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Informativo STJ 706 Comentado


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DIREITO ADMINISTRATIVO

1.      (Im)Possibilidade da inclusão do valor de eventual multa civil na medida de indisponibilidade de bens decretada em ação de improbidade administrativa

RECURSO ESPECIAL

É possível a inclusão do valor de eventual multa civil na medida de indisponibilidade de bens decretada em ação de improbidade administrativa, inclusive nas demandas ajuizadas com esteio na prática de conduta prevista no art. 11 da Lei n. 8.429/1992, tipificador da ofensa aos princípios nucleares administrativos.

REsp 1.862.792-PR, Rel. Min. Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF da 5ª Região), Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 25/08/2021. (Tema 1055) (Info 706)

1.1.  Situação FÁTICA.

Em uma ação de improbidade administrativa, o MP requereu que fosse decretada a indisponibilidade dos bens do demandado no valor já acrescido da multa civil, o que foi deferido pelo juiz de primeiro grau.

No entanto, o Tribunal de Justiça local deu provimento ao agravo de instrumento manejado pela parte acionada na ação por entender que tal medida não se mostraria razoável. Inconformado, o MP interpôs recurso especial no qual sustenta que, uma vez reconhecido o fumus boni juris, o valor de possível multa civil deve estar garantido pela medida assecuratória.

1.2.  Análise ESTRATÉGICA.

1.2.1.     Questão JURÍDICA.

Lei 8.429/1992:

Art. 7° Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.

Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito.

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

II – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

III – revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;

IV – negar publicidade aos atos oficiais;

V – frustrar a licitude de concurso público;

VI – deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;

VII – revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.

VIII – descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e aprovação de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas.    (Vide Medida Provisória nº 2.088-35, de 2000)       (Redação dada pela Lei nº 13.019, de 2014)       (Vigência)

IX – deixar de cumprir a exigência de requisitos de acessibilidade previstos na legislação.         (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015)       (Vigência)

X – transferir recurso a entidade privada, em razão da prestação de serviços na área de saúde sem a prévia celebração de contrato, convênio ou instrumento congênere, nos termos do parágrafo único do art. 24 da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990.     

1.2.2.     Possível a indisponibilidade do valor da multa civil?

R: Yeaph!!!

A questão submetida à análise é definir se é possível – ou não – a inclusão do valor de eventual multa civil na medida de indisponibilidade de bens decretada na ação de improbidade administrativa, inclusive naquelas demandas ajuizadas com esteio na prática de conduta prevista no art. 11 da Lei 8.429/1992, tipificador da ofensa aos princípios nucleares administrativos.

Quanto à primeira questão levantada, é preciso, para logo, assinalar que, ao que revelam os julgados do STJ alusivos ao tema, não há dissídio jurisprudencial entre os órgãos Fracionários especializados na temática, que apontam para a admissibilidade de inclusão da multa civil na indisponibilidade de bens na ação de improbidade.

Mesmo ao tempo do julgamento repetitivo acerca da dispensa de demonstração de dissipação patrimonial como requisito para a concessão da medida de indisponibilidade (REsp 1.366.721/BA), já havia pronunciamentos dos Julgadores desta Corte Superior acerca da inclusão da multa civil no importe a ser constrito na ação de improbidade. Essa posição se mostrou dominante, uníssona, pacífica e atual.

Assim, muito embora a premissa para o não cômputo do valor da multa civil, para certos ilustrativos de alguns Tribunais, como do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, concentre-se em alegada antecipação de pena, a interpretação que se deu neste colendo Superior Tribunal de Justiça é de que devem ser empreendidas providências para que o processo esteja assegurado quanto à eventual condenação futura, no que engloba a reprimenda pecuniária.

Essa concepção ficou bem revelada no entendimento que se formou acerca da solidariedade passiva nessa determinação constritiva, ou seja, se é certo que não é possível promover a totalidade do bloqueio sobre todos os acionados (uma supergarantia), lado outro qualquer réu está sujeito a experimentar sobre si a integralidade da medida, ainda que haja na demanda outros réus que não tenham suportado qualquer efeito da indisponibilidade. Isso porque o objetivo é, tão logo detectada a plausibilidade da pretensão, que se tenha a garantia nos autos: uma vez alcançada a integralidade da garantia sobre qualquer réu, nada mais há de ser indisponibilizado, até que se resolva a responsabilidade – se houver – de cada qual.

Em desdobramento, na segunda questão suscitada no aresto de afetação ao tema 1.055, busca-se saber se a medida constritiva também poderia incidir nos casos de ações ancoradas exclusivamente na potencial prática de atos tipificados como violadores a princípios administrativos (art. 11 da Lei n. 8.429/1992).

A pergunta se situa no fato de que, em casos tais, pode não ocorrer lesão alguma aos cofres públicos, nem mesmo proveito pessoal ilícito, isto é, a repercussão patrimonial do fato reputado ímprobo seria limitada ou inexistente.

Pela pesquisa de jurisprudência dos órgãos Fracionários desta Corte Superior, essa questão desdobrada da primeira não é causa suficiente para apartar a compreensão de que, igualmente, o valor da multa civil é passível de ser bloqueado, ainda que seja o único montante a gerar bloqueio nessas ações fundadas em ofensa a princípios nucleares administrativos.

Noutras palavras, ainda que inexistente prova de enriquecimento ilícito ou lesão ao patrimônio público, é possível a decretação da providência cautelar, notadamente pela possibilidade de ser cominada, na sentença condenatória, a pena pecuniária de multa civil como sanção autônoma, cabendo sua imposição, inclusive, em casos de prática de atos de improbidade que impliquem tão somente violação a princípios da Administração Pública.

Essa providência de inclusão da multa civil na medida constritiva em ações de improbidade administrativa exclusivamente amparadas no art. 11 da Lei n. 8.429/1992 não implica violação do art. 7º, caput e parágrafo único, da citada lei, pois destina-se, de todo modo, a assegurar a eficácia de eventual desfecho condenatório à sanção de multa civil.

1.2.3.     Resultado final.

É possível a inclusão do valor de eventual multa civil na medida de indisponibilidade de bens decretada em ação de improbidade administrativa, inclusive nas demandas ajuizadas com esteio na prática de conduta prevista no art. 11 da Lei n. 8.429/1992, tipificador da ofensa aos princípios nucleares administrativos.

DIREITO CIVIL

2.      Adoção realizada na vigência do CC/19 e revogação consensual

RECURSO ESPECIAL

Para fins de determinação da legitimidade ativa em ação de inventário, a adoção realizada na vigência do CC/1916 é suscetível de revogação consensual pelas partes após a entrada em vigor do Código de Menores (Lei 6.697/1979), mas antes da entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90).

REsp 1.930.825-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 24/08/2021. (Info 706)

2.1.  Situação FÁTICA.

Jerônimo adotou José no ano de 1964, ainda sob a vigência do Código Civil de 1916. Ocorre que em janeiro de 1990, sob a vigência do CC/16 e do Código de Menores, mas antes da vigência do ECA, procedeu-se à revogação da adoção de forma bilateral e consensual.

Muito tempo depois, Jerônimo veio a falecer. Ocorre que José ajuizou ação de inventário dos bens de Jerônimo, por se considerar herdeiro destes. Em 1º grau de jurisdição, foi acolhida a tese de ilegitimidade ativa de José e extinto o processo sem resolução de mérito. A apelação por ele interposta foi provida pelo TJ local, cassando-se a sentença a fim de determinar que fosse dado regular prosseguimento ao inventário, ao fundamento de que já haveria vedação legal à revogação da adoção ao tempo da respectiva lavratura da escritura pública, a saber, o art. 37 do Código de Menores.

2.2.  Análise ESTRATÉGICA.

2.2.1.     Questão JURÍDICA.

Lei n. 6.697/1979:

Art. 37. A adoção plena é irrevogável, ainda que aos adotantes venham a nascer filhos, as quais estão equiparados os adotados, com os mesmos direitos e deveres.

Constituição Federal de 1988:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

2.2.2.     Válida a revogação da adoção realizada?

R: Yeaph!!!

Na vigência do CC/1916, a adoção possuía natureza de ato jurídico negocial, tratando-se de convenção celebrada entre os pais biológicos e os pais adotivos por meio da qual determinada pessoa passaria a pertencer a núcleo familiar distinto do natural, admitida a sua revogação nas seguintes hipóteses: (i) unilateralmente, pelo adotado, em até um ano após a cessação da menoridade; (ii) unilateralmente, pelos adotantes, quando o adotado cometesse ato de ingratidão contra eles; (iii) bilateralmente, por consenso entre as partes.

Na hipótese em exame, a adoção ocorreu em junho de 1964, quando vigoravam no Brasil as regras do CC/1916 com as alterações introduzidas pela Lei n. 3.133/1957, ao passo que, ao tempo da revogação da adoção, realizada de forma bilateral e consensual, ocorrida em Janeiro de 1990, vigoravam no Brasil, concomitantemente, apenas o CC/1916 e o Código de Menores (Lei n. 6.697/1979), sobretudo porque o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) somente passou a vigorar em Outubro de 1990, não se aplicando à hipótese.

Conquanto o CC/1916 permitisse, em seu art. 374, I, a revogação bilateral e consensual da adoção, o Código de Menores tornou IRREVOGÁVEL a adoção plena (art. 37 da Lei n. 6.679/1979), que veio a substituir a legitimidade adotiva anteriormente prevista no art. 7º da Lei n. 4.655/1965.

Dado que a adoção plena, irrevogável, possuía uma série de pressupostos específicos, não se pode afirmar que a adoção concretizada na vigência do CC/1916 tenha automaticamente se transformado em uma adoção plena após a entrada em vigor do Código de Menores, razão pela qual a regra do art. 37 da Lei n. 6.679/1979, embora represente uma tendência legislativa, cultural e social no sentido da vinculação definitiva decorrente da adoção que veio a se concretizar amplamente com a entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente, não se aplica à adoção realizada em junho de 1964 e revogada em Janeiro de 1990, bilateral e consensualmente pelos pais adotivos e pelo filho que, naquele momento, possuía 28 anos.

A revogação, realizada em 1990 de forma bilateral e consensual, de adoção celebrada na vigência do CC/1916, é compatível com o art. 227, §6º, da Constituição Federal de 1988, uma vez que a irrevogabilidade de qualquer espécie de adoção somente veio a ser introduzida no ordenamento jurídico com o art. 39, §1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, regra que, ademais, tem sido flexibilizada, excepcionalmente, quando não atendidos os melhores interesses da criança e do adolescente.

2.2.3.     Resultado final.

Para fins de determinação da legitimidade ativa em ação de inventário, a adoção realizada na vigência do CC/1916 é suscetível de revogação consensual pelas partes após a entrada em vigor do Código de Menores (Lei 6.697/1979), mas antes da entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90).

3.      Divulgação de “prints” de WhatsApp e dano moral

RECURSO ESPECIAL

A divulgação pelos interlocutores ou por terceiros de mensagens trocadas via WhatsApp pode ensejar a responsabilização por eventuais danos decorrentes da difusão do conteúdo.

REsp 1.903.273-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 24/08/2021, DJe 30/08/2021. (Info 706)

3.1.  Situação FÁTICA.

Alexandre ajuizou ação de reparação de danos morais em face de Bruno, devido à divulgação, em redes sociais e para a imprensa, de mensagens enviadas em grupo de WhatsApp. Conforme Alexandre, Bruno teria editado as mensagens, para fins de manipular a real intenção das conversas.

Segundo a inicial, a disseminação das mensagens teria causado dano moral ao autor, uma vez que sua imagem e sua honra ficaram desabonadas perante o público, inclusive teve de deixar o cargo que ocupava na diretoria do Bicuda Football Clube.

3.2.  Análise ESTRATÉGICA.

3.2.1.     Questão JURÍDICA.

Constituição Federal de 1988:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

CC/2002:

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. (Vide ADIN 4815)

Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma

3.2.2.     Passível de condenação ao pagamento de indenização por danos morais?

R: Com certeza.

O sigilo das comunicações é corolário da liberdade de expressão e, em última análise, visa a resguardar o direito à intimidade e à privacidade, consagrados nos planos constitucional (art. 5º, X, da CF/1988) e infraconstitucional (arts. 20 e 21 do CC/2002).

No passado recente, não se cogitava de outras formas de comunicação que não pelo tradicional método das ligações telefônicas. Com o passar dos anos, no entanto, desenvolveu-se a tecnologia digital, o que culminou na criação da internet e, mais recentemente, da rede social WhatsApp, o qual permite a comunicação instantânea entre pessoas localizadas em qualquer lugar do mundo.

Nesse cenário, é certo que não só as conversas realizadas via ligação telefônica, como também aquelas travadas através do WhatsApp são resguardadas pelo sigilo das comunicações. Em consequência, terceiros somente podem ter acesso às conversas de WhatsApp mediante consentimento dos participantes ou autorização judicial.

Na hipótese em que o conteúdo das conversas enviadas via WhatsApp possa, em tese, interessar a terceiros, haverá um conflito entre a privacidade e a liberdade de informação, revelando-se necessária a realização de um juízo de ponderação. Nesse aspecto, há que se considerar que as mensagens eletrônicas estão protegidas pelo sigilo em razão de o seu conteúdo ser privado; isto é, restrito aos interlocutores.

Dessa forma, ao enviar mensagem a determinado ou a determinados destinatários via WhatsApp, o emissor tem a expectativa de que ela não será lida por terceiros, quanto menos divulgada ao público, seja por meio de rede social ou da mídia. Essa expectativa advém não só do fato de ter o indivíduo escolhido a quem enviar a mensagem, como também da própria encriptação a que estão sujeitas as conversas. De mais a mais, se a sua intenção fosse levar ao conhecimento de diversas pessoas o conteúdo da mensagem, decerto teria optado por uma rede social menos restrita ou mesmo repassado a informação à mídia para fosse divulgada.

Assim, ao levar a conhecimento público conversa privada, além da quebra da confidencialidade, estará configurada a violação à legítima expectativa, bem como à privacidade e à intimidade do emissor, sendo possível a responsabilização daquele que procedeu à divulgação se configurado o dano.

Por fim, é importante consignar que a ilicitude poderá ser descaracterizada quando a exposição das mensagens tiver como objetivo resguardar um direito próprio do receptor. Nesse caso, será necessário avaliar as peculiaridades concretas para fins de decidir qual dos direitos em conflito deverá prevalecer.         

3.2.3.     Resultado final.

A divulgação pelos interlocutores ou por terceiros de mensagens trocadas via WhatsApp pode ensejar a responsabilização por eventuais danos decorrentes da difusão do conteúdo.

4.      Declaração em contrato padrão de prestação de serviços de reprodução humana como instrumento para legitimar a implantação post mortem de embriões excedentários

RECURSO ESPECIAL

A declaração posta em contrato padrão de prestação de serviços de reprodução humana é instrumento absolutamente inadequado para legitimar a implantação post mortem de embriões excedentários, cuja autorização, expressa e específica, deve ser efetivada por testamento ou por documento análogo.

REsp 1.918.421-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. Acd. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por maioria, julgado em 08/06/2021, DJe 26/08/2021. (Info 706)

4.1.  Situação FÁTICA.

Leonardo e Roberto, filhos adotivos de Clair, ajuizaram ação em face de Cleusa (viúva de Clair e casada sob o regime de separação total de bens) e do Hospital Curotudo. Com o óbito do pai adotivo, iniciou-se o processo de inventário, porém, Cleusa não demonstrou interesse no recebimento do legado ou mesmo no andamento do inventário, tendo apresentado pretensões financeiras desarrazoadas e que superavam, em muito, a quantia a ela confiada.

Algum tempo depois, os filhos adotivos foram comunicados de que o de cujus realizara fertilização in vitro dando origem a alguns embriões mantidos sob a guarda do hospital. Diante da notícia, os autores promoveram ação de exibição de documentos em face do hospital corréu a fim de verificar a veracidade das informações, sendo que na pendência daquela demanda, restaram cientificados por Cleusa de que esta estaria ultimando os procedimentos necessários à implantação de dois embriões, inclusive com autorização marital ao procedimento post mortem.

Inconformados, Leonardo e Roberto sustentam que a tentativa de utilização do material genético pela primeira ré é ilegal e abusiva, uma vez ausente qualquer documento por meio do qual tenha o falecido externado de forma expressa e específica autorização para utilização dos embriões após seu falecimento.

4.2.  Análise ESTRATÉGICA.

4.2.1.     Válida a autorização realizada por meio de declaração posta em contrato padrão de prestação de serviços de reprodução humana?

R: Em absoluto!!!

Na hipótese em análise, os cônjuges valeram-se da reprodução assistida homóloga, tendo a fertilização se realizado in vitro, a partir da utilização de material genético dos próprios envolvidos. A partir da fertilização promovida, destacaram-se em qualidade ao menos dois embriões, os quais foram criopreservados, não se concluindo a etapa de transferência (implantação no útero).

Nos casos em que a expressão da autodeterminação significar a projeção de efeitos para além da vida do sujeito de direito, com repercussões existenciais e patrimoniais, IMPRESCINDÍVEL que sua manifestação se dê de maneira inequívoca, leia-se expressa e formal, efetivando-se por meio de instrumentos jurídicos apropriadamente arquitetados pelo ordenamento, sob de pena de ser afrontada.

No rumo desse raciocínio, ganha espaço o instituto do testamento, que tem como marca distintiva a declaração de vontade, expressão indiscutível da autonomia pessoal, e, nada obstante escape ao tradicional, a simples análise do seu conceito é o bastante para revelar que seu objeto não se restringe a disposição de patrimônio pelo testador.

Nesses termos, se as disposições patrimoniais não dispensam a forma testamentária, maiores são os motivos para se considerar sejam da mesma forma dispostas as questões existenciais, mormente aqueles que repercutirão na esfera patrimonial de terceiros, não havendo maneira mais apropriada de garantir-se a higidez da vontade do falecido.

Seguindo por esse entendimento, não há dúvidas de que a decisão de autorizar a utilização de embriões consiste em disposição post mortem, que, para além dos efeitos patrimoniais, sucessórios, relaciona-se intrinsecamente à personalidade e dignidade dos seres humanos envolvidos, genitor e os que seriam concebidos, requer a imperativa obediência à forma expressa e incontestável, alcançada por meio do testamento ou instrumento que o valha em formalidade e garantia.

Admitir-se que a autorização posta naquele contrato de prestação de serviços, na hipótese, marcado pela inconveniente imprecisão na redação de suas cláusulas, possa equivaler a declaração inequívoca e formal, própria às disposições post mortem, significará o ROMPIMENTO do testamento que fora, de fato, realizado, com alteração do planejamento sucessório original, sem quaisquer formalidades, por pessoa diferente do próprio testador.

Nessa linha, a única conclusão possível é a de que a indicação a autorização dada no formulário pelo parceiro para a transferência do pré-embrião para o primeiro ciclo à parceira, circunscreve-se à autorização para implantação do embrião durante a vida de ambos os cônjuges.

Nessa ordem de ideias, os contratos de prestação de serviço de reprodução assistida firmados são instrumentos absolutamente inadequados para legitimar a implantação post mortem de embriões excedentários, cuja autorização, expressa e específica, deveria ter sido efetivada por testamento, ou por documento análogo, por tratar de disposição de cunho existencial, sendo um de seus efeitos a geração de vida humana.

4.2.2.     Resultado final.

A declaração posta em contrato padrão de prestação de serviços de reprodução humana é instrumento absolutamente inadequado para legitimar a implantação post mortem de embriões excedentários, cuja autorização, expressa e específica, deve ser efetivada por testamento ou por documento análogo.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

5.      Competência para processar e julgar ação que tem como objetivo a obtenção de oxigênio destinado às unidades de saúde estaduais do Amazonas para o tratamento da excepcional situação pandêmica da Covid-19

CONFLITO DE COMPETÊNCIAS

Compete à Justiça Federal processar e julgar ação que tem como objetivo a obtenção de oxigênio destinado às unidades de saúde estaduais do Amazonas para o tratamento da excepcional situação pandêmica da Covid-19.

CC 177.113-AM, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 25/08/2021. (Info 706)

5.1.  Situação FÁTICA.

White Martins Ltda suscitou conflito de competência em que constam como suscitados um Juízo Federal e vários juízes de diferentes comarcas da Justiça Estadual do Amazonas. A suscitante afirma que o que permeia o conflito é a competência para deliberar acerca do fornecimento de gás oxigênio, pela White Martins, às unidades de saúde, públicas e privadas do Estado do Amazonas, que, àquela época, vivenciavam gravíssimo pico de contaminação da COVID-19, em clara situação de calamidade da saúde pública, uma vez que existentes várias demandas já em curso, tanto na justiça federal como na estadual.

Por fim, alegou que no intuito de evitar o risco de decisões conflitantes, faz-se necessário estabelecer a competência para dirimir as questões relativas às demandas relacionadas à distribuição de oxigênio hospitalar.

5.2.  Análise ESTRATÉGICA.

5.2.1.     Questão JURÍDICA.

Súmula n. 150:

Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas publicas.

5.2.2.     A quem compete julgar tais demandas?

R: Justiça FEDERAL!!!

Trata-se de conflito positivo de competência em que se alega a existência de ações ajuizadas nos juízos estadual e federal com o mesmo objetivo: obtenção de oxigênio às unidades de saúde estaduais para o tratamento da excepcional situação pandêmica da Covid-19. O Estado do Amazonas e a União foram posteriormente incluídos como interessados.

Pedido fundado na alegação de que as decisões podem ser conflitantes, evidenciando até mesmo uma impossibilidade de seu cumprimento, e o evidente interesse da União no feito, uma vez que diversos órgãos públicos federais estão envolvidos no referido trâmite, e já existente uma ação civil acerca da controvérsia, no que a competência deve-se firmar no juízo federal.

A peculiar situação do caso concreto, de fato, induz ao conhecimento do conflito positivo de competência, reclamando uma uniformidade de entendimento para o efetivo socorro àquele Estado.

Nesse panorama, relativamente ao fornecimento de oxigênio para o Estado do Amazonas utilizar no combate à pandemia do COVID-19, não há dúvidas de que a competência há de se firmar a favor do juízo federal, sendo latente o interesse da União, não só em razão da presença de diversos órgãos de âmbito federal, mas também decorrente da existência de ação civil tramitando sobre o tema.

Lembra-se, ainda, que a própria União também se manifestou demonstrando seu interesse, não somente no presente feito, mas nas respectivas demandas com mesmo objeto, o que também atrai a incidência da Súmula n. 150, STJ in verbis: Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas publicas.

5.2.3.     Resultado final.

Compete à Justiça Federal processar e julgar ação que tem como objetivo a obtenção de oxigênio destinado às unidades de saúde estaduais do Amazonas para o tratamento da excepcional situação pandêmica da Covid-19.

6.      (Im)Possibilidade da a ampliação do pedido em execução contra Fazenda Pública, para inclusão de valores que não haviam sido cobrados desde o início no CPC/73

RECURSO ESPECIAL

Sob a vigência do CPC/1973, é possível a ampliação do pedido em execução contra Fazenda Pública, para inclusão de valores que não haviam sido cobrados desde o início, oportunizando nova citação do ente público.

REsp 1.546.430-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 24/08/2021. (Info 706)

6.1.  Situação FÁTICA.

Trata-se de recurso especial em que se discute a possibilidade da ampliação do pedido em execução contra Fazenda Pública, para inclusão de valores que não haviam sido cobrados desde o início e se necessária a nova citação do ente público.

6.2.  Análise ESTRATÉGICA.

6.2.1.     Questão JURÍDICA.

CPC/1973:

Art. 264. Feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei.

Parágrafo único. A alteração do pedido ou da causa de pedir em nenhuma hipótese será permitida após o saneamento do processo.

6.2.2.     Possível a ampliação do pedido?

R: Tá valendo!

O CPC/1973 adotava como regra a impossibilidade de ampliação do pedido após a citação da parte contrária sem a anuência desta (art. 264).

A limitação imposta pelo referido artigo dizia respeito à fase de conhecimento, tanto que inserida apenas no Livro I daquele código, não havendo igual previsão na seção própria da fase de execução (Livro II). Inclusive a norma fala, no parágrafo único, em saneamento do processo como limite para qualquer modificação, fase típica do então processo de conhecimento.

Justifica-se a existência do supracitado artigo no âmbito do conhecimento, pois tal fase que está associada à incerteza do direito, pelo que necessária a fixação de marcos legais para estabilização da lide, de sorte a se delimitar exatamente o que e quem será atingido pelos efeitos da decisão.

Uma vez que o objetivo na fase de execução é a satisfação integral do título, já havendo a certeza do direito, nada impede que o pedido inaugural – inicialmente limitado a parcela da cobrança – seja posteriormente aditado para a perseguição da totalidade do crédito, desde que a pretensão não esteja fulminada pela prescrição e seja garantida à parte executada nova oportunidade de defesa.

Aliás, se assim não fosse, possibilitar-se-ia, no particular, que o credor promovesse nova execução para cobrar valor remanescente, de modo a satisfazer integralmente o crédito, o que iria na contramão da eficiência processual.

6.2.3.     Resultado final.

Sob a vigência do CPC/1973, é possível a ampliação do pedido em execução contra Fazenda Pública, para inclusão de valores que não haviam sido cobrados desde o início, oportunizando nova citação do ente público.

7.      Cabimento da condenação de empresa jornalística à publicação do resultado da demanda quando o ofendido não tenha pleiteado administrativamente o direito de resposta ou retificação de matéria divulgada

RECURSO ESPECIAL

Não é cabível a condenação de empresa jornalística à publicação do resultado da demanda quando o ofendido não tenha pleiteado administrativamente o direito de resposta ou retificação de matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social no prazo decadencial estabelecido no artigo 3º da Lei n. 13.188/2015, bem ainda, à adequação do montante indenizatório fixado.

REsp 1.867.286-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 24/08/2021. (Info 706)

7.1.  Situação FÁTICA.

Trata-se de recurso especial em que se discute se é cabível ou não a condenação de empresa jornalística à publicação do resultado de demanda judicial quando o ofendido não pleiteou administrativamente, no prazo decadencial estabelecido no artigo 3º da Lei n. 13.188/2015, no prazo decadencial estabelecido no artigo 3º da Lei n. 13.188/2015, o direito de resposta ou retificação de matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social

7.2.  Análise ESTRATÉGICA.

7.2.1.     Questão JURÍDICA.

Lei n. 13.188/2015:

Art. 2º Ao ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social é assegurado o direito de resposta ou retificação, gratuito e proporcional ao agravo.

Art. 3º O direito de resposta ou retificação deve ser exercido no prazo decadencial de 60 (sessenta) dias, contado da data de cada divulgação, publicação ou transmissão da matéria ofensiva, mediante correspondência com aviso de recebimento encaminhada diretamente ao veículo de comunicação social ou, inexistindo pessoa jurídica constituída, a quem por ele responda, independentemente de quem seja o responsável intelectual pelo agravo.

Art. 5º Se o veículo de comunicação social ou quem por ele responda não divulgar, publicar ou transmitir a resposta ou retificação no prazo de 7 (sete) dias, contado do recebimento do respectivo pedido, na forma do art. 3º, restará caracterizado o interesse jurídico para a propositura de ação judicial.

7.2.2.     Cabível a condenação mesmo sem o pedido do ofendido no prazo decadencial?

R: Nooops!!!

A pretensão de impor ao ofensor o ônus de publicar integralmente a decisão judicial proferida não se confunde com o direito de resposta, o qual, atualmente, está devidamente estabelecido na Lei n. 13.188/2015.

O direito de resposta tem contornos específicos, constituindo um direito conferido ao ofendido de esclarecer, de mão própria, no mesmo veículo de imprensa, os fatos divulgados a seu respeito na reportagem questionada, apresentando a sua versão da notícia ao público.

A publicação da sentença, de sua vez, é instituto diverso. Nessa, não se objetiva assegurar à parte o direito de divulgar a sua versão dos fatos, mas, em vez disso, dá-se ao público o conhecimento da existência e do teor de uma decisão judicial a respeito da questão.

Consoante expressamente previsto na Lei n. 13.188/2015 o direito de resposta ou retificação deve ser exercido pelo suposto ofendido – inicialmente, perante o veículo de comunicação social – no prazo decadencial de 60 (sessenta) dias, contados da data da divulgação, publicação ou transmissão da matéria ofensiva (art. 3º). Nesse prazo, deverá o interessado acionar diretamente o veículo de comunicação, mediante correspondência com aviso de recebimento.

O interesse de agir para o processo judicial apenas estará caracterizado se o veículo de comunicação social, instado pelo ofendido a divulgar a resposta ou retificação, não o fizer no prazo de 7 (sete) dias (art. 5º).

Na hipótese, não se extrai da petição inicial que a parte autora tenha pleiteado eventual direito de resposta, mas sim que fosse a demandada condenada “a divulgar em seu portal na Internet, com o mesmo destaque da notícia falsa, o desfecho da presente ação e a condenação que lhe for imposta”, sem fornecer no petitório eventual lastro normativo para tal pleito, apenas fundando a pretensão em eventual desdobramento do pedido ressarcitório dos danos causados.

De sua vez, o magistrado sentenciante estabeleceu a obrigação de que a empresa jornalística divulgasse no portal da internet, no mesmo espaço utilizado, na próxima edição da coluna, a condenação resultante da sentença, determinando que tal retratação ficasse disponível pelo prazo mínimo de 48 (quarenta e oito) horas, com lastro no artigo 2º, da Lei n. 13.188/2015.

Depreende-se dos autos que o magistrado sentenciante acolheu o pedido formulado pela parte autora para a publicação da sentença, porém deu à condenação o viés do direito de resposta, o qual além de não ter sido pleiteado pelo acionante, sequer teria o interesse processual para o exercício de tal pretensão em juízo em virtude de não ter se utilizado do rito/procedimento específico estabelecido na Lei nº 13.188/2015.

Não se dessume da petição inicial qualquer pleito atinente a direito de resposta mas de mera publicação do teor da sentença com base em ressarcimento integral dos danos, motivo pelo qual não há falar na incidência da referida lei nova de 2015 ao caso dos autos, razão por que eventual condenação com amparo no referido normativo deve ser afastada.

Ainda que a parte autora tivesse pleiteado eventual condenação em direito de resposta, essa não poderia ser acolhida já que, para o exercício de tal pretensão em juízo, afigura-se necessária e imprescindível a instauração de procedimento extrajudicial/administrativo prévio, no prazo decadencial de 60 dias, nos termos do artigo 3º, o que efetivamente não fora promovido pelo acionante, faltando-lhe, portanto, o interesse processual para referido pleito em juízo, consoante estabelece o artigo 5º.

Ademais, a jurisprudência do STJ é assente no sentido de que o princípio da reparação integral do dano, por si só, não justifica a imposição do ônus de publicar o inteiro teor da sentença condenatória. Isso porque, da interpretação lógico-sistemática do próprio Código Civil, resulta evidente que a reparação por danos morais deve ser concretizada a partir da fixação equitativa, pelo julgador, de verba indenizatória, e não pela imposição ao causador do dano de obrigações de fazer não previstas em lei ou contrato.

Nesse aspecto, basta conferir o que estabelece o parágrafo único do art. 953 do Código Civil vigente, segundo o qual, nas hipóteses em que constatada a ocorrência de injúria, calúnia ou difamação, “se o ofendido não puder provar prejuízo material, caberá ao juiz fixar, equitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso”.

7.2.3.     Resultado final.

Não é cabível a condenação de empresa jornalística à publicação do resultado da demanda quando o ofendido não tenha pleiteado administrativamente o direito de resposta ou retificação de matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social no prazo decadencial estabelecido no artigo 3º da Lei n. 13.188/2015, bem ainda, à adequação do montante indenizatório fixado.

DIREITO TRIBUTÁRIO

8.      Incidência de imposto de renda sobre juros de mora em benefícios previdenciários pagos em atraso

RECURSO ESPECIAL

1) Regra geral, os juros de mora possuem natureza de lucros cessantes, o que permite a incidência do Imposto de Renda; 2) Os juros de mora decorrentes do pagamento em atraso de verbas alimentares a pessoas físicas escapam à regra geral da incidência do Imposto de Renda, posto que, excepcionalmente, configuram indenização por danos emergentes; 3) Escapam à regra geral de incidência do Imposto de Renda sobre juros de mora aqueles cuja verba principal seja isenta ou fora do campo de incidência do IR.

REsp 1.470.443-PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, por maioria, julgado em 25/08/2021. (Tema 878) (Info 706)

8.1.  Situação FÁTICA.

Trata-se de Recurso Especial no qual deve ser decidida a regra geral de incidência do imposto de renda sobre juros de mora envolvendo, dentre outros, benefícios previdenciários pagos em atraso.

O repetitivo havia sido suspenso em 2015 para aguardar o julgamento pelo STF do RE nº 855.091/RS (Tema nº 808 – Não incide imposto de renda sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função).

8.2.  Análise ESTRATÉGICA.

8.2.1.     Questão JURÍDICA.

Lei n. 4.506/1964:

Art. 16. Serão classificados como rendimentos do trabalho assalariado tôdas as espécies de remuneração por trabalho ou serviços prestados no exercício dos empregos, cargos ou funções referidos no artigo 5º do Decreto-lei número 5.844, de 27 de setembro de 1943, e no art. 16 da Lei número 4.357, de 16 de julho de 1964, tais como:

Parágrafo único. Serão também classificados como rendimentos de trabalho assalariado os juros de mora e quaisquer outras indenizações pelo atraso no pagamento das remunerações previstas neste artigo.

CPC/2015:

Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

§ 1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.

§ 2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.

8.2.2.     Incide IR sobre os juros de mora dos benefícios previdenciários pagos em atraso?

R: Nooops!!!!

O Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 855.091/RS (Tribunal Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 15.03.2021), apreciando o Tema 808 da Repercussão Geral, em caso concreto onde em discussão juros moratórios acrescidos a verbas remuneratórias reconhecidas em reclamatória trabalhista, considerou não recepcionada pela Constituição Federal de 1988 a parte do parágrafo único do art. 16, da Lei n. 4.506/1964 que determina a incidência do imposto de renda sobre juros de mora decorrentes de atraso no pagamento das remunerações previstas no artigo, ou seja, rendimentos do trabalho assalariado (remunerações advindas de exercício de empregos, cargos ou funções). Fixou-se então a seguinte tese: Tema 808 da Repercussão Geral: “Não incide imposto de renda sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função”.

O dever de manter a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça íntegra, estável e coerente (art. 926, do CPC/2015) impõe realizar a compatibilização da jurisprudência do STJ formada em repetitivos e precedentes da Primeira Seção ao que decidido no Tema 808 pela Corte Constitucional. Dessa análise, após as derrogações perpetradas pelo julgado do STF na jurisprudência deste STJ, exsurgem as seguintes teses: 1) Regra geral, os juros de mora possuem natureza de lucros cessantes, o que permite a incidência do Imposto de Renda – Precedentes: REsp. 1.227.133/RS, REsp. n. 1.089.720/RS e REsp. 1.138.695/SC; 2) Os juros de mora decorrentes do pagamento em atraso de verbas alimentares a pessoas físicas escapam à regra geral da incidência do Imposto de Renda, posto que, excepcionalmente, configuram indenização por danos emergentes – Precedente: RE 855.091/RS; 3) Escapam à regra geral de incidência do Imposto de Renda sobre juros de mora aqueles cuja verba principal seja isenta ou fora do campo de incidência do IR – Precedente: REsp. 1.089.720/RS.

8.2.3.     Resultado final.

1) Regra geral, os juros de mora possuem natureza de lucros cessantes, o que permite a incidência do Imposto de Renda;

2) Os juros de mora decorrentes do pagamento em atraso de verbas alimentares a pessoas físicas escapam à regra geral da incidência do Imposto de Renda, posto que, excepcionalmente, configuram indenização por danos emergentes;

3) Escapam à regra geral de incidência do Imposto de Renda sobre juros de mora aqueles cuja verba principal seja isenta ou fora do campo de incidência do IR.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

9.      Prescrição do direito no pedido de pensão por morte

EMBARGOS DECLARATÓRIOS NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL

Não ocorre a prescrição do fundo de direito no pedido de concessão de pensão por morte, no caso de inexistir manifestação expressa da Administração negando o direito reclamado, estando prescritas apenas as prestações vencidas no quinquênio que precedeu à propositura da ação.

EDCL nos EREsp 1.269.726-MG, Rel. Min. Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF da 5ª Região), Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 25/08/2021. (Info 706)

9.1.  Situação FÁTICA.

Neimar, servidor público estadual mineiro, faleceu. Muito tempo depois, seu filho Mateus requereu a concessão do benefício de pensão por morte ao IPSEMG (Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de MG).

O IPSEMG indeferiu o benefício por entender que o grande lapso temporal decorrido entre o óbito e o pedido de Mateus teria acarretado a prescrição do direito ao benefício.

Inconformado, Mateus interpôs sucessivos recursos nos quais sustenta que a prescrição, no caso, se aplicaria às prestações, não ao fundo de direito, considerando a natureza de trato sucessivo.

9.2.  Análise ESTRATÉGICA.

9.2.1.     Questão JURÍDICA.

Súmula 85/STJ:

Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a fazenda publica figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do qüinqüênio anterior a propositura da ação.

Decreto-Lei 20.910/1932:

Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.

9.2.2.     O direito ao benefício prescreveu?

R: Nooops!!!

Merece ser aclarado na ementa do acórdão embargado o ponto quanto à prescrição do fundo de direito, se esta deve ocorrer na hipótese de expresso indeferimento pela Administração, a teor da Súmula 85/STJ.

A partir da leitura do voto condutor do eminente relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, constata-se que ficou estabelecido que, nas causas em que se pretende a concessão de benefício de caráter previdenciário, inexistindo negativa expressa e formal da Administração, não há falar em prescrição do fundo de direito, nos termos do art. 1º do Decreto-Lei 20.910/1932, porquanto a obrigação é de trato sucessivo, motivo pelo qual incide, no caso, o disposto na Súmula 85 do STJ.

Situação DIVERSA ocorre quando houver o indeferimento do pedido administrativo de pensão por morte, pois, em tais situações, o interessado deve submeter ao Judiciário, no prazo de 5 (cinco) anos, contados do indeferimento, a pretensão referente ao próprio direito postulado, sob pena de fulminar o lustro prescricional.

Se houver negativa expressa da Administração + inércia em 5 anosSe NÃO houver indeferimento administrativo do pedido
Perde TUDO (até o fundo do direito)Perde apenas as PARCELAS

Com isso, aclaram-se os itens 6 e 8 da ementa do acórdão proferido no EREsp 1.269.726-MG, cujas redações devem ser as seguintes: 6. Situação diversa ocorre quando houver o indeferimento do pedido administrativo de pensão por morte, pois, em tais situações, o interessado deve submeter ao Judiciário, no prazo de 5 (cinco) anos, contados do indeferimento, a pretensão referente ao próprio direito postulado, sob pena de fulminar o lustro prescricional. (…) 8. Nestes termos, deve-se reconhecer que não ocorre a prescrição do fundo de direito no pedido de concessão de pensão por morte, no caso de inexistir manifestação expressa da Administração negando o direito reclamado, estando prescritas apenas as prestações vencidas no quinquênio que precedeu à propositura da ação, nos termos da Súmula 85/STJ.

9.2.3.     Resultado final.

Não ocorre a prescrição do fundo de direito no pedido de concessão de pensão por morte, no caso de inexistir manifestação expressa da Administração negando o direito reclamado, estando prescritas apenas as prestações vencidas no quinquênio que precedeu à propositura da ação.

DIREITO EMPRESARIAL

10.  (I)Licitude da previsão, em estatuto social de cooperativa de trabalho médico, de processo seletivo público como requisito de admissão de profissionais médicos para compor os quadros da entidade

RECURSO ESPECIAL

É lícita a previsão, em estatuto social de cooperativa de trabalho médico, de processo seletivo público como requisito de admissão de profissionais médicos para compor os quadros da entidade, devendo o princípio da porta aberta ser compatibilizado com a possibilidade técnica de prestação de serviços e a viabilidade estrutural econômico-financeira da sociedade cooperativa.

REsp 1.901.911-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 24/08/2021. (Info 706)

10.1.                   Situação FÁTICA.

Ramon, médico, ajuizou ação ordinária contra a UNIMED Cooperativa de Trabalho objetivando o reconhecimento do direito de ingressar na sociedade cooperativa, pois atendidos todos os requisitos exigidos pela lei.

A UNIMED, por sua vez, aduziu, em contestação, que a recusa à adesão de novos associados na cooperativa pode se dar em razão da impossibilidade técnica de prestação de serviços, aferível, no caso, pela prévia aprovação em processo seletivo técnico, conforme consta no art. 3º, IV, de seu estatuto social.

10.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

10.2.1. Questão JURÍDICA.

Lei nº 5.764/1971:

Art. 4º As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características:

I – adesão voluntária, com número ilimitado de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços;

Art. 29. O ingresso nas cooperativas é livre a todos que desejarem utilizar os serviços prestados pela sociedade, desde que adiram aos propósitos sociais e preencham as condições estabelecidas no estatuto, ressalvado o disposto no artigo 4º, item I, desta Lei.

§ 1° A admissão dos associados poderá ser restrita, a critério do órgão normativo respectivo, às pessoas que exerçam determinada atividade ou profissão, ou estejam vinculadas a determinada entidade.

§ 2° Poderão ingressar nas cooperativas de pesca e nas constituídas por produtores rurais ou extrativistas, as pessoas jurídicas que pratiquem as mesmas atividades econômicas das pessoas físicas associadas.

§ 3° Nas cooperativas de eletrificação, irrigação e telecomunicações, poderão ingressar as pessoas jurídicas que se localizem na respectiva área de operações.

§ 4° Não poderão ingressar no quadro das cooperativas os agentes de comércio e empresários que operem no mesmo campo econômico da sociedade.

10.2.2. Lícita a previsão de necessidade de processo seletivo?

R: Yeaph!!!

De início, vale destacar que a cooperativa de trabalho, como a de médicos, coloca à disposição do mercado a força de trabalho, cujo produto da venda – após a dedução de despesas – é distribuído, por equidade, aos associados, ou seja, cada um receberá proporcionalmente ao trabalho efetuado (número de consultas, complexidade do tratamento, entre outros parâmetros).

Destaca-se que, em razão da incidência do princípio da livre adesão voluntária, o ingresso nas cooperativas é livre a todos que desejarem utilizar os serviços prestados pela sociedade, desde que adiram aos propósitos sociais e preencham as condições estabelecidas no estatuto, sendo, em regra, ilimitado o número de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços (arts. 4º, I, e 29 da Lei nº 5.764/1971).

Ademais, pelo princípio da porta aberta, consectário do princípio da livre adesão, não podem existir restrições arbitrárias e discriminatórias à livre entrada de novo membro na cooperativa, devendo a regra limitativa da impossibilidade técnica de prestação de serviços ser interpretada segundo a natureza da sociedade cooperativa, sobretudo porque a cooperativa não visa o lucro, além de ser um empreendimento que possibilita o acesso ao mercado de trabalhadores com pequena economia, promovendo, portanto, a inclusão social.

Entretanto, o princípio da porta aberta (livre adesão) não é absoluto, devendo a cooperativa de trabalho médico, que também é uma operadora de plano de saúde, velar por sua qualidade de atendimento e situação financeira estrutural, até porque pode ser condenada solidariamente por atos danosos de cooperados a usuários do sistema (a exemplo de erros médicos), o que impossibilitaria a sua viabilidade de prestação de serviços.

Dessa forma, a negativa de ingresso de profissional na cooperativa de trabalho médico não pode se dar somente em razão de presunções acerca da suficiência numérica de associados na região exercendo a mesma especialidade, havendo necessidade de estudos técnicos de viabilidade. Por outro lado, atingida a capacidade máxima de prestação de serviços pela cooperativa, aferível por critérios objetivos e verossímeis, impedindo-a de cumprir sua finalidade, é admissível a recusa de novos associados.

Nessa mesma esteira de ideias, é lícita a previsão em estatuto social de cooperativa de trabalho médico de processo seletivo público e de caráter impessoal, exigindo-se conteúdos a respeito de ética médica, cooperativismo e gestão em saúde como requisitos de admissão de profissionais médicos para compor os quadros da entidade, mesmo porque, por força de lei, o interessado deve aderir aos propósitos sociais do ente e preencher as condições estatutárias estabelecidas, devendo o princípio da porta aberta ser compatibilizado com a possibilidade técnica de prestação de serviços e a viabilidade estrutural econômico-financeira da sociedade cooperativa.

10.2.3. Resultado final.

É lícita a previsão, em estatuto social de cooperativa de trabalho médico, de processo seletivo público como requisito de admissão de profissionais médicos para compor os quadros da entidade, devendo o princípio da porta aberta ser compatibilizado com a possibilidade técnica de prestação de serviços e a viabilidade estrutural econômico-financeira da sociedade cooperativa.

DIREITO PENAL

11.  Aplicabilidade da reincidência específica prevista no art. 44, §3º do Código Penal

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL

A reincidência específica tratada no art. 44, § 3º, do Código Penal somente se aplica quando forem idênticos, e não apenas de mesma espécie, os crimes praticados.

AREsp 1.716.664-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 25/08/2021. (Info 706)

11.1.                   Situação FÁTICA.

Michel foi condenado pelo crime de RECEPTAÇÃO. Na segunda fase da dosimetria, as reprimendas foram exasperadas pela reincidência, haja vista a existência de prévia condenação definitiva pelo delito de ROUBO.  Ainda, não foi determinada a substituição da pena prevista no art. 44, §3º do CP pelo mesmo motivo.

Inconformada, a Defensoria Pública interpôs sucessivos recursos nos quais sustentou que para tanto seria necessário que os crimes fossem idênticos e não apenas da mesma espécie. Requereu por fim que fosse realizada a substituição da pena na forma do art. 44, §3º do CP.

11.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

11.2.1. Questão JURÍDICA.

CP:

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)

§ 3o Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.

Art. 83 – O juiz poderá conceder livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que: 

V – cumpridos mais de dois terços da pena, nos casos de condenação por crime hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, tráfico de pessoas e terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza.  

LEP:

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:

VII – 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado;

11.2.2. Reincidência somente se forem crimes idênticos?

R: Yeaph!!!!

A interpretação que as duas Turmas criminais do STJ dão ao art. 44, § 3º, do CP, conclui que a reincidência em crimes da mesma espécie, ainda que não seja no mesmo crime, obsta por completo a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Fica prejudicado, assim, o debate quanto à suficiência da pena substitutiva, porque a reincidência específica torna desnecessário aferir se a substituição é ou não socialmente recomendável.

Feita essa consideração, a questão que se apresenta pode ser sintetizada nos seguintes termos: para os fins da reincidência específica basta que o réu já tenha sido condenado por crime da mesma espécie, ou somente a condenação pelo mesmo crime impede a substituição da pena? A razão está com a última corrente.

O art. 44, § 3º, do CP, excepciona o requisito da primariedade para a substituição da pena privativa de liberdade com a seguinte redação: “Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: […] II – o réu não for reincidente em crime doloso; […] § 3º. Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime”.

De imediato, o princípio da vedação à analogia in malam partem nos recomenda que não seja ampliado o conceito de “mesmo crime”. Toda atividade interpretativa parte da linguagem adotada no texto normativo, a qual, apesar da ocasional fluidez ou vagueza de seus termos, tem limites semânticos intransponíveis. Existe, afinal, uma distinção de significado entre “mesmo crime” e “crimes de mesma espécie”; se o legislador, no particular dispositivo legal em comento, optou pela primeira expressão, sua escolha democrática deve ser respeitada.

É verdade que, em sede doutrinária, não é unânime o conceito de reincidência específica, havendo quem a entenda configurada “se o crime anterior e o posterior forem os mesmos” ou, contrariamente, “quando os dois crimes praticados pelo condenado são da mesma espécie”. Esta última definição está em sintonia com o art. 83, V, do CP, que proíbe o livramento condicional para o reincidente específico em crime hediondo – ou seja, quando a reincidência se operar entre delitos daquela espécie.

Também no art. 112, VII, da LEP, com as recentes modificações da Lei n. 13.964/2019, o conceito de reincidência específica está atrelado à natureza (hedionda, no caso desse dispositivo) dos delitos, e não à identidade entre os tipos penais em que previstos.

Por isso, se o art. 44, § 3º, do CP vedasse a substituição da pena reclusiva nos casos de reincidência específica, seria mesmo defensável a ideia de que o novo cometimento de crime da mesma espécie obstaria o benefício legal, em uma interpretação sistemática do CP e da LEP. Não foi isso, porém, que fez o legislador: com o uso da expressão “mesmo crime” – ao invés de “reincidência específica” -, criou-se no texto legal uma delimitação linguística que não pode ser ignorada.

Pode-se argumentar, é claro, que a utilização de conceitos distintos de reincidência específica (um para a substituição da pena privativa de liberdade, outro para o livramento condicional e a progressão de regime) prejudicaria a coerência interna da legislação penal. Essa realidade, aliás, é de conhecimento de todos que com ela operamos diariamente: os dois principais diplomas legislativos que esta Terceira Seção é chamada a interpretar – o CP e o CPP -, ambos octogenários, encontram-se defasados, repletos de cortes e alterados de forma pouco sistemática ao longo das décadas.

É possível ver, também, outro fator relevante em favor da interpretação que hoje prevalece, neste STJ, sobre o art. 44, § 3º, do CP.

Pela redação do dispositivo, há situações em que a progressão criminosa, com a prática de um delito mais grave, premia o agente com a substituição, enquanto o cometimento de dois crimes mais leves a proíbe. Por exemplo: o réu reincidente pela prática de dois crimes de furto simples (art. 155, caput, do CP) não terá direito à substituição da pena, porquanto aplicável a vedação absoluta contida no art. 44, § 3º, do CP. De outro lado, se o segundo crime for de furto qualificado (art. 155, § 4º, do CP), o réu pode fazer jus à substituição, se a pena não ultrapassar 4 anos de reclusão. Em outras palavras, o cometimento de um segundo crime mais grave poderia, em tese, ser mais favorável ao acusado, em possível violação ao princípio constitucional da isonomia.

Essa contradição é impedida pelo atual entendimento das Turmas que compõem a Terceira Seção deste Tribunal, que considera o bem jurídico tutelado pelos delitos para definir se incide, ou não, a proibição contida no art. 44, § 3º, do CP. Assim, se forem idênticos os bens ofendidos, não haverá substituição, mesmo que diversos os tipos penais pelos quais o réu foi condenado. Contudo, corrigir a discutível técnica legislativa em desfavor do réu é algo incabível no processo penal, que rejeita a analogia in malam partem em seu arsenal jusdogmático.

Por essas razões, entende-se pela superação da tese de que a reincidência em crimes da mesma espécie impede, em absoluto, a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, porque somente a reincidência no mesmo crime (aquele constante no mesmo tipo penal) é capaz de fazê-lo, nos termos do art. 44, § 3º, do CP.

Nos demais casos de reincidência, cabe ao Judiciário avaliar se a substituição é ou não recomendável, em face da condenação anterior.

11.2.3. Resultado final.

A reincidência específica tratada no art. 44, § 3º, do Código Penal somente se aplica quando forem idênticos, e não apenas de mesma espécie, os crimes praticados.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

12.  Competência para julgamento dos crimes de estelionato, quando praticados mediante depósito, por emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou por meio da transferência de valores

CONFLITO DE COMPETÊNCIAS

Nos crimes de estelionato, quando praticados mediante depósito, por emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou por meio da transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da vítima, em razão da superveniência de Lei n. 14.155/2021, ainda que os fatos tenham sido anteriores à nova lei

CC 180.832-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 25/08/2021. (Info 706)

12.1.                   Situação FÁTICA.

Foi instaurado inquérito policial para apurar a suposta prática do crime de estelionato por Bruna contra a vítima Mauro. Conforme o inquérito, Mauro teria depositado certo valor referente à aquisição de uma moto, porém, ao chegar no pátio onde a moto seria retirada, em Mauá/SP, percebeu que lá não havia nenhum veículo e que se tratava de um golpe.

O Juízo de Direito da Vara Criminal de Mauá/SP declinou da competência para uma das varas criminais da comarca do Rio de Janeiro, em razão de a vítima residir na cidade do Rio de Janeiro/RJ.

O Juízo de Direito da Vara Criminal do Rio de Janeiro/RJ, por sua vez, suscitou o conflito por entender competente o Juízo de Mauá, local em que residem os indiciados. Destacou que, as alterações trazidas lei 14.155/2021 (que acresceu o § 4º ao art. 70 do CP para prever a competência do local do domicílio da vítima quando de crime realizado por meio de transferência de valores) seriam posteriores aos fatos apurados, razão pela qual não seriam aplicáveis em razão do princípio da anterioridade.

12.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

12.2.1. Questão JURÍDICA.

Código de Processo Penal:

Art. 70.  A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.

§ 4º Nos crimes previstos no art. 171 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), quando praticados mediante depósito, mediante emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou mediante transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da vítima, e, em caso de pluralidade de vítimas, a competência firmar-se-á pela prevenção.

Código Penal:

Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

12.2.2. Aplica-se a lei nova aos fatos anteriores?

R: Mas é claro kkkk

Nos termos do art. 70 do Código de Processo Penal, “[a] competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução”.

Quanto ao delito de estelionato (tipificado no art. 171, caput, do Código Penal), a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça havia pacificado o entendimento de que a consumação ocorre no lugar onde aconteceu o efetivo prejuízo à vítima.

Ocorre que sobreveio a Lei n. 14.155/2021, que entrou em vigor em 28/05/2021 e acrescentou o § 4.º ao art. 70 do Código de Processo Penal, o qual dispõe que: “§ 4º Nos crimes previstos no art. 171 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), quando praticados mediante depósito, mediante emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou mediante transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da vítima, e, em caso de pluralidade de vítimas, a competência firmar-se-á pela prevenção.”

Como a nova lei é norma PROCESSUAL, esta deve ser aplicada de imediato, ainda que os fatos tenham sido anteriores à nova lei, notadamente quando o processo ainda estiver em fase de inquérito policial, razão pela qual a competência no caso é do Juízo do domicílio da vítima.                                                                         

12.2.3. Resultado final.

Nos crimes de estelionato, quando praticados mediante depósito, por emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou por meio da transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da vítima, em razão da superveniência de Lei n. 14.155/2021, ainda que os fatos tenham sido anteriores à nova lei

MENOR RELEVÂNCIA PARA CONCURSO

13.  Competência interna do STJ paga julgamento de ACP referente à anulação de cláusula indutora de exclusividade de prestação de serviços médicos, constante do Estatuto Social da Cooperativa Médica operadora de Plano de Saúde

CONFLITO DE COMPETÊNCIAS

Compete à Primeira Seção do STJ julgar Ação Civil Pública ajuizada pelo MPF, em face da UNIMED, a fim de anular cláusula indutora de exclusividade de prestação de serviços médicos, constante do Estatuto Social da Cooperativa Médica operadora de Plano de Saúde, segundo a qual podem ser penalizados ou premiados os médicos cooperados que adiram, ou não, à referida cláusula.

CC 180.127-DF, Rel. Min. Raul Araújo, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 18/08/2021, DJe 23/08/2021. (Info 706)

13.1.                   Situação FÁTICA.

O Ministério Público Federal ajuizou Ação Civil Pública em face da UNIMED, visando a “declarar a nulidade das cláusulas constantes do parágrafo 2º, do artigo 9º e nas alíneas “a” e “c” do artigo 18, ambos do Estatuto Social da requerida, bem como, do art. 6º, § 1º, do Regimento Interno da Entidade”, visando à abstenção: (I) de aplicação de qualquer penalidade “(não somente – a exclusão da cooperativa) e de adotar qualquer medida discriminatória ao cooperado que se associar a outro plano de saúde (ou assemelhado) mantido por empresa, sociedade ou entidade diversa”; bem como (II) de conferir prêmio ou estímulo de qualquer espécie ao cooperado que atender com exclusividade o plano de saúde da Unimed.

Verificou-se então conflito negativo de competência entre a Primeira e a Quarta Turma do STJ para o julgamento do feito.

13.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

13.2.1. Questão JURÍDICA.

RISTJ:

Art. 9º A competência das Seções e das respectivas Turmas é fixada em função da natureza da relação jurídica litigiosa.

Constituição Federal:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I – soberania nacional;

II – propriedade privada;

III – função social da propriedade;

IV – livre concorrência;

V – defesa do consumidor;

VI – defesa do meio ambiente;

VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

VII – redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII – busca do pleno emprego;

IX – tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte.

IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre

I – sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade;         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

II – a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

III – licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública;         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

IV – a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários;         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

V – os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores.         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

§ 2º As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.

§ 3º A lei regulamentará as relações da empresa pública com o Estado e a sociedade.

§ 4º A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

§ 5º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Lei n. 8.884/1994:

Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados

I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;

II – dominar mercado relevante de bens ou serviços;

Art. 21. As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no art. 20 e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica;                   (Revogado pela Lei nº 12.529, de 2011).

IV – limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado;

V – criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços;

VI – impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição;

Lei n. 9.656/1998:

Art. 18.  A aceitação, por parte de qualquer prestador de serviço ou profissional de saúde, da condição de contratado, referenciado, credenciado ou cooperado de uma operadora de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei implica as seguintes obrigações e direitos:

III – a manutenção de relacionamento de contratação, credenciamento ou referenciamento com número ilimitado de operadoras, sendo expressamente vedado às operadoras, independente de sua natureza jurídica constitutiva, impor contratos de exclusividade ou de restrição à atividade profissional.   

13.2.2. Qual das Turmas deve julgar o caso?

R: A PRIMEIRA!!!

Salienta-se, preliminarmente, que nos termos do art. 9º, caput, do RISTJ, a competência das Seções e das respectivas Turmas do Superior Tribunal de Justiça é fixada em função da natureza da relação jurídica litigiosa.

Dessa forma, é possível inferir que o litígio tratado não se estabelece propriamente na relação de direito privado entre os médicos cooperados e a cooperativa de plano de saúde, em razão de disposições contratuais ou estatutárias da cooperativa que exijam a exclusividade para médicos cooperados, lançando penalidades ou estímulos/prêmios em decorrência de sua observância.

Embora essa relação de predominante natureza privada exista, não é nela que se situa o questionamento suscitado na ação civil pública.

O ajuizamento da ação civil pública pelo Ministério Público Federal visa discutir cláusula de exclusividade, constante do Estatuto da Cooperativa Médica, que, segundo afirma o promovente, afetaria diretamente a livre concorrência, infringindo a ordem pública e econômica e ofendendo o direito à saúde (arts. 170, 173 e 196 da Constituição Federal). Tanto é assim que, no feito principal a que se relaciona o presente conflito de competência, a União e a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS – foram incluídas na lide, tendo em vista a existência de nítido interesse público na demanda. A primeira na condição de assistente simples do autor e a segunda na condição de litisconsorte ativa.

Com efeito, a questão controvertida não está meramente no âmbito da autonomia da vontade. Há discussão específica acerca da conduta anticoncorrencial atribuída à operadora de plano de saúde, em suposta infração à ordem econômica e social, de forma que seria danosa ao mercado de suplementação dos serviços de saúde por parte da iniciativa privada, o que seria vedado pela legislação antitruste brasileira (arts. 20, I e II, 21, IV, V e VI, da Lei n. 8.884/1994), bem como pela Lei dos Planos de Saúde (art. 18, III, da Lei n. 9.656/1998).

Nesse contexto, há prevalentes aspectos de Direito Administrativo e de Direito Econômico sobre as questões iniciais de direito privado. São eminentemente de direito público questões que envolvam a intervenção do Estado na economia, a fiscalização estatal das instituições que exploram a saúde no plano privado, o Direito Econômico da Concorrência, entre outras. Assim, não há como afastar a competência das Turmas que compõem a Primeira Seção para processar e julgar a aludida ação e os recursos dela decorrentes.

Ademais, embora não seja a competência interna atribuída em razão da pessoa (das partes que compõem a lide), a presença predominante do Estado no processo, no caso, o Ministério Público Federal, a União e a ANS, é outro ponto que recomenda o julgamento do feito pelas Turmas de Direito Público.

13.2.3. Resultado final.

Compete à Primeira Seção do STJ julgar Ação Civil Pública ajuizada pelo MPF, em face da UNIMED, a fim de anular cláusula indutora de exclusividade de prestação de serviços médicos, constante do Estatuto Social da Cooperativa Médica operadora de Plano de Saúde, segundo a qual podem ser penalizados ou premiados os médicos cooperados que adiram, ou não, à referida cláusula.

Jean Vilbert

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