são superiores a 4 (quatro) anos. Portanto, havia os pressupostos para que eventualmente pudesse ser caracterizada, validamente, organização criminosa (Lei n. 12.850/2013). Ademais, à época em que foi formalizada a colaboração, não se poderia descartar o eventual oferecimento de denúncia futura pela prática do delito previsto no art. 1º da Lei n. 9.613/1998 (punível com pena de reclusão, de 3 a 10 anos, e multa) ou nos crimes descritos nos arts. 317, § 1º e 333, parágrafo único, ambos do Código Penal (ambos, puníveis com pena de reclusão, de 2 a 12 anos, e multa).
O fato de que os investigados foram acusados da prática dos crimes referidos nos arts. 317, § 1º e 288, do Código Penal, e no art. 1º, da Lei n. 9.613/1998 (corrupção passiva, associação criminosa e lavagem de dinheiro), mas não pelo crime do art. 2º, c.c. o art. 1º, § 1º, da Lei n. 12.850/2013, não pode resultar no afastamento das provas obtidas no acordo de delação premiada. Inicialmente, não há como desconsiderar a hipótese de que o dominus litis forme nova convicção, ou que elementos de prova supervenientes lastreiem futura acusação pelo crime de organização criminosa.
Ainda que assim não fosse, cabe enfatizar que há outras previsões legais de perdão judicial ou de causas de diminuição de pena de colaboradores, positivadas tanto no Código Penal quanto na legislação especial (como as referidas no § 4º, do art. 159, do Código Penal, referente ao crime de extorsão mediante sequestro; no § 2º do art. 25 da Lei n. 7.492/1986 – que define os crimes contra o sistema financeiro nacional; no art. 8º, parágrafo único, da Lei n. 8.072/1990 – Lei de Crimes Hediondos; no art. 1º, § 5º, da Lei 9.613/1998 – que dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores; ou nos arts. 13 e 14 da Lei n. 9.807/1999 – que estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas).
Considerada a conjuntura de que prerrogativas penais ou processuais como essas a) estão esparsas na legislação; b) foram instituídas também para beneficiar delatores; e que c) o Código de Processo Penal não regulamenta o procedimento de formalização dos acordos de delação premiada; e d) a Lei n. 12.850/2013 não prevê, de forma expressa, que os meios de prova ali previstos incidem tão-somente nos delitos de organização criminosa; não há óbice a que as disposições de natureza majoritariamente processual previstas na referida Lei apliquem-se às demais situações de concurso de agentes (no que não for contrariada por disposições especiais, eventualmente existentes).
A propósito, pelo Supremo Tribunal Federal, foram diversos os recebimentos de denúncias, lastreados em elementos probatórios oriundos de colaborações premiadas em que não houve a imputação específica ou condenação pelo crime de “promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa”, previsto no art. 2º da Lei n. 12.850/2013.
Ademais, segundo a doutrina, “o argumento de que só os crimes praticados por organização criminosa são capazes de gerar o benefício da colaboração não pode prosperar, pois, muitas vezes, não há uma estrutura propriamente de organização (ou estrutura empresarial) e nem por isso os associados à prática delitiva cometem delitos que não mereceriam um acordo com o Estado”.
Por todos esses fundamentos, é de se concluir que em quaisquer condutas praticadas em concurso de agentes é possível celebrar acordo de colaboração premiada.
É possível celebrar acordo de colaboração premiada em quaisquer condutas praticadas em concurso de agentes.
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