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HOMOLOGAÇÃO DE DECISÃO ESTRANGEIRA
A homologação da decisão estrangeira sobre alimentos não subtrai do devedor a possibilidade de ajuizar ação revisional do valor da pensão alimentícia.
HDE 4.289-EX, Rel. Min. Raul Araújo, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 18/08/2021, DJe 23/08/2021. (Info 707)
Rubens ajuizou pedido de homologação de sentença estrangeira de alimentos, oriunda do Tribunal Distrital de Bludenz, na República da Áustria que condenara Juarez ao pagamento de prestações alimentícias.
Juarez então contestou o pedido sob a alegação de “violação da dignidade da pessoa humana”, uma vez que a sentença fixou o valor dos alimentos em EUR 290,00 (duzentos e noventa euros) mensais. Por sua vez, os valores em atraso totalizam EUR 35.090,00 (trinta e cinco mil e noventa euros). Alegou que só recentemente conseguiu emprego como pedreiro, estando inclusive mediante contrato de experiência e com remuneração em valor pouco superior ao salário-mínimo. Por fim, requereu que não fosse homologada a decisão estrangeira.
R: Yeaph!!!
Não é viável, na via do pedido meramente homologatório de decisão estrangeira, analisar as alegações quanto à: reduzida capacidade econômica do alimentante, excessiva onerosidade da pensão alimentícia imposta na sentença alienígena e acumulada em expressivo valor; e ausência de condição financeira atual, a impossibilitar o cumprimento da obrigação de pagar, bem como o pedido de revisão da pensão estabelecida pela Justiça estrangeira
Com efeito, embora traduzam aspectos relevantes, essas questões, atinentes ao mérito da ação ajuizada perante o Tribunal Arbitral estrangeiro, são de exame vedado ao Superior Tribunal de Justiça no exercício de sua competência meramente homologatória da decisão proferida no exterior.
A homologação da decisão estrangeira de alimentos, portanto, não significa o reconhecimento, pelo STJ, da capacidade do alimentante de arcar com o elevado custo da pensão fixada pela Justiça estrangeira. Por isso mesmo, a homologação não subtrai do devedor a possibilidade de ajuizar ação revisional do valor da pensão de alimentos, tendo em vista a notória disparidade entre as realidades econômicas brasileira e do país em que fixado o pensionamento.
O ato de homologação é meramente FORMAL, por meio do qual o STJ exerce tão somente um juízo de delibação, não adentrando o mérito da disputa original, tampouco averiguando eventual injustiça do decisum alienígena. Tal homologação, portanto, tem como única e exclusiva finalidade transportar para o ordenamento pátrio, se cumpridos todos os requisitos formais exigidos pela legislação brasileira, uma decisão prolatada no exterior, nos exatos termos em que proferida.
A homologação da decisão estrangeira sobre alimentos não subtrai do devedor a possibilidade de ajuizar ação revisional do valor da pensão alimentícia.
RECURSO ESPECIAL
O crédito decorrente de honorários advocatícios sucumbenciais titularizado pelo advogado não é capaz de estabelecer relação de preferência ou de exclusão em relação ao crédito principal titularizado por seu cliente.
REsp 1.890.615-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 17/08/2021, DJe 19/08/2021. (Info 707)
PetroCaro Distribuidora ajuizou ação de execução extrajudicial em face de Auto Posto Gasosa, na qual atou como patrono da autora o Dr. Creisson. No decorrer do processo, foi realizada a venda de imóvel da executada por um alto valor.
Ocorre que PetroCaro revogou o mandato outorgado a Dr. Creisson, tendo sido estabelecido que o advogado faria jus a 80% do valor dos honorários fixados na execução, razão pela qual este pleiteou a sua admissão para a execução dos honorários, o que veio a ser deferido. Ousadamente, Dr. Creisson ainda requereu a declaração de preferência de seu crédito e que o seu pagamento fosse realizado em primeiro lugar, antes, inclusive, da satisfação do crédito da exequente, com o produto da venda do imóvel da executada.
R: Nooops!!!
Os honorários advocatícios sucumbenciais constituem direito do advogado, possuem natureza alimentar e são considerados créditos privilegiados, equiparados aos créditos oriundos da legislação trabalhista para efeito de habilitação em falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial.
A despeito disso, é de particular relevância e especificidade a questão relacionada à possibilidade de o crédito decorrente dos honorários advocatícios sucumbenciais preferir o crédito titularizado pela parte vencedora e que foi representada, no processo, ainda que por determinado período, pela sociedade de advogados credora.
Não há concurso singular de credores entre o advogado titular da verba honorária sucumbencial e o seu cliente titular da condenação principal, uma vez que é elemento essencial do concurso a ausência de relação jurídica material entre os credores, exigindo-se, ao revés, que haja independência e autonomia entre as execuções até o momento em que um deles obtenha valor hábil a satisfazê-la, no todo ou em parte, quando os demais credores poderão ingressar no processo alheio e estabelecer concorrência com aquele que havia obtido êxito na perseguição do patrimônio do devedor.
De outro lado, não pode o advogado, que atuou na defesa dos interesses da parte vencedora, preferir ao crédito principal por ela obtido porque a relação de acessoriedade entre os honorários sucumbenciais e a condenação principal a ser recebida pela parte é determinante para que se reconheça que os honorários sucumbenciais, nessa específica hipótese em que há concorrência com a condenação principal, deverão, em verdade, seguir a sorte e a natureza do crédito titularizado pela parte vencedora.
Em suma, o crédito decorrente de honorários advocatícios sucumbenciais titularizado pelo advogado não é capaz de estabelecer relação de preferência ou de exclusão em relação ao crédito principal titularizado por seu cliente porque, segundo a máxima chiovendiana, o processo deve dar, na medida do possível, a quem tem um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que tem direito de conseguir, de modo que a parte, titular do direito material não pode deixar de obter a satisfação de seu crédito em razão de crédito constituído por acessoriedade ao principal e titularizado por quem apenas a representou em juízo no processo em que reconhecido o direito.
O crédito decorrente de honorários advocatícios sucumbenciais titularizado pelo advogado não é capaz de estabelecer relação de preferência ou de exclusão em relação ao crédito principal titularizado por seu cliente.
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
Quando a apelação contra a sentença condenatória é interposta com fundamento no art. 593, III, “d”, do CPP, o Tribunal tem o dever de analisar se existem provas de cada um dos elementos essenciais do crime, ainda que não concorde com o peso que lhes deu o júri.
AREsp 1.803.562-CE, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 24/08/2021, DJe 30/08/2021. (Info 707)
O MP ofereceu denúncia contra Janaína e seu irmão Cleiton, pela suposta prática do delito de homicídio contra Crementino. Conforme o MP, Janaína seria a autora intelectual do delito, enquanto Cleiton teria efetuado o disparo de arma de fogo que matou a vítima. O motivo do crime foi o fato de que Cleiton teria se apossado de um imóvel adquirido por Janaína em leilão extrajudicial, recusando-se a desocupá-lo, o que gerou a desavença entre os envolvidos.
Pronunciados e condenados pelo crime de homicídio qualificado por motivo torpe e recurso que dificultou a defesa da vítima os dois réus apelaram. Ocorre que no acórdão, o Tribunal local deu provimento à irresignação de Cleiton, cassando o veredito condenatório por considerá-lo manifestamente contrário às provas dos autos, enquanto a condenação de Janaína foi mantida, uma vez que o Tribunal local entendeu haver elementos probatórios suficientes para evidenciar a autoria intelectual do crime.
Inconformada, Janaína interpôs sucessivos recursos nos quais alega a violação do art. 593, III, “d”, do CPP e a ausência de provas da autoria delitiva. Sustentou ainda que o autor do homicídio teria sido seu companheiro Tadeu, porém, não teve o seu recurso especial admitido na origem com base na súmula 07 do STJ.
CF/88:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXVIII – é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
c) a soberania dos veredictos;
Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;
CPP:
Art. 381. A sentença conterá:
III – a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão.
Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:
IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal
V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal
Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias:
III – das decisões do Tribunal do Júri, quando:
d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos.
Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:
V – em decorrência de decisão carente de fundamentação.
Art. 619. Aos acórdãos proferidos pelos Tribunais de Apelação, câmaras ou turmas, poderão ser opostos embargos de declaração, no prazo de dois dias contados da sua publicação, quando houver na sentença ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão.
Súmula 7/STJ:
A PRETENSÃO DE SIMPLES REEXAME DE PROVA NÃO ENSEJA RECURSO ESPECIAL.
CP:
Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:
R: Yeaph!!!
Como decorrência do mandamento constitucional (art. 93, IX, da Constituição da República) de fundamentação das decisões judiciais, o órgão julgador da apelação prevista no art. 593, III, “d”, do CPP deverá examinar as provas existentes e, caso rejeite a tese defensiva, demonstrar quais elementos probatórios dos autos embasam (I) a materialidade e (II) autoria delitivas, bem como (III) a exclusão de alguma causa descriminante suscitada pela defesa.
Ou seja: cada um dos elementos essenciais do delito – além das causas excludentes de ilicitude ou culpabilidade eventualmente tratadas pelo réu – deve ser analisado, ainda que sucintamente, pelo Tribunal. Se a apelação defensiva argumenta, por exemplo, que o veredito é nulo por inexistirem provas de autoria, a Corte local não pode elencar, em seu acórdão, somente as provas de materialidade para rejeitar a pretensão do apelante, sob pena de grave omissão.
É certo que não cabe aos juízes togados empreender um profundo exame das provas dos autos, porque tal missão cabe ao júri. No entanto, ao julgar a apelação, o Tribunal não pode se imiscuir no mérito do sopesamento do conjunto probatório, mas tem a obrigação de apontar se, para cada um dos elementos do delito, existem provas de sua ocorrência, ainda que não concorde com a conclusão dos jurados a seu respeito.
Em outras palavras, há dois juízos distintos feitos pelo magistrado ao se debruçar sobre as provas que embasam uma condenação por crime doloso contra a vida. O primeiro deles, de natureza antecedente, analisa a existência das provas, e é isso que deve o Tribunal fazer ao julgar uma apelação fundada no art. 593, III, “d”, do CPP. O segundo deles, o consequente, se refere ao grau de convencimento pessoal do julgador pelo conjunto probatório existente, a fim de aferir se é adequado ou não para condenar o réu.
No julgamento de crimes dolosos contra a vida, aos juízes togados, quando apreciam a apelação do art. 593, III, “d”, do CPP, cabe somente o juízo antecedente; o juízo consequente compete ao júri. A cognição judicial encerra-se com o primeiro juízo, o da existência das provas: se positivo, a apelação deve ser desprovida, porque não incumbe ao Tribunal prosseguir ao juízo consequente; se negativo, quando o veredito for completamente dissociado das provas (rectius: quando não houver prova de algum dos elementos essenciais do crime), a sentença é anulada.
Referindo-se aos termos consagrados pela doutrina, diante de uma apelação que aponta manifesta contrariedade entre as provas dos autos e o veredito (dimensão horizontal da cognição, ou a delimitação do objeto sobre o qual será exercida), o julgador somente pode aprofundar-se até determinado ponto: a existência (ou não) de provas aptas a dar supedâneo ao veredito. Trata-se de uma cognição parcial, no aspecto horizontal – já que a apelação contra sentença do tribunal do júri é de fundamentação vinculada; e, no plano vertical, embora não seja sumária, também não é exauriente, limitando-se a constatar se existem provas relativas à tese acatada pelos juízes leigos.
Se o Tribunal exceder tais limites e realizar o juízo consequente, terá afrontado a soberania dos vereditos prevista no art. 5º, XXXVIII, “c”, da Constituição da República; se, por outro lado, exagerar na postura de autocontenção e não fizer sequer o juízo antecedente, incorrerá em nulidade por negativa de prestação jurisdicional.
As considerações quanto ao poder de convencimento de cada prova existente situam-se um nível cognitivo mais profundo verticalmente, que é privativo dos jurados. Aliás, pode-se mesmo argumentar que, considerando o sistema de íntima convicção e o princípio constitucional da plenitude da defesa (art. 5º, XXXVIII, “a”, da Constituição da República), a cognição vertical dos jurados é talvez a mais profunda de qualquer decisão judicial no direito brasileiro, porquanto guiada não só por aspectos jurídicos, mas permeada também pelos valores, crenças, caracteres individuais e concepções supralegais de justiça de cada um.
São tênues, de fato, as linhas que delimitam a atividade cognitiva do magistrado em processos dessa espécie, mas uma conclusão é inegável: pelo menos a existência de provas deve ser analisada pelo Tribunal, ainda que os desembargadores discordem da valoração que lhes deu o júri.
Caso contrário, se nem mesmo a constatação quanto à existência das provas fosse exigível do Judiciário, ficaria em todo esvaziada a apelação do art. 593, III, “d”, do CPP, uma vez que o provimento ou desprovimento do recurso dependeria de opiniões puramente subjetivas, na contramão da segurança jurídica. Perquirir a (in)existência de prova, nesse cenário, tem a vantagem de servir como baliza mais objetiva para a atividade jurisdicional.
Assim, embora seja extremamente complexo o controle jurisdicional dos vereditos do júri, existe um mínimo de cognição que os Tribunais locais devem exercer – e esse mínimo é exatamente verificar se existem provas capazes de secundar a convicção dos jurados, ainda que sem emitir juízo de valor quanto ao poder de convencimento de cada uma.
Uma vez atribuída missão de tamanha relevância às Cortes locais, surge a próxima pergunta fundamental: em que medida pode o STJ controlar a decisão por elas alcançada? Como já afirmado, guiar a atividade judicial em segunda instância, nos casos do art. 593, III, “d”, do CPP, para um juízo antecedente (quanto à simples existência de provas dos elementos crime) traz o benefício de tornar menos subjetivo o julgamento da apelação. A exigência de que o Tribunal examine as provas e fundamente seu julgamento indicando-as, para além de conferir legitimidade à decisão, tem a finalidade de permitir seu controle pelas instâncias superiores. Essa é, aliás, uma das funções tradicionalmente vistas pela doutrina no art. 93, IX, da Constituição da República.
Sendo inviável o reexame das provas na presente instância, consoante a Súmula 7/STJ, é a partir da fundamentação do acórdão recorrido que este Tribunal Superior verifica se foi correta a aplicação da legislação federal a cada caso. Por conseguinte, quando o STJ é confrontado em recurso especial defensivo interposto contra aresto que apreciou apelação fundada no art. 593, III, “d”, do CPP, há três situações hipotéticas possíveis:
(I) Primeiramente, se o acórdão recorrido deixou de analisar todas as provas relevantes para embasar a decisão dos jurados, haverá nulidade por negativa de prestação jurisdicional, violando os arts. 381, III, 564, V, e (possivelmente) 619 do CPP. Embora não se exija pronunciamento expresso quanto a cada ponto suscitado pelas partes – já que a atividade de julgar não equivale a preencher um questionário ideal por elas apresentado -, deve o Tribunal expor a existência de todas as provas que dão suporte ao veredito dos jurados, em relação a cada um dos elementos essenciais do crime;
(II) Em segundo lugar, se o acórdão demonstrou, sem omissões, que há provas de todos os aspectos do delito, eventual recurso especial que questione a força dessas provas, o peso que lhes deve ser atribuído na formação do convencimento ou mesmo qual delas deve prevalecer, quando apresentadas evidências contraditórias em plenário, esbarrará na Súmula 7/STJ. É o caso, por exemplo, de recursos constantemente julgados por este colegiado que debatem a inexistência de dolo, a credibilidade das testemunhas, a força do álibi apresentado pelo réu, dentre outros temas análogos;
(III) Por fim, a terceira e última hipótese é a do acórdão que analisou o conjunto fático-probatório dos autos, também sem omissões, mas não explicitou a existência de provas para cada um dos elementos do delito. Não se trata do caso em que, existindo outras provas, o aresto deixa de mencioná-las, porque esse seria o primeiro cenário acima elencado, no qual há nulidade por deficiência na fundamentação; a terceira situação é diversa. Nela, é a Corte de origem quem demonstra, ainda que por seu silêncio, a ausência de provas de todos os elementos do crime, pois ela própria não conseguiu encontrá-las no julgamento da apelação.
Nessa última situação, abre-se ao STJ a possibilidade de conhecer eventual violação do art. 593, III, “d”, do CPP. Afinal, não se discute qual das provas existentes deve prevalecer, ou qual o impacto de cada uma na formação do convencimento judicial. O que se apresenta é um questionamento puramente jurídico: quando a própria Corte de origem verifica que não há provas de todos os elementos do delito – e inexistindo omissão de sua parte -, pode a condenação ser mantida? Ou, ao contrário, a existência de provas de apenas parte dos elementos do crime já é suficiente para preservar o veredito condenatório?
O fundamental para diferenciar a primeira e terceira hipóteses identificadas é avaliar se há, ou não, alguma omissão relevante no acórdão. Quando há provas e o aresto sobre elas se omite, estamos diante da primeira situação, em que o julgamento é viciado. Contrariamente, quando inexistem outras provas, não há propriamente omissão do Tribunal em elencá-las. O julgamento da causa foi completo, e não se cuida de examinar a suficiência da prestação jurisdicional: o que é relevante é conferir se foram apresentadas provas para cada elemento do delito (segunda situação, em que incide a Súmula 7/STJ) ou não (terceira situação).
Alerta-se que, na terceira hipótese, seria ingenuidade esperar que o próprio acórdão impugnado afirmasse, literalmente, não ter encontrado provas de algum elemento essencial do crime (autoria ou materialidade, por exemplo), apesar de manter a condenação. Lembremos que, no recurso especial, o aresto proferido na instância ordinária é o objeto, e não o parâmetro, do controle de legalidade; é a lei federal quem dá a medida e serve de parâmetro para esse controle. Consequentemente, cabe ao STJ a tarefa de verificar se a falta de menção à comprovação de um dos elementos do crime é uma omissão ilegal, tornando deficiente a prestação jurisdicional feita na origem, ou um silêncio eloquente, que demonstra a pura e simples inexistência de provas naquele ponto.
Um exemplo dessa situação ocorre quando a sentença condenatória é proferida com fundamento no motivo do crime, sem a devida comprovação da autoria (um dos elementos essenciais de qualquer crime), o que torna impossível a condenação do réu, nos termos do art. 386, IV e V, do CPP; por outro lado, a falta de demonstração do motivo do delito não é elencada no dispositivo como hipótese absolutória. Quando não qualifica as infrações, o motivo é um elemento acidental do crime, relevante para a dosimetria da pena em sua primeira (art. 59 do CP), segunda (arts. 61, II, “a” e “b”, e 65, III, “a”, do CP) ou terceira fases (por exemplo: art. 121, § 1º, 129, § 4º, 149, § 2º, II, e 163, parágrafo único, IV, do CP). Não é decisivo, contudo, para o mérito da procedência ou improcedência da pretensão punitiva em si.
Ressalta-se que esse raciocínio jurídico baseia na definição da interpretação dos arts. 5º, XXXVIII, “c”, e 93, IX, da CF/1998, bem como dos arts. 381, III, 564, V, 593, III, “d”, e 619 do CPP. Ao julgar uma apelação que discute a manifesta contradição probatória de um veredito, o jurista caminha no fio da espada entre a soberania dos vereditos e o poder-dever de anulação da sentença contrária à prova dos autos. As considerações tecidas acima buscam conferir maior densidade normativa a tais conceitos, estabelecendo um modelo cognitivo-epistêmico para guiar a atividade jurisdicional e cumprir a função constitucional do STJ de uniformizar a interpretação da legislação federal. Concorde-se ou não com elas, fato é que a Súmula 7/STJ não as impede.
É possível assim sintetizar as conclusões alcançadas: ao julgar a apelação fundada no art. 593, III, “d”, do CPP, o Tribunal precisa indicar as provas de cada elemento essencial do crime que dão suporte à versão aceita pelos jurados. Faltando, no acórdão, a demonstração de que algum elemento tem respaldo probatório mínimo, hás duas possibilidades distintas: (I) ou o aresto é nulo, por deficiência de fundamentação, já que se omitiu sobre alguma prova existente e importante; (II) ou o veredito deve ser anulado, porque a Corte de origem não foi capaz de localizar prova de determinado elemento essencial do delito.
Quando a apelação contra a sentença condenatória é interposta com fundamento no art. 593, III, “d”, do CPP, o Tribunal tem o dever de analisar se existem provas de cada um dos elementos essenciais do crime, ainda que não concorde com o peso que lhes deu o júri.
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