Informativo nº 736 do STJ COMENTADO saindo do forno (quentinho) para quem está ligado aqui conosco no Estratégia Carreiras Jurídicas!
RECURSO ESPECIAL
O militar de carreira ou temporário – este último antes da alteração promovida pela Lei n. 13.954/2019 -, diagnosticado como portador do vírus HIV, tem direito à reforma ex officio por incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas, independentemente do grau de desenvolvimento da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida – SIDA/AIDS, porém, sem a remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediatamente superior ao que possuía na ativa, se não estiver impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho, na forma do art. 110, § 1º, da Lei n. 6.880/1980.
REsp 1.872.008-RS, Rel. Min. Assusete Magalhães, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 11/05/2022. (Tema 1088) (Info 736)
Craudio, militar do Exército, ajuizou ação contra a União objetivando a concessão da reforma por incapacidade definitiva, nos termos dos arts. 104, II, 106, II, e 108, V, da Lei 6.880/80 c/c art. 1º, I, c, da Lei 7.670/88, com a remuneração calculada com base no posto hierarquicamente imediato.
O Juízo de 1º Grau julgou improcedente a demanda por entender que o laudo pericial acostado nos autos constatou que a parte autora seria portadora do vírus HIV, mas sem a doença AIDS ou SIDA. E mais importante: não foi constatada incapacidade decorrente de tal moléstia, pois as conclusões do perito sugeriram alguma incapacidade foram baseadas em um sintoma alegado pela parte autora, a fadiga, não na moléstia.
Inconformado, o militar interpôs sucessivos recursos nos quais sustenta que deveria ser reformado por incapacidade definitiva decorrente de acidente em serviço, ainda que parcial, no caso da doença que causa incapacidade definitiva, com remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediato ao que possuía na ativa.
Lei n. 6.880/1980:
Art. 108. A incapacidade definitiva pode sobrevir em conseqüência de:
V – tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, lepra, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, mal de Parkinson, pênfigo, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave e outras moléstias que a lei indicar com base nas conclusões da medicina especializada; e
Art. 110. O militar da ativa ou da reserva remunerada, julgado incapaz definitivamente por um dos motivos constantes dos incisos I e II do art. 108, será reformado com a remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediato ao que possuir ou que possuía na ativa, respectivamente.
§ 1º Aplica-se o disposto neste artigo aos casos previstos nos itens III, IV e V do artigo 108, quando, verificada a incapacidade definitiva, for o militar considerado inválido, isto é, impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho.
R: Yeaphhh!!!!
A controvérsia restou assim delimitada, por ocasião da afetação do presente Recurso Especial: “Definir se o militar diagnosticado como portador do vírus HIV tem direito à reforma ex officio por incapacidade definitiva, independentemente do grau de desenvolvimento da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida – SIDA/AIDS, com remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau imediatamente superior ao que possuía na ativa”.
Dadas as peculiaridades da carreira militar e não obstante o avanço médico-científico no tratamento da doença, ainda considerada incurável em nossos dias, o STJ, notadamente a partir do julgamento dos EREsp 670.744/RJ, pela Terceira Seção (Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJU de 21/05/2007), tem-se mostrado sensível à realidade do militar portador do vírus HIV, mesmo que assintomático, e mantido, inclusive em acórdãos recentes, o entendimento no sentido de que o militar portador do vírus HIV, ainda que assintomático e independentemente do grau de desenvolvimento da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida – SIDA/AIDS, tem direito à reforma ex officio, por incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas, nos termos dos arts. 106, II, 108, V, e 109 da Lei n. 6.880/1980 (na redação anterior à Lei n. 13.954, de 16/12/2019) c/c art. 1º, I, c, da Lei n. 7.670/1988.
No julgamento dos EREsp 1.123.371/RS (Relator p/ acórdão Ministro Mauro Campbell Marques, Corte Especial, DJe de 12/03/2019), o voto condutor do acórdão registrou que “a reforma, por sua vez, será concedida ex officio se o militar alcançar a idade prevista em lei ou se enquadrar em uma daquelas hipóteses consignadas no art. 106 da Lei n. 6.880/1980, entre as quais, for julgado incapaz, definitivamente, para o serviço ativo das Forças Armadas (inciso II), entre as seguintes causas possíveis previstas nos incisos do art. 108 da Lei 6.880/1980 (…) V – tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, lepra, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, mal de Parkinson, pênfigo, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave e outras moléstias que a lei indicar com base nas conclusões da medicina especializada”, tendo a Lei n. 7.670/1988 incluído a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – SIDA/AIDS como causa que justifica a concessão de “reforma militar, na forma do disposto no art. 108, inciso V, da Lei n. 6.880, de 9 de dezembro de 1980”, ou seja, quando o militar “for julgado incapaz, definitivamente, para o serviço ativo das Forças Armadas” (art. 106, II, da Lei n. 6.880/1980, na redação anterior à Lei n. 13.954, de 16/12/2019). No aludido julgamento, o Relator destacou, ainda, que “a legislação de regência faz distinção entre incapacidade definitiva para o serviço ativo do Exército (conceito que não abrange incapacidade para todas as demais atividades laborais civis) e invalidez (conceito que abrange a incapacidade para o serviço ativo do Exército e para todas as demais atividades laborais civis)”.
Antes da alteração promovida pela Lei n. 13.954, de 16/12/2019, na linha da jurisprudência sedimentada no STJ, impõe-se o reconhecimento do direito à reforma de militar, de carreira ou temporário, na hipótese de ser portador do vírus HIV, por incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas, ante o que dispõem os arts. 106, II, 108, V, e 109 da Lei n. 6.880/1980 c/c art. 1º, I, c, da Lei n. 7.670/1988. Após o advento da Lei n. 13.954/2019, contudo, foi dada nova redação ao inciso II do art. 106 e acrescido o inciso II-A ao referido art. 106 da Lei n. 6.880/1980, criando-se uma diferenciação, para fins de reforma, entre militares de carreira e temporários: enquanto, para os temporários, exige-se a invalidez, para os de carreira basta a incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas. Também o art. 109 da Lei n. 6.880/1980 sofreu alteração com a Lei n. 13.954, de 16/12/2019, criando diferenciação entre militares temporários e de carreira, para fins de reforma com qualquer tempo de serviço, inclusive na hipótese do art. 108, V, da Lei n. 6.880/1980.
Os três Recursos Especiais afetados e ora em julgamento, por esta Primeira Seção, tratam de hipóteses anteriores à Lei n. 13.954/2019, em que o pedido de reforma, em face de exame do militar que detectou a presença do vírus HIV, deu-se antes da alteração legislativa.
A teor da Súmula 359/STF, “ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou o servidor civil, reuniu os requisitos necessários”. Nesse mesmo sentido, “se no momento da obtenção do benefício encontravam-se preenchidos todos os requisitos necessários de acordo com a lei em vigor, caracterizando-se como ato jurídico perfeito, não pode a legislação superveniente estabelecer novos critérios, sob pena de ofensa ao princípio tempus regit actum” (STJ, AgRg no REsp 1.308.778/RS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 30/09/2014).
A reforma do militar temporário, com base no art. 108, V, da Lei n. 6.880/1980, somente após o advento da Lei n. 13.954, de 16/12/2019, passou a exigir a invalidez, requisito não preenchido pelo portador assintomático do vírus HIV. Essa perspectiva da ausência de invalidez, no caso, já era reconhecida pela jurisprudência do STJ, ao afirmar que o direito à reforma do portador do vírus HIV, independentemente do grau de desenvolvimento da doença, dava-se por incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas, ou seja, por incapacidade apenas para o serviço militar.
A reforma por incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas deve ser concedida, nos termos do art. 110 da Lei n. 6.880/1980 – que não foi alterado pela Lei n. 13.954/2019 -, com base no soldo do grau hierárquico superior, apenas e tão somente nas hipóteses dos incisos I e II, do art. 108 da Lei n. 6.880/1980. Nas hipóteses dos incisos III, IV e V, do mesmo art. 108 da Lei n. 6.880/1980, exige-se, para a reforma com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediatamente superior, que, além da incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas, o militar seja considerado inválido, ou seja, que ele esteja “impossibilitado total ou permanentemente para qualquer trabalho”, na vida castrense e civil. Revisitação do tema dos EREsp 677.740/RJ, quanto ao art. 110, § 1º, da Lei n. 6.880/1980.
Na forma da jurisprudência do STJ, “nos termos do art. 110, caput e § 1º, da Lei n. 6.880/1980, quando configurada alguma das hipóteses descritas nos itens III, IV e V, do art. 108, o militar terá direito à reforma com base no soldo do grau hierárquico imediato se verificada a invalidez, ou seja, a incapacidade definitiva para qualquer trabalho, militar ou civil. No caso dos autos, ainda que seja reconhecida a ocorrência da neoplasia maligna – câncer de próstata -, as instâncias ordinárias negaram a existência de invalidez. Desse modo, inviável o reconhecimento do alegado direito à remuneração superior, porquanto ausente um dos requisitos estabelecidos na legislação” (STJ, REsp 1.843.913/PE, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe de 04/08/2020). De igual modo, “em sintonia com a jurisprudência do STJ (…) apenas os militares da ativa ou da reserva remunerada, julgados incapazes definitivamente para o serviço por força de doença constante do inciso V do art. 108 da Lei n. 6.880/1980 (e for considerado inválido total e permanentemente para qualquer trabalho), fazem jus à reforma com a remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediatamente superior ao que possuía na ativa” (STJ, AgRg no REsp 1.577.792/SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 16/03/2016).
Além de a Terceira Seção não mais ser competente para o exame da matéria, o precedente dos EREsp 677.740/RJ (Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Terceira Seção, DJU de 21/05/2007), inúmeras vezes invocado em julgados posteriores do STJ, apesar de conferir ao militar, portador assintomático do vírus HIV, o direito à reforma por incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas, não examinou o assunto, de maneira suficiente e à luz do art. 110, § 1º, da Lei n. 6.880/1980, ao conceder a remuneração com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediato ao ocupado pelo militar na ativa, hipótese na qual o referido art. 110, § 1º, da Lei n. 6.880/1980 exige a configuração da invalidez para o serviço militar e civil. A Lei n. 7.670/1988, ao incluir, em seu art. 1º, I, c, a SIDA/AIDS como uma das doenças que ensejam a reforma pelo art. 108, V, da Lei n. 6.880/1980, não estabeleceu, para a hipótese, qualquer tratamento diferenciado, em relação às demais moléstias, no que diz respeito à remuneração do militar.
Aliado a isso, em relação a outras doenças, igualmente enumeradas no art. 108, V, da Lei n. 6.880/1980, o Superior Tribunal de Justiça tem proclamado a necessidade de configuração da invalidez para a aplicação do art. 110, § 1º, da Lei n. 6.880/1980, o que não poderia ser diferente para a SIDA/AIDS.
Sendo assim, não há como aplicar a jurisprudência do STJ, firmada nos aludidos EREsp 670.744/RJ, neste ponto e na hipótese, por exigir o art. 110, § 1º, da Lei n. 6.880/1980 – antes ou depois da Lei n. 13.954/2019 -, além da incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas, a invalidez, para que o militar, portador do vírus HIV, independentemente do grau de desenvolvimento da doença, seja reformado com soldo correspondente ao grau hierárquico imediatamente superior ao que possuía na ativa.
O militar de carreira ou temporário – este último antes da alteração promovida pela Lei n. 13.954/2019 -, diagnosticado como portador do vírus HIV, tem direito à reforma ex officio por incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas, independentemente do grau de desenvolvimento da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida – SIDA/AIDS, porém, sem a remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediatamente superior ao que possuía na ativa, se não estiver impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho, na forma do art. 110, § 1º, da Lei n. 6.880/1980.
RECURSO ESPECIAL
A contratação de servidores públicos temporários sem concurso público, mas baseada em legislação local, não configura a improbidade administrativa prevista no art. 11 da Lei n. 8.429/1992, por estar ausente o elemento subjetivo (dolo), necessário para a configuração do ato de improbidade violador dos princípios da administração pública.
REsp 1.913.638-MA, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 11/05/2022. (Tema 1108) (Info 736)
O Prefeito do Município de Pedreiras, levando em conta a existência da Lei Municipal n. 861/1990, que possibilitava a contratação temporária de servidores sem a prévia aprovação em concurso público, efetuou contratações nesses moldes.
Ocorre que o MP não concordou com a forma de contratação a ajuizou ação de improbidade administrativa contra o prefeitão.
CF/1988:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
Lei n. 8.429/1992:
Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei.
§ 1º Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais.
§ 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente
§ 3º O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa.
R: Nooopsss!!!!
A questão central é saber se a contratação de servidores temporários sem concurso público, baseada em legislação municipal, configura ato de improbidade administrativa, em razão de eventual dificuldade de identificar o elemento subjetivo necessário à caracterização do ilícito administrativo.
Inicialmente, cumpre consignar que, em face dos princípios a que está submetida a administração pública (art. 37 da CF/1988) e tendo em vista a supremacia deles, sendo representantes daquela os agentes públicos passíveis de serem alcançados pela lei de improbidade, o legislador ordinário quis impedir o ajuizamento de ações temerárias, evitando, com isso, além de eventuais perseguições políticas e o descrédito social de atos ou decisões político-administrativos legítimos, a punição de administradores ou de agentes públicos inexperientes, inábeis ou que fizeram uma má opção política na gerência da coisa pública ou na prática de atos administrativos, sem má-fé ou intenção de lesar o erário ou de enriquecimento.
Essa intenção foi reforçada pelo pacífico posicionamento jurisprudencial do STJ segundo o qual não se pode confundir improbidade com simples ilegalidade, porquanto a improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente, sendo indispensável para sua caracterização o dolo, para a tipificação das práticas descritas nos arts. 9º e 11 da Lei n. 8.429/1992, ou que, pelo menos, seja essa conduta eivada de culpa grave (AIA 30/AM, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Corte Especial, DJe 28/09/2011).
Tal entendimento recebeu tratamento especial – e mais restritivo – quando da recente alteração da Lei n. 8.429/1992 pela Lei n. 14.230/2021, que estabeleceu o dolo específico como requisito para a caracterização do ato de improbidade administrativa, ex vi do seu art. 1º, §§ 2º e 3º, sendo necessário aferir a especial intenção desonesta do agente de violar o bem jurídico tutelado.
De acordo com a jurisprudência do STJ, desde há muito, a contratação de servidores públicos temporários sem concurso público baseada em legislação local, ainda que considerada inconstitucional pelo acórdão recorrido, afasta a caracterização do dolo genérico para a configuração de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública.
O afastamento do elemento subjetivo de tal conduta dá-se em razão da dificuldade de identificar o dolo genérico, situação que foi alterada com a edição da Lei n. 14.230/2021, que conferiu tratamento mais rigoroso, ao estabelecer não mais o dolo genérico, mas o dolo específico como requisito para a caracterização do ato de improbidade administrativa, ex vi do seu art. 1º, §§ 2º e 3º, em que é necessário aferir a especial intenção desonesta do agente de violar o bem jurídico tutelado.
A contratação de servidores públicos temporários sem concurso público, mas baseada em legislação local, não configura a improbidade administrativa prevista no art. 11 da Lei n. 8.429/1992, por estar ausente o elemento subjetivo (dolo), necessário para a configuração do ato de improbidade violador dos princípios da administração pública.
MANDADO DE SEGURANÇA
A fixação do limite máximo de Custo Variável Unitário – CVU, como requisito para habilitação técnica em leilão a ser efetivado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), para contratação de potência elétrica e de energia associada não é ilegal.
MS 28.123-DF, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 23/03/2022, DJe 30/03/2022. (Info 736)
A Companhia Energética Candle impetrou mandado de segurança contra ato do Ministro de Estado de Minas e Energia consubstanciado no art. 7º, III, da Portaria Normativa MME n. 20/2021, que estabelece diretrizes para a realização de leilão, a ser efetivado pela Aneel.
Conforme a Companhia, o certame visa à contratação de potência elétrica e de energia associada, a partir de empreendimentos de geração termelétricos, novos e existentes, que acrescentem potência elétrica ao Sistema Interligado Nacional – SIN. Ainda, o ato apontado como coator, ao impossibilitar o cadastramento e a habilitação de empreendimentos geradores que possuíssem ‘Custo Variável Unitário – CVU’ superior a R$ 600,00/MWh (seiscentos reais por megawatthora)”, trouxe critério jamais visto, sem nenhuma fundamentação substancial, configurando-se arbitrário, imotivado e ilegal.
Lei n. 9.478/1997:
Art. 1º As políticas nacionais para o aproveitamento racional das fontes de energia visarão aos seguintes objetivos:
III – proteger os interesses do consumidor quanto a preço, qualidade e oferta dos produtos;
IV – proteger o meio ambiente e promover a conservação de energia;
R: Nooops!!!
Cinge-se a controvérsia acerca da possibilidade de participação de licitante que detém usinas termelétricas a óleo diesel ou óleo combustível e com CVU maior que o previsto no edital, participar do leilão, afastada aquela exigência.
No caso, o ato coator refere-se à fixação do limite máximo de R$ 600,00/MWh (seiscentos reais por megawatt-hora) para o Custo Variável Unitário – CVU, como requisito para habilitação técnica em leilão a ser efetivado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), para contratação de potência elétrica e de energia associada, denominado “Leilão de Reserva de Capacidade, de 2021”, conforme previsto no art. 7º, III, da Portaria Normativa MME n. 20/2021.
Sobre o tema, o Decreto n. 10.707/2021, que regulamenta a contratação de reserva de capacidade, na forma de potência, em seu art. 4º, determina que os estudos elaborados para subsidiar a metodologia de definição do montante total de reserva de capacidade serão submetidos a consulta pública realizada pelo Ministério de Minas e Energia.
Não há falar em vício formal concernente ao desatendimento do preceito acima citado, pois, de acordo com as Notas Técnicas n. 56/2021 e 93/2021, disponíveis no sítio eletrônico do Ministério das Minas e Energia como anexos à Consulta Pública n. 108, de 28/05/2021, o Ministério das Minas e Energia esperava as contribuições vertidas da consulta pública para “nortear a definição” do CVU, naquele momento ainda não estabelecido, para fins de habilitação de empreendimentos termelétricos no certame e, assim, suprir a lacuna da minuta da Portaria que conteria as diretrizes para a realização do referido leilão.
Ademais, verificou-se que o critério de qualificação por valor de CVU não afetou a competição do certame, pois: (i) para o leilão, foram cadastrados 132 projetos, totalizando 50.691 MWh de capacidade instalada, dos quais 41.254 MWh são de novos empreendimentos de geração; (ii) a oferta de novos empreendimentos cadastrados para o leilão corresponde a 76% do atual parque termelétrico brasileiro e reflete o tamanho do interesse de empreendimentos novos e existentes em participar do certame; (iii) das 93 usinas termelétricas listadas pelo Operador Nacional do Sistema (NOS), 56 possuem CVU menor ou igual a R$ 600,00/MWh, cerca de 60% dos empreendimentos; (iv) embora, no parque termelétrico em operação, encontrem-se algumas usinas antigas, a maioria delas teria condições de participar do leilão, segundo o critério do CVU máximo.
Por outro lado, descabe falar em exigência desmotivada, pois, de acordo com a União, a restrição à habilitação de empreendimentos termelétricos cujo custo variável unitário (CVU) seja superior a R$ 600,00/MWh atende a compromissos ambientais internacionais assumidos pelo País e busca “garantir a confiabilidade do suprimento de energia elétrica a mínimo custo, incorporando ainda limites para emissões de gases de efeito estufa e novas tecnologias”, conforme a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), instituída pela Lei n. 12.187/2009 e regulamentada pelo Decreto n. 9.578/2018, no escopo de substituir combustíveis com maiores fatores de emissão por outros com menor emissão, o que resulta em aumento da eficiência energética e em crescente inserção de fontes renováveis.
Vale ressaltar que a exigência em questão se acha fundada no art. 1º da Lei n. 9.478/1997, que estabelece, entre os objetivos da política energética nacional, a proteção dos interesses do consumidor e a proteção do meio ambiente, bem como nas disposições da Lei n. 12.187/2009, que instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), na busca por garantir que o desenvolvimento econômico e social contribua para a proteção do sistema climático global.
O Decreto n. 9.578/2018, que atualmente regulamenta a PNMC, definiu os Planos Decenais de Expansão de Energia (PDEs) como um dos planos setoriais de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas (art. 17, III), cuja efetivação ocorre por meio da expansão da oferta hidrelétrica, da oferta de fontes alternativas renováveis, da oferta de biocombustíveis e do incremento da eficiência energética (art. 19, III).
Nesse mesmo sentido, o PDE 2030 apresenta “a redução da participação de termelétricas a diesel e óleo combustível (…) por combustíveis que emitam menos GEE, como o gás natural ou outros combustíveis renováveis, bem como medidas para se aumentar a eficiência energética dos meios de geração de energia, transporte e processos industriais”.
Segundo a Nota Informativa nº 00050/2021/DPE/SPE, o valor do CVU corresponde ao valor a ser pago pela energia gerada, daí a necessidade de limitar o CVU das participantes com o objetivo de garantir a modicidade tarifária.
Com efeito, a participação das usinas operadas pela impetrante implicará elevado custo final na tarifa de energia elétrica a ser paga pela coletividade, em direção oposta ao interesse público.
Se assim fosse, de acordo com a Nota Informativa n. 70/2021/DPE/SPE, elaborada pelo MME, o consumidor teria de pagar 65,8% mais caro pela energia gerada do que o limite inicialmente estabelecido nas diretrizes do Poder Concedente, sem contar que o afastamento do limite do CVU de R$ 600,00/MWh, traria custo adicional ao consumidor de energia elétrica da ordem de R$ 22,6 bilhões durante os 15 anos de contrato.
Assim, mostrou-se inadequada e imprópria a comparação do CVU exigido para o leilão em tela (R$ 600,00/MWh com o adotado no Procedimento Competitivo Simplificado para Contratação de Reserva de Capacidade de 2021, conforme Portaria MME nº 24/2021 (até R$ 1.000,00/MWh), porque, segundo as informações coligidas no feito, o primeiro visa “atender aos requisitos estruturais de potência do sistema identificados nos estudos de planejamento no âmbito do PDE 2030” e contempla “contratos de longo prazo (15 anos) com vistas a remunerar e viabilizar empreendimentos que contribuirão de forma estrutural com o SIN”, ao passo que o segundo objetiva “viabilizar uma contratação emergencial para endereçar a crise hídrica no país”, com a celebração de contratos “de pouco mais de 3 anos, o que, por si só, já justificaria preços mais elevados”, sendo o prazo de implantação dos empreendimentos “muito curto (aproximadamente 7 meses), o que contribui para a elevação dos custos da contratação”.
Por fim, contrapor as declarações da autoridade impetrada, para concluir que a limitação do CVU nada interfere no meio ambiente e também não representa impacto na tarifa de energia, além de militar em desfavor da presunção de legitimidade do ato administrativo, demanda necessária dilação probatória, medida inadmissível na via mandamental.
A fixação do limite máximo de Custo Variável Unitário – CVU, como requisito para habilitação técnica em leilão a ser efetivado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), para contratação de potência elétrica e de energia associada não é ilegal.
RECURSO ESPECIAL
São critérios que indicam a tendência de adoção excepcional do viés subjetivo da teoria da actio nata: a) a submissão da pretensão a prazo prescricional curto; b) a constatação, na hipótese concreta, de que o credor tinha ou deveria ter ciência do nascimento da pretensão, o que deve ser apurado a partir da boa-fé objetiva e de standards de atuação do homem médio; c) o fato de se estar diante de responsabilidade civil por ato ilícito absoluto; e d) a expressa previsão legal a impor a aplicação do sistema subjetivo.
REsp 1.836.016-PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 10/05/2022. (Info 736)
Creisson, ex-deputado estadual, teria nomeado Crementino para exercer cargo comissionado na qualidade de funcionário fantasma entre os anos de 1998 a 2000, sendo que o último jamais prestou serviços na casa legislativa ou recebeu quaisquer valores referentes ao salário, uma vez que os proventos eram depositados na conta do político.
Crementino somente ficou sabendo da tramoia em 2014 quando veio a pesquisar o próprio nome em site de buscas e, indignado, ajuizou ação de indenização por danos morais. No entanto, a defesa de Creisson alega ter ocorrido a prescrição.
Súmula 278/STJ:
O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral.
CC/2002:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 206. Prescreve:
§ 1 o Em um ano:
II – a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo:
b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;
§ 3 o Em três anos:
V – a pretensão de reparação civil;
R: . SIM!!!!!
a) a submissão da pretensão a prazo prescricional curto;
b) a constatação, na hipótese concreta, de que o credor tinha ou deveria ter ciência do nascimento da pretensão, o que deve ser apurado a partir da boa-fé objetiva e de standards de atuação do homem médio;
c) o fato de se estar diante de responsabilidade civil por ato ilícito absoluto; e
d) a expressa previsão legal a impor a aplicação do sistema subjetivo.
Cinge-se a controvérsia sobre o dies a quo do prazo prescricional da pretensão compensatória dos danos morais.
Trata-se de indagação da mais alta relevância, pois, como menciona a doutrina, “o início do prazo da prescrição é um fator estruturante do próprio instituto: dele depende, depois, todo o desenvolvimento subsequente”.
A determinação do termo inicial dos prazos prescricionais demanda, inicialmente, a distinção entre os conceitos de direito subjetivo e de pretensão.
Nesse contexto, importa consignar que a pretensão é o poder de exigir um comportamento positivo ou negativo da outra parte da relação jurídica. Trata-se, a rigor, do chamado grau de exigibilidade do direito, nascendo, portanto, tão logo este se torne exigível.
Desse modo, pode-se observar que, antes do advento da pretensão, já existe direito e dever, mas em situação estática. Especificamente no âmbito das relações jurídicas obrigacionais, por exemplo, antes mesmo do nascimento da pretensão, já há crédito (direito) e débito (dever) e, portanto, credor e devedor.
A dinamicidade surge, tão somente, com o nascimento da pretensão, que pode ser ou não concomitante ao surgimento do próprio direito subjetivo. Somente a partir desse momento, o titular do direito poderá exigir do devedor que cumpra aquilo a que está obrigado.
Nota-se que “a pretensão seria algo a mais do que o direito subjetivo, que é categoria eficacial de cunho estático. Quem tem em mãos um direito subjetivo é titular de uma situação jurídica ativa que é estática por estar destituída, ainda que em princípio, de um poder de exigibilidade, de uma possibilidade de atuação sobre a esfera jurídica alheia para se exigir um cumprimento”.
Exemplificativamente, pode-se mencionar os direitos sob condição suspensiva ou sob termo, que se encontram desprovidos de pretensão até o implemento dessa mesma condição ou o advento do referido termo.
Assim, visando o encobrimento da eficácia da pretensão, a prescrição, como consequência lógica, possui como termo inicial do transcurso de seu prazo o nascimento dessa posição jurídica (a pretensão).
Em síntese, “o prazo começa a correr assim que o direito possa ser exercido e independentemente do conhecimento que, disso, tenha o possa ter o respectivo credor”.
A propósito, a doutrina bem assevera que a ideia-chave é mesmo a de exigibilidade, acentuando que não se pode falar em “inércia” quando o direito subjetivo ainda não pode se fazer valer, de modo que o prazo prescricional só tem início no dia em que o direito poderia ter sido exercitado: “É óbvio que se a vítima não pode exigir (por razões de direito ou de fato), não há inércia punível com o encobrimento da pretensão, pela prescrição. E, sem essa ausência de uma atividade que poderia ter sido levada a efeito, mas não o foi, não há prescrição, como reiteradamente afirma a jurisprudência e já observava, ainda na vigência do Código de 1916, Miguel Reale”.
Daí a tão propalada teoria da actio nata – haurida dos trabalhos de Friedrich Carl Freiherr von Savigny – segundo a qual os prazos prescricionais se iniciariam no exato momento do surgimento da pretensão. Trata-se de reminiscência do brocardo romano “actioni nondum natae non praescribitur”.
De fato, somente a partir do instante em que o titular do direito pode exigir a sua satisfação é que se revela lógico imputar-lhe eventual inércia em ver satisfeito o seu interesse.
Nesse contexto, eventuais injustiças produzidas pela adoção da vertente objetiva são mitigadas ou temperadas pelas regras atinentes à suspensão, à interrupção e ao impedimento dos prazos prescricionais.
Do ponto de vista do direito positivo, a concepção perfilhada pelo atual Código Civil, ao dispor, no art. 189 foi que “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição”.
No âmbito jurisprudencial, o STJ passou a admitir que, em determinadas hipóteses, o início dos prazos prescricionais deveria ocorrer a partir da ciência do nascimento da pretensão por seu titular, no que ficou conhecido como o viés subjetivo da teoria da actio nata.
Com efeito, pelo sistema subjetivo, o início do prazo prescricional “só se dá quando o credor tenha conhecimento dos elementos essenciais relativos ao seu direito”.
Conforme já consignado pela Terceira Turma do STJ, no entanto, “a aplicação da teoria da actio nata em sua vertente subjetiva é excepcional” (REsp 1.736.091/PE, Terceira Turma, julgado em 14/05/2019, DJe 16/05/2019).
É a hipótese, por exemplo, da prescrição relativa à indenização em virtude de incapacidade permanente, em que a jurisprudência do STJ fixou-se no sentido de que o prazo prescricional começa a fluir apenas a partir do momento em que a vítima toma ciência inequívoca de sua invalidez e da extensão da incapacidade de que restou acometida. A propósito: REsp 673.576/RJ, Primeira Turma, julgado em 02/12/2004, DJ 21/03/2005.
Nesse sentido, foi editada a Súmula 278/STJ, segundo a qual o termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral.
Nesse contexto, do exame das vertentes objetiva e subjetiva, infere-se que a primeira prestigia o valor segurança, ao passo que a segunda, o valor justiça, ambos igualmente caros ao Direito, motivo pelo qual é imperioso delinear critérios para se determinar em quais hipóteses a regra excepcional (viés subjetivo da teoria da actio nata) merece ser aplicada.
A adoção do sistema subjetivo pode revelar-se adequada na medida em que o estabelecimento do termo inicial do prazo prescricional na data do nascimento da pretensão (= sistema objetivo) possui o inconveniente de impor ao credor o pesado ônus de identificar, em curto espaço de tempo, quem é o devedor e a extensão de sua pretensão, o que nem sempre se revela fácil ou possível.
Os inconvenientes da vertente objetiva também se revelam naquelas hipóteses em que a experiência comum aponta notória dificuldade para o titular do direito tomar conhecimento do nascimento da sua pretensão, como ocorre nas hipóteses em que há alguma distância física entre o titular do direito e o objeto tutelado pelo sistema jurídico (p. ex. propriedades rurais longínquas) ou naquelas outras em que existe algum lapso temporal entre o ato ilícito (dano-evento) e a lesão (dano-prejuízo), como ocorre, por exemplo, nos casos de problemas de saúde cujos sintomas demoram a surgir.
Nesse cenário, a doutrina aponta que a vertente objetiva da teoria da actio nata se coaduna com prazos prescricionais mais longos, sob pena de, em muitas hipóteses, conduzir a flagrantes injustiças. Por outro lado, o viés subjetivo da teoria da actio nata amolda-se melhor a prazos prescricionais curtos, na medida em que a exiguidade dos prazos é, em certa medida, compensada pela flexibilização permitida pela adoção de critérios subjetivos para a aferição do termo inicial.
Não por outro motivo, a doutrina clássica já destacava essa característica, asseverando que a “doutrina da contagem do prazo da prescrição da data da ciência da violação deve ser limitada às prescrições de curto prazo”.
A título de exemplo, a doutrina, debruçando-se sobre o prazo prescricional trienal, aponta que “a solução objetiva pode se revelar injusta quando, no intervalo de três anos, a parte lesada não pode descobrir a existência do dano, a sua extensão e o responsável. A situação é particularmente delicada quando não há causas de interrupção ou de suspensão aplicáveis”.
Desse modo, é seguro afirmar que prazos prescricionais curtos tendem a atrair com maior intensidade a adoção do viés subjetivo da teoria da actio nata, equilibrando, assim, a exiguidade do tempo com a flexibilidade do termo inicial.
Além disso, partindo-se de uma interpretação teleológica, deve-se consignar que não é condizente com a finalidade do instituto imputar eventual inércia ao titular de um direito sem que este saiba ou deva razoavelmente saber que é titular de uma pretensão exercitável.
Em outras palavras, deve-se observar que, a rigor, a impossibilidade de conhecer, desde logo, o nascimento da pretensão é fator que faz protrair o dies a quo do prazo prescricional.
Nessa esteira de intelecção, a doutrina leciona que “se assim não ocorresse, seria punido quem não ficou ‘inerte’, pois nem sempre a não-ação tem como causa a inércia. Esta é a ausência de atividade quando esta (atividade) teria sido possível e, portanto, exigível”.
Nesse sentido, a Terceira Turma do STJ já teve a oportunidade de ressaltar que, em determinadas hipóteses deve-se, de fato, adotar o viés subjetivo da teoria da actio nata, “sob pena de reputar iniciado o prazo prescricional quando o lesado nem sequer detinha a possibilidade de exercer sua pretensão, em claro descompasso com a finalidade do instituto da prescrição e com a boa-fé objetiva, princípio vetor do Código Civil” (AgInt no AREsp 876.731/DF, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 15/09/2016, DJe 30/09/2016).
Desse modo, pode-se afirmar que outro critério a ser adotado para se perquirir a possibilidade de aplicação excepcional da vertente subjetiva da teoria da actio nata consiste em verificar, em cada hipótese concreta, se, a partir do postulado normativo da razoabilidade, o credor tinha ou devia ter conhecimento do nascimento da pretensão, o que deve ser apurado de acordo com a boa-fé objetiva e com standards objetivos de atuação do homem médio, devendo-se afastar, desde logo, hipóteses de culpa grave que atente, de modo extraordinariamente elevado, contra o cuidado exigível no tráfego.
A par destas considerações, deve-se adicionar à análise a clássica distinção entre responsabilidade civil por ato ilícito relativo e por ato ilícito absoluto.
Como cediço, a partir do exame do conteúdo eficacial das relações jurídicas é possível subdividi-las em relações jurídicas de direito relativo e relações jurídicas de direito absoluto.
As relações jurídicas de direito relativo são aquelas que possuem sujeito passivo determinado ou determinável, de tal modo que as posições jurídicas do sujeito ativo são direcionadas, exclusivamente, ao sujeito passivo, ao qual são impostas as correlatas posições jurídicas passivas. São exemplos dessa espécie de relação as relações jurídicas obrigacionais.
Nesse diapasão, eventual violação das referidas posições jurídicas ensejará a denominada responsabilidade civil por ato ilícito relativo, comumente chamada de responsabilidade civil contratual. A título de exemplo pode-se mencionar as hipóteses de inadimplemento, mora, adimplemento ruim, etc.
Por outro lado, as relações jurídicas de direito absoluto são aquelas que possuem sujeito passivo indeterminado – o chamado sujeito passivo total ou universal. São exemplos as relações jurídicas de direito real (p. ex. a relação jurídica de propriedade) e a relação jurídica de direitos da personalidade.
Com efeito, nas relações jurídicas de direito absoluto, as posições jurídicas titularizadas pelo sujeito ativo são oponíveis erga omnis, isto é, não contra um sujeito determinado, mas sim contra o sujeito passivo total ou universal, a quem é imposto um dever geral de abstenção.
A título de exemplo, pode-se mencionar que o titular de determinado direito da personalidade ou direito real, por exemplo, é titular de uma pretensão consubstanciada no poder de exigir que todos os demais indivíduos se abstenham de violar esse seu direito.
A violação de posição jurídica ativa conteúdo de relação jurídica de direito absoluto dá ensejo à responsabilidade por ato ilícito absoluto, que representa, a rigor, desrespeito ao mencionado dever geral de abstenção e que, via de regra, recebe o epíteto de responsabilidade civil extracontratual.
É a hipótese, por exemplo, da prática do ato ilícito previsto nos arts. 186 e 927, do CC/2002.
Diante destas considerações, importa consignar que o viés subjetivo da teoria da actio nata encontra maior campo de aplicação na hipótese de responsabilidade civil por ato ilícito absoluto (= responsabilidade civil extracontratual), pois da própria natureza jurídica desta espécie de responsabilidade e, sobretudo, da presença do sujeito passivo universal, decorre uma maior dificuldade para o credor determinar o causador e a extensão do dano sofrido.
Tratando-se de sujeito passivo total ou universal e, portanto, de violação de um dever geral de abstenção a todos imposto, é lógico e razoável concluir que o credor terá maior dificuldade para tomar conhecimento da lesão, da sua extensão e do agente que praticou o ato ilícito.
Em âmbito jurisprudencial, a Terceira Turma do STJ, no julgamento do REsp 1.711.581/PR, ressaltou que, muito embora se admita a aplicação do viés subjetivo da teoria da actio nata em determinadas situações, esta “tem sido aplicada por esta Corte em casos de ilícitos extracontratuais nos quais a vítima não tem como conhecer a lesão a sua esfera jurídica no momento em que ocorrida”, prestigiando o acesso à justiça.
No mesmo sentido, também a Quarta Turma, no julgamento do REsp 1.354.348/RS, fixou o entendimento de que “na responsabilidade contratual, em regra, o termo inicial da contagem dos prazos de prescrição encontra-se na lesão ao direito, da qual decorre o nascimento da pretensão, que traz em seu bojo a possibilidade de exigência do direito subjetivo violado, nos termos do disposto no art. 189 do Código Civil, consagrando a tese da actio nata no ordenamento jurídico pátrio. Contudo, na responsabilidade extracontratual, a aludida regra assume viés mais humanizado e voltado aos interesses sociais, admitindo-se como marco inicial não mais o momento da ocorrência da violação do direito, mas a data do conhecimento do ato ou fato do qual decorre o direito de agir, sob pena de se punir a vítima por uma negligência que não houve, olvidando-se o fato de que a aparente inércia pode ter decorrido da absoluta falta de conhecimento do dano” (REsp 1.354.348/RS, Quarta Turma, julgado em 26/08/2014, DJe 16/09/2014).
Assim, pode-se afirmar que, em regra, o viés subjetivo da teoria da actio nata possui maior afinidade com as hipóteses de responsabilidade civil por ato ilícito absoluto, estabelecendo-se como termo a quo do prazo prescricional a data do conhecimento, pelo titular, do nascimento da pretensão.
Por fim, deve-se apontar como critério serviente a guiar o intérprete na determinação do dies a quo dos prazos prescricionais a própria escolha levada a efeito pelo direito positivo.
De fato, em algumas hipóteses o próprio legislador, de maneira expressa, impõe a adoção da vertente subjetiva da teoria da actio nata.
É o que se verifica, por exemplo, no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor – ao estatuir que o prazo prescricional se inicia a partir do conhecimento do dano e de sua autoria pelo consumidor – e no art. 206, § 1º, II, “b”, do Código Civil, ao estabelecer que, nos contratos de seguro em geral, o termo a quo do prazo prescricional é a “ciência do fato gerador da pretensão”.
Destarte, é seguro afirmar que o sistema subjetivo de determinação do dies a quo deve prevalecer sempre que, por razões de política legislativa, a legislação expressamente o adotar.
Assim, ainda que de modo não exaustivo e não cumulativo, pode-se concluir que são critérios que indicam a tendência de adoção do viés subjetivo da teoria da actio nata: a) a submissão da pretensão a prazo prescricional curto; b) a constatação, na hipótese concreta, de que o credor tinha ou deveria ter ciência do nascimento da pretensão, o que deve ser apurado a partir da boa-fé objetiva e de standards de atuação do homem médio; c) o fato de se estar diante de responsabilidade civil por ato ilícito absoluto; e d) a expressa previsão legal a impor a aplicação do sistema subjetivo.
No caso, importa consignar que se está diante de pretensões indenizatórias e compensatórias, ambas submetidas ao prazo prescricional trienal previsto no art. 206, § 3º, V, do CC/2002. Cuida-se, portanto, de pretensões submetidas a prazo prescricional curto.
Além disso, tratando-se, na origem, de ação de reparação por danos materiais e morais em virtude da indevida utilização do nome do autor para figurar como falso ocupante de cargo em comissão, infere-se que a causa de pedir da presente demanda é, exata e precisamente, a configuração de responsabilidade civil por ato ilícito absoluto (responsabilidade civil extracontratual).
Some-se a isso o fato de que, na espécie, a adoção do viés objetivo da teoria da actio nata, estabelecendo-se como termo inicial do prazo prescricional a data em que o autor foi exonerado, conduziria à flagrante injustiça em prejuízo do jurisdicionado que foi prejudicado por conduta de ex-deputado estadual que o nomeou como funcionário fantasma sem o seu conhecimento.
Com efeito, não se revela condizente com o postulado da razoabilidade supor – tomando como critério de atuação a boa-fé objetiva e o comportamento esperado do homem médio – que o autor soubesse ou devesse saber que havia sido nomeado, sem o seu consentimento e clandestinamente, como “funcionário fantasma” na Assembleia Legislativa do Estado por meio da indevida utilização de seus dados pessoais.
Tampouco se extrai do arcabouço fático qualquer indício de negligência grosseira ou atuação com culpa grave por parte do autor capaz de afastar a presunção de boa-fé que milita a seu favor quando alega o desconhecimento da existência do ato ilícito de que foi vítima.
Ressalte-se que o simples fato de o sítio eletrônico do Google e de outros motores de buscas na internet estarem operando normalmente desde o alegado evento danoso, não significa, por si só, que seja razoável supor que todo cidadão deva, diariamente, efetuar esta espécie de pesquisa.
Essa situação revela-se ainda mais grave quando se imagina, ao menos em tese, a possibilidade de utilização do nome e dos dados pessoais de cidadãos vulneráveis que não possuem qualquer acesso à rede mundial de computadores ou que residem em locais remotos e que, portanto, não teriam condições de evitar a consumação da prescrição em seu desfavor.
Tais pessoas, nesse contexto, poderiam ser facilmente utilizadas para esquemas deste jaez e seriam prejudicadas pela prescrição, caso se adotasse o viés objetivo da teoria da actio nata.
São critérios que indicam a tendência de adoção excepcional do viés subjetivo da teoria da actio nata: a) a submissão da pretensão a prazo prescricional curto; b) a constatação, na hipótese concreta, de que o credor tinha ou deveria ter ciência do nascimento da pretensão, o que deve ser apurado a partir da boa-fé objetiva e de standards de atuação do homem médio; c) o fato de se estar diante de responsabilidade civil por ato ilícito absoluto; e d) a expressa previsão legal a impor a aplicação do sistema subjetivo.
RECURSO ESPECIAL
Não é cabível a adjudicação compulsória de imóvel pelos promitentes compradores de unidades autônomas adquiridas de incorporadora não titular do domínio do terreno e sem o devido registro do memorial de incorporação no Cartório de Registro de Imóveis.
REsp 1.770.095-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/05/2022. (Info 736)
A Associação dos Promitentes Compradores do Edifício Monte promoveu ação em desfavor de Martins Construtora e Incorporadora postulando a declaração da nulidade de ato jurídico e o cancelamento e alteração de escritura pública. Narra o causo que o imóvel em que o edifício seria construído foi cedido à Martins Construtora mediante permuta para construção de edifício. Essa, por sua vez, cedeu o à Consult. E assim foi lançado o empreendimento “Residencial Monte” e as unidades autônomas comercializadas.
Porém, aproveitando-se de que a anterior permuta e a incorporação não haviam sido registradas no Cartório de Registro de Imóveis, a cessionária Consult alienou o terreno a terceiros. A Associação requereu o direito de realizar a adjudicação compulsória do imóvel.
Lei n. 4.591/1964:
Art. 28. As incorporações imobiliárias, em todo o território nacional, reger-se-ão pela presente Lei.
Parágrafo único. Para efeito desta Lei, considera-se incorporação imobiliária a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas, (VETADO).
Art. 32. O incorporador somente poderá alienar ou onerar as frações ideais de terrenos e acessões que corresponderão às futuras unidades autônomas após o registro, no registro de imóveis competente, do memorial de incorporação composto pelos seguintes documentos:
§ 2o Os contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas são irretratáveis e, uma vez registrados, conferem direito real oponível a terceiros, atribuindo direito a adjudicação compulsória perante o incorporador ou a quem o suceder, inclusive na hipótese de insolvência posterior ao término da obra. (Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004) (Revogado Pela Medida Provisória nº 1.085, de 2021)
CC:
Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.
R: Nooops!!!!
Quanto à possibilidade de adjudicação do imóvel, cumpre relembrar que a incorporação imobiliária é regida pela Lei n. 4.591/1964 e, como se depreende do seu art. 28, parágrafo único, envolve a promessa de venda de uma coisa futura, composta por edificações erguidas em um único terreno, sobre as quais haverá titularidade exclusiva da unidade ocupada pelo adquirente (apartamento, conjunto comercial ou casa), mas compartilhada a propriedade do terreno com os demais adquirentes, em regime de condomínio.
A legislação de regência foi promulgada com o intuito de se atribuir segurança jurídica a uma situação fática comumente adotada na dinâmica dos negócios jurídicos, mediante a subversão do princípio da acessão – segundo o qual tudo que se acede ao solo é de propriedade do dono do terreno – e a garantia ao adquirente de que a coisa será entregue conforme as características prometidas no contrato.
Em face disso, há uma obrigação legal imputada ao incorporador de levar a registro na matrícula do imóvel a ser incorporado o memorial de incorporação, que, segundo a redação original do art. 32 da Lei n. 4.591/1964, vigente ao tempo da assinatura dos contratos ora em análise, é composto, entre outros documentos, do título de propriedade de terreno, ou de promessa, irrevogável e irretratável, de compra e venda ou de cessão de direitos ou de permuta do qual conste cláusula de imissão na posse do imóvel.
Da leitura do dispositivo legal, verifica-se a possibilidade de o incorporador não possuir o prévio domínio do terreno sobre o qual será edificado o prédio, o que, contudo, não o isenta da apresentação de títulos capazes de demonstrar que a futura transferência da propriedade da unidade autônoma poderá ser efetivada.
Sendo assim, com a pretensão de se conceder mais segurança aos contratantes, o incorporador poderá negociar as unidades autônomas somente após arquivar, no Cartório de Registro de Imóveis competente, os documentos elencados na lei. Vale dizer, enquanto não registrado o memorial de incorporação, o incorporador não está autorizado a comercializar as unidades autônomas futuras.
Reforçando a proteção ao promitente comprador, o § 2º do art. 32 da Lei n. 4.591/1964 determinava que os contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas são irretratáveis e, uma vez registrados, conferem direito real oponível a terceiros, atribuindo direito à adjudicação compulsória perante o incorporador ou a quem o suceder, inclusive na hipótese de insolvência posterior ao término da obra.
Na mesma linha, o art. 43, VI, da Lei n. 4.591/1964 prevê a possibilidade de o incorporador ser destituído pela maioria absoluta dos votos dos adquirentes das unidades autônomas quando, sem justa causa, paralisar as obras por mais de 30 (trinta) dias ou retardar-lhes excessivamente o andamento.
Contudo, para que se viabilize a destituição do incorporador é indispensável a formalização da incorporação, configurando um requisito mínimo de segurança jurídica aos negócios jurídicos que envolvam o imóvel e aos terceiros que deles venham a participar de boa-fé.
No caso, levando-se em consideração que não houve o registro do memorial de incorporação e que não houve nenhuma formalização da transferência do imóvel para a suposta incorporadora, não se mostra possível a destituição desta e a adjudicação compulsória do imóvel pelos promitentes compradores em razão do não preenchimento dos requisitos legais.
Relembre-se que os promitentes compradores de imóveis somente adquirem o direito real de propriedade após o registro do instrumento público ou particular no Cartório de Registro de Imóveis (art. 1.417 do CC), de maneira que a deliberação tomada em assembleia pela maioria absoluta dos adquirentes, para destituir a incorporadora, não tem o condão de fazer surgir o direito real quando o alienante não possui o domínio e não levou a registro a incorporação.
Entretanto, cumpre registrar que a jurisprudência desta Corte Superior tem considerado que o descumprimento da obrigação de registro do memorial de incorporação pelo incorporador não implica a invalidade ou nulidade do contrato de compromisso de compra e venda, pois este gera efeitos obrigacionais entre as partes e, até mesmo, contra terceiros.
Assim, a melhor solução à espécie é, afirmando a validade das promessas de compra e venda, rescindir os contratos e reconhecer a responsabilidade da suposta incorporadora pelas perdas e danos suportados pelos adquirentes em decorrência do descaso e oportunismo perpetrados por aquela.
Não é cabível a adjudicação compulsória de imóvel pelos promitentes compradores de unidades autônomas adquiridas de incorporadora não titular do domínio do terreno e sem o devido registro do memorial de incorporação no Cartório de Registro de Imóveis.
AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
No contrato de financiamento garantido por cédula rural hipotecária, na forma do Decreto-Lei n. 73/1966, a ausência de previsão específica do seguro por morte não conduz à quitação do contrato.
AgInt nos EDcl no AgInt no AREsp 954.650-BA, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Rel. Acd. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por maioria, julgado em 10/05/2022. (Info 736)
Nerso firmou um contrato de financiamento garantido por cédula rural hipotecária, na forma do Decreto-Lei n. 73/1966. No contrato não foi incluída previsão específica do seguro por morte.
Ocorre que Nerso veio a falecer e seus sucessores sustentam que o fato levaria à quitação do contrato, ainda que sem previsão específica de seguro neste sentido, o que era obrigatório de acordo com a legislação então vigente.
Decreto-Lei n. 167/1967:
Art 76. Serão segurados, até final resgate da cédula, os bens nela descritos e caracterizados, observada a vigente legislação de seguros obrigatórios.
Decreto-Lei n. 73/1966:
Art 20. Sem prejuízo do disposto em leis especiais, são obrigatórios os seguros de:
l) danos pessoais causados por veículos automotores de vias terrestres e por embarcações, ou por sua carga, a pessoas transportadas ou não;
Art 21. Nos casos de seguros legalmente obrigatórios, o estipulante equipara-se ao segurado para os eleitos de contratação e manutenção do seguro.
R: Noooppss!!!
Inicialmente cumpre salientar que, na hipótese, sobressai como incontroversa a inexistência da contratação de seguro nos moldes como previsto no contrato de financiamento, seja por iniciativa do mutuário, seja por iniciativa da instituição financeira.
Por outro lado, é bem de ver que o contrato de mútuo em debate foi garantido por cédula rural hipotecária, cuja legislação de regência, à época, previa a obrigatoriedade de contratação de seguro para a emissão da cédula.
O seguro por morte do mutuário, que muito se assemelha ao seguro contratado pela espécie prestamista, tem como objetivo garantir ao estipulante do seguro (o credor do financiamento) a quitação do saldo devedor do contrato no caso da ocorrência de sua morte.
É sabido que no seguro firmado pela modalidade prestamista, a instituição concedente do crédito, que figurará como estipulante e beneficiária do seguro, realiza a contração de apólice coletiva de seguro – em nome e às expensas dos segurados – a fim de que seja garantida à instituição o pagamento do saldo devedor (correspondente ao valor segurado) no caso da ocorrência de morte do mutuário (segurado).
Ademais, a cobertura securitária prevista no contrato coincide com o seguro legalmente exigido (seguro obrigatório) para a emissão das cédulas de crédito rural, na forma do que prevêem os art. 76 do Decreto-Lei n. 167/1967 e art. 20, inciso “i” do Decreto-Lei n. 73/1966.
Portanto, não há falar em seguro obrigatório por morte do mutuário, recaindo a exigência legal apenas sobre os bens dados em garantia.
Nessa linha de intelecção, adotada a premissa de que não houve a contratação do seguro da espécie prestamista, o qual, não se constitui como modalidade obrigatória na espécie contratual em debate, não se evidencia fundamento legal ou contratual que conduza à quitação do saldo devedor na espécie.
Com efeito, a tese somente encontraria guarida no caso de previsão no contrato de financiamento garantido por cédula rural exigisse a contratação de seguro obrigatório exclusivamente pelo mutuário, isentando por completo a instituição financeira credora, tendo em vista a expressa previsão constante do art. 21 do Decreto-Lei n. 73/1966 no sentido de que, no seguro obrigatório “o estipulante equipara-se ao segurado para os efeitos de contratação e manutenção do seguro”, considerando-se estipulante, para efeitos do referido Decreto-lei, “a pessoa que contrata seguro por conta de terceiros, podendo acumular a condição de beneficiário”.
Em outros termos, nos seguros obrigatórios – que não é o caso em exame – a instituição financeira é que deverá contratar o seguro, ainda que às expensas do devedor, figurando assim como beneficiária direta do seguro no caso do implemento do risco, qual seja, a perda do crédito.
Destarte, no contrato de financiamento garantido por cédula rural hipotecária, na forma do Decreto-Lei n. 73/1966, a ausência de previsão específica do seguro por morte não conduz à quitação do contrato.
No contrato de financiamento garantido por cédula rural hipotecária, na forma do Decreto-Lei n. 73/1966, a ausência de previsão específica do seguro por morte não conduz à quitação do contrato.
RECURSO ESPECIAL
O início da execução de sentença proferida em ação coletiva referente à obrigação de fazer, em regra, não influi no prazo prescricional da execução da obrigação de pagar, salvo se reconhecida a dependência na decisão transitada em julgado ou no juízo da execução.
REsp 1.687.306-PB, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Rel. Acd. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por maioria, julgado em 08/03/2022, DJe 07/04/2022. (Info 736)
O Sindicato dos Professores de uma Universidade ajuizou ação na qual foi deferida a implantação de certa rubrica na folha de pagamento (obrigação de fazer) e reajuste nos salários dos mesmos professores (obrigação de pagar). Em 25/03/2002, o Sindicato promoveu a execução do julgado.
Porém, em 7/5/2010, o magistrado julga procedente os embargos, declarando extinta a obrigação de fazer (implantação), em face da inexigibilidade do título judicial, reconhecendo naquele momento que remanescia apenas o direito dos substituídos processuais ao cumprimento da obrigação de pagar relativa às parcelas vencidas, calculadas até o advento da reestruturação. A decisão transitou em julgado em 07/10/2010.
Em 10/10/2012, o Sindicato promoveu nova execução em relação a obrigação de pagar, mas a Universidade alega ter ocorrido a prescrição.
Decreto n. 20.910/1932:
Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.
Súmula 150 do STF:
“Prescreve a execução no mesmo prazo da prescrição da ação”.
R: Nooops!!!! SALVO se reconhecida a dependência na decisão transitada em julgado ou no juízo da execução!!
A controvérsia visa definir se a propositura da execução de obrigação de fazer interrompe, ou não, a fluência do prazo prescricional para a propositura da ação executiva da obrigação de pagar, relativa ao reajuste de servidores no percentual de 28,86%.
No que concerne à prescrição contra a Fazenda Pública, o artigo 1º do Decreto n. 20.910/1932 prevê que a pretensão prescreve em cinco anos contados da data do fato ou ato que originou a dívida. Ainda, nos termos da Súmula 150 do STF: “Prescreve a execução no mesmo prazo da prescrição da ação”.
Sobre o tema, a Corte Especial, por ocasião do julgamento do Recurso Especial n. 1.340.444/RS, debateu o tema de forma ampla, onde se reiterou a jurisprudência no sentido de que o ajuizamento de execução da obrigação de fazer não interrompe o prazo prescricional para a propositura da execução que visa o cumprimento da obrigação de pagar. Contudo, o precedente consignou que tal entendimento não se aplica nos casos em que a decisão transitada em julgado ou o juízo de execução tenha fixado condicionamento diverso.
Em outras palavras, excepciona-se a regra nas hipóteses em que a própria decisão transitada em julgado ou o juízo da execução, reconheça que a execução de um tipo de obrigação dependa necessariamente da prévia execução de outra espécie de obrigação.
Essa é exatamente a hipótese, porquanto somente com a finalização da obrigação de fazer (implementação em folha) houve a certeza dos valores devidos, possibilitando, assim, a propositura da execução da obrigação de pagar valores pretéritos.
O início da execução de sentença proferida em ação coletiva referente à obrigação de fazer, em regra, não influi no prazo prescricional da execução da obrigação de pagar, salvo se reconhecida a dependência na decisão transitada em julgado ou no juízo da execução.
RECURSO ESPECIAL
Na hipótese de desistência da ação de desapropriação por utilidade pública, face a inexistência de condenação e de proveito econômico, os honorários advocatícios sucumbenciais observam o valor atualizado da causa, assim como os limites da Lei das Desapropriações.
REsp 1.834.024-MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 10/05/2022. (Info 736)
O Estado de Minas Gerais ajuizou ação de ação de desapropriação por utilidade pública. Porém, algum tempo após o ajuizamento, o Estado Mineiro optou pela desistência da ação.
Iniciou-se então a discussão acerca da fixação dos honorários advocatícios em favor da ré, uma vez inexistentes condenação e proveito econômico.
Decreto-Lei n. 3.365/1941:
Art. 27. O juiz indicará na sentença os fatos que motivaram o seu convencimento e deverá atender, especialmente, à estimação dos bens para efeitos fiscais; ao preço de aquisição e interesse que deles aufere o proprietário; à sua situação, estado de conservação e segurança; ao valor venal dos da mesma espécie, nos últimos cinco anos, e à valorização ou depreciação de área remanescente, pertencente ao réu.
§ 1o A sentença que fixar o valor da indenização quando este for superior ao preço oferecido condenará o desapropriante a pagar honorários do advogado, que serão fixados entre meio e cinco por cento do valor da diferença, observado o disposto no § 4o do art. 20 do Código de Processo Civil, não podendo os honorários ultrapassar R$ 151.000,00 (cento e cinqüenta e um mil reais). (Redação dada Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001) (Vide ADIN Nº 2332)
Art. 30. As custas serão pagas pelo autor se o réu aceitar o preço oferecido; em caso contrário, pelo vencido, ou em proporção, na forma da lei.
CPC/2015:
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:
I – o grau de zelo do profissional;
II – o lugar de prestação do serviço;
III – a natureza e a importância da causa;
IV – o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
R: O valor da causa e os limites da Lei das Desapropriações!!!
As despesas processuais em sentido amplo referentes à ação de desapropriação são reguladas pelo Decreto-Lei n. 3.365/1941. A regra de definição da responsabilidade pelo seu ônus financeiro (art. 30) é essencialmente a mesma da codificação processual civil: quem perde a demanda é responsável pelo seu pagamento.
O problema está, no entanto, na hipótese em que não há claramente um vencedor nem um perdedor, como na quadra da extinção processual anômala por desistência da ação.
Em tal hipótese o princípio da sucumbência dá lugar ao mais abrangente, da causalidade, atribuindo-se, pois, a responsabilidade pelo ônus financeiro do processo àquele que deu causa à demanda.
No tocante aos honorários advocatícios sucumbenciais há mais especificidades do que para a regra geral das demais despesas lato sensu.
A regra do art. 27, § 1º, do Decreto-Lei n. 3.365/1941, é incompleta por trazer apenas a disciplina da hipótese em que a pretensão desapropriatória é acolhida por um preço superior ao da oferta inicial, quando, então, os honorários serão estabelecidos entre meio e cinco por cento da diferença entre ambos, preço fixado e oferta feita, cabendo referir que a parte final, de limitação a um valor determinado, foi considerada inconstitucional por força da ADI 2.332/DF, rel. Ministro Roberto Barroso.
Não contempla, contudo, toda a sorte de resultados possíveis, como, por exemplo, a rejeição simplesmente da pretensão, ou casos como o presente, de desistência, daí que nessas hipóteses é de serem observadas cum grano salis as regras gerais da codificação processual civil, no caso a de 2015, vez que a sentença foi prolatada em momento posterior à sua vigência.
Assim, se aplicam os limites do Decreto-Lei n. 3.365/1941 em detrimento daqueles previstos no CPC/2015, isso sendo um ponto em que o acórdão merece reparo, já que observou as faixas de condenação previstas no § 3º do art. 85, que a seu turno observam como balizas o intervalo entre dez e vinte por cento.
No entanto, com relação à base de cálculo há prevalecer a regra do art. 85, § 2º, do CPC/2015.
Nesse sentido, a regra transportada estabelece uma ordenação a ser observada na estipulação dos honorários, que primeiramente atenderão o valor da condenação, e em seguida o do proveito econômico, daí que somente na impossibilidade de se mensurar os dois primeiros se terá como parâmetro o valor atualizado da causa.
Desse modo, ao considerar que não houve condenação e que a parte ré não obteve proveito econômico nenhum, porque permaneceu com a mesma situação de antes da demanda, isto é, proprietária do imóvel antes sujeito à pretensão desapropriatória, o parâmetro há de ser o valor atualizado da causa.
Na hipótese de desistência da ação de desapropriação por utilidade pública, face a inexistência de condenação e de proveito econômico, os honorários advocatícios sucumbenciais observam o valor atualizado da causa, assim como os limites da Lei das Desapropriações.
RECURSO ESPECIAL
Após o advento da Lei n. 9.876/1999, e para fins de cálculo do benefício de aposentadoria, no caso do exercício de atividades concomitantes pelo segurado, o salário-de-contribuição deverá ser composto da soma de todas as contribuições previdenciárias por ele vertidas ao sistema, respeitado o teto previdenciário.
REsp 1.870.793-RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 11/05/2022. (Tema 1070) (Info 736)
Crementino exerceu duas atividades laborais concomitantemente e realizou contribuições sociais corretamente em cada uma delas. Ocorre que, ao requerer um benefício ao INSS, as contribuições não foram somadas ao calcular o salário de contribuição.
Inconformado, ajuizou ação judicial para reverter a situação. Em recurso, o TRF local compreendeu que a partir de 1°/4/2003, com a extinção da escala de salário-base pela Lei 10.666/2003, teria ocorrido a derrogação do art. 32 da Lei n. 8.213/1991, tornando possível a soma dos salários-de-contribuição das atividades exercidas concomitantemente. Contra a decisão, o INSS interpôs recurso especial.
Lei n. 8.213/1991:
Art. 32. O salário de benefício do segurado que contribuir em razão de atividades concomitantes será calculado com base na soma dos salários de contribuição das atividades exercidas na data do requerimento ou do óbito, ou no período básico de cálculo, observado o disposto no art. 29 desta Lei.
Lei n. 10.666/2003:
Art. 9o Fica extinta a escala transitória de salário-base, utilizada para fins de enquadramento e fixação do salário-de-contribuição dos contribuintes individual e facultativo filiados ao Regime Geral de Previdência Social, estabelecida pela Lei no 9.876, de 26 de novembro de 1999.
R: SIM, desde que respeitado o teto previdenciário!!!
Segundo a redação original dos incisos I, II e III do art. 32 da Lei n. 8.213/1991, que tratavam do cálculo dos benefícios previdenciários devidos no caso de atividades concomitantes, a soma integral dos salários-de-contribuição, para fins de apuração do salário-de-benefício, somente seria possível nas hipóteses em que o segurado reunisse todas as condições para a individual concessão do benefício em cada uma das atividades por ele exercida.
O Período Básico de Cálculo – PBC do benefício previdenciário tinha por limite os últimos 48 (quarenta e oito meses) meses da vida contributiva do segurado, tendo por base, no máximo, os maiores 36 (trinta e seis) salários-de-contribuição.
O espírito do referido art. 32 da Lei n. 8.213/1991, mormente no que tocava ao disposto em seus incisos II e III, era o de impedir que, às vésperas de implementar os requisitos necessários à obtenção do benefício, viesse o segurado a exercer uma segunda e simultânea atividade laborativa para fins de obter uma renda mensal inicial mais vantajosa, já que seriam considerados os últimos salários-de-contribuição no cômputo de seu salário-de-benefício.
No entanto, a subsequente Lei n. 9.876/1999 alterou a metodologia do cálculo dos benefícios e passou a considerar todo o histórico contributivo do segurado, com a ampliação do período básico de cálculo; a renda mensal inicial, com isso, veio a refletir, de forma mais fiel, a contrapartida financeira por ele suportada ao longo de sua vida produtiva, além de melhor atender ao caráter retributivo do Regime Geral da Previdência Social.
Em acréscimo, com o subsequente advento da Lei n. 10.666/2003, precisamente por seu art. 9º, operou-se, em definitivo, a extinção da escala transitória utilizada para a definição do salário-de-contribuição dos contribuintes individual e facultativo.
Ora, se o objetivo do art. 32 da Lei n. 8.213/1991 era o de inviabilizar eventuais artifícios, de forma a preservar a proporcionalidade dos valores despendidos pelo segurado ao longo de sua vida contributiva, frente ao que lhe seria devido a título de justo benefício previdenciário, com a nova diretriz do art. 29 da Lei n. 8.213/1991, combinada com o art. 9º da Lei n. 10.666/2003, passou-se a debater se ainda existiria lugar para a aplicação dos incisos II e III do art. 32 da Lei n. 8.213/1991.
Nesse contexto, a substancial ampliação do período básico de cálculo – PBC, como promovida pela Lei n. 9.876/1999, possibilitou a compreensão de que, respeitado o teto previdenciário, as contribuições vertidas no exercício de atividades concomitantes podem, sim, ser somadas para se estabelecer o efetivo e correto salário-de-benefício, não mais existindo espaço para aplicação dos incisos do art. 32 da Lei n. 8.213/1991, garantindo-se, com isso, o pagamento de benefício que melhor retrate o histórico contributivo do segurado.
Após o advento da Lei n. 9.876/1999, e para fins de cálculo do benefício de aposentadoria, no caso do exercício de atividades concomitantes pelo segurado, o salário-de-contribuição deverá ser composto da soma de todas as contribuições previdenciárias por ele vertidas ao sistema, respeitado o teto previdenciário.
AGRAVO REGIMENTL NA AÇÃO PENAL
A mera afirmação de que o denunciado ocupa o cargo de desembargador é insuficiente para a incidência da causa de aumento de pena prevista no art. 327, § 2º, do Código Penal.
AgRg na APn 970-DF, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 04/05/2022. (Info 736)
O MPF ofereceu denúncia contra diversos desembargadores de um Tribunal de Justiça em razão do suposto cometimento do crime de corrupção. Porém, em relação a um deles, o MPF deixou de demonstrar que o denunciado ocupava, em tese, à época da perpetração do crime de corrupção passiva, “cargo em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta” para aplicação da causa de aumento do artigo 327, § 2º, do CPP.
CP:
Art. 327 – Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
§ 2º – A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.
R: Nooops!!!!
Nos termos do art. 327, § 2º, do CP, “[a] pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.”
Na espécie, o MPF deixou de demonstrar que o denunciado ocupava, em tese, à época da perpetração do crime de corrupção passiva, “cargo em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta”. CP, art. 327, § 2º.
Por outro lado, a mera afirmação de que o denunciado ocupava o cargo de desembargador, assim como o cargo de parlamentar federal, é insuficiente para a incidência da aludida causa de aumento de pena. Nesse sentido, […] essa causa de aumento, consoante remansosa jurisprudência [no STF] é inaplicável pelo mero exercício do mandato popular: a circunstância de imposição hierárquica deve estar descrita e não é presumível apenas pelo exercício destes cargos. Esse entendimento prevaleceu em recentes julgados [do] Supremo Tribunal Federal em casos análogos (Inq 3.983 Rel. Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, DJe de 12/05/2016; e Inq 3.997 Rel. Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, DJe de 26/09/2016). A jurisprudência [do STF] (Inq 2.606, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, DJe de 02/12/2014), exige, especificamente, para sua incidência, uma imposição hierárquica (Inq 2.191, Rel. Min. Carlos Britto, Tribunal Pleno, DJe de 08/05/2009), que não se acha narrada nos autos, o que inviabiliza (reitera-se: em juízo de subsunção teórica: de aptidão de os fatos descritos – se comprovados – virem a se subsumir nos tipos imputados) seu acatamento imputativo. (STF, Inq 3980, Rel. Min. Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 06/03/2018, DJe-113 08/06/2018).
Em suma, “[é] incabível a causa de aumento do art. 327, § 2º, do Código Penal pelo mero exercício do mandato parlamentar, sem prejuízo da causa de aumento contemplada no art. 317, § 1º. A jurisprudência [do STF], conquanto revolvida nos últimos anos (Inq 2606, Relator(a): Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 11/11/2014, DJe-236 […] 02-12-2014), exige uma imposição hierárquica ou de direção (Inq 2191, Relator(a): Min. Carlos Britto, Tribunal Pleno, julgado em 08/05/2008, […] DJe-084 […] 08-05-2009) que não se acha nem demonstrada nem descrita nos presentes autos.” (STF, Inq 3983, Rel. Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 03/03/2016,DJe-095 12/05/2016).
No presente caso, o MPF deixou de descrever a presença da “circunstância de imposição hierárquica” (STF, Inq 3980, supra), donde a impossibilidade de ela ser presumida “apenas pelo exercício d[o] cargo” de desembargador. (STF, Inq 3980, supra). Então, já era a causa de aumento (não se aplica)!
A mera afirmação de que o denunciado ocupa o cargo de desembargador é insuficiente para a incidência da causa de aumento de pena prevista no art. 327, § 2º, do Código Penal.
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS
A ausência de regulamentação do órgão competente acerca do procedimento de avaliação técnica quanto ao preenchimento dos requisitos da autorização do cultivo e colheita de cannabis sativa para fins medicinais não pode ser suprida pelo Poder Judiciário.
AgRg no RHC 155.610-CE, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 10/05/2022, DJe 13/05/2022. (Info 736)
Creiton impetrou Habeas Corpus preventivo contra ato do TJ que indeferiu seu writ original com a finalidade de obter salvo-conduto para fins de cultivo residencial de cannabis sativa para tratamento de “transtorno ciclotímico”.
O Tribunal negou provimento ao recurso ordinário, diante da proibição do cultivo de referida planta para fins medicinais, o que torna referida conduta elemento do tipo penal descrito no art. 33 da Lei n. 11.343/2006.
Lei n. 11.343/2006:
Art. 2º Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso.
Parágrafo único. Pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas.
R: Nooops!!!!
A autorização para cultivo, colheita, preparo e porte de cannabis sativa e de seus derivados para fins medicinais depende da análise de critérios específicos e técnicos, cuja competência é da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).
Desse modo, a ausência de regulamentação do órgão competente acerca do procedimento de avaliação técnica quanto ao preenchimento dos requisitos da autorização do cultivo e colheita de cannabis sativa para fins medicinais (art. 2º da Lei n. 11.343/2006) não pode ser suprida pelo Poder Judiciário.
Com efeito, incumbe ao interessado, em caso de demora na apreciação ou de indeferimento de pedido, submeter a questão ao Poder Judiciário por meio da via própria na jurisdição cível.
A ausência de regulamentação do órgão competente acerca do procedimento de avaliação técnica quanto ao preenchimento dos requisitos da autorização do cultivo e colheita de cannabis sativa para fins medicinais não pode ser suprida pelo Poder Judiciário.
RECURSO ESPECIAL
Sobrevindo condenação por pena privativa de liberdade no curso da execução de pena restritiva de direitos, as penas serão objeto de unificação, com a reconversão da pena alternativa em privativa de liberdade, ressalvada a possibilidade de cumprimento simultâneo aos apenados em regime aberto e vedada a unificação automática nos casos em que a condenação substituída por pena alternativa é superveniente.
REsp 1.918.287-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. Acd. Min. Laurita Vaz, Terceira Seção, por maioria, julgado em 27/04/2022. (Info 736)
Creosvaldo cumpria pena restritiva de direitos quando sobreveio uma condenação por pena privativa de liberdade. Iniciou-se então a deliberação para definir se a imposição de penas de natureza distinta – restritiva de direitos e privativa de liberdade – a um mesmo apenado, verificada no curso da execução, deve ensejar a unificação e a reconversão da primeira em privativa de liberdade, ante a impossibilidade de cumprimento simultâneo.
Código Penal:
Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:
§ 4o A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão.
§ 5o Sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da execução penal decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior.
Lei de Execuções Penais:
Art. 181. A pena restritiva de direitos será convertida em privativa de liberdade nas hipóteses e na forma do artigo 45 e seus incisos do Código Penal.
§ 1º A pena de prestação de serviços à comunidade será convertida quando o condenado:
a) não for encontrado por estar em lugar incerto e não sabido, ou desatender a intimação por edital;
b) não comparecer, injustificadamente, à entidade ou programa em que deva prestar serviço;
c) recusar-se, injustificadamente, a prestar o serviço que lhe foi imposto;
d) praticar falta grave;
e) sofrer condenação por outro crime à pena privativa de liberdade, cuja execução não tenha sido suspensa.
§ 2º A pena de limitação de fim de semana será convertida quando o condenado não comparecer ao estabelecimento designado para o cumprimento da pena, recusar-se a exercer a atividade determinada pelo Juiz ou se ocorrer qualquer das hipóteses das letras “a”, “d” e “e” do parágrafo anterior.
§ 3º A pena de interdição temporária de direitos será convertida quando o condenado exercer, injustificadamente, o direito interditado ou se ocorrer qualquer das hipóteses das letras “a” e “e”, do § 1º, deste artigo.
R: Yeaph!!!!
O art. 44, § 5º, do Código Penal trata de hipótese de conversão facultativa da pena alternativa, ao dispor que “sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade, por outro, o juiz da execução penal decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior”.
Já a Lei de Execuções Penais prevê no art. 181 a hipótese de conversão das penas de prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana em pena corporal, quando o condenado sofrer condenação “por outro crime à pena privativa de liberdade, cuja execução não tenha sido suspensa”.
Ou seja, a legislação prevê expressamente que a conversão será de rigor quando o apenado em cumprimento de pena restritiva de direitos vem a ser condenado à pena privativa de liberdade.
Dessa forma, os arts. 44, § 5º, do Código Penal e 181, § 1º, e, da Lei n. 7.210/1984, não amparam a conversão na situação inversa, qual seja, aquela em que o apenado já se encontra em cumprimento de pena privativa de liberdade e sobrevém nova condenação em que a pena corporal foi substituída por pena alternativa.
Em tais casos, a conversão não conta com o indispensável amparo legal e ainda ofende a coisa julgada, tendo em vista que o benefício foi concedido em sentença definitiva e, portanto, somente comporta a conversão nas situações expressamente previstas em lei, em especial no art. 44, §§ 4º e 5º, do Código Penal.
A pena restritiva de direitos serve como uma alternativa ao cárcere. Logo, se o julgador reputou adequada a concessão do benefício, a situação do condenado não pode ser agravada por meio de interpretação que amplia o alcance do § 5º do art. 44 do Código Penal em seu prejuízo, notadamente à vista da possibilidade de cumprimento sucessivo das penas.
Sobrevindo condenação por pena privativa de liberdade no curso da execução de pena restritiva de direitos, as penas serão objeto de unificação, com a reconversão da pena alternativa em privativa de liberdade, ressalvada a possibilidade de cumprimento simultâneo aos apenados em regime aberto e vedada a unificação automática nos casos em que a condenação substituída por pena alternativa é superveniente.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA
No crime de estelionato, não identificadas as hipóteses descritas no § 4º do art. 70 do CPP, a competência deve ser fixada no local onde o agente delituoso obteve, mediante fraude, em benefício próprio e de terceiros, os serviços custeados pela vítima.
CC 185.983-DF, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 11/05/2022, DJe 13/05/2022. (Info 736)
Crementino, um ex-funcionário da empresa World, atuante no ramo de turismo, em associação com os outros dois agentes delituosos, teriam simulado contratos de parcerias com empresas terceiras, com a intenção de obter para si vantagens ilícitas: passagens aéreas e reserva de veículos e hotéis.
De acordo com inquérito policial, o estelionatário fazia uso próprio de tais passagens, bem como as repassava para terceiros, obtendo o proveito do crime. A empresa vítima World tem sede em Brasília/DF, contudo Crementino trabalhava como representante comercial na filial localizada no município de São Paulo, onde os golpes teriam sido praticados em conluio com outros dois agentes, também residentes em municípios localizados no Estado de São Paulo.
Foi suscitado o conflito de competência entre o Juiz da Vara Criminal de Brasília e o Juiz da Vara Criminal de Barra Funda-SP.
Código de Processo Penal:
Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.
§ 4º Nos crimes previstos no art. 171 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), quando praticados mediante depósito, mediante emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou mediante transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da vítima, e, em caso de pluralidade de vítimas, a competência firmar-se-á pela prevenção.
R: Ao juiz do local onde o agente delituoso obteve, mediante fraude, em benefício próprio e de terceiros, os serviços custeados pela vítima!!!!
No caso dos autos, um ex-funcionário da empresa vítima, atuante no ramo de turismo, em associação com os outros dois agentes delituosos, teriam simulado contratos de parcerias com empresas terceiras, com a intenção de obter para si vantagens ilícitas, a saber: passagens aéreas e reserva de veículos e hotéis. De acordo com inquérito policial, o estelionatário fazia uso próprio de tais passagens, bem como as repassava para terceiros, obtendo o proveito do crime. A empresa vítima possui sede em Brasília/DF, contudo o ex-funcionário apontado como estelionatário trabalhava como representante comercial na filial localizada no município de São Paulo, onde os golpes teriam sido praticados em conluio com outros dois agentes, também residentes em municípios localizados no Estado de São Paulo.
O núcleo da controvérsia consiste em definir se o julgamento do delito de estelionato compete ao Juízo de Direito da 4ª Vara Criminal de Brasília/DF, considerando-se o local da sede da empresa vítima e de sua agência bancária; ou ao Juízo de Direito da Vara Criminal do Foro Central Barra Funda/SP, em razão do local onde o agente delituoso auferiu o proveito do crime.
O dissenso jurisprudencial retratado nos precedentes colacionados pelos Juízos envolvidos neste conflito deixou de existir com o advento da Lei n. 14.155/2021, que acrescentou o § 4º do art. 70 do Código de Processo Penal – CPP com o seguinte teor: “nos crimes previstos no art. 171 do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), quando praticados mediante depósito, mediante emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou mediante transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da vítima, e, em caso de pluralidade de vítimas, a competência firmar-se-á pela prevenção”.
Todavia, a inovação legislativa disciplinou a competência do delito de estelionato em situações específicas descritas pelo legislador, as quais não ocorrem no caso concreto, porquanto os autos não noticiam a ocorrência transferências bancárias ou depósitos efetuados pela empresa vítima e tampouco de cheque emitido sem suficiente provisão de fundos.
No contexto dos autos, não identificadas as hipóteses descritas no § 4º do art. 70 do CPP deve incidir o teor do caput do mesmo dispositivo legal, segundo o qual “a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução”. Sobre o tema a Terceira Seção do STJ, recentemente, pronunciou-se no sentido de que nas situações não contempladas pela novatio legis, aplica-se o entendimento pela competência do Juízo do local do eventual prejuízo.
No crime de estelionato, não identificadas as hipóteses descritas no § 4º do art. 70 do CPP, a competência deve ser fixada no local onde o agente delituoso obteve, mediante fraude, em benefício próprio e de terceiros, os serviços custeados pela vítima.
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
O indulto é instituto da execução penal, não se estendendo os benefícios da norma instituidora aos presos cautelarmente com direito à detração penal.
AgRg no AREsp 1.887.116-GO, Rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 03/05/2022, DJe 06/05/2022. (Info 736)
Creosvaldo requereu o cômputo do período em que esteve preso cautelarmente na análise de indulto natalino. Porém, o Juízo da execução indeferiu o pedido de reconhecimento da benesse. Por sua vez, o Tribunal de Justiça deu provimento ao agravo em execução para acolher o pleito defensivo, com a posterior decretação da extinção da punibilidade.
R: Nooopsss!!!
Discute-se a possibilidade de utilização da detração penal para fins de indulto.
No entanto, a jurisprudência do STJ é no sentido de que o indulto é instituto da execução penal, não se estendendo os benefícios da norma instituidora, no caso o Decreto Presidencial n. 9.246/1997, aos presos cautelarmente com direito à detração penal, mas apenas aos que cumpriam prisão-pena na ocasião da edição da norma.
O indulto é instituto da execução penal, não se estendendo os benefícios da norma instituidora aos presos cautelarmente com direito à detração penal.
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