Informativo nº 730 (Parte 2) do STJ COMENTADO pintando na telinha (do seu computador, notebook, tablet, celular…) para quem está ligado aqui conosco no Estratégia Carreiras Jurídicas!
Lembrando que, excepcionalmente, considerando que o informativo 730 veio com 28 decisões(!) precisamos cindi-lo em duas partes. Então tivemos Parte 1 e agora aqui está a Parte 2 (estilo temporada de série, saca?!).
RECURSO ESPECIAL
Deve ser reconhecida a ilegitimidade ativa da parte para ajuizar demanda de resolução contratual de arrendamento rural quando se forma coisa julgada em processo em trâmite, no qual se reconhece a resolução do compromisso de compra e venda do imóvel no qual se fundava o alegado direito.
REsp 1.237.567-MT, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 22/03/2022. (Info 730)
Nerso era usufrutuário de uma fazenda e pai de Creosvalda e Tião. Em dezembro de 1997, Leôncio celebrou compromisso de compra e venda com Creosvalda, sua companheira à época (irmã de Tião), para aquisição de fração ideal que a ela pertencia do imóvel rural. Porém, em junho de 2003, o usufrutuário do mesmo imóvel, Nerso, firmou contrato de arrendamento rural da totalidade do imóvel com Tião, para exploração da pecuária extensiva. Em janeiro de 2004, Ch Nerso ico veio a falecer, de modo que o usufruto se extinguiu.
Leôncio entende que em razão de ter adquirido 50% do imóvel e com o levantamento do usufruto, teria sucedido o usufrutuário falecido na posição de arrendante no contrato celebrado em 2003. Ocorre que Tião não efetuou os pagamentos do arrendamento, razão que levou Leôncio a ajuizar ação de ação de resolução de contrato de arrendamento rural, cumulada com pedido de reintegração de posse.
Nesse meio tempo, uma segunda ação foi ajuizada, esta para resolver o compromisso de compra e celebrado lá em 1997 entre Creosvalda e Leôncio, diante de alegado inadimplemento. A ação transitou em julgado em 2011, com a resolução do compromisso de compra e venda do imóvel. Por esta razão, Tião sustenta a ilegitimidade ativa da Leôncio para ajuizar ação de resolução contratual de arrendamento rural.
Código de Processo Civil:
Art. 493. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão.
Parágrafo único. Se constatar de ofício o fato novo, o juiz ouvirá as partes sobre ele antes de decidir.
R: Nooops!!!!
O Código de Processo Civil de 1973 preceituava em seu artigo 462 que: se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença.
A referida regra foi mantida no Novo Código de Processo Civil, cujo artigo 493 assim dispõe: “Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão.”
Isso porque “a tutela jurisdicional deve retratar o contexto litigioso que existe entre as partes da maneira como esse se afigura no momento de sua concessão. Daí a razão pela qual nosso Código de Processo Civil empresta relevo ao direito objetivo e ao direito subjetivo supervenientes à postulação em juízo.
Assim, o julgamento deve refletir o estado de fato da lide no momento da entrega da prestação jurisdicional, de modo que a ocorrência de fato/circunstância jurídica superveniente deve ser considerada quando da apreciação da controvérsia, inclusive no âmbito dos recursos extraordinários, a fim de evitar decisões contraditórias ou violação à coisa julgada posteriormente formada.
Deve ser reconhecida a ilegitimidade ativa da parte para ajuizar demanda de resolução contratual de arrendamento rural quando se forma coisa julgada em processo em trâmite, no qual se reconhece a resolução do compromisso de compra e venda do imóvel no qual se fundava o alegado direito.
RECURSO ESPECIAL
a) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação; b) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN); c) o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente.
REsp 1.937.821-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 24/02/2022, DJe 03/03/2022. (Tema 1113) (Info 730)
O Município de São Paulo interpôs recurso especial contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas que entendeu que o ITBI deveria ser calculado sobre o valor do negócio jurídico realizado ou sobre o valor venal do imóvel para fins de IPTU, aquele que for maior, afastando o “valor de referência”.
Conforme o Município, a base de cálculo do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) não estaria vinculada à do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), pois, enquanto o valor venal para fins de determinação do cálculo do ITBI deve refletir o valor real de mercado, o valor venal utilizado no lançamento do IPTU é “atribuído por estimativa”.
CTN:
Art. 35. O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador:
I – a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil;
II – a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia;
III – a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II.
Parágrafo único. Nas transmissões causa mortis, ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos sejam os herdeiros ou legatários.
Art. 38. A base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos.
Art. 148. Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial.
R: O valor “de mercado”!
A jurisprudência pacífica do STJ é no sentido de que, embora o Código Tributário Nacional estabeleça como base de cálculo do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) o “valor venal”, a apuração desse elemento quantitativo faz-se de formas DIVERSAS, notadamente em razão da distinção existente entre os fatos geradores e a modalidade de lançamento desses impostos.
Os arts. 35 e 38 do CTN dispõem, respectivamente, que o fato gerador do ITBI é a transmissão da propriedade ou de direitos reais imobiliários ou a cessão de direitos relativos a tais transmissões e que a base de cálculo do tributo é o “valor venal dos bens ou direitos transmitidos”, que corresponde ao valor considerado para as negociações de imóveis em condições normais de mercado.
A possibilidade de dimensionar o valor dos imóveis no mercado, segundo critérios, por exemplo, de localização e tamanho (metragem), não impede que a avaliação de mercado específica de cada imóvel transacionado oscile dentro do parâmetro médio, a depender, por exemplo, da existência de outras circunstâncias igualmente relevantes e legítimas para a determinação do real valor da coisa, como a existência de benfeitorias, o estado de conservação e os interesses pessoais do vendedor e do comprador no ajuste do preço.
O ITBI comporta apenas duas modalidades de lançamento originário: por declaração, se a norma local exigir prévio exame das informações do contribuinte pela Administração para a constituição do crédito tributário, ou por homologação, se a legislação municipal disciplinar que caberá ao contribuinte apurar o valor do imposto e efetuar o seu pagamento antecipado sem prévio exame do ente tributante.
Os lançamentos por declaração ou por homologação se justificam pelas várias circunstâncias que podem interferir no específico valor de mercado de cada imóvel transacionado, circunstâncias cujo conhecimento integral somente os negociantes têm ou deveriam ter para melhor avaliar o real valor do bem quando da realização do negócio, sendo essa a principal razão da impossibilidade prática da realização do lançamento originário de ofício, ainda que autorizado pelo legislador local, pois o fisco não tem como possuir, previamente, o conhecimento de todas as variáveis determinantes para a composição do valor do imóvel transmitido.
Em face do princípio da boa-fé objetiva, o valor da transação declarado pelo contribuinte presume-se condizente com o valor médio de mercado do bem imóvel transacionado, presunção que somente pode ser afastada pelo fisco se esse valor se mostrar, de pronto, incompatível com a realidade, estando, nessa hipótese, justificada a instauração do procedimento próprio para o arbitramento da base de cálculo, em que deve ser assegurado ao contribuinte o contraditório necessário para apresentação das peculiaridades que amparariam o quantum informado (art. 148 do CTN).
A prévia adoção de um valor de referência pela Administração configura indevido lançamento de ofício do ITBI por mera estimativa e subverte o procedimento instituído no art. 148 do CTN, pois representa arbitramento da base de cálculo sem prévio juízo quanto à fidedignidade da declaração do sujeito passivo
a) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação;
b) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN);
c) o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente.
RECURSO ESPECIAL
(a) Aplicabilidade das teses firmadas no Tema 952/STJ aos planos coletivos, ressalvando-se, quanto às entidades de autogestão, a inaplicabilidade do CDC. (b) A melhor interpretação do enunciado normativo do art. 3°, II, da Resolução n. 63/2003, da ANS, é aquela que observa o sentido matemático da expressão “variação acumulada”, referente ao aumento real de preço verificado em cada intervalo, devendo-se aplicar, para sua apuração, a respectiva fórmula matemática, estando incorreta a simples soma aritmética de percentuais de reajuste ou o cálculo de média dos percentuais aplicados em todas as faixas etárias.
REsp 1.716.113-DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 23/03/2022. (Tema 1016). (Info 730)
Virso ajuizou ação contra o plano de saúde Caxxi por meio da qual foi declarada a nulidade da cláusula contratual que tratava de reajuste por faixa etária (que previu o aumento da prestação em 67,57% a partir de 59 anos de idade), para que a parcela mensal fosse recalculada utilizando o percentual de 16,5%.
Inconformada, Caxxi interpôs recurso especial no qual sustenta a inaplicabilidade das teses firmadas no Tema 952/STJ, bem como da Resolução Normativa ANS 63/2003, aos contratos coletivos e ainda a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às entidades de autogestão de planos de saúde.
R: Nooops!!!
Inicialmente, a controvérsia delimitou-se aos planos coletivos novos ou adaptados à Lei n. 9.656/1998, pois a discussão que diz respeito aos planos antigos não possui multiplicidade recursal suficiente para justificar a fixação de uma tese vinculante pelo rito dos repetitivos.
Ademais, relembre-se que, antes do marco legal do setor de saúde suplementar, não havia disciplina legal ou regulamentar para os reajustes por faixa etária, de modo que não se mostraria viável fixar uma única tese para abranger contratos novos e antigos não adaptados, tendo em vista a diversidade dos fundamentos jurídicos que embasariam a tese num e noutro caso.
A controvérsia fica delimitada também ao contexto de pretensão de revisão de índice de reajuste por faixa etária deduzida pelo usuário contra a operadora.
O STJ conta com tese já firmada sobre a validade dos reajustes por faixa etária, aplicável aos planos individuais ou familiares. Anota-se, assim, as teses firmadas no Tema 952/STJ: o reajuste de mensalidade de plano de saúde individual ou familiar fundado na mudança de faixa etária do beneficiário é válido desde que (I) haja previsão contratual, (II) sejam observadas as normas expedidas pelos órgãos governamentais reguladores e (III) não sejam aplicados percentuais desarrazoados ou aleatórios que, concretamente e sem base atuarial idônea, onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso.
Apesar de o Tema 952/STJ ter sido firmado para os planos individuais e familiares, as razões de decidir do respectivo acórdão contêm argumentação abrangente, que não se limitaram às particularidades desse tipo de plano de saúde, como se pode verificar da leitura das ementas acima transcritas.
Em função disso, as teses firmadas no referido tema passaram a ser aplicadas, por analogia, aos planos coletivos, os quais, inclusive, existem em maior proporção.
A única ressalva a ser feita diz respeito aos planos operados na modalidade de AUTOGESTÃO (casos do AREsp 1.132.511/DF e do REsp 1.673.366/RS, supracitados, além do REsp 1.713.113/DF, afetado), aos quais não se aplica o Código de Defesa do Consumidor (Súmula 608/STJ).
De todo modo, a revisão judicial do reajuste dos planos de autogestão ainda é possível, tomando como fundamentos os princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva, enunciados no Código Civil, combinados e com a vedação à discriminação do idoso, proclamada no Estatuto do Idoso.
Esclareça-se que a tese firmada no IRDR 11/TJSP, embora enunciada com base no Tema 952/STJ, deixou de mencionar o requisito da aleatoriedade do índice, prevista no referido Tema como um dos requisitos para a revisão judicial. A metodologia de cálculo das proporções estatuídas na Resolução Normativa ANS 63/2003 é controvérsia que suscita a interposição de uma multiplicidade de recursos, fato que deu ensejo à instauração do IRDR no 11 no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, IRDR que ascendeu a esta Corte Superior nos autos do REsp 1.873.377/SP.
Relembre-se que a RN ANS 63/2003 estatuiu as seguintes proporções entre as faixas etárias: Art. 3°- Os percentuais de variação em cada mudança de faixa etária deverão ser fixados pela operadora, observadas as seguintes condições: I – o valor fixado para a última faixa etária não poderá ser superior a seis vezes o valor da primeira faixa etária; II – a variação acumulada entre a sétima e a décima faixas não poderá ser superior à variação acumulada entre a primeira e a sétima faixas. III – as variações por mudança de faixa etária não podem apresentar percentuais negativos (incluído pela RN n. 254, de 06/05/2011).
A polêmica se situa na proporção estatuída no inciso II, supra, e consiste em saber se o cálculo da variação acumulada deve ser feito por meio da soma aritmética de índices, ou por meio do cotejo dos valores absolutos dos preços.
Nesse passo, relembre-se que, no IRDR 11/TJSP, foi firmada a seguinte tese: TESE 2: “A interpretação correta do art. 3°, II, da Resolução n. 63/03, da ANS, é aquela que observa o sentido matemático da expressão “variação acumulada”, referente ao aumento real de preço verificado em cada intervalo, devendo-se aplicar, para sua apuração, a respectiva fórmula matemática, estando incorreta a soma aritmética de percentuais de reajuste ou o cálculo de média dos percentuais aplicados em todas as faixas etárias.”
A exegese da expressão “variação acumulada” prevista no art. 3° da RN ANS 63/2003 já foi enfrentada pelo STJ, no acórdão paradigma do Tema 952/STJ, tendo-se chegado à mesma conclusão do egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, embora sem integrar a parte vinculativa daquele acórdão.
Tendo em vista esse entendimento já manifestado por esta Corte Superior no julgamento do caso subjacente ao Tema 952/STJ, é oportuno fixar, desde logo, uma tese por esta Corte Superior acerca dessa controvérsia, tese proposta nos exatos termos da bem elaborada tese do IRDR 11/TJSP: Tema 1016/STJ – (b) A melhor interpretação do enunciado normativo do art. 3°, II, da Resolução n. 63/2003, da ANS, é aquela que observa o sentido matemático da expressão “variação acumulada”, referente ao aumento real de preço verificado em cada intervalo, devendo-se aplicar, para sua apuração, a respectiva fórmula matemática, estando incorreta a simples soma aritmética de percentuais de reajuste ou o cálculo de média dos percentuais aplicados em todas as faixas etárias.
Com essa tese, encerra-se a abordagem da controvérsia acerca da abusividade do reajuste por faixa etária
Por fim, a controvérsia acerca do ônus da prova foi desafetada, por maioria, da Segunda Seção.
(a) Aplicabilidade das teses firmadas no Tema 952/STJ aos planos coletivos, ressalvando-se, quanto às entidades de autogestão, a inaplicabilidade do CDC. (b) A melhor interpretação do enunciado normativo do art. 3°, II, da Resolução n. 63/2003, da ANS, é aquela que observa o sentido matemático da expressão “variação acumulada”, referente ao aumento real de preço verificado em cada intervalo, devendo-se aplicar, para sua apuração, a respectiva fórmula matemática, estando incorreta a simples soma aritmética de percentuais de reajuste ou o cálculo de média dos percentuais aplicados em todas as faixas etárias.
RECURSO ESPECIAL
O período de residência médica exercido na regência da Lei n. 1.711/1952 deve ser considerado como tempo de serviço para aposentadoria, independentemente da forma de admissão, contanto que tenha sido remunerado pelos cofres públicos.
REsp 1.487.518-GO, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 08/03/2022. (Info 730)
Dr. Nerso, médico, trabalhou como médico residente, percebendo remuneração da administração pública na regência da Lei n. 1.711/1952. Por tal razão, requereu administrativamente ao INSS que o período em questão fosse reconhecido como tempo de serviço.
A autarquia negou o pedido, o que levou Dr. Nerso a ajuizar ação para ter reconhecido o cômputo do período em questão.
Lei n. 1.711/1952:
Art. 80. Para efeito da aposentadoria e disponibilidade, computar-se-á integralmente:
III – o tempo de serviço prestado como extranumerário ou sob qualquer outra forma de admissão, desde que remunerado pelos cofres públicos;
R: SIM, desde que tenha sido remunerado pelos cofres públicos!!!
Cinge-se a controvérsia a definir se o período de residência médica exercido na regência da Lei n. 1.711/1952 pode ser considerado como tempo de serviço para aposentadoria.
De início, deve-se destacar que o tempo de serviço é disciplinado pela lei vigente à época em que efetivamente prestado, motivo pelo qual lei nova que venha a estabelecer restrição ao cômputo do tempo de serviço não pode ser aplicada retroativamente.
Na hipótese em análise, no período em que o recorrido atuou como médico residente, estava em vigor o art. 80, III, da Lei n. 1.711/1952. De acordo com o dispositivo em questão, o tempo de serviço deveria ser computado para aposentadoria, independentemente da forma de admissão, contanto que fosse remunerado pelos cofres públicos.
Note-se que não importava a natureza do vínculo com a administração pública, sendo impertinente a inexistência de contrato de trabalho. Ademais, o fato de a lei denominar a retribuição ao médico residente de bolsa também não interfere no direito à contagem do tempo de serviço, diante da inexistência de restrição legal nesse sentido.
O período de residência médica exercido na regência da Lei n. 1.711/1952 deve ser considerado como tempo de serviço para aposentadoria, independentemente da forma de admissão, contanto que tenha sido remunerado pelos cofres públicos.
RECURSO ESPECIAL
É cabível a homologação pelo juízo do plano de recuperação judicial rejeitado pelos credores em assembleia (cram down), cumpridos os requisitos legais previstos no art. 58 da Lei n. 11.101/2005.
REsp 1.788.216-PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 22/03/2022. (Info 730)
Quebradeira Ltda apresentou plano de recuperação judicial que cumpria todos os requisitos legais do art. 58 da Lei n. 11.101/2005. No entanto, os credores rejeitaram o plano por entender que este seria amplamente prejudicial aos seus interesses.
Ainda assim, o Juízo da Recuperação Judicial homologou o plano. Inconformados, diversos credores interpuseram recursos nos quais sustentam a impossibilidade de homologação do plano em questão.
Lei n. 11.101/2005:
Art. 58. Cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor nos termos do art. 55 desta Lei ou tenha sido aprovado pela assembleia-geral de credores na forma dos arts. 45 ou 56-A desta Lei.
§ 1º O juiz poderá conceder a recuperação judicial com base em plano que não obteve aprovação na forma do art. 45 desta Lei, desde que, na mesma assembléia, tenha obtido, de forma cumulativa:
I – o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembléia, independentemente de classes;
II – a aprovação de 2 (duas) das classes de credores nos termos do art. 45 desta Lei ou, caso haja somente 2 (duas) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 1 (uma) delas;
II – a aprovação de 3 (três) das classes de credores ou, caso haja somente 3 (três) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 2 (duas) das classes ou, caso haja somente 2 (duas) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 1 (uma) delas, sempre nos termos do art. 45 desta Lei;
III – na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) dos credores, computados na forma dos §§ 1º e 2º do art. 45 desta Lei.
Art. 61. Proferida a decisão prevista no art. 58 desta Lei, o juiz poderá determinar a manutenção do devedor em recuperação judicial até que sejam cumpridas todas as obrigações previstas no plano que vencerem até, no máximo, 2 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial, independentemente do eventual período de carência.
R: Yeaph!!!
Registra-se, inicialmente, que as normas analisadas e as suas redações são aquelas vigentes quando da prolação do acórdão recorrido, ou seja, antes da entrada em vigor da Lei n. 14.112/2020.
A legislação de regência, mediante o enunciado normativo do art. 58, §1º, da Lei n. 11.101/2005, permitiu que o juiz, inobstante a rejeição pela assembleia geral de credores do plano de recuperação proposto, concedesse a recuperação, deixando, assim, de declarar a falência da sociedade empresária. Referido instituto tem a sua nomenclatura importada do direito americano, denominando-se cram down.
A doutrina esclarece didaticamente as peculiaridades do instituto: “terá o juiz, no entanto, a faculdade de impor a aceitação de um plano não aprovado pelos credores, desde que os demais requisitos tenham sido atendidos e seja ‘fair and equitable’ (justo e equitativo) em relação a cada uma das classes que o tiverem rejeitado. O plano deve obedecer à regra ‘in the best interest of creditors’(no melhor interesse dos credores), ou seja, deve proporcionar-lhes pelo menos o que lhes caberia na hipótese de liquidação (falência) da empresa. Ao juiz competirá homologar (confirm) o plano”.
O objetivo do plano de recuperação não é outro senão alcançar aos credores, que agora decidem os rumos da empresa em precária situação econômico-financeira, ferramenta para alterar amplamente as obrigações, novando as dívidas de que são titulares, pelo que submetem a minoria à vontade da maioria, tendo em vista o propósito maior de superação da crise.
Assim, não se pode pretender que o prazo de solvabilidade esteja amarrado ao prazo de fiscalização pelo juízo dentro da recuperação de judicial, até mesmo porque tal conclusão não fora expressada pelo legislador, que deixou ao alvedrio dos contratantes, quando da celebração do plano, o estabelecimento das regras que lhe são pertinentes.
A Assembleia é soberana para a aprovação do plano que se mantenha dentro da legalidade e dos princípios gerais de direito e, no que concerne, não há empecilho legal à previsão de carência assíncrona à fiscalização judicial do juízo da recuperação.
O plano de recuperação é um negócio jurídico celebrado entre o devedor e os credores (a maioria deles, pelo menos), tendo convolado vontades de ambas as partes no sentido de estender carências.
Por outro lado, não houve um total e irrestrito estabelecimento de carências para após o prazo de fiscalização.
O que se quer, afinal, dizer é que, primeiro, não se pode pretender que a liberdade contratual – que deve sobrelevar entre credores e devedor no estabelecimento de uma reengenharia dos débitos para o alcance do propósito final da recuperação judicial – possa estar vinculada inexoravelmente ao biênio de fiscalização legalmente previsto.
Por outro lado, mesmo que adotada a premissa de que a fiscalização iniciasse apenas quando do início dos pagamentos, ainda assim, a amortização remanesceria por multifários meses sem a referida fiscalização.
A alteração por que passara a Lei n. 11.101/2005, mediante a Lei n. 14.112/2020, evidencia o propósito que era latente do legislador de 2005, no sentido de que o biênio fiscalizatório não possui sincronicidade com o início do pagamento.
A atual redação do art. 61 estabeleceu que aprovado o plano “o juiz poderá determinar a manutenção do devedor em recuperação judicial até que sejam cumpridas todas as obrigações previstas no plano que vencerem até, no máximo, 2 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial, independentemente do eventual período de carência.”
Por derradeiro, não se pode fazer tábula rasa do que disposto no art. 62 da Lei n. 11.101/2005, que previra, mesmo ao final do biênio da recuperação concedida, o dever de cumprimento das obrigações traçadas no plano, pois, ocorrido o inadimplemento, o credor poderá ajuizar ação de execução de título judicial ou requerer a falência da sociedade por impontualidade. Esta a sua redação, que há de ser lida conjuntamente à norma do art. 94, III, “g” da Lei n. 11.101/2005.
É cabível a homologação pelo juízo do plano de recuperação judicial rejeitado pelos credores em assembleia (cram down), cumpridos os requisitos legais previstos no art. 58 da Lei n. 11.101/2005.
RECURSO ESPECIAL
O crédito referente ao efetivo adiantamento do contrato de câmbio deve ser objeto de pedido de restituição nos autos da recuperação judicial e os respectivos encargos reclamam habilitação no quadro geral de credores, por estarem sujeitos ao regime especial, mostrando-se inadequada a execução direta.
REsp 1.723.978-PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 22/03/2022. (Info 730)
Banco Brasa ajuizou ação executiva referentes a créditos adiantados em contratos de câmbio – ACC. Em embargos à execução, a ré Penha Móveis alegou a inadequação da via eleita, por entender que o Banco deveria ter formulado pedido de devolução de mercadoria, na forma do art. 86, II, da Lei 11.101/2005.
Lei n. 11.101/2005:
Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.
§ 2º As obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições originalmente contratadas ou definidas em lei, inclusive no que diz respeito aos encargos, salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial.
§ 4º Não se sujeitará aos efeitos da recuperação judicial a importância a que se refere o inciso II do art. 86 desta Lei.
Art. 86. Proceder-se-á à restituição em dinheiro:
II – da importância entregue ao devedor, em moeda corrente nacional, decorrente de adiantamento a contrato de câmbio para exportação, na forma do art. 75, §§ 3º e 4º , da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, desde que o prazo total da operação, inclusive eventuais prorrogações, não exceda o previsto nas normas específicas da autoridade competente;
R: Yeaph!!!
Cuida-se de embargos à execução ajuizados em execução de título extrajudicial em razão de inadimplemento dos adiantamentos de contrato de câmbio – ACC nos quais se discute a inadequação da via eleita, por entender a recorrente que, ainda que os créditos estivessem excluídos dos efeitos da recuperação judicial pelo art. 49, §4º, da Lei n. 11.101/2005, a busca dos créditos deveria se dar por meio de pedido de restituição, nos termos do art. 86, II, da Lei n. 11.101/2005.
A Segunda Seção do STJ firmou entendimento no sentido de que, nos termos do que dispõe o art. 49, §2º, da Lei n. 11.101/2005, não se sujeita aos efeitos da recuperação judicial a importância entregue ao devedor, em moeda corrente nacional, decorrente de adiantamento de contrato de câmbio para exportação, cabendo ao credor obter a sua devolução por meio de pedido de restituição, na forma do art. 86, II, da referida lei.
Nos termos do julgamento do RESP 1.810.447/SP, a Terceira Turma do STJ firmou entendimento no sentido de que, “embora os arts. 49, § 4º, e 86, II, da Lei n. 11.101/05 estabeleçam a extraconcursalidade dos créditos referentes a adiantamento de contratos de câmbio, há de se notar que tais normas não dispõem, especificamente, quanto à destinação que deva ser conferida aos encargos incidentes sobre o montante adiantado ao exportador pela instituição financeira” (Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 05/11/2019, DJe 22/11/2019).
O crédito referente ao efetivo adiantamento do contrato de câmbio deve ser objeto de pedido de restituição nos autos da recuperação judicial e os respectivos encargos reclamam habilitação no quadro geral de credores, por estarem sujeitos ao regime especial, mostrando-se inadequada a execução direta.
HABEAS CORPUS
Demonstradas pela instância de origem a estabilidade e permanência do crime de associação para o tráfico de drogas, inviável o revolvimento probatório em sede de habeas corpus visando a modificação do julgado.
HC 721.055-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 22/03/2022, DJe 25/03/2022. (Info 730)
O MP ofereceu denúncia em face de Virso, Nirso, Tirso, Atirso e para variar, Creitinho, imputando-lhes os delitos capitulados nos arts. 33, caput, e 35, caput, ambos da Lei n. 11.343/2006.
Encerrada a instrução criminal, o Juízo da Vara Criminal condenou Creitinho pela prática do crime tipificado nos arts. 33, caput, e 35, caput, ambos da Lei n. 11.343/2006, na forma do artigo 69 do Código Penal, à pena de 9 anos e 4 meses de reclusão, em regime inicial fechado, sendo-lhe denegado o direito de recorrer em liberdade.
Inconformada, a defesa de Creitinho interpôs apelação pleiteando a absolvição do delito de associação para o tráfico, sustentando a insuficiência de provas para embasar a condenação. Porém, o TJ local conheceu do recurso e negou-lhe o provimento. A defesa então impetrou Habeas Corpus no qual insistiu na absolvição por falta de provas.
Lei n. 11.343/2006:
Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º , e 34 desta Lei:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.
R: Se demonstrado pela instância de origem a estabilidade e permanência do crime de associação para o tráfico de drogas, NÃO!!!!
O STJ possui pacífica jurisprudência no sentido de que é necessária a demonstração da estabilidade e da permanência da associação para a condenação pelo crime do art. 35 da Lei n. 11.343/2006.
Sabe-se que, no crime de associação para o tráfico de drogas, há um vínculo associativo duradouro e estável entre seus integrantes, com o objetivo de fomentar especificamente o tráfico de drogas, por meio de uma estrutura organizada e divisão de tarefas para a aquisição e venda de entorpecentes, além da divisão de seus lucros.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que: Para a configuração do delito de associação para o tráfico de drogas, é necessário o dolo de se associar com estabilidade e permanência, sendo que a reunião de duas ou mais pessoas sem o animus associativo não se subsume ao tipo do art. 35 da Lei n. 11.343/2006. Trata-se, portanto, de delito de concurso necessário (HC n. 434.972/RJ, Relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 26/6/2018, DJe de 1º/8/2018).
No caso, as instâncias ordinárias demonstraram a presença da materialidade e da autoria do delito de associação para o tráfico, com a demonstração da concreta estabilidade e permanência da associação criminosa, tendo em vista, em especial, a prova oral colhida contida nos autos e as conversas extraídas do aparelho celular apreendido, evidenciando que a prática do crime de tráfico de drogas não era eventual, pelo contrário, representava atividade organizada, estável e em função da qual todos os corréus estavam vinculados subjetivamente.
A revisão da conclusão alcançada pelo Tribunal de origem, de sorte a confirmar-se a versão defensiva de que não há comprovação da associação estável a outros corréus para o tráfico de entorpecentes, somente poderia ser feita por meio do exame aprofundado da prova, providência inadmissível na via do habeas corpus.
Demonstradas pela instância de origem a estabilidade e permanência do crime de associação para o tráfico de drogas, inviável o revolvimento probatório em sede de habeas corpus visando a modificação do julgado.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA
Não é possível a quebra de sigilo de dados informáticos estáticos (registros de geolocalização) nos casos em que haja a possibilidade de violação da intimidade e vida privada de pessoas não diretamente relacionadas à investigação criminal.
RMS 68.119-RJ, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 15/03/2022, DJe 28/03/2022. (Info 730)
Em uma investigação criminal, o MP pediu a quebra de sigilo de dados informáticos estáticos (registros de geolocalização). O juiz deferiu a medida por entender necessária e cabível no caso. Ocorre que Creosvalda, investigada, impetrou mandado de segurança contra a medida alegando que a decisão afeta direitos fundamentais de forma abrangente (em relação a indeterminado número de pessoas).
Lei n. 12.965/2014:
Art. 22. A parte interessada poderá, com o propósito de formar conjunto probatório em processo judicial cível ou penal, em caráter incidental ou autônomo, requerer ao juiz que ordene ao responsável pela guarda o fornecimento de registros de conexão ou de registros de acesso a aplicações de internet.
Parágrafo único. Sem prejuízo dos demais requisitos legais, o requerimento deverá conter, sob pena de inadmissibilidade:
I – fundados indícios da ocorrência do ilícito;
II – justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados para fins de investigação ou instrução probatória; e
III – período ao qual se referem os registros.
Art. 23. Cabe ao juiz tomar as providências necessárias à garantia do sigilo das informações recebidas e à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem do usuário, podendo determinar segredo de justiça, inclusive quanto aos pedidos de guarda de registro.
R: Não quando puder afetar pessoas não diretamente relacionadas à investigação criminal!!!
Na hipótese vertente, discute-se a possibilidade de decretação de determinação judicial de quebra de sigilo de dados estáticos antes coletados (registros de geolocalização), relacionados à identificação de usuários que operaram em área delimitada e por intervalo de tempo indicado, estando devidamente fundamentada, após pedido expresso da autoridade competente, no seio de investigação formal, tendo, como referência, fatos concretos relacionados ao suposto cometimento de crime grave.
Vale destacar que tal situação configura apenas quebra de sigilo de dados informáticos estáticos e se distingue das interceptações das comunicações dinâmicas em si, as quais dariam acesso ao fluxo de comunicações de dados, isto é, ao conhecimento do conteúdo da comunicação travada com o seu destinatário.
O tema já foi enfrentado pelo STJ, vejamos: “Na espécie, a ordem judicial direcionou-se a dados estáticos (registros), relacionados à identificação de usuários em determinada localização geográfica que, de alguma forma, possam ter algum ponto em comum com os fatos objeto de investigação por crimes de homicídio.(…) A determinação do Magistrado de primeiro grau, de quebra de dados informáticos estáticos, relativos a arquivos digitais de registros de conexão ou acesso a aplicações de internet e eventuais dados pessoais a eles vinculados, é absolutamente distinta daquela que ocorre com as interceptações das comunicações, (…) A quebra do sigilo de dados, na hipótese, corresponde à obtenção de registros informáticos existentes ou dados já coletados (…) Assim, para que o magistrado possa requisitar dados pessoais armazenados por provedor de serviços de internet, mostra-se satisfatória a indicação dos seguintes elementos previstos na lei: a) indícios da ocorrência do ilícito; b) justificativa da utilidade da requisição; e c) período ao qual se referem os registros (…) Logo, a quebra do sigilo de dados armazenados, de forma autônoma ou associada a outros dados pessoais e informações, não obriga a autoridade judiciária a indicar previamente as pessoas que estão sendo investigadas (…)” (RMS 62.143/RJ, Sexta Turma, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, DJe de 8/9/2020).
Contudo, EXTRAPOLAM os limites do entendimento firmado se a decisão judicial determinar o acesso amplo e irrestrito a: todos os e-mails vinculados aos aparelhos identificados; fotos; metadados (geomarcação); lista de contatos; histórico de localização, incluindo os trajetos pesquisados em aplicativos, websites e função GPS; dados das consultas (pesquisas) realizados pelo(s) usuário(s) do dispositivo; APPs baixados (downloads) ou comprados, lista de desejos, pessoas e informações das eventuais contas.
Cumpre lembrar que essa matéria recentemente foi enfrentada pela Sexta Turma do STJ, em julgado no qual foi assentada a tese de que dados que refletem informações íntimas (como o acesso irrestrito a fotos e conteúdo de conversas), quando a ordem de quebra de sigilo se voltar a universo indeterminado de pessoas, devem ser afastados desta possibilidade (AgRg no RMS 59.716/RS, Sexta Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe de 17/8/2021).
Importante, contudo, sedimentar que a ordem dirigida a provedor cuja relação é regida pelo Marco Civil da Internet não prevê, dentre os requisitos que estabelece para a quebra de sigilo, que a decisão judicial especifique previamente as pessoas objeto da investigação ou que a prova da infração (ou da autoria) possa ser realizada facilmente por outros meios (arts. 22 e 23 da Lei n. 12.965/2014).
Entretanto, o referido fundamento não subsiste nos casos em que haja a possibilidade de violação da intimidade e vida privada de pessoas não comprovadamente relacionadas à investigação criminal.
Não é possível a quebra de sigilo de dados informáticos estáticos (registros de geolocalização) nos casos em que haja a possibilidade de violação da intimidade e vida privada de pessoas não diretamente relacionadas à investigação criminal.
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
Quesitos complexos, com má redação ou com formulação deficiente, geram a nulidade do julgamento do Tribunal do Júri, por violação ao art. 482, parágrafo único, do CPP.
AREsp 1.883.043-DF, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Rel. Acd. Min. João Otávio de Noronha, Quinta Turma, por maioria, julgado em 15/03/2022. (Info 730)
Craudio foi condenado pela prática do delito tipificado no artigo 121, § 2º, I, combinado com o artigo 29, ambos do Código Penal – CP (homicídio qualificado pelo motivo torpe, em concurso de pessoas), à pena de 13 anos de reclusão, em regime inicial fechado. No entanto, sua defesa alega que vários quesitos foram apresentados de forma mal redigida ou formulada, o que teria levado o Tribunal do Júri a erro em seu julgamento.
CPP:
Art. 482. O Conselho de Sentença será questionado sobre matéria de fato e se o acusado deve ser absolvido.
Parágrafo único. Os quesitos serão redigidos em proposições afirmativas, simples e distintas, de modo que cada um deles possa ser respondido com suficiente clareza e necessária precisão. Na sua elaboração, o presidente levará em conta os termos da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, do interrogatório e das alegações das partes
R: Yeaph!!!!
Nos termos do art. 482, parágrafo único, do CPP, os quesitos deverão ser redigidos “em proposições afirmativas, simples e distintas, de modo que cada um deles possa ser respondido com suficiente clareza e necessária precisão”.
A questão, assim, merece ser examinada sob o enfoque metalinguístico e da análise do discurso. Entende-se por “simples”, o que só se constitui de um componente […]; que “não é complicado, que é fácil de compreender” e, também, o que “não apresenta outros sentidos ou conotações” (Fonte: aulete.com.br/simples). Por óbvio, “complexo” é aquilo que não é simples, ou seja, o que contém ou é formado por diversos elementos; que apresenta vários aspectos ou é multifacetado; de difícil compreensão (Larousse – Dicionário de Língua Portuguesa. São Paulo: Ática, 2001).
Da análise meramente semântica, já é possível concluir que a intenção do legislador ao prever o parágrafo único do art. 482 do CPP é prevenir os chamados “vícios de complexidade”. Ou seja, que os quesitos devem ser redigidos em fórmula “simples”, não compostas, não complexas, sem conotações, sobretudo, porque demandam respostas binárias, na base do “sim” ou “não”. Logo, é por meio do questionário de votação que o acusado e a defesa acessam os fundamentos da condenação.
Inevitável, portanto, para análise da validade da “estrutura” do quesito, seguir o percurso linguístico, como forma de aferir a qualidade de sua redação, se boa ou má; e, se simples ou complexa – e adequação aos ditames do art. 482, parágrafo único, do CPP. Para tanto, é necessário dissecar a trama textual, a linguagem das proposições e perguntas formuladas para os jurados.
Aliás, não se pode negar a relevância da análise semântica e discursiva para o deslinde da matéria, até porque, ontologicamente, o Direito se concretiza pela linguagem, o que não é diferente nos atos comunicacionais da sessão do Tribunal do Júri.
Com efeito, não é demasiado reforçar que nem o caráter do agente, nem os motivos do crime devem ser considerados para fins de formulação de quesitos do júri, que devem ater-se unicamente às questões fáticas, sob pena de ofensa ao princípio da presunção de inocência e do devido processo legal.
Isso porque, não se pode perder de vista a influência, ordinariamente, exercida pelo juiz presidente no corpo de jurados. Embora o juiz togado não seja o juiz natural da causa no Tribunal do júri, apresenta-se em cena não só como locutor dos quesitos mas também como autoridade, razão pela qual suas proposições denotam legitimidade e expertise aos olhos do leigo; por isso, merecedoras de credibilidade.
Assim, apesar de o juiz togado, naquele momento, apresentar-se como simples mediador e tradutor das teses da acusação e da defesa, ao se dirigir aos jurados por meio dos quesitos, aparece como locutor e, como tal, por meio do processo linguístico, segue um percurso discursivo. O problema surge quando o juiz, ao invés de formular perguntas, isto é, propor os quesitos, passa a declarar ou afirmar algo, dando às proposições um caráter argumentativo e extrapolando as balizas de sua função no Tribunal do júri delimitadas no CPP.
A consagração da autonomia do júri e sua total independência em relação aos juízes togados, aliás, nasce com a própria instituição, que representa historicamente uma limitação do poder punitivo estatal – investido, à época, no monarca absolutista -, e incorpora o ideal de soberania popular.
A soberania do júri é exercida, em especial, na votação dos quesitos, momento em que se deve garantir aos jurados a plena liberdade de julgamento e o afastamento de qualquer tipo de interferência externa, para preservação da imparcialidade do juízo natural.
Desse modo, não há como negar que a atuação do juiz togado pode afetar a autonomia e independência dos jurados, o que também pode ocorrer por ocasião da redação do questionário, quando as frases, explícita ou implicitamente, revelam-se tendenciosas ou em desconformidade com o princípio do devido processo legal.
Cumpre frisar que o art. 482, parágrafo único, do CPP é claro ao determinar que as proposições devem ser “simples e distintas”. Desse modo, o sistema de quesitação acolhido no direito processual pátrio não é aberto, de modo que o juiz togado possa redigir as perguntas como bem entender.
Quesitos complexos, com má redação ou com formulação deficiente, geram a nulidade do julgamento do Tribunal do Júri, por violação ao art. 482, parágrafo único, do CPP.
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS
Pendente de julgamento no STF o Tema n. 1.068, em que se discute a constitucionalidade do art. 492, I, do CPP, deve ser reafirmado o entendimento do STJ de impossibilidade de execução provisória da pena mesmo em caso de condenação pelo tribunal do júri com reprimenda igual ou superior a 15 anos de reclusão.
AgRg no HC 714.884-SP, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Rel. Acd. Min. João Otávio de Noronha, Quinta Turma, por maioria, julgado em 15/03/2022, DJe 24/03/2022. (Info 730)
Jurandir foi condenado por homicídio (por quatro vezes) às penas de 32 (trinta e dois anos) anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regime inicial fechado, oportunidade em que foi decretada a sua prisão preventiva, haja vista a negativa do direito de recorrer em liberdade. Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus por meio do qual buscava a revogação da prisão preventiva. Porém, o Tribunal local entendeu pela legalidade da prisão por decisão fundamentada bem como a não ocorrência do constrangimento ilegal.
A defesa então impetrou novo habeas corpus no qual reafirma a existência de constrangimento ilegal consubstanciado na impossibilidade da execução penal antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, sustentando, para tanto, que a redação do art. 492, inciso I, alínea e, do Código de processo Penal teve sua constitucionalidade questionada perante o Supremo Tribunal Federal, em ação ainda pendente de julgamento.
Código de Processo Penal:
Art. 492. Em seguida, o presidente proferirá sentença que:
I – no caso de condenação:
a) fixará a pena-base;
b) considerará as circunstâncias agravantes ou atenuantes alegadas nos debates;
c) imporá os aumentos ou diminuições da pena, em atenção às causas admitidas pelo júri;
d) observará as demais disposições do art. 387 deste Código;
e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos;
f) estabelecerá os efeitos genéricos e específicos da condenação;
R: Nooops!!!
Discute-se a legalidade da execução provisória da pena na forma do art. 492, I, e, parte final, do Código de Processo Penal, diante de condenação pelo Tribunal do Júri, que resultou em reprimenda superior a 15 anos de reclusão.
No entanto, o entendimento do STJ, firmado em consonância com a jurisprudência do STF fixada no julgamento das ADCs n. 43, 44 e 54, é no sentido de ilegalidade da execução provisória da pena quando ausentes elementos de cautelaridade, previstos no art. 312 do CPP.
A constitucionalidade do art. 492 do CPP, aliás, é objeto de repercussão geral no STF, Tema n. 1.068 (RE 1.235.340/SC), já tendo o Ministro Gilmar Mendes votado no sentido da inconstitucionalidade do dispositivo legal. De fato, no sistema constitucional brasileiro, em harmonia como a jurisprudência dos tribunais superiores, não há espaço para execução provisória da pena.
Assim, estando pendente de julgamento no STF o Tema n. 1.068, em que se discute a constitucionalidade do art. 492, I, do CPP, deve ser reafirmado o entendimento do STJ de impossibilidade de execução provisória da pena mesmo em caso de condenação pelo tribunal do júri com reprimenda igual ou superior a 15 anos de reclusão.
Pendente de julgamento no STF o Tema n. 1.068, em que se discute a constitucionalidade do art. 492, I, do CPP, deve ser reafirmado o entendimento do STJ de impossibilidade de execução provisória da pena mesmo em caso de condenação pelo tribunal do júri com reprimenda igual ou superior a 15 anos de reclusão.
HABEAS CORPUS
A violação de domicílio com base no comportamento suspeito do acusado, que empreendeu fuga ao ver a viatura policial, não autoriza a dispensa de investigações prévias ou do mandado judicial para a entrada dos agentes públicos na residência.
HC 695.980-GO, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 22/03/2022, DJe 25/03/2022. (Info 730)
Creitinho foi condenado à pena de 5 anos de reclusão, em regime inicial semiaberto pela prática do delito de tráfico de drogas, por ter sido flagrado em posse de 87g (oitenta e sete gramas) de maconha.
Sua defesa impetrou habeas corpus no qual alega a nulidade das provas utilizadas para a condenação. Conforme a defesa, os policiais avistaram o suspeito andando na rua, quando este impetrou fuga em desabalada carreira. Acontece que os policiais estavam com o físico em dia e o alcançaram, ocasião na qual Creitinho teria supostamente autorizado a entrada dos policiais em seu domicílio (autorização esta negada em juízo posteriormente), local no qual foram encontradas as drogas. Requereu a defesa então o reconhecimento da ilegalidade pela violação de domicílio com a absolvição do paciente.
R: Nooops!!!!
Tendo como referência o recente entendimento firmado pelo STJ, nos autos do HC 598.051/SP, o ingresso policial forçado em domicílio, resultando na apreensão de material apto a configurar o crime de tráfico de drogas, deve apresentar justificativa circunstanciada em elementos prévios que indiquem efetivo estado de flagrância de delitos graves, além de estar configurada situação que demonstre não ser possível mitigação da atuação policial por tempo suficiente para se realizar o trâmite de expedição de mandado judicial idôneo ou a prática de outras diligências.
No caso em tela, a violação de domicílio teve como justificativa o comportamento suspeito do acusado – que empreendeu fuga ao ver a viatura policial -, circunstância fática que não autoriza a dispensa de investigações prévias ou do mandado judicial para a entrada dos agentes públicos na residência, acarretando a nulidade da diligência policial.
Ademais, a alegação de que a entrada dos policiais teria sido autorizada pelo agente não merece acolhimento. Isso, porque não há outro elemento probatório no mesmo sentido, salvo o depoimento dos policiais que realizaram o flagrante, tendo tal autorização sido negada em juízo pelo réu.
Por fim, “Segundo a nova orientação jurisprudencial, o ônus de comprovar a higidez dessa autorização, com prova da voluntariedade do consentimento, recai sobre o estado acusador” (HC 685.593/SP, relator Ministro Sebastião Reis Junior, Sexta Turma, DJe 19/10/2021).
A violação de domicílio com base no comportamento suspeito do acusado, que empreendeu fuga ao ver a viatura policial, não autoriza a dispensa de investigações prévias ou do mandado judicial para a entrada dos agentes públicos na residência.
RECURSO EM HABEAS CORPUS
Inexistindo a demonstração do mínimo vínculo entre o acusado e o delito a ele imputado, impossibilitado está o exercício do contraditório e da ampla defesa.
RHC 154.162-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 22/03/2022. (Info 730)
Josefina foi acusada do crime de lavagem de capitais. A defesa impetrou habeas corpus alegando que a falta da demonstração de vínculo mínimo entre o acusado e o delito a ele imputado estaria impedindo o direito do contraditório e da ampla defesa.
R: Yeaph!!!!
O trancamento de ação penal pela via do habeas corpus é medida excepcional, cabível apenas quando demonstrada, de plano, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a manifesta ausência de provas da existência do crime e de indícios de autoria.
Do exame da inicial acusatória, desponta a dificuldade em se inferir que conduta supostamente praticada pela denunciada efetivamente teria contribuído para o êxito da empreitada criminosa. De fato, é imputada a prática de ocultação de valores oriundos de suposta prática ilícita. Ocorre que, diferentemente dos demais acusados, não resta claro da denúncia que delito antecedente teria a acusada incidido.
Muito embora se admita doutrinariamente o dolo eventual no delito de lavagem de capitais – a exemplo do gerente de banco que, necessitando atingir metas internas da instituição financeira na venda de produtos bancários, permite que pessoa potencialmente vinculada a práticas criminosas utilize sua conta para adquirir produtos e serviços com recursos de origem ilícita, deixando de adotar práticas de diligência ou mesmo de conformidade, adere assim à atividade criminosa -, o caso em análise mostra-se DISTINTO.
Se, no exemplo citado, do gerente do banco exige-se a consciência da conduta e o conhecimento das regras do jogo financeiro, o mesmo não se pode esperar das relações com vínculos afetivos, como relações conjugais, entre pais e filhos ou mesmo entre parentes.
Na espécie, necessário que o órgão acusatório demonstre cabalmente que a agente conhecia a origem ilícita dos valores e deliberadamente agia para ocultá-los.
Sobre o tema, o STJ tem entendido ser “desnecessário que o autor do crime de lavagem de capitais tenha sido autor ou partícipe do delito antecedente, bastando que tenha ciência da origem ilícita dos bens e concorra para sua ocultação ou dissimulação. Sem contar que a ocultação e a dissimulação podem se protrair no tempo, mediante a prática de diversos atos subsequentes, exatamente para dar aparência de legalidade às aquisições obtidas de modo ilícito” (REsp 1.829.744/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, Sexta Turma, DJe 3/3/2020).
Em outro viés, ainda que para a configuração do delito de lavagem de capitais não seja necessária a condenação pelo delito antecedente, tendo em vista a autonomia do primeiro em relação ao segundo, basta, apenas, a presença de indícios suficientes da existência do crime antecedente (AgRg no HC 514.807/SC, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 19/12/2019).
Evidentemente, no entanto, exsurge-se da análise do caso concreto a avaliação do elemento subjetivo, a saber, a ação volitiva do agente, com o intuito espúrio de ocultar a origem dos valores ilícitos, dando a estes aspecto lícito, a incidir do tipo legal da Lei n. 9.613/1998.
Tal desiderato deve ser facilmente extraído da denúncia, com a narrativa dos fatos imputados, indicação mínima de indícios do conhecimento da ilicitude dos bens ou valores oriundos de atividade criminosa e a consequente demonstração cabal da ocultação e dissimulação do capital.
Assim, na situação em exame, inexistindo a demonstração do mínimo vínculo entre a acusada e o delito imputado, impossibilitado está o exercício do contraditório e da ampla defesa.
Inexistindo a demonstração do mínimo vínculo entre o acusado e o delito a ele imputado, impossibilitado está o exercício do contraditório e da ampla defesa.
HABEAS CORPUS
É inválido o reconhecimento pessoal realizado em desacordo com o modelo do art. 226 do CPP, o que implica a impossibilidade de seu uso para lastrear juízo de certeza da autoria do crime, mesmo que de forma suplementar.
HC 712.781-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 15/03/2022. (Info 730)
Creison foi condenado à pena de 7 anos e 8 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto pela prática dos crimes previstos nos arts. 157, § 2º-A, I, do CP e 244-B do ECA, em concurso formal.
Porém, sua defesa impetrou habeas corpus no qual alega que foi inobservado o disposto no art. 226 do CPP, porque, nove dias depois dos fatos relatados na denúncia, detido o paciente por acusação de prática de outro delito, a autoridade policial imediatamente exibiu sua fotografia à lesada para reconhecimento, o que teria ferido o rito previsto na norma processual citada, e teria comprometido os reconhecimentos posteriores, incluído o judicial.
CPP:
Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma:
I – a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida;
Il – a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;
III – se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela;
IV – do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.
Parágrafo único. O disposto no no III deste artigo não terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento.
R: Nooops!!!!
A Sexta Turma do STJ, por ocasião do julgamento do HC 598.886/SC (Rel. Ministro Rogerio Schietti), realizado em 27/10/2020, conferiu nova interpretação ao art. 226 do CPP, a fim de superar o entendimento, até então vigente, de que referido o artigo constituiria “mera recomendação” e, como tal, não ensejaria nulidade da prova eventual descumprimento dos requisitos formais ali previstos.
Na ocasião, foram apresentadas as seguintes conclusões: 1.1) O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime; 1.2) À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo; 1.3) Pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório, bem como pode ele se convencer da autoria delitiva com base no exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento; 1.4) O reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografia(s) ao reconhecedor, a par de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo.
Necessário e oportuno proceder a um ajuste na conclusão n. 4 do mencionado julgado. Não se deve considerar propriamente o reconhecimento fotográfico como “etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal”, mas apenas como uma possibilidade de, entre outras diligências investigatórias, apurar a autoria delitiva. Não é necessariamente a prova a ser inicialmente buscada, mas, se for produzida, deve vir amparada em outros elementos de convicção para habilitar o exercício da ação penal.
Segundo a doutrina especializada, o reconhecimento pessoal, feito na fase pré-processual ou em juízo, após o reconhecimento fotográfico (ou mesmo após um reconhecimento pessoal anterior), como uma espécie de ratificação, encontra sérias e consistentes dificuldades epistemológicas.
Se realizado em conformidade com o modelo legal (art. 226 do CPP), o reconhecimento pessoal é válido, sem, todavia, força probante absoluta, de sorte que não pode induzir, por si só, à certeza da autoria delitiva, em razão de sua fragilidade epistêmica. Se, todavia, tal prova for produzida em desacordo com o disposto no art. 226 do CPP, deverá ser considerada inválida, o que implica a impossibilidade de seu uso para lastrear juízo de certeza da autoria do crime, mesmo que de forma suplementar. Mais do que isso, inválido o reconhecimento, não poderá ele servir nem para lastrear outras decisões, ainda que de menor rigor quanto ao standard probatório exigido, tais como a decretação de prisão preventiva, o recebimento de denúncia e a pronúncia.
Em julgamento concluído no dia 23/2/2022, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal deu provimento ao RHC 206.846/SP (Rel. Ministro Gilmar Mendes), para absolver um indivíduo preso em São Paulo depois de ser reconhecido por fotografia, tendo em vista a nulidade do reconhecimento fotográfico e a ausência de provas para a condenação. Reportando-se ao decidido no julgamento do referido HC n. 598.886/SC, no STJ, foram fixadas três teses: 4.1) O reconhecimento de pessoas, presencial ou por fotografia, deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime e para uma verificação dos fatos mais justa e precisa; 4.2) A inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita, de modo que tal elemento não poderá fundamentar eventual condenação ou decretação de prisão cautelar, mesmo se refeito e confirmado o reconhecimento em Juízo. Se declarada a irregularidade do ato, eventual condenação já proferida poderá ser mantida, se fundamentada em provas independentes e não contaminadas; 4.3) A realização do ato de reconhecimento pessoal carece de justificação em elementos que indiquem, ainda que em juízo de verossimilhança, a autoria do fato investigado, de modo a se vedarem medidas investigativas genéricas e arbitrárias, que potencializam erros na verificação dos fatos.
No caso, a análise do contexto fático já delineado nos autos pelas instâncias ordinárias, permite inferir que o réu foi condenado, EXCLUSIVAMENTE, com base em reconhecimento fotográfico realizado pela vítima e sem que nenhuma outra prova (apreensão de bens em seu poder, confissão, relatos indiretos etc.) autorizasse o juízo condenatório. Mais ainda, a autoridade policial induziu a vítima a realizar o reconhecimento – tornando-o viciado – ao submeter-lhe uma foto do acusado e do comparsa, de modo a reforçar sua crença de que teriam sido eles os autores do roubo. Tal comportamento, por óbvio, acabou por comprometer a mínima aproveitabilidade desse reconhecimento.
Estudos sobre a epistemologia jurídica e a psicologia do testemunho alertam que é contraindicado o show-up (conduta que consiste em exibir apenas a pessoa suspeita, ou sua fotografia, e solicitar que a vítima ou a testemunha reconheça se essa pessoa suspeita é, ou não, autora do crime), por incrementar o risco de falso reconhecimento. O maior problema dessa dinâmica adotada pela autoridade policial está no seu efeito indutor, porquanto se estabelece uma percepção precedente, ou seja, um pré-juízo acerca de quem seria o autor do crime, que acaba por contaminar e comprometer a memória. Ademais, uma vez que a testemunha ou a vítima reconhece alguém como o autor do delito, há tendência, por um viés de confirmação, a repetir a mesma resposta em reconhecimentos futuros, pois sua memória estará mais ativa e predisposta a tanto.
Sob um processo penal de cariz garantista (é dizer, conforme aos parâmetros e diretrizes constitucionais e legais), busca-se uma verdade processualmente válida, em que a reconstrução histórica dos fatos objeto do juízo se vincula a regras precisas, que assegurem às partes maior controle sobre a atividade jurisdicional.
Adotada, assim, a premissa de que a busca da verdade, no processo penal, se sujeita a balizas epistemológicas e também éticas, que assegurem um mínimo de idoneidade às provas e não exponham pessoas em geral ao risco de virem a ser injustamente presas e condenadas, é de se refutar que essa prova tão importante seja produzida de forma totalmente viciada. Se outros fins, que não a simples apuração da verdade, são também importantes na atividade investigatória e persecutória do Estado, algum sacrifício epistêmico, como alerta Jordi Ferrer-Beltrán, pode ocorrer, especialmente quando o processo penal busca, também, a proteção a direitos fundamentais e o desestímulo a práticas autoritárias.
Impõe compreender que a atuação dos agentes públicos responsáveis pela preservação da ordem e pela apuração de crimes deve dar-se em respeito às instituições, às leis e aos direitos fundamentais. Ou seja, quando se fala de segurança pública, esta não se pode limitar à luta contra a criminalidade; deve incluir também a criação de um ambiente propício e adequado para a convivência pacífica das pessoas e de respeito institucional a quem se vê na situação de acusado e, antes disso, de suspeito.
Sob tal perspectiva, devem as agências estatais de investigação e persecução penal envidar esforços para rever hábitos e acomodações funcionais, de sorte a “utilizar instrumentos para maximizar as probabilidades de acerto na decisão probatória, em particular aqueles que visam a promover a formação de um conjunto probatório o mais rico possível, quantitativa e qualitativamente” (Ferrer-Beltrán).
É inválido o reconhecimento pessoal realizado em desacordo com o modelo do art. 226 do CPP, o que implica a impossibilidade de seu uso para lastrear juízo de certeza da autoria do crime, mesmo que de forma suplementar.
O Tribunal de Justiça do Paraná (TJ PR) definiu como banca organizadora do próximo concurso…
Atenção, corujas: obtivemos acesso ao termo de referência do próximo concurso do Tribunal de Justiça…
No Resumo da Semana você encontra diversas informações sobre concursos públicos previstos e editais publicados!…
Futuro concurso PC PI terá 400 vagas para Oficial Investigador de Polícia, Perito e Delegado!…
Salários iniciais variam de R$ 6,8 mil a R$ 19,5 mil! Atenção, corujas: está oficialmente…
Salários iniciais podem ultrapassar os R$ 36 mil! Estamos na reta final de 2024 e…