Informativo nº 719 do STJ COMENTADO pintando na telinha (do seu computador, notebook, tablet, celular…) para quem está ligado aqui conosco no Estratégia Carreiras Jurídicas!
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA
A norma de edital que impede a participação de candidato em processo seletivo simplificado em razão de anterior rescisão de contrato por conveniência administrativa fere o princípio da razoabilidade.
RMS 67.040-ES, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 23/11/2021. (Info 719)
Venceslau foi eliminado automaticamente de processo seletivo simplificado para o cargo de inspetor penitenciário em razão de cláusula do edital que previa a exclusão de candidato exonerado de contrato anterior por conveniência administrativa. Inconformado, impetrou mandado de segurança no qual sustenta que sua exoneração ocorreu há seis anos e que jamais teve contra si sindicância ou processo administrativo, inquérito policial ou processo judicial cível ou criminal.
R: Nem um pouco!!!
Cinge-se a controvérsia a analisar a legalidade de regra editalícia de processo seletivo simplificado para contratação temporária de pessoal, que tem a seguinte redação: “O Candidato que houver sido contratado ou nomeado anteriormente pela SEJUS e que tiver sido exonerado, ou teve contrato rescindido por: conveniência administrativa e/ou ato motivado pela Corregedoria e/ou por determinação judicial, será automaticamente eliminado do processo seletivo.”
Não se desconhece a jurisprudência do STJ, no sentido de que o princípio da vinculação ao edital demanda que as regras nele previstas sejam respeitadas, especialmente quando a seleção tem por objeto o desempenho de funções públicas consideradas sensíveis. Contudo, tais regras devem ser RAZOÁVEIS e racionalmente JUSTIFICÁVEIS. In casu, a Administração Pública não apresentou justificativa para a tal previsão editalícia.
Impedir que o candidato participe do processo seletivo simplificado porque, há alguns anos, seu contrato foi rescindido por conveniência administrativa, equivale a impedir, hoje, a sua participação na seleção por mera conveniência administrativa, o que viola o princípio da isonomia e da impessoalidade. A participação de determinado candidato em concurso ou seleção pública não se insere no âmbito da discricionariedade do gestor.
Outrossim, não é possível presumir que a atual contratação não seria conveniente. Primeiro, porque do contrário, o processo seletivo não estaria em curso. Segundo, porque o que era inconveniente anteriormente não o é, necessária e automaticamente, no presente.
Assim, a conclusão a que se chega não pode ser outra que não a da falta de razoabilidade da norma.
A norma de edital que impede a participação de candidato em processo seletivo simplificado em razão de anterior rescisão de contrato por conveniência administrativa fere o princípio da razoabilidade.
RECURSO ESPECIAL
Não é possível impor a provedores de aplicações de pesquisa na internet o ônus de instalar filtros ou criar mecanismos para eliminar de seu sistema a exibição de resultados de links contendo o documento supostamente ofensivo.
REsp 1.593.249-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 23/11/2021. (Info 719)
Alice, Juíza de Direito, ajuizou ação de obrigação de fazer em face de Moogle Brasil. Conforme a inicial, Alice teria tomado ciência, por meio de Exceção de Suspeição oposta contra si, de um documento disponível em endereço eletrônico, no qual é acusada pela prática de crime de tráfico de influência. Ocorre que a investigação não encontrou provas, de modo que Alice não foi investigada e tampouco denunciada. Chateada, notificou extrajudicialmente a ré, requerendo que ela se abstivesse de localizar e vincular ao seu nome o site em questão, bem como qualquer documento extraído desse endereço. Porém, a empresa manteve-se inerte.
A liminar foi deferida para obrigar Moogle a proceder a exclusão dos dados sobre a autora no endereço eletrônico indicado na inicial, bem como o arquivo nele disponibilizado, quando realizada pesquisa em seu nome e variações de seu nome e sobrenome em seu site de buscas, tudo sob pena de multa diária.
R: Negativo!!!!
Inicialmente cumpre salientar que mesmo antes do advento da Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), a orientação jurisprudencial do STJ era de que “os provedores de pesquisa não podem ser obrigados a eliminar do seu sistema os resultados da busca de determinado termo ou expressão” (AgInt no REsp 1.593.873/SP, Terceira Turma, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe de 17/11/2016).
Cumpre destacar, inclusive, que antes da entrada em vigor da Lei n. 12.965/2014, nem mesmo a indicação expressa do URL da página dotada de conteúdo apontado como infringente autorizava a imposição desse ônus aos provedores de aplicações de pesquisa virtual.
Mesmo com a entrada em vigor do Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/2014), ficou mantido o entendimento de que não cabe aos provedores de pesquisa exercer controle prévio de filtragem de resultados de busca ou de determinados arquivos associados a parâmetros de pesquisa definidos por usuários outros daquele serviço de aplicação.
Em verdade, revela-se um contrassenso afirmar que aos provedores de aplicações de pesquisa não se pode impor o ônus de promover o controle prévio de seus resultados para fins de supressão de links relacionados com conteúdo manifestamente ilícito gerado por terceiros e impor a eles a obrigação de remover todos os links provenientes dos resultados de busca relacionados aos nomes das partes.
Há uma importante diferença ontológica entre desindexação de resultados de busca e remoção/exclusão de conteúdo específico constante de páginas precisamente indicadas pelos URLs.
No caso concreto, parte do pedido inicial formulado deve ser interpretado como desindexação de resultados de busca, pois postula-se que seja determinado fazer cessar a localização do link específico. Em última análise, referido pleito caracteriza-se como exclusão de resultados de buscas a partir da combinação de termos de pesquisa ou palavras-chaves – procedimento repudiado pela orientação jurisprudencial do STJ -, e que não se confunde com a simples remoção de conteúdo pela indicação específica de URLs.
Assim, não se pode impor a provedores de buscas a obrigação genérica de desindexar resultados obtidos a partir do arquivo ilicitamente divulgado na internet.
Não é possível impor a provedores de aplicações de pesquisa na internet o ônus de instalar filtros ou criar mecanismos para eliminar de seu sistema a exibição de resultados de links contendo o documento supostamente ofensivo.
RECURSO ESPECIAL
Não se comunicam, na partilha decorrente de divórcio, os bens adquiridos por uma das partes antes do casamento, no período de namoro.
REsp 1.841.128-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 23/11/2021. (Info 719)
Eduardo e Mônica namoraram por algum tempo e então contraíram matrimônio sob o regime de comunhão parcial de bens. Porém, a relação azedou e veio a decretação do divórcio.
Eduardo então requereu o reconhecimento de união estável anterior ao casamento, por meio da qual intencionava ter reconhecido direito à metade do apartamento de Mônica. Segundo o rapaz, ainda que o apartamento tenha sido foi adquirido durante o “namoro” as sucessivas parcelas continuaram a ser pagas após o casamento. Por fim, houve a quitação do financiamento antes do divórcio.
Código Civil de 2002:
Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:
I – os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
II – os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;
III – as obrigações anteriores ao casamento;
IV – as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
V – os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
VI – os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
VII – as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
Art. 1.661. São incomunicáveis os bens cuja aquisição tiver por título uma causa anterior ao casamento.
R: Nooopss!!!!
Nos termos dos artigos 1.661 e 1.659 do Código Civil de 2002, não se comunicam, na partilha decorrente de divórcio, os bens obtidos com valores aferidos exclusivamente a partir de patrimônio pertencente a um dos ex-cônjuges durante o namoro.
No caso, o imóvel foi adquirido anteriormente à configuração da affectio maritalis, que retrata a manifesta intenção das partes constituírem uma família de fato. O bem objeto da partilha foi adquirido durante o namoro com recursos EXCLUSIVOS de uma das partes.
Desse modo, o ex-cônjuge não faz jus a nenhum benefício patrimonial decorrente do negócio jurídico, sob pena de a circunstância configurar um manifesto enriquecimento sem causa.
Assim, a parte arcou de forma autônoma e independente com os valores para a aquisição do bem, motivo pelo qual o pagamento de financiamento remanescente, assumido pela compradora, não repercute em posterior partilha por ocasião do divórcio, porquanto montante estranho à comunhão de bens.
Não se comunicam, na partilha decorrente de divórcio, os bens adquiridos por uma das partes antes do casamento, no período de namoro.
RECURSO ESPECIAL
Não há previsão legal atribuindo aos provedores de aplicações que oferecem serviços de e-mail, o dever de armazenar as mensagens recebidas ou enviadas pelo usuário e que foram deletadas. (1) O provedor de aplicações que oferece serviços de e-mail não pode ser responsabilizado pelos danos materiais decorrentes da transferência de bitcoins realizada por hacker.(2)
REsp 1.885.201-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 23/11/2021, DJe 25/11/2021. (Info 719)
Wagnelson ajuizou ação de compensação de danos materiais e morais em face de Moogle Brasil Ltda. Conforme o autor, sua conta de e-mail foi invadida por terceiro, o qual, na ocasião, transferiu 80 bitcoins da sua carteira de criptomoedas para uma carteira não identificada. Afirma, ademais, ter o hacker excluído todas as mensagens eletrônicas, as quais não recuperou.
O juiz de primeiro grau deferiu o pedido para a obrigar o provedor ao dever de fornecer, sob pena de diária, as informações referentes ao acesso à conta, conforme solicitado pelo recorrente. Embora ainda tenha condenado o provedor ao pagamento de danos morais, indeferiu o pedido de condenação de danos materiais por entender reconhecida a ocorrência de culpa exclusiva da vítima.
Inconformado, Wagnelson interpôs sucessivos recursos nos quais sustenta que, inexistindo prova da culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, o provedor deve ser responsabilizado pelos danos materiais suportados.
Lei 12965/2014:
Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios:
VI – responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei;
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, considera-se:
V – conexão à internet: a habilitação de um terminal para envio e recebimento de pacotes de dados pela internet, mediante a atribuição ou autenticação de um endereço IP;
VII – aplicações de internet: o conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet; e
Art. 13. Na provisão de conexão à internet, cabe ao administrador de sistema autônomo respectivo o dever de manter os registros de conexão, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 1 (um) ano, nos termos do regulamento.
Art. 15. O provedor de aplicações de internet constituído na forma de pessoa jurídica e que exerça essa atividade de forma organizada, profissionalmente e com fins econômicos deverá manter os respectivos registros de acesso a aplicações de internet, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 6 (seis) meses, nos termos do regulamento.
R: Nooops!!!!
Inicialmente cumpre salientar que a partir do Marco Civil da Internet, em razão de suas diferentes responsabilidades e atribuições, é possível distinguir simplesmente duas categorias de provedores: (i) os provedores de conexão; e (ii) os provedores de aplicação.
Os provedores de conexão são aqueles que oferecem “a habilitação de um terminal para envio e recebimento de pacotes de dados pela internet, mediante a atribuição ou autenticação de um endereço IP” (art. 5º, V, MCI). No Brasil, os provedores de conexão acabam, em sua maioria, confundindo-se com os próprios prestadores de serviços de telecomunicações, que, em conjunto, detêm a esmagadora maioria de participação neste mercado.
Por sua vez, utilizando as definições estabelecidas pelo art. 5º, VII, do Marco Civil da Internet, uma “aplicação de internet” é o conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet.
Como é possível perceber, essas funcionalidades podem ser as mais diversas, tais como serviços de e-mail, redes sociais, hospedagem de dados, compartilhamento de vídeos, e muitas outras ainda a serem inventadas. Por consequência, os provedores de aplicação são aqueles que, sejam com ou sem fins lucrativos, organizam-se para o fornecimento dessas funcionalidades na internet.
No Marco Civil da Internet, há apenas duas categorias de dados que devem ser obrigatoriamente armazenados: os registros de conexão (art. 13) e os registros de acesso à aplicação (art. 15). Os primeiros devem ser armazenados pelo prazo de 01 (um) ano, enquanto os últimos devem ser mantidos por 06 (seis) meses.
A previsão legal para guarda desses dados objetiva facilitar a identificação de usuários da internet pelas autoridades competentes, haja vista que a responsabilização dos usuários é um dos princípios do uso da internet no Brasil, conforme o art. 3º, VI, da mencionada lei.
A restrição dos dados a serem armazenados pelos provedores de conexão e de aplicação visa a garantir a privacidade e a proteção da vida privada dos cidadãos usuários da Internet. Diminui-se, assim, a quantidade de dados pessoais que cada um dos atores da internet possui, como forma de prevenção ao abuso da posse dessas informações.
Assim, percebe-se que a opção legislativa adotada para os provedores de aplicação de internet está direcionada no sentido de RESTRINGIR a quantidade de informações a serem armazenadas pelas empresas para apenas o NECESSÁRIO para a condução de suas atividades. Não há previsão legal atribuindo aos provedores de aplicações que oferecem serviços de e-mail o dever de armazenar as mensagens recebidas ou enviadas pelo usuário e que foram deletadas.
O provedor é responsável pelos danos materiais sofridos?
Nooops!!!
Inicialmente cumpre salientar que as criptomoedas utilizam a tecnologia blockchain, a qual é baseada na confiança na rede e viabiliza, de forma inovadora, a realização de transações online sem a necessidade de um intermediário. O blockchain fornece, assim, segurança à rede, estando assentado em quatro pilares: (i) segurança das operações, (ii) descentralização de armazenamento, (iii) integridade de dados e (iv) imutabilidade de transações.
Segundo a doutrina “para realizar transações em bitcoins, após a criação da carteira e a presença de bitcoins nela, o usuário poderá criar ‘endereços Bitcoin’ (instruções de pagamento intra sistema que ditam o fluxo de pagamento) indicando quantas bitcoins devem ser entregues a qual carteira e quando tal transferência deve ocorrer. Cada transação específica somente pode ser realizada mediante a utilização de senha específica que cada pagador e cada recebedor tem de digitar, chamada de ‘private key‘, um sistema que se vale de criptografia para proteção das informações”.
A chave privada viabiliza o acesso do usuário à sua carteira de bitcoins, na qual constam informações sobre as criptomoedas controladas e é possível a realização de pagamentos a outros usuários. A chave privada não deve, destarte, ser revelada e deve ser guardada pelo usuário, já que inexiste, atualmente, maneira de recuperá-la.
No âmbito do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade do fornecedor prescinde do elemento culpa, pois funda-se na teoria do risco da atividade (REsp 1.580.432/SP, DJe 04/02/2019). Em consequência, para emergir a responsabilidade do fornecedor de serviços, é suficiente a comprovação (i) do dano; (ii) da falha na prestação dos serviços e (iii) do nexo de causalidade entre o prejuízo e o vício ou defeito do serviço.
Com relação ao último pressuposto, o dever de indenizar só nasce quando houver um liame de causalidade entre a conduta do agente e o resultado danoso.
No caso, o recorrente atribui à recorrida a responsabilidade pelos danos materiais suportados pois, segundo alega, ao acessar o seu e-mail, o hacker teve acesso à mensagem eletrônica contendo o link enviado pela empresa gerenciadora das criptomoedas.
Ocorre que o acesso à carteira de criptomoedas exige, necessariamente, a indicação da chave privada. Ou seja, ainda que a gerenciadora adote o sistema de dupla autenticação, qual seja, digitação da senha e envio, via e-mail, do link de acesso temporário, a simples entrada neste é insuficiente para propiciar o ingresso na carteira virtual e, consequentemente, viabilizar a transação das cryptocoins.
Deste modo, não configurado o nexo de causalidade, é descabida a pretendida responsabilidade pelo prejuízo material experimentado.
Não há previsão legal atribuindo aos provedores de aplicações que oferecem serviços de e-mail, o dever de armazenar as mensagens recebidas ou enviadas pelo usuário e que foram deletadas. (1) O provedor de aplicações que oferece serviços de e-mail não pode ser responsabilizado pelos danos materiais decorrentes da transferência de bitcoins realizada por hacker.(2)
RECURSO ESPECIAL
À luz do novo Código de Processo Civil, não se aplica a tese firmada no julgamento do REsp 1.200.856/RS, porquanto o novo Diploma inovou na matéria, permitindo a execução provisória da multa cominatória mesmo antes da prolação de sentença de mérito.
REsp 1.958.679-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 23/11/2021, DJe 25/11/2021. (Info 719)
Tadeu, famoso ator, ajuizou ação de obrigação de fazer contra o portal Vizinha Fofoqueira, pedindo que o referido site retire de suas páginas fotos íntimas do autor em publicação não autorizada por este.
O juiz de primeiro grau concedeu liminarmente a tutela provisória de urgência determinando que o site retirasse, em 24 horas, as fotos, sob pena de multa por hora por descumprimento. O responsável pelo site retirou as fotos com 20 horas de atraso, razão pela qual deveria pagar multa pela demora no cumprimento da obrigação de fazer estabelecida pela decisão judicial. Tadeu então peticionou requerendo que o pagamento fosse realizado de forma imediata, antes mesmo da prolação da sentença, medida à qual se opôs o site.
Código de Processo Civil de 2015:
Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título:
I – as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa;
Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.
§ 3º A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte
R: Yeaph!!!!
As astreintes têm por escopo garantir a efetivação da tutela específica da obrigação ou o resultado prático equivalente. Por meio de sua imposição almeja-se induzir as partes a cumprir determinações judiciais que lhes foram impostas (em tutela provisória ou não), em prestígio ao princípio da efetividade dos provimentos jurisdicionais no contexto do moderno processo civil de resultados, motivo pelo qual possuem natureza patrimonial e função inibitória ou coercitiva.
Nesse contexto, importa consignar que, no julgamento do REsp 1.200.856/RS, submetido ao rito dos recursos repetitivos, a Corte Especial fixou o entendimento de que a multa diária, “devida desde o dia em que configurado o descumprimento, quando fixada em antecipação de tutela, somente poderá ser objeto de execução provisória após a sua confirmação pela sentença de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo.”
Examinando a ratio decidendi do referido precedente, observa-se que a tese se encontra alicerçada, sobretudo, em dois fundamentos principais, a saber: a) busca-se evitar que a parte se beneficie de importância em dinheiro que deverá, posteriormente, em caso de derrota, ser devolvida, o que promoveria insegurança jurídica; e b) o termo “sentença” previsto no art. 475-N, I e no art. 475-O, do CPC/1973, deve ser interpretado restritivamente, evitando-se a possibilidade de cobrança de multa fixada por meio de decisão interlocutória em antecipação de tutela, notadamente porque, na sentença, a ratificação do arbitramento da multa cominatória decorre do reconhecimento da existência do próprio direito material perseguido.
Infere-se, desse modo, que o mencionado precedente qualificado não veda, absolutamente, a execução provisória da multa cominatória, limitando-a, no entanto, a momento posterior à prolação de sentença de mérito favorável à parte e desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo.
Verifica-se, assim, que o deslinde da controvérsia, a rigor, demanda que se defina se a execução provisória das astreintes deve aguardar a prolação de sentença de mérito ou se, ao revés, seria possível ocorrer em momento anterior, tão logo ocorra sua incidência.
Mais do que isso, deve-se ressaltar que a tese fixada no julgamento do REsp 1.200.856/RS, o foi à luz das disposições do Código de Processo Civil de 1973, que não continha dispositivo semelhante ao § 3º do art. 537 do Código de Processo Civil de 2015.
Da simples leitura do dispositivo em comento, exsurge a conclusão de que o novo Diploma Processual inovou na matéria, autorizando, expressamente, a execução provisória da decisão que fixa as astreintes, condicionando, tão somente, o levantamento do valor ao trânsito em julgado da sentença favorável à parte.
Ademais, importa destacar que não mais subsiste, no novo Código de Processo Civil, a redação que constava do art. 475-N, I, do CPC/1973, que serviu de fundamento para o acórdão proferido no julgamento do REsp 1.200.856/RS.
De fato, o atual art. 515, I, considera título executivo judicial “as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa”, tendo sido substituída, portanto, a palavra “sentença” por “decisões”.
A mencionada alteração redacional harmoniza-se com o disposto no § 3º do art. 537 do CPC/2015, que autoriza a execução provisória da decisão que fixa a multa cominatória, sendo certo que, na linha das boas regras de hermenêutica, não se pode olvidar que “verba cum effectu, sunt accipienda” (não se presumem, na lei, palavras inúteis).
A inovação legislativa em mote, portanto, amolda-se, à perfeição, à própria finalidade do instituto, na medida em que, ao permitir a execução provisória da decisão que fixa a multa mesmo antes da sentença de mérito, acentua o seu caráter coercitivo e inibitório, tornando ainda mais oneroso ou arriscado o descumprimento de determinações judiciais.
À luz do novo Código de Processo Civil, não se aplica a tese firmada no julgamento do REsp 1.200.856/RS, porquanto o novo Diploma inovou na matéria, permitindo a execução provisória da multa cominatória mesmo antes da prolação de sentença de mérito.
RECURSO ESPECIAL
O reconhecimento do exercício de atividade sob condições especiais pela exposição ao agente nocivo ruído, quando constatados diferentes níveis de efeitos sonoros, deve ser aferido através do Nível de Exposição Normalizado (NEN). Ausente tal informação, deverá ser adotado como critério o nível máximo de ruído (pico de ruído), desde que perícia técnica judicial comprove a habitualidade e a permanência da exposição ao agente nocivo na produção do bem ou na prestação do serviço.
REsp 1.886.795-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 18/11/2021, publicado em 25/11/2021. (Tema 1083) (Info 719)
Tadeu é empregado de uma indústria moveleira e trabalhou por anos sujeito ao agente nocivo ruído, razão pela qual requereu ao INSS a concessão de aposentadoria especial. Porém, a autarquia não reconheceu alguns períodos como exercidos em condições insalubres, uma vez que, a partir da Decreto nº 4.882/2003 se tornou exigível, no LTCAT e no PPP, a menção expressa ao critério Nível de Exposição Normalizado – NEN em nível superior à pressão sonora de 85 dB.
Inconformado, Tadeu então ajuizou ação contra o INSS, postulando a concessão do benefício de aposentadoria especial, alegando que entre 1987 e 1996, não havia documentos comprobatórios da média ponderada, mas há prova judicial do nível máximo aferido (critério “pico de ruído”).
Lei 8.213/1991:
Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei.
§ 3º A concessão da aposentadoria especial dependerá de comprovação pelo segurado, perante o Instituto Nacional do Seguro Social–INSS, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo fixado.
Art. 58. A relação dos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física considerados para fins de concessão da aposentadoria especial de que trata o artigo anterior será definida pelo Poder Executivo.
§ 1º A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho nos termos da legislação trabalhista.
CPC/2015:
Art. 369. As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.
R: Yeaaap, desde que adotado como critério o nível máximo de ruído (pico de ruído) e que perícia técnica judicial comprove a habitualidade e a permanência da exposição ao agente nocivo na produção do bem ou na prestação do serviço!!!
A Lei de Benefícios da Previdência Social, em seu art. 57, § 3º, disciplina que a aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência, ao segurado que comprovar tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo fixado em lei, sendo certo que a exigência legal de habitualidade e permanência não pressupõe a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho.
A questão central versa acerca da possibilidade de reconhecimento do exercício de atividade sob condições especiais pela exposição ao agente ruído, quando constatados diferentes níveis de efeitos sonoros, considerando-se apenas o nível máximo aferido (critério “pico de ruído”), a média aritmética simples ou o Nível de Exposição Normalizado (NEN).
A Lei n. 8.213/1991, no § 1º do art. 58, estabelece que a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita por formulário com base em Laudo Técnico de Condições Ambientais do Trabalho – LTCAT nos termos da legislação trabalhista.
A partir do Decreto n. 4.882/2003, é que se tornou exigível, no LTCAT e no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), a referência ao critério Nível de Exposição Normalizado – NEN (também chamado de média ponderada) em nível superior à pressão sonora de 85 dB, a fim de permitir que a atividade seja computada como especial.
Para os períodos de tempo de serviço especial anteriores à edição do referido Decreto, que alterou o Regulamento da Previdência Social, não há que se requerer a demonstração do NEN, visto que a comprovação do tempo de serviço especial deve observar o regramento legal em vigor por ocasião do desempenho das atividades.
Ademais, descabe aferir a especialidade do labor mediante adoção do cálculo pela média aritmética simples dos diferentes níveis de pressão sonora, pois esse critério não leva em consideração o tempo de exposição ao agente nocivo durante a jornada de trabalho.
Assim, se a atividade especial somente for reconhecida na via judicial, e não houver indicação do NEN no PPP, ou no LTCAT, caberá ao julgador solver a controvérsia com base na perícia técnica realizada em juízo, conforme disposto no art. 369 do CPC/2015 e na jurisprudência pátria, consolidada na Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos, observado o critério do pico de ruído.
O reconhecimento do exercício de atividade sob condições especiais pela exposição ao agente nocivo ruído, quando constatados diferentes níveis de efeitos sonoros, deve ser aferido através do Nível de Exposição Normalizado (NEN). Ausente tal informação, deverá ser adotado como critério o nível máximo de ruído (pico de ruído), desde que perícia técnica judicial comprove a habitualidade e a permanência da exposição ao agente nocivo na produção do bem ou na prestação do serviço.
RECURSO ESPECIAL
O redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da pessoa jurídica executada ou na presunção de sua ocorrência, não pode ser autorizado contra o sócio ou o terceiro não sócio que, embora exercessem poderes de gerência ao tempo do fato gerador, sem incorrer em prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos, dela regularmente se retirou e não deu causa à sua posterior dissolução irregular, conforme art. 135, III do CTN.
REsp 1.377.019-SP, Rel. Min. Assusete Magalhães, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 24/11/2021. (Tema 962) (Info 719)
Livraria Marins foi dissolvida irregularmente ainda no ano de 2020, ou seja, não foram observadas as formalidades para tanto pela legislação. No ano seguinte, foi ajuizada execução fiscal contra a empresa. Uma vez que ela havia encerrado suas atividades e não foi localizada no endereço informado à Junta Comercial, presumiu-se então a sua dissolução irregular, razão pela qual a exequente pediu para que a execução fiscal fosse redirecionada para cobrar a dívida de Tadeu, sócio administrador da empresa quando ocorrido o fato gerador.
Inconformado, Tadeu apresentou embargos à execução alegando que se retirara da empresa dois anos antes da dissolução irregular, o que ficou comprovado uma vez que a alteração contratual fora registrada na Junta Comercial. Sustentou que o redirecionamento não poderia recair sobre ele, uma vez que não foi responsável pela dissolução irregular e tampouco praticou qualquer ato com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos.
CTN:
Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado
R: Noooops!!!
A controvérsia ora em apreciação, submetida ao rito dos recursos especiais repetitivos, nos termos dos arts. 1.036 a 1.041 do CPC/2015, restou assim delimitada: “Possibilidade de redirecionamento da execução fiscal contra o sócio que, apesar de exercer a gerência da empresa devedora à época do fato tributário, dela regularmente se afastou, sem dar causa, portanto, à posterior dissolução irregular da sociedade empresária” (Tema 962/STJ).
A Primeira Seção do STJ, ao julgar, sob o rito dos recursos repetitivos, o Recurso Especial 1.101.728/SP (Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, DJe de 23/03/2009), fixou a tese de que “a simples falta de pagamento do tributo não configura, por si só, nem em tese, circunstância que acarreta a responsabilidade subsidiária do sócio, prevista no art. 135 do CTN. É indispensável, para tanto, que tenha agido com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto da empresa” (Tema 97 do STJ). No mesmo sentido dispõe a Súmula 430/STJ (“O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”).
É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que, à luz do art. 135, III, do CTN, não se admite o redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da pessoa jurídica executada, contra o sócio e o terceiro não sócio que, embora exercessem poderes de gerência ao tempo do fato gerador, sem a prática de ato com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos, dela regularmente se retiraram e não deram causa à sua posterior dissolução irregular.
A própria Fazenda Nacional, embora, a princípio, defendesse a responsabilização do sócio-gerente à época do fato gerador, curvou-se à tese prevalecente no Superior Tribunal de Justiça, como se depreende da alteração da Portaria PGFN n. 180/2010, promovida pela Portaria PGFN n. 713/2011.
O redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da pessoa jurídica executada ou na presunção de sua ocorrência, não pode ser autorizado contra o sócio ou o terceiro não sócio que, embora exercessem poderes de gerência ao tempo do fato gerador, sem incorrer em prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos, dela regularmente se retirou e não deu causa à sua posterior dissolução irregular, conforme art. 135, III do CTN.
RECURSO ESPECIAL
É legítima a incidência do ISSQN nas prestações de serviços de reparos navais em embarcações de bandeira estrangeira em águas marítimas no território nacional.
REsp 1.805.226-SP, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, por unanimidade julgado em 09/11/2021, DJe 19/11/2021. (Info 719)
LockMetal Ltda ajuizou ação declaratória visando à declaração judicial de inexistência de relação jurídica entre a autora e o município de Santos, no que tange à exigência do imposto sobre os serviços de reparo (ISSQN) por ela prestados para embarcações de bandeira estrangeira, em águas marítimas do Porto de Santos, defendendo se tratar de exportação de serviços, o que faria atrair, em seu favor, a regra isentiva constante do art. 2º,I, da LC 116/03.
Nas duas instâncias ordinárias, a autora teve recusado seu pedido, na perspectiva de que os trabalhos por ela desenvolvidos, conquanto efetivamente materializados em embarcações de bandeira estrangeira, ainda assim teriam seu resultado, ou fato gerador, ocorrido em território brasileiro, de modo a legitimar, nos termos dos arts. 2º, par. único e 3º, § 3º, da LC 116/03, a incidência do ISSQN em benefício do fisco santista.
Inconformada, LockMetal interpôs recurso especial no qual sustenta que não caberia a incidência do ISS uma vez que as prestações de serviços realizadas dentro das embarcações de bandeiras estrangeiras produzem o respectivo resultado igualmente em território estrangeiro, o que caracterizaria a exportação de serviços.
LC 116/2003:
Art. 2o O imposto não incide sobre:
I – as exportações de serviços para o exterior do País;
Art. 3o O serviço considera-se prestado, e o imposto, devido, no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXV, quando o imposto será devido no local:
§ 3o Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no local do estabelecimento prestador nos serviços executados em águas marítimas, excetuados os serviços descritos no subitem 20.01.
R: Yeaph!!!!
A Primeira Turma do STJ a respeito da exportação de serviços, já se manifestou no sentido de que é “condição para que haja exportação de serviços desenvolvidos no Brasil que o resultado da atividade contratada não se verifique dentro do nosso País, sendo de suma importância, por conseguinte, a compreensão do termo ‘resultado’ como disposto no parágrafo único do art. 2º”. Ainda de acordo com o referido julgado, “necessário ter-se em mente, portanto, os verdadeiros resultados do serviço prestado, os objetivos da contratação e da prestação”. (REsp 831.124/RJ, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, julgado em 15/8/2006, DJ 25/9/2006).
Em acórdãos de relatoria do Ministro Gurgel de Faria, AREsp 587.403/RS e AREsp 1.150.353/SP, publicados em 18/10/2016 e 13/5/2021, respectivamente, expressou-se compreensão sobre o aspecto finalístico do termo resultado, associando-o ao lugar onde a utilidade seja efetivamente fruída pelo tomador do serviço.
Também a Segunda Turma do STJ teve ensejo de se pronunciar sobre o tema ao julgar o AgInt no AREsp 1.446.639/SP, firmando o entendimento de que, “para que haja efetiva exportação do serviço desenvolvido no Brasil, ele não poderá aqui ter consequências ou produzir efeitos”.
No caso, os serviços são prestados em território NACIONAL, presente a incontroversa circunstância de as embarcações estrangeiras se encontrarem em águas marítimas brasileiras. Em desdobramento, revela-se igualmente desenganada a constatação de que o resultado dos serviços ocorre em solo nacional, uma vez que a feitura de reparos e a manutenção dos navios se mostram úteis desde logo para os tomadores/contratantes do serviço, que deles passam a usufruir ainda em águas nacionais, não se configurando, com isso, a sustentada hipótese de exportação de serviços.
Por fim, não se sustenta a tese de que, por se tratarem de embarcações que ostentariam o status de território estrangeiro, caracterizada estaria a exportação do serviço para o exterior do País, capaz de arredar a incidência do ISSQN, como dispõe o art. 2º, I, da LC 116/2003. Tal percepção, em verdade, exsurge infirmada pela literalidade do art. 3º, § 3º, da LC 116/2003, que assim preceitua: “Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no local do estabelecimento prestador nos serviços executados em águas marítimas…”; logo, bem se constata que o legislador, para fins de incidência do tributo, não fez qualquer distinção quanto à nacionalidade da embarcação ou do equipamento atendidos pelo serviço, não cabendo ao intérprete, portanto, empreender tal distinção.
É legítima a incidência do ISSQN nas prestações de serviços de reparos navais em embarcações de bandeira estrangeira em águas marítimas no território nacional.
RECURSO ESPECIAL
É cabível o pedido de habilitação de crédito da Fazenda Pública na falência desde que suspensa a execução fiscal.
REsp 1.872.153-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 09/11/2021. (Info 719)
Em uma execução fiscal ajuizada pela União em face de Doctor S/A, verificou-se que a executada teve sua falência declarada pela Vara de Falências Competente. A União então requereu ao juízo falimentar que promovesse a habilitação do crédito que estava sendo cobrado na execução fiscal.
Ocorre que o Juiz da Vara de Falências indeferiu o pedido ao fundamento de que, em razão de já existir cobrança por parte da União em ação própria, faltaria interesse processual do poder público na habilitação dos créditos. Inconformada, a Fazenda Nacional interpôs recurso especial no qual sustenta que a União não ‘optou’ pelo ajuizamento da execução fiscal, pois, quando esta fora proposta, ainda não havia falência decretada da executada. Portanto, não se cuidou de uma opção da parte, mas da adoção do único procedimento possível naquele momento – ajuizamento da execução fiscal.
Lei n. 11.101/2005:
Art. 7º-A. Na falência, após realizadas as intimações e publicado o edital, conforme previsto, respectivamente, no inciso XIII do caput e no § 1º do art. 99 desta Lei, o juiz instaurará, de ofício, para cada Fazenda Pública credora, incidente de classificação de crédito público e determinará a sua intimação eletrônica para que, no prazo de 30 (trinta) dias, apresente diretamente ao administrador judicial ou em juízo, a depender do momento processual, a relação completa de seus créditos inscritos em dívida ativa, acompanhada dos cálculos, da classificação e das informações sobre a situação atual.
Art. 76. O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo.
§ 4º Com relação à aplicação do disposto neste artigo, serão observadas as seguintes disposições;
I – a decisão sobre os cálculos e a classificação dos créditos para os fins do disposto nesta Lei, bem como sobre a arrecadação dos bens, a realização do ativo e o pagamento aos credores, competirá ao juízo falimentar;
II – a decisão sobre a existência, a exigibilidade e o valor do crédito, observado o disposto no inciso II do caput do art. 9º desta Lei e as demais regras do processo de falência, bem como sobre o eventual prosseguimento da cobrança contra os corresponsáveis, competirá ao juízo da execução fiscal;
V – as execuções fiscais permanecerão suspensas até o encerramento da falência, sem prejuízo da possibilidade de prosseguimento contra os corresponsáveis;
R: Yeaph, desde que SUSPENSA a execução fiscal.
A Lei n. 11.101/2005 preceitua que a quebra (assim como o deferimento da recuperação judicial) não tinha o condão de paralisar o processo de execução fiscal (art. 76), tampouco de desconstituir a penhora realizada.
Tal entendimento sempre partiu da premissa da existência de dois tipos de concursos na falência: o concurso formal (ou processual), decorrente do juízo universal e indivisível competente para as ações sobre bens, interesses e negócios da falida; e o concurso material (ou obrigacional), pelo qual deverá o credor receber de acordo com a ordem de preferência legal, consoante bem assinala doutrina abalizada.
Desse modo, é certo que os créditos tributários não se submetem ao concurso formal (ou processual) instaurado com a decretação da falência ou com o deferimento da recuperação judicial; vale dizer, não se subordinam à vis attractiva (força atrativa) do juízo falimentar ou recuperacional, motivo pelo qual as execuções fiscais terão curso normal nos juízos competentes, ressalvada a competência para controle sobre atos constritivos dos bens essenciais à manutenção da atividade empresarial e para alienação dos ativos da falência, que recaem sobre o juízo da insolvência.
De outro vértice, os credores tributários sujeitam-se ao concurso material (ou obrigacional) decorrente da falência, pois deverão respeitar os rateios do produto da liquidação dos bens de acordo com a ordem legal de classificação dos créditos (LREF, arts. 83 e 84); ou seja, deverão ser respeitadas as preferências dos créditos trabalhistas (até 150 salários mínimos) e daqueles com garantia real (até o limite do bem gravado), sem se olvidar do pagamento prioritário dos créditos extraconcursais e das importâncias passíveis de restituição.
É que, embora seja o único credor “que não participa da Assembleia Geral de Credores e não se submete ao plano de recuperação, o Fisco colabora com a recuperação da empresa mediante o parcelamento dos créditos tributários […] Dessa forma, a contribuição do Fisco acontecerá de forma automática, estabelecendo dilatação dos prazos para pagamento, aliviando as necessidades de fluxo de caixa das empresas e propiciando a regularização de sua situação fiscal”, exatamente o que veio a ocorrer com a Lei n. 13.043/2014, que previu parcelamento especial para devedores em recuperação judicial.
Na falência, é vedado que o fisco utilize duas vias processuais para satisfação de seu crédito – a denominada garantia dúplice: a execução fiscal e a habilitação de crédito -, sob pena de bis in idem, ressalvada a possibilidade de discussão, no juízo da execução fiscal, sobre a existência, a exigibilidade e o valor do crédito, assim como de eventual prosseguimento da cobrança contra os corresponsáveis (LREF, art. 7º-A, § 4º, II). A suspensão da execução, a que alude a mesma regra (inciso V), afasta a dupla garantia, a sobreposição de formas de satisfação do crédito, permitindo a habilitação do crédito na falência.
A principal consequência relacionada à vedação da dúplice garantia está em trazer, seguindo os ditames constitucionais, eficiência ao processo de insolvência, evitando o prosseguimento de dispendiosas e inúteis execuções fiscais contra a massa falida, já que a existência de bens penhoráveis ou de numerários em nome da devedora serão, inevitavelmente, remetidos ao juízo da falência para, como dito, efetivar os rateios do produto da liquidação dos bens de acordo com a ordem legal de classificação dos créditos (LREF, arts. 83 e 84).
Uma vez definida a escolha pelo prosseguimento da execução fiscal, afastado, portanto, o óbice da dúplice garantia, tem-se que a satisfação do crédito fazendário continuará sujeitando-se à liquidação pelo juízo falimentar, pois submete-se materialmente aos rateios do produto da liquidação dos bens, conforme a ordem legal dos créditos prevista nos arts. 83 e 84 da Lei n. 11.101/2005, e, em respeito ao seu art. 140, busca a maximização do valor dos ativos com a alienação dos bens em bloco.
Deveras, ainda que o fisco faça a opção pelo prosseguimento da execução fiscal, não é mais possível que se façam os atos de excussão dos bens do falido fora do juízo da falência (LREF, art. 7º-A, § 4º, I). Referido entendimento, aliás, foi ratificado com a reforma trazida pela Lei n. 14.112/2020.
Isso porque, atualizando a Lei n.11.101/2005, a nova legislação estabeleceu procedimento específico, denominado de “incidente de classificação do crédito público”, a ser instaurado de ofício pelo juízo falimentar, uma forma especial de habilitação dos créditos fiscais na falência, que enseja, conforme previsão expressa, a suspensão das execuções fiscais até o encerramento da falência, sem prejuízo da possibilidade de prosseguimento contra os corresponsáveis.
Portanto, pelo novel diploma da insolvência, ficou autorizada a habilitação do crédito fiscal na falência, desde que, em contrapartida, tenha ocorrido a suspensão das execuções fiscais (que se dará automaticamente com a instauração do incidente de classificação de crédito público), exatamente para evitar a sobreposição de formas de satisfação e o óbice da dúplice garantia.
É cabível o pedido de habilitação de crédito da Fazenda Pública na falência desde que suspensa a execução fiscal.
HABEAS CORPUS
É inviável a expulsão de estrangeiro visitante ou migrante do território nacional quando comprovado tratar-se de pai de criança brasileira que se encontre sob sua dependência socioafetiva.
HC 666.247-DF, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 10/11/2021, DJe 18/11/2021. (Info 719)
Kumbalaye, estrangeiro, foi preso por infração ao artigo 33 da Lei drogas, condenado provisoriamente a pena de 05 anos de reclusão cumprindo pena em regime inicial fechado no Brasil. O decreto expulsório em desfavor do sentenciado foi determinado em 11 de janeiro de 2018.
Ocorre que Kumba é pai de criança brasileira, a qual sobreveio de uma união estável com Charlene, brasileira nata e residente no país, razão pela qual impetrou Habeas Corpus no qual sustenta a ilegalidade do ato administrativo de expulsão em curso no Departamento de Estrangeiros do Ministério da Justiça, porquanto contrário ao que dispõe o art. 75, II, b, da Lei 6.815/1980 (alterado pela Lei 6.964/1981), que veda a expulsão de estrangeiro quando este tiver filho brasileiro que, comprovadamente, esteja sob sua guarda e dele dependa economicamente.
Lei de Migração:
Art. 55. Não se procederá à expulsão quando:
II – o expulsando:
a) tiver filho brasileiro que esteja sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva ou tiver pessoa brasileira sob sua tutela;
CF:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
ECA:
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.
R: Noooops!!!
No julgamento do RE 608.898, com repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal firmou-se a tese no sentido de ser irrelevante a data da concepção da prole brasileira como fator exclusivo de impedimento à expulsão, desde que demonstrado existir dependência econômica e convivência socioafetiva entre o estrangeiro e sua prole.
Há de se ponderar, entretanto, que a presença de um único desses requisitos já se mostra suficiente para o reconhecimento do direito do estrangeiro a permanecer em território nacional, haja vista que a lei expressamente os elenca de forma AUTÔNOMA, ao utilizar a expressão “dependência econômica ou socioafetiva”.
A propósito, nesse sentido já se manifestou a Primeira Turma que “A dependência socioafetiva também constitui fator autônomo e suficiente apto a impedir a expulsão de estrangeiros que tenham filhos brasileiros”. (RHC 123.891-AgR, Rel. Ministra Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 4/5/2021).
De se ver, portanto, que o art. 55, II, “a”, da Lei de Migração expressamente vedou o processo expulsório na hipótese de o estrangeiro ter filho brasileiro “sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva”.
No caso, no que tange à dependência econômica e à convivência socioafetiva, a única prova trazida limita-se a uma declaração fornecida pela genitora da criança, pela qual dá conta de que o pai, em vias de ser expulso do Brasil, sempre assistiu, afetiva e materialmente, o infante.
Referida declaração não autoriza a compreensão de que o requisito da dependência econômica esteja preenchido, ante a inexistência de qualquer outro elemento probatório mínimo capaz de efetivamente demonstrar a forma como o paciente teria se desincumbido de assistir materialmente seu filho, mormente considerando-se seu encarceramento há mais de 3 (três) anos.
Entretanto, sendo incontroverso que o paciente se encontra encarcerado desde 28/8/2018, quando seu filho – nascido em 6/4/2016 – contava com pouco mais de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de vida, exigir do paciente a produção de outras provas acerca do vínculo socioafetivo entre ele e seu filho – que, como se extrai do próprio termo em tela, é de natureza afetiva, sentimental, portanto – seria praticamente impor-lhe a produção de uma prova impossível.
Nessa linha a declaração fornecida pela mãe no sentido de que remanesce viva a relação socioafetiva entre pai e filho reveste-se da necessária juridicidade para comprovação de tal requisito legal.
Ademais disso, a permanência do paciente em território nacional é medida que prestigia o texto constitucional de 1988, no passo em que confere absoluta prioridade no atendimento dos interesses fundamentais da criança e do adolescente (art. 227 da CF), dentre os quais se destaca o direito à “convivência familiar”, tudo isso devidamente regulamentado no âmbito do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) e, portanto, em conformidade com a universal doutrina da proteção integral da infância e da juventude (art. 1º do ECA).
É inviável a expulsão de estrangeiro visitante ou migrante do território nacional quando comprovado tratar-se de pai de criança brasileira que se encontre sob sua dependência socioafetiva.
RECURSO ESPECIAL
O ajuizamento de duas ações penais referentes aos mesmos fatos, uma na Justiça Comum Estadual e outra na Justiça Eleitoral, viola a garantia contra a dupla incriminação.
REsp 1.847.488-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 20/04/2021, DJe 26/04/2021. (Info 719)
O Ministério Público Estadual ofereceu denúncia em desfavor de Hadley em razão de que este, candidato ao cargo de prefeito municipal no ano de 2012, teria solicitado (por meio de Juvenal., então tesoureiro de seu partido político) o pagamento de R$ 3 milhões, para saldar dívida de campanha contraída com empresa prestadora de serviços gráficos.
Porém, sua defesa apresentou documentos novos nos quais relata a absolvição de Hadley em ação de improbidade administrativa e ação penal eleitoral ajuizadas anteriormente, referentes aos mesmos fatos em discussão.
Constituição Federal de 1988:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
§ 1º São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.
R: Yeaph!!!!
No caso, os mesmos fatos que levaram ao oferecimento da denúncia discutida também foram apreciados em ação de improbidade administrativa e ação penal na Justiça Eleitoral, sendo que ambas culminaram com a absolvição.
Frisa-se que a sentença absolutória por ato improbidade não vincula o resultado do presente feito, porquanto proferida na esfera do direito administrativo sancionador que é independente da instância penal, embora seja possível, em tese, considerar como elementos de persuasão os argumentos nela lançados.
No entanto, quanto à absolvição perante a Justiça Eleitoral, a questão adquire peculiaridades que reclamam tratamento diferenciado. Isso porque a sentença, não recorrida pelo MPE, foi proferida no exercício de verdadeira jurisdição criminal, de modo que o prosseguimento da ação penal da qual se originou este habeas corpus encontra óbice no princípio da vedação à dupla incriminação, também conhecido como double jeopardy clause ou (mais comumente no direito brasileiro) postulado do ne bis in idem, ou ainda da proibição da dupla persecução penal.
Embora não tenha previsão expressa na Constituição Federal de 1988, a garantia do ne bis in idem é certamente um limite implícito ao poder estatal, derivada da própria coisa julgada (art. 5º, XXXVI, da Carta Magna) e decorrente de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil (§ 2º do mesmo art. 5º). Isso porque a Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 8º, n. 4) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (art. 14, n. 7), incorporados ao direito brasileiro com status supralegal pelos Decretos 678/1992 e 592/1992, respectivamente, tratam da vedação à dupla incriminação.
Tendo o Ministério Público, instituição una (à luz do art. 127, § 1º, da CF/1988) ajuizado duas ações penais referentes aos mesmos fatos, uma na Justiça Comum Estadual e outra na Justiça Eleitoral, há violação à garantia contra a dupla incriminação.
Por conseguinte, a independência de instâncias não permite, por si só, a continuidade da persecução penal na Justiça Estadual, haja vista que a decisão proferida na Justiça Especializada foi de natureza penal, e não cível. Tanto o processo resolvido na esfera eleitoral como o presente versam sobre crimes, e como tais se inserem na jurisdição criminal, una por natureza. O que diferencia as hipóteses de atuação da Justiça Comum Estadual e da Justiça Eleitoral, quando exercem jurisdição penal, é a sua COMPETÊNCIA; ambas, contudo, realizam julgamentos em cognição exauriente sobre a prática de condutas delitivas. Sendo distintas as imputações vertidas num e noutro processo, é certo que cada braço do Judiciário poderá julgá-las; inobstante, tratando-se de acusações idênticas, não é o argumento genérico de independência entre as instâncias que permitirá o prosseguimento da ação penal remanescente.
O ajuizamento de duas ações penais referentes aos mesmos fatos, uma na Justiça Comum Estadual e outra na Justiça Eleitoral, viola a garantia contra a dupla incriminação.
RECURSO ESPECIAL
As qualificadoras de homicídio fundadas exclusivamente em depoimento indireto (Hearsay Testimony), violam o art. 155 do CPP, que deve ser aplicado aos veredictos condenatórios do Tribunal do Júri.
REsp 1.916.733-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 23/11/2021, DJe 29/11/2021. (Info 719)
O MPE ofereceu denúncia contra Nerso pela suposta prática do delito de homicídio, mediante paga e recurso que dificultou a defesa da vítima. Segundo a narrativa do Parquet, a esposa do ofendido teria contratado o acusado para que assassinasse seu marido, sendo Nerso o autor dos disparos de arma de fogo que consumaram o crime. Nerso foi condenado em primeira instância, decisão mantida pelo Tribunal local.
A incansável defesa de Nerso interpôs recurso especial no qual sustenta que houve violação do art. 155 do CPP, ao argumento central de que não foi produzida em juízo nenhuma prova capaz de sustentar as qualificadoras do art. 121, § 2º, I e IV, do CP (mediante paga ou promessa de recompensa e por meio de emboscada). Em sua ótica, dentre todos os elementos apresentados aos jurados, apenas o depoimento de George em sede policial confirmaria a narrativa acusatória, mas referida testemunha retratou-se em juízo das alegações feitas durante a fase inquisitorial. Assim, não remanesceriam provas judicializadas aptas a embasar a incidência das qualificadoras.
Destaque-se que George não presenciou os fatos, mas apenas informou na esfera policial o que sua esposa o havia contado.
CPP:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
R: Yeaph!!!!
Consoante o entendimento atual da Quinta e Sexta Turmas do STJ, o art. 155 do CPP não se aplica aos vereditos do tribunal do júri. Isso porque, tendo em vista o sistema de convicção íntima que rege seus julgamentos, seria inviável aferir quais provas motivaram a condenação. Tal compreensão, todavia, encontra-se em contradição com novas orientações jurisprudenciais consolidadas neste colegiado no ano de 2021.
No HC 560.552/RS, a Quinta Turma decidiu que o art. 155 do CPP incide também sobre a pronúncia. Destarte, recusar a incidência do referido dispositivo aos vereditos condenatórios equivaleria, na prática, a exigir um standard probatório mais rígido para a admissão da acusação do que aquele aplicável a uma condenação definitiva.
Não há produção de prova, mas somente coleta de elementos informativos, durante o inquérito policial. Prova é aquela produzida no processo judicial, sob o crivo do contraditório, e assim capaz de oferecer maior segurança na reconstrução histórica dos fatos.
Consoante o entendimento firmado no julgamento do AREsp 1.803.562/CE, embora os jurados não precisem motivar suas decisões, os Tribunais locais – quando confrontados com apelações defensivas – precisam fazê-lo, indicando se existem provas capazes de demonstrar cada elemento essencial do crime.
Se o Tribunal não identificar nenhuma prova judicializada sobre determinado elemento essencial do crime, mas somente indícios oriundos do inquérito policial, há duas situações possíveis: ou o aresto é omisso, por deixar de analisar uma prova relevante, ou tal prova realmente não existe, o que viola o art. 155 do CPP.
As qualificadoras de homicídio fundadas exclusivamente em depoimento indireto (Hearsay Testimony), violam o art. 155 do CPP, que deve ser aplicado aos veredictos condenatórios do Tribunal do Júri.
HABEAS CORPUS
No tribunal do júri é possível, mediante acordo entre as partes, estabelecer uma divisão de tempo para debates de acusação e defesa que melhor se ajuste às peculiaridades do caso.
HC 703.912-RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 23/11/2021. (Info 719)
No Tribunal do Júri do julgamento dos acusados na tragédia da Boate Kiss, o magistrado que presidiria o feito cuidou de traçar todas as diretrizes possíveis para a realização do ato. Para tanto, determinou unilateralmente a ampliação do tempo de debate em Plenário do Júri, bem como de eventuais réplica e tréplica.
Conforme o magistrado, como as quatro defesas teriam que dividir entre si o prazo de 2h30min, ficaria 37 minutos para a defesa de cada réu, sendo esse prazo muito curto diante da complexidade do caso. Por tal razão, o magistrado ampliou os prazos, fixando em 6 horas o tempo para a defesa exercer seu trabalho.
No entanto, a defesa de um dos réus não concordou com essa ampliação sob o argumento de que as partes não assentiram com a modificação e que tal procedimento poderia resultar em prejuízo à defesa, pois a acusação também teria o aumento do seu prazo.
CF/1988:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXVIII – é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;
Código de Processo Civil de 2015:
Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.
CPP:
Art. 3o A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.
Art. 477. O tempo destinado à acusação e à defesa será de uma hora e meia para cada, e de uma hora para a réplica e outro tanto para a tréplica
R: Noooops! Somente se houver acordo entre as partes.
A plenitude de defesa é um dos princípios constitucionais básicos que amparam o instituto do júri (art. 5º, XXXVIII, da CF/1988), razão pela qual é LOUVÁVEL a decisão do magistrado que busca efetivar tal garantia aos acusados.
Entretanto, é importante que as normas processuais que regem o referido instituto sejam observadas, a fim de que sejam evitadas futuras alegações de nulidades.
Dessa forma, considerado o rigor FORMAL do procedimento do júri, não é possível que, unilateralmente, o juiz de primeiro grau estabeleça prazos diversos daqueles definidos pelo legislador, para mais ou para menos, sob pena de chancelar uma decisão contra legem.
Não obstante, nada impede que, no início da sessão de julgamento, mediante acordo entre as partes, seja estabelecida uma divisão de tempo que melhor se ajuste às peculiaridades do caso concreto.
O Código de Processo Civil de 2015, consagrou a denominada cláusula geral de negociação processual, ao dispor, em seu art. 190, que “Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo”. Na hipótese, à luz do disposto no art. 3º do CPP, é viável a aplicação analógica do referido dispositivo.
À vista de tal consideração, ponderadas as singularidades do caso em análise, em reforço ao que já prevê o art. 477 do CPP, constata-se a viabilidade de que as partes interessadas entrem em um consenso a fim de dilatar o prazo de debates, respeitados os demais princípios que regem o instituto do júri.
No tribunal do júri é possível, mediante acordo entre as partes, estabelecer uma divisão de tempo para debates de acusação e defesa que melhor se ajuste às peculiaridades do caso.
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