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Informativo STJ 700 Comentado

Informativo nº 700do STJ COMENTADO para quem está ligado aqui conosco no Estratégia Carreiras Jurídicas!

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DIREITO CIVIL

1.      Morte de usufrutuário que arrenda imóvel e posse pelos sucessores

RECURSO ESPECIAL

A morte de usufrutuário que arrenda imóvel, durante a vigência do contrato de arrendamento, sem a reivindicação possessória pelo proprietário, torna precária e injusta a posse exercida pelos seus sucessores, mas não constitui óbice ao exercício dos direitos provenientes do contrato de arrendamento pelo espólio perante o terceiro arrendatário.

REsp 1.758.946-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/06/2021, DJe 11/06/2021(Info 700)

1.1.  Situação FÁTICA.

Elisa, usufrutuária de certo imóvel, arrendou este para André pelo período de 1º/4/2002 até 31/10/2009. André, por sua vez, celebrou contrato de subarrendamento em favor de Márcio, tendo como início a data de 8/6/2005 e sem a participação de Elisa.

Ocorre que Elisa faleceu em 2004. A despeito de o termo final estabelecido no contrato de arrendamento ter se implementado em outubro de 2009, não houve a respectiva restituição da posse sobre o bem por parte do subarrendatário nem pelo subarrendador/arrendatário primitivo, subsistindo a avença a partir de então por período indeterminado.

A falta da restituição motivou o ingresso de ação de cobrança cumulada com pedido de rescisão contratual e reintegração de posse, pelo espólio da arrendadora inicial, em razão da manutenção possessória somada ao inadimplemento dos valores devidos entre 1º/11/2009 e 31/12/2014. Na sentença, o Magistrado de primeiro grau, em preliminar, reconheceu a legitimidade ativa do espólio de Elisa, sob o argumento de ser irrelevante que a propriedade do imóvel rural arrendado não pertença ao requerente, tendo em vista a existência de usufruto vitalício em seu favor sobre metade do bem – e, no mérito, julgou procedentes os pedidos.

1.2.  Análise ESTRATÉGICA.

1.2.1.     Questão JURÍDICA.

Código Civil:

Art. 1.206. A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres.

Art. 1.225. São direitos reais:

IV – o usufruto

Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código.

Art. 1.390. O usufruto pode recair em um ou mais bens, móveis ou imóveis, em um patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo-lhe, no todo ou em parte, os frutos e utilidades.

Art. 1.394. O usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos.

Art. 1.399. O usufrutuário pode usufruir em pessoa, ou mediante arrendamento, o prédio, mas não mudar-lhe a destinação econômica, sem expressa autorização do proprietário.

Art. 1.410. O usufruto extingue-se, cancelando-se o registro no Cartório de Registro de Imóveis:

I – pela renúncia ou morte do usufrutuário;

II – pelo termo de sua duração;

III – pela extinção da pessoa jurídica, em favor de quem o usufruto foi constituído, ou, se ela perdurar, pelo decurso de trinta anos da data em que se começou a exercer;

IV – pela cessação do motivo de que se origina;

V – pela destruição da coisa, guardadas as disposições dos arts. 1.407, 1.408, 2ª parte, e 1.409;

VI – pela consolidação;

VII – por culpa do usufrutuário, quando aliena, deteriora, ou deixa arruinar os bens, não lhes acudindo com os reparos de conservação, ou quando, no usufruto de títulos de crédito, não dá às importâncias recebidas a aplicação prevista no parágrafo único do art. 1.395;

VIII – Pelo não uso, ou não fruição, da coisa em que o usufruto recai (arts. 1.390 e 1.399).

Lei n. 6.015/1973:

Art. 167 – No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos. 

II – a averbação:

Art. 252 – O registro, enquanto não cancelado, produz todos os efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido

1.2.2.     O espólio é parte legítima para propor tal demanda?

R: Yeaph!!

O usufruto constitui espécie de direito real (art. 1.225, IV, do CC) que pode recair sobre “um ou mais bens, móveis ou imóveis, em um patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo-lhe, no todo ou em parte, os frutos e utilidades” (art. 1.390 do CC), conferindo, temporariamente, a alguém – denominado usufrutuário – o “direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos” (art. 1.394 do CC), em relação ao bem objeto do usufruto.

Por se tratar de direito real, a sua constituição bem como a desconstituição, recaindo sobre imóvel, pressupõem o registro e a averbação do cancelamento na respectiva matrícula no Cartório de Registro de Imóveis, medidas estas dotadas de efeito constitutivo, sobretudo em relação a terceiros, segundo se extrai do teor dos arts. 1.227 e 1.410, caput, do CC; e 167, II, e 252 da Lei n. 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos).

Ademais, efetivado o usufruto, ocorre o desdobramento da posse, passando o proprietário à condição apenas de possuidor indireto, e o usufrutuário de possuidor direto. Havendo a cessão do exercício do usufruto, pelo usufrutuário, a terceiro, mediante contrato de arrendamento (art. 1.399 do CC), acarretará o desdobramento sucessivo da posse, sendo possuidores indiretos o proprietário e o usufrutuário/arrendador, e direto o arrendatário.

Sobrevindo a morte do usufrutuário (que é causa de extinção desse direito real), a posse, enquanto não devolvida ou reivindicada pelo proprietário, transmite-se aos sucessores daquele, mas com o caráter de injusta, dada a sua precariedade, excepcionando a regra do art. 1.206 do CC. Com isso, o possuidor não perde tal condição em decorrência da mácula que eventualmente recaia sobre sua posse.

Contudo, tal vício objetivo da posse repercute apenas na esfera jurídica da vítima do ato agressivo da posse e do agressor, em razão da sua relatividade, o que significa dizer que a justiça ou injustiça da posse não possui alcance erga omnes, revelando-se sempre justa em relação a terceiros.

O espólio, por se tratar de universalidade de direito, constitui-se pelo complexo de relações jurídicas titularizadas pelo autor da herança, nos moldes do art. 91 do CC, aí se incluindo, na espécie, a relação originária do arrendamento rural.

Portanto, a morte da arrendadora/usufrutuária (causa de extinção do usufruto, nos termos do art. 1.410, I, do CC) durante a vigência do contrato de arrendamento rural, sem a respectiva restituição ou reivindicação possessória pelo proprietário, tornando precária e injusta a posse exercida pelos sucessores daquela, não constitui óbice ao exercício dos direitos provenientes do contrato de arrendamento rural, no interregno da efetiva posse, pelo espólio da usufrutuária perante o terceiro arrendatário, porquanto diversas e autônomas as relações jurídicas de direito material de usufruto e de arrendamento.

1.2.3.     Resultado final.

A morte de usufrutuário que arrenda imóvel, durante a vigência do contrato de arrendamento, sem a reivindicação possessória pelo proprietário, torna precária e injusta a posse exercida pelos seus sucessores, mas não constitui óbice ao exercício dos direitos provenientes do contrato de arrendamento pelo espólio perante o terceiro arrendatário.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

2.      Fixação dos honorários advocatícios e legitimidade recursal

RECURSO ESPECIAL

A parte e o advogado possuem legitimidade recursal concorrente quanto à fixação dos honorários advocatícios.

REsp 1.776.425-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/06/2021. (Info 700)

2.1.  Situação FÁTICA.

Em certa ação indenizatória em fase de liquidação de sentença, o juiz indeferiu o pleito de fixação de honorários em favor dos advogados que representam os interesses de uma das partes. Ocorre que a PARTE e não o advogado interpôs agravo de instrumento para reformar tal decisão e fixar os honorários.

O Tribunal de Justiça local não conheceu do recurso por entender a parte ilegítima para tanto, uma vez que os tais honorários pertencem ao advogado. Inconformada, a parte interpôs recurso especial no qual sustentou que o tanto a parte, quanto seu advogado contam com plena legitimidade para controverter acerca de honorários advocatícios, em que pese constituam direito autônomo do advogado.

2.2.  Análise ESTRATÉGICA.

2.2.1.     Questão JURÍDICA.

CPC/2015:

Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.

§ 5º Na hipótese do § 4º, o recurso que verse exclusivamente sobre valor de honorários de sucumbência fixados em favor do advogado de beneficiário estará sujeito a preparo, salvo se o próprio advogado demonstrar que tem direito à gratuidade.

Estatuto da Advocacia:

Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor

2.2.2.     A parte é legítima para tanto?

R: Yeaph!!!

A jurisprudência do STJ, contemporânea ao CPC de 1973, reconhecia às partes e aos advogados legitimidade concorrente para vindicar, em nome próprio, a fixação ou majoração dos honorários advocatícios estipulados pelo órgão julgador, a despeito de tal verba constituir direito autônomo do advogado.

O CPC/2015, no entanto, não alterou a legitimidade recursal em matéria de honorários sucumbenciais. Com efeito, o seu artigo 99, especialmente o §5º, não versa acerca de legitimidade recursal, mas do requisito do preparo, podendo-se dele extrair que, mesmo interposto recurso pela parte que seja beneficiária de gratuidade judiciária e que se limite a discutir os honorários de advogado, o preparo deverá ser realizado acaso o advogado também não seja beneficiário da gratuidade.

Ademais, reconheceu-se no art. 23 do Estatuto da Advocacia e se reforçou no CPC de 2015 a titularidade dos honorários e a possibilidade de o advogado, pois titular da verba a que o vencido foi condenado a pagar na ação ajuizada pelo seu representado, executá-la em nome próprio, mesmo não sendo parte formal no processo em que ela foi originada e, assim, não constando do título executivo base para o cumprimento de sentença. Dessa forma, mesmo sendo titular da verba, ostenta a qualidade de terceiro prejudicado.

Não é razoável, pois, reconhecer-se que o direito aos honorários advocatícios sucumbenciais, que naturalmente se origina de ação ajuizada por parte que, no mais das vezes, não será a sua titular (à exceção de quando é ajuizada em causa própria), não possa ser em seu nome discutido.

2.2.3.     Resultado final.

A parte e o advogado possuem legitimidade recursal concorrente quanto à fixação dos honorários advocatícios.

3.      Acolhimento da impugnação ao cumprimento de sentença e termo inicial para oferecer contestação

RECURSO ESPECIAL

 O termo inicial do prazo para oferecer contestação na hipótese de acolhimento da impugnação ao cumprimento de sentença fundada no art. 525, § 1º, I, do CPC/2015 é a data da intimação que acolhe a impugnação.

REsp 1.930.225-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/06/2021(Info 700)

3.1.  Situação FÁTICA.

Em uma ação de obrigação de fazer, foi reconhecida a existência de obrigação de pagar em ação proposta por GTC em desfavor de SuperNet, que então apresentou impugnação ao cumprimento de sentença, por meio da qual alegou nulidade do ato citatório.

A alegação foi acolhida pelo juízo de primeiro grau, que definiu novo prazo para oferecimento de contestação, a contar da intimação dessa decisão. O Tribunal de Justiça local, todavia, deu provimento ao recurso de GTC, reconhecendo que o prazo para contestar iniciou a partir do comparecimento espontâneo do executado, nos termos do art. 239, § 1º, do CPC/2015.

3.2.  Análise ESTRATÉGICA.

3.2.1.     Questão JURÍDICA.

CPC/2015:

Art. 239. Para a validade do processo é indispensável a citação do réu ou do executado, ressalvadas as hipóteses de indeferimento da petição inicial ou de improcedência liminar do pedido.

§ 1º O comparecimento espontâneo do réu ou do executado supre a falta ou a nulidade da citação, fluindo a partir desta data o prazo para apresentação de contestação ou de embargos à execução.

Art. 272. Quando não realizadas por meio eletrônico, consideram-se feitas as intimações pela publicação dos atos no órgão oficial.

§ 9º Não sendo possível a prática imediata do ato diante da necessidade de acesso prévio aos autos, a parte limitar-se-á a arguir a nulidade da intimação, caso em que o prazo será contado da intimação da decisão que a reconheça.

Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver.

Art. 525. Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação.

§ 1º Na impugnação, o executado poderá alegar:

I – falta ou nulidade da citação se, na fase de conhecimento, o processo correu à revelia;

3.2.2.     Qual o termo inicial a ser considerado?

R: O da intimação que acolheu a impugnação!!

A citação é indispensável à garantia do contraditório e da ampla defesa, sendo o vício de nulidade de citação o defeito processual mais grave no sistema processual civil brasileiro. Por essa razão, com exceção das hipóteses de indeferimento da petição inicial ou de improcedência liminar do pedido, é imperiosa a citação do réu ou do executado para a validade do processo (art. 239 do CPC/2015).

Quanto ao ponto, o STJ firmou o entendimento segundo o qual o defeito ou inexistência da citação opera-se no plano da existência da sentença. Caracteriza-se como vício transrescisório que pode ser suscitado a qualquer tempo, inclusive após escoado o prazo para o ajuizamento da ação rescisória, mediante simples petição ou por meio de ação declaratória de nulidade (querela nullitatis).

Nesse contexto, ante a gravidade da inexistência ou da nulidade do ato citatório, se o processo se encontrar em fase de cumprimento de sentença, o réu poderá obter a desconstituição do título executivo tanto por meio de ação autônoma quanto incidentalmente, mediante a apresentação de impugnação.

Segundo art. 239, § 1º, do CPC/2015, a falta ou nulidade da citação pode ser suprida pelo comparecimento espontâneo do réu ou do executado. A partir de então, inicia-se o prazo para a apresentação de contestação.

Deve-se destacar, todavia, que a norma do mencionado artigo é voltada às hipóteses em que o réu toma conhecimento do processo ainda na sua fase de conhecimento. Isso porque, ela versa sobre citação e ao mencionar executado, o caput do referido dispositivo está se referindo àquele que figurada no polo passivo da execução de título extrajudicial e que é efetivamente citado para contestar a demanda. Aquele que consta como executado no cumprimento de sentença não é citado, uma vez que a citação já ocorreu, ao menos em tese, na fase de conhecimento.

Tratando-se de sentença condenatória e instaurado o cumprimento de sentença, o executado é intimado para pagar o débito no prazo de 15 (quinze) dias (art. 523 do CPC/2015). Ao término desse lapso temporal, inicia-se o prazo para o oferecimento de impugnação ao cumprimento de sentença, independentemente de nova intimação (art. 525, caput, do CPC/2015; REsp 1761068/RS, Terceira Turma, DJe 18/12/2020).

Dessa forma, o comparecimento espontâneo do executado na fase de cumprimento de sentença não supre a inexistência ou a nulidade da citação. Ao comparecer espontaneamente nessa etapa processual, o executado apenas dar-se-á por intimado do requerimento de cumprimento e, a partir de então, terá início o prazo para o oferecimento de impugnação, na qual a parte poderá suscitar o vício de citação, nos termos do dispositivo já referido.

Atentando-se para essa situação, de um lado, há quem afirme que acolhida a impugnação fundada no vício de citação, o prazo para oferecer defesa inicia-se a partir da intimação dessa decisão. De outro lado, situa-se quem afirma que ao exequente remanescerá a possibilidade de retomar a ação condenatória, promovendo a citação válida do réu.

Para se chegar à solução mais adequada, é preciso considerar que o novo Código de Processo Civil está pautado na instrumentalidade das formas e na ideia de duração razoável do processo. Prova disso é, justamente, a já anotada antecipação do termo inicial do prazo para contestar a demanda na hipótese de comparecimento espontâneo na fase de conhecimento (art. 239, § 1º, do CPC/2015).

Somado a isso, a impugnação apresentada com fundamento no art. 525, § 1º, I, do CPC/2015 veicula, exclusivamente, alegação relativa à falta ou defeito na citação. E, o art. 272, § 9º, do CPC/2015 preceitua que “não sendo possível a prática imediata do ato diante da necessidade do acesso prévio aos autos, a parte limitar-se-á a arguir a nulidade da intimação, caso em que o prazo será contado da intimação da decisão que a reconheça”.

Compatibilizando-se tais ideias e levando-se em conta o fato de que o réu (executado) já se fez presente no processo, caso acolhida a impugnação fundada no art. 525, § 1º, I, do CPC/2015, o prazo para apresentar contestação terá início com a intimação acerca dessa decisão. Aplica-se, por analogia, o disposto no art. 272, § 9º, do CPC/2015.                                                                        

3.2.3.     Resultado final.

     O termo inicial do prazo para oferecer contestação na hipótese de acolhimento da impugnação ao cumprimento de sentença fundada no art. 525, § 1º, I, do CPC/2015 é a data da intimação que acolhe a impugnação.

4.      Cabimento da aplicação de multa pelo não comparecimento pessoal à audiência de conciliação quando a parte estiver representada por advogado com poderes específicos para transigir

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA

Não cabe a aplicação de multa pelo não comparecimento pessoal à audiência de conciliação, por ato atentatório à dignidade da Justiça, quando a parte estiver representada por advogado com poderes específicos para transigir.

RMS 56.422-MS, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 08/06/2021(Info 700)

4.1.  Situação FÁTICA.

Em uma ação indenizatória movida por Nei em desfavor de AgroFerreira, foi designada audiência conciliatória. Ocorre que AgroFerreira não compareceu pessoalmente ao ato, mas sim por advogado. O juiz não quis saber e mandou bala em multa de 2% do valor da causa.

AgroFerreira interpôs sucessivos recursos nos quais sustentou que, ainda que não tenha se feito presente, estava representada por advogado munido com procuração que lhe outorgava poderes específicos para TRANSIGIR, logo, seria indevida a multa. Porém, a tese não foi acolhida pelo juiz de primeiro grau e nem pelo Tribunal de Justiça local.

Inconformada, a empresa multada impetrou mandado de segurança no qual sustenta a possuir o direito líquido e certo de se fazer representar em audiência de conciliação por advogado com poderes para negociar e transigir conforme a letra do art. 334, § 10, do CPC/2015.

4.2.  Análise ESTRATÉGICA.

4.2.1.     Questão JURÍDICA.

CPC de 2015:

Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.

§ 8º O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado.

§ 10. A parte poderá constituir representante, por meio de procuração específica, com poderes para negociar e transigir.

4.2.2.     Cabível a multa?

R: Nooops!!!

A teor do art. 334, § 8º, do CPC de 2015, “O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado”.

Ocorre que o § 10 do mesmo dispositivo legal abre a possibilidade de a parte se fazer representar por meio da outorga de procuração com poderes específicos para negociar e transigir: “A parte poderá constituir representante, por meio de procuração específica, com poderes para negociar e transigir”.

Daí por que a doutrina considera suficiente para afastar a penalidade a presença da parte ou do seu representante legal (que pode ou não ser o seu advogado).

Desse modo, ficando demonstrado que os procuradores da ré, munidos de procuração com poderes para transigir, estiveram presentes na audiência, tem-se como manifestamente ilegal a aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da Justiça. De fato, a ausência de conciliação, por si só, também não autorizaria a aplicação da multa.

4.2.3.     Resultado final.

Não cabe a aplicação de multa pelo não comparecimento pessoal à audiência de conciliação, por ato atentatório à dignidade da Justiça, quando a parte estiver representada por advogado com poderes específicos para transigir.

5.      (Im)Possibilidade de cumprimento individual de sentença coletiva para cobrança exclusiva de juros remuneratórios não contemplados em ação civil pública diversa

RECURSO ESPECIAL

O beneficiário de expurgos inflacionários pode promover o cumprimento individual de sentença coletiva para cobrança exclusiva de juros remuneratórios não contemplados em ação civil pública diversa, também objeto de execução individual pelo mesmo beneficiário.

REsp 1.934.637-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 08/06/2021(Info 700)

5.1.  Situação FÁTICA.

Gerson promoveu o cumprimento individual da sentença coletiva proferida em ação civil pública proposta pelo Instituto Pró-Justiça Tributária – Projust, visando exclusivamente à execução dos juros remuneratórios não contemplados em OUTRA ação civil pública anterior, também objeto de execução individual pelo autor.

Para uma melhor compreensão, segue caso hipotético: A ação civil pública X foi ajuizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Cidadão – IBDCI para cobrança de expurgos inflacionários relacionados a planos econômicos diversos. A sentença coletiva proferida, que não abrangeu os juros remuneratórios sobre os valores principais, foi objeto de execução individual por Gerson ainda em 2014 (processo Z).

Porém, a ACP Y, proposta pelo Projust, teve como finalidade a cobrança de expurgos inflacionários em função dos chamados Planos Bresser e Verão. Nessa ação, ao contrário daquela anterior, a sentença coletiva incluiu os juros remuneratórios sobre os expurgos inflacionários coincidentes com a primeira ação coletiva.

Gerson então, com base no título formado na ACP Y, promoveu o cumprimento individual da referida sentença coletiva, tendo por objeto apenas a execução dos juros remuneratórios. No entanto, o Juízo de primeiro grau, em acolhimento à impugnação apresentada pela Caixa Econômica Federal, extinguiu o cumprimento de sentença, sob o argumento da existência de coisa julgada material quanto à reparação dos danos formada nos autos Z.

5.2.  Análise ESTRATÉGICA.

5.2.1.     Questão JURÍDICA.

CDC:

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:

§ 2° Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual.

§ 3° Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99.

Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.

5.2.2.     Possível o intento de Gerson?

R: Yeaph!!!

Inicialmente, em relação aos juros remuneratórios, consta do REsp 1.392.245/DF, submetido ao regime dos recursos repetitivos, que enquanto os juros moratórios, em sua acepção estritamente jurídica, são juros legais, para cuja incidência se dispensa pedido expresso ou mesmo condenação, os juros remuneratórios, no mais das vezes, são contratuais, cujo reconhecimento depende de pedido expresso e, para ser executado, de condenação na fase de conhecimento.

De outra parte, especificamente em relação à incidência dos juros remuneratórios envolvendo expurgos inflacionários, a jurisprudência consolidada do STJ, de há muito, consignou que as verbas referidas somente poderão ser objeto de liquidação ou execução individual quando expressamente previstas no título judicial.

Nesse contexto, a questão passa pela análise dos efeitos preclusivos das demandas coletivas, perquirindo-se, no caso concreto, se o trânsito em julgado da primeira execução implica a ocorrência de eficácia preclusiva apta a impedir o ajuizamento do cumprimento de execução com base no novo título.

No caso, não houve pedido expresso quanto aos juros remuneratórios na [primeira] ação civil pública proposta [pelo IBDCI], estando a execução individual, portanto, submetida tão apenas ao que constou do título.

Por sua vez, somente na sentença oriunda da [segunda] ação civil pública ajuizada [pelo Pro-Just], os juros foram inseridos, circunstância que motivou a propositura do cumprimento do novo título judicial, que, embora tenha condenado a Caixa Econômica Federal ao pagamento de expurgos coincidentes da primeira execução, previu, de maneira inédita, a incidência dos juros remuneratórios.

Nessa linha de intelecção, levando em conta as diretrizes do processo coletivo referidas, bem como os efeitos da “res iudicata secundum eventum litis“, nos termos do art. 103, §§ 2° e 3° e 104, do CDC, não há como concluir que o trânsito em julgado da primeira ação civil pública – cuja execução individual estava adstrita aos exatos termos do título judicial nesta formado – tenha o condão de espraiar os efeitos preclusivos da coisa julgada de pedido não deduzido.

Por tudo quanto apresentado, no regime próprio das demandas coletivas envolvendo direitos individuais homogêneos, a ausência de pedido expresso em ação civil pública ajuizada por instituição diversa, na qualidade de substituta processual, não impede a propositura do cumprimento provisório de sentença pelo mesmo beneficiário individual com base em novo título coletivo formado em ação civil pública diversa, exclusivamente para o alcance de verbas cuja coisa cuja jugada somente tenha se operado a partir do novo título proferido e do qual o autor seja também beneficiário.

5.2.3.     Resultado final.

O beneficiário de expurgos inflacionários pode promover o cumprimento individual de sentença coletiva para cobrança exclusiva de juros remuneratórios não contemplados em ação civil pública diversa, também objeto de execução individual pelo mesmo beneficiário.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

6.      Termo inicial do auxílio-acidente

RECURSO ESPECIAL

O termo inicial do auxílio-acidente deve recair no dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença que lhe deu origem, conforme determina o art. 86, § 2º, da Lei n. 8.213/1991.

REsp 1.729.555-SP, Rel. Min. Assusete Magalhães, Primeira Seção, por maioria, julgado em 09/06/2021 (Tema 862) (Info 700)

6.1.  Situação FÁTICA.

Janete ajuizou ação em face do INSS objetivando o recebimento de auxílio-acidente, alegando que sofreu acidente de trabalho que lhe deixou sequela de caráter parcial e permanente, reduzindo, assim, sua capacidade laborativa. O Juízo de 1º Grau julgou o pedido procedente para condenar o réu à concessão do auxílio-acidente devido a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença.

No entanto, o Tribunal de Justiça local deu parcial provimento ao recurso de ofício e à Apelação do INSS, fixando, como termo inicial do auxílio-acidente, a data da citação, ao fundamento de que, após a cessação do auxílio-doença (07/10/98) o segurado teria retornado ao trabalho, sem constar no presente feito qualquer anotação referente a eventual afastamento ou intercorrência por mais de dez anos.

Inconformada, Janete interpôs recurso especial no qual sustentou a necessidade de reforma do acórdão para reestabelecer como termo inicial do benefício de Auxílio-Acidente a ela concedido como o dia imediatamente posterior à cessação do Auxílio-Doença-Acidentário (08/10/1998), ressalvada a prescrição quinquenal.

6.2.  Análise ESTRATÉGICA.

6.2.1.     Questão JURÍDICA.

Lei n. 8.213/1991:

Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem seqüelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia.

§ 2º O auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado, vedada sua acumulação com qualquer aposentadoria. 

6.2.2.     Qual o termo inicial a ser considerado?

R: A data do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença que lhe deu origem!!!

O art. 86, caput, da Lei n. 8.213/1991, em sua redação atual, prevê a concessão do auxílio-acidente como indenização ao segurado, quando, “após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia”.

Por sua vez, o art. 86, § 2º, da referida lei determina que “o auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado, vedada sua acumulação com qualquer aposentadoria”.

Assim, tratando-se da concessão de auxílio-acidente precedido do auxílio-doença, a Lei n. 8.213/1991 traz expressa disposição quanto ao seu termo inicial, que deverá corresponder ao dia seguinte ao da cessação do respectivo auxílio-doença, pouco importando a causa do acidente, na forma do seu art. 86, caput e § 2º, sendo despiciendo, nessa medida, para essa específica hipótese legal, investigar o dia do acidente, à luz do art. 23 da mesma lei.

O entendimento do STJ – que ora se ratifica – é firme no sentido de que o auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, mas, inexistente a prévia concessão de tal benefício, o termo inicial deverá corresponder à data do requerimento administrativo. Inexistentes o auxílio-doença e o requerimento administrativo, o auxílio-acidente tomará por termo inicial a data da citação.

Prevalece no STJ a compreensão de que o laudo pericial, embora constitua importante elemento de convencimento do julgador, não é, como regra, parâmetro para fixar o termo inicial de benefício previdenciário. Adotando tal orientação: STJ, REsp 1.831.866/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 11/10/2019; REsp 1.559.324/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe de 04/02/2019.

6.2.3.     Resultado final.

O termo inicial do auxílio-acidente deve recair no dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença que lhe deu origem, conforme determina o art. 86, § 2º, da Lei n. 8.213/1991.

DIREITO TRIBUTÁRIO

7.      (I)Legitimidade da matriz para discutir relação jurídico-tributária, pleitear restituição ou compensação relativamente a indébitos de suas filiais

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL

A matriz pode discutir relação jurídico-tributária, pleitear restituição ou compensação relativamente a indébitos de suas filiais.

AREsp 1.273.046-RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 08/06/2021. (Info 700)

7.1.  Situação FÁTICA.

Piraqui S.A. impetrou mandado de segurança, objetivando que a autoridade impetrada se abstivesse de cobrar a Contribuição para o Seguro Acidente de Trabalho (SAT) com base em alíquota apurada de acordo com a atividade preponderante da empresa como um todo e permitisse o recolhimento dessa contribuição com base em alíquotas aferidas de acordo com a atividade preponderante em cada estabelecimento.

O juiz de primeiro grau julgou procedente o pedido, porém a sentença foi parcialmente reformada pelo Tribunal local, para estabelecer que a matriz e cada filial deveriam, individualmente, buscar o Poder Judiciário, com vistas a obter declaração do direito de se enquadrar em alíquota diversa da que vinha lhe sendo atribuída.

Inconformada, Piraqui interpôs recurso especial no qual sustenta a legitimidade da matriz para demandar em juízo, em nome de filiais quanto aos fatos geradores de Contribuição de Riscos Ambientais do Trabalho (RAT), referentes à aplicação de alíquota correspondente ao grau de risco da atividade preponderante desenvolvida em cada estabelecimento da empresa.

7.2.  Análise ESTRATÉGICA.

7.2.1.     Questão JURÍDICA.

CC:

Art. 75. Quanto às pessoas jurídicas, o domicílio é:

§ 1 o Tendo a pessoa jurídica diversos estabelecimentos em lugares diferentes, cada um deles será considerado domicílio para os atos nele praticados.

7.2.2.     A matriz detém legitimidade para tanto?

R: Yeaph!!!

A sucursal, a filial e a agência não têm um registro próprio, autônomo, pois a pessoa jurídica como um todo é que possui personalidade, sendo ela sujeito de direitos e obrigações, assumindo com todo o seu patrimônio a correspondente responsabilidade

As filiais são estabelecimentos SECUNDÁRIOS da mesma pessoa jurídica, desprovidas de personalidade jurídica e patrimônio próprio, apesar de poderem possuir domicílios em lugares diferentes (art. 75, § 1º, do CC) e inscrições distintas no CNPJ.

O fato de as filiais possuírem CNPJ próprio confere a elas somente autonomia administrativa e operacional para fins fiscalizatórios, não abarcando a autonomia jurídica, já que existe a relação de dependência entre o CNPJ das filiais e o da matriz.

Os valores a receber provenientes de pagamentos indevidos a título de tributos pertencem à sociedade como um todo, de modo que a matriz pode discutir relação jurídico-tributária, pleitear restituição ou compensação relativamente a indébitos de suas filiais.

7.2.3.     Resultado final.

A matriz pode discutir relação jurídico-tributária, pleitear restituição ou compensação relativamente a indébitos de suas filiais.

8.      (I)Legalidade da antecipação do vencimento do benefício fiscal pelo art. 9º da Medida Provisória n. 690/2015

RECURSO ESPECIAL

É ilegal a antecipação do vencimento do benefício fiscal pelo art. 9º da Medida Provisória n. 690/2015, convertida na Lei n. 13.241/2015, sendo imperioso o restabelecimento da desoneração fiscal objetiva dada ao PIS e à Cofins pelos artigos 28 a 30 da Lei do Bem até o dia 31 de dezembro de 2018, nos termos do artigo 5º da Lei n. 13.097/2015, incidentes sobre a receita bruta a varejo de produtos relacionados ao Programa de Inclusão Digital.

REsp 1.725.452-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. Acd. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, por maioria, julgado em 08/06/2021. (Info 700)

8.1.  Situação FÁTICA.

SIR Computadores Ltda ajuizou ação na qual defende o direito à continuidade do benefício fiscal advindo da Lei 11.196/2005, que instituiu o Programa de Inclusão Digital, estabelecendo alíquota zero da Contribuição ao PIS e da COFINS até 31.12.2018.

Sustentou a ilegalidade da Lei 13.241/2015, que revogou o benefício fiscal antes do prazo final estabelecido na Lei 12.097/2015, qual seja 31.12.2018, para findar em 01/12/2015, ferindo a confiança depositada legitimamente pela empresa na vigência das regras, sobretudo em razão dos investimentos a longo prazo e da projeção de negócios realizada.

8.2.  Análise ESTRATÉGICA.

8.2.1.     Questão JURÍDICA.

CTN:

Art. 178 – A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104.

“Súmula 544 STF — Isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas”.

8.2.2.     Ilegal a antecipação realizada?

R: Yeaph!!!

De início, impende destacar a disciplina do Código Tributário Nacional quanto ao instituto da isenção, notadamente na modalidade condicionada e por prazo certo: Art. 178 – A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104. (Redação dada pela Lei Complementar n. 24/1975).

Não obstante a controvérsia não diga respeito à isenção, destaca-se a convergência quanto à aplicação do art. 178 do CTN à hipótese de fixação, por prazo certo e em função de determinadas condições, de alíquota zero das exações.

Com efeito, revela-se desarrazoado afastar-se a aplicação de tal dispositivo legal na hipótese da alíquota zero, pois os contribuintes, tanto no caso de isenção, quanto no de alíquota zero, encontram-se em posição equivalente no que tange ao resultado prático do alívio fiscal.

Assinale-se que a fruição da redução da alíquota a zero sujeitava a empresa varejista: (i) à restrição de fornecedores, apenas os nacionais com adoção do processo produtivo indicado pelo Poder Executivo poderiam ser contratados; e (ii) à limitação do preço de venda.

Estampadas, desse modo, as condições para a fruição da exoneração tributária, revestidas de nítido caráter oneroso, especialmente, no ambiente da economia de livre mercado. Anote-se que o Supremo Tribunal Federal, há muito, cristalizou, em sua Súmula 544, de 1969, o entendimento de que as “isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas”.

Ainda, a proteção da confiança no âmbito tributário, uma das faces do princípio da segurança jurídica, prestigiado pela norma do art. 178 do CTN, deve ser homenageada, sob pena de olvidar-se a boa-fé da contribuinte, que aderiu à política fiscal de inclusão social, concebida mediante condições onerosas para o gozo do incentivo da alíquota zero de tributos (Contribuição ao PIS e a Cofins).

Assim, a sujeição ao limite de preço, somada à restrição na contratação dos fornecedores, revela a contrapartida da empresa no que tange à ação governamental voltada à democratização do acesso aos meios digitais, porquanto esteve ela submetida ao efeito próprio da restrição à liberdade empresarial – a diminuição do lucro -, impondo a imediata readequação da estrutura do negócio, além da manutenção dessa conformação empresarial durante o longo período de vigência do incentivo.

Ademais, consistindo a previsibilidade das consequências decorrentes das condutas adotadas pela Administração outro desdobramento da segurança jurídica, como sublinhado, configura ato censurável a prematura extinção do regime de alíquota zero para tais contribuições, após sua prorrogação para novos exercícios, os quais, somados aos períodos anteriormente concedidos, ultrapassam uma década de ação indutora do comportamento dos agentes econômicos do setor, inclusive dos varejistas, com vista a beneficiar os consumidores de baixa renda.

8.2.3.     Resultado final.

É ilegal a antecipação do vencimento do benefício fiscal pelo art. 9º da Medida Provisória n. 690/2015, convertida na Lei n. 13.241/2015, sendo imperioso o restabelecimento da desoneração fiscal objetiva dada ao PIS e à Cofins pelos artigos 28 a 30 da Lei do Bem até o dia 31 de dezembro de 2018, nos termos do artigo 5º da Lei n. 13.097/2015, incidentes sobre a receita bruta a varejo de produtos relacionados ao Programa de Inclusão Digital.

DIREITO AUTORAL

9.      (Des)Obrigatoriedade do o fornecimento, a qualquer interessado, das informações relativas à participação individual de cada artista nas obras musicais coletivas

RECURSO ESPECIAL

É obrigatório o fornecimento, a qualquer interessado, das informações relativas à participação individual de cada artista nas obras musicais coletivas.

REsp 1.921.769-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/06/2021, DJe 11/06/2021. (Info 700)

9.1.  Situação FÁTICA.

Ricardo ajuizou ação de obrigação de fazer em desfavor da União Brasileira de Compositores, por meio da qual objetivava o acesso integral aos dados cadastrais das obras musicais catalogadas por esta, sob o fundamento de que realiza pesquisa para projeto de doutorado perante a Universidade Federal do Paraná na área de propriedade intelectual e de que o art. 98, § 6º e § 7º da Lei 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais) determina a publicidade das informações solicitadas (participação individual de cada artista nas obras coletivas).

A sentença julgou improcedente o pedido e o Tribunal local manteve a decisão por entender que a União Brasileira de Compositores não se submete à Lei de Acesso à Informação por não se órgão público, logo, não haveria qualquer obrigação desta em fornecer os dados solicitados.

9.2.  Análise ESTRATÉGICA.

9.2.1.     Questão JURÍDICA.

Lei n. 9.610/1998:

Art. 97. Para o exercício e defesa de seus direitos, podem os autores e os titulares de direitos conexos associar-se sem intuito de lucro.

§ 1º As associações reguladas por este artigo exercem atividade de interesse público, por determinação desta Lei, devendo atender a sua função social.  

Art. 98. Com o ato de filiação, as associações de que trata o art. 97 tornam-se mandatárias de seus associados para a prática de todos os atos necessários à defesa judicial ou extrajudicial de seus direitos autorais, bem como para o exercício da atividade de cobrança desses direitos.                  

§ 6º As associações deverão manter um cadastro centralizado de todos os contratos, declarações ou documentos de qualquer natureza que comprovem a autoria e a titularidade das obras e dos fonogramas, bem como as participações individuais em cada obra e em cada fonograma, prevenindo o falseamento de dados e fraudes e promovendo a desambiguação de títulos similares de obras.

§ 7º As informações mencionadas no § 6º são de interesse público e o acesso a elas deverá ser disponibilizado por meio eletrônico a qualquer interessado, de forma gratuita, permitindose ainda ao Ministério da Cultura o acesso contínuo e integral a tais informações.   

9.2.2.     Devem ser fornecidos os dados requeridos?

R: Yeaph!!!

De início, sobreleva-se anotar que, em análise ao teor da vigente Lei de Direitos Autorais, pode-se dizer que a gestão coletiva consiste na atividade de representação, por um terceiro, para a atividade de gestão patrimonial das obras, a fim de fiscalizar, arrecadar e distribuir os direitos autorais percebidos. Pela lei, esse terceiro deve ser uma das associações habilitadas para tanto. Assim, através de filiação, tais associações tornam-se mandatárias dos associados para a prática de todos os atos, tanto judiciais quanto extrajudiciais, principalmente no que tange às atividades de arrecadação e cobrança, repassando os valores referentes à utilização da obra musical.

Ainda que originalmente previstas na Lei n. 9.610/1998, as associações de autores receberam inegável relevância após a aprovação da Lei n. 12.853/2013, que alterou significativamente a Lei de Direitos Autorais quanto à gestão coletiva de obras.

Nesse contexto, importante salientar que a Lei n. 12.853/2013 modificou e acrescentou diversos dispositivos com o intuito de melhorar a relação entre os usuários das obras intelectuais, o ECAD, as associações e os titulares de direitos autorais. A principal atualização – e uma das mais impactantes para os titulares de direitos autorais – é a transparência na gestão.

Importante destacar, ainda, que as associações de gestão coletiva de direitos autorais, a despeito de possuírem natureza jurídica de direito privado, exercem, tal qual dispõe o art. 97, § 1º, da Lei n. 9.610/1998, atividade de interesse público, devendo atender a sua função social.

Nos termos do art. 98, § 6º, da Lei n. 9.610/1998, introduzido pela Lei n. 12.853/2013, as associações deverão manter um cadastro centralizado de todos os contratos, declarações ou documentos de qualquer natureza que comprovem a autoria e a titularidade das obras e dos fonogramas, bem como as participações individuais em cada obra e em cada fonograma, prevenindo o falseamento de dados e fraudes e promovendo a desambiguação de títulos similares de obras. Ainda, nos moldes do que dispõe o § 7º do mencionado dispositivo legal, tais informações são de interesse público e o acesso a elas deverá ser disponibilizado por meio eletrônico a qualquer interessado, de forma gratuita.

No caso, quanto à Instrução Normativa n. 3/2015 do Ministério da Cultura, concluiu o Tribunal de origem que “Da análise do § 1º do artigo 6º é possível concluir que a disponibilização do percentual de cada artista nas ‘participações individuais em cada obra e em cada fonograma’, prevista no § 6º do artigo 98 da Lei n. 9.610/1998, é restrita à Diretoria de Direitos Intelectuais e aos associados. Não se trata, portanto, de informação que deve estar disponível ao público em geral”.

Contudo, do confronto entre o disposto no art. 98, § 6º e § 7º, da Lei n. 9.610/1998 e o art. 6º, I, II, III e IV, e § 1º, da Instrução Normativa n. 3/2015 do Ministério da Cultura, pode-se constatar que a suposta incompatibilidade entre as suas redações é meramente aparente, não resistindo ante à necessidade de observância do próprio interesse público e função social das associações.

Assim, ainda que a instrução normativa não albergue expressamente a disponibilização irrestrita da informação, é bem verdade que ela também não a veda, convivendo harmonicamente com o disposto no § 7º do art. 98 da Lei de Direitos Autorais.

9.2.3.     Resultado final.

É obrigatório o fornecimento, a qualquer interessado, das informações relativas à participação individual de cada artista nas obras musicais coletivas.

DIREITO EMPRESARIAL E FALIMENTAR

10.  Créditos decorrentes de contratos a termo de moeda com vencimento após o deferimento do pedido de soerguimento e recuperação judicial

RECURSO ESPECIAL

Os créditos decorrentes de contratos a termo de moeda submetem-se aos efeitos da recuperação judicial ainda que seus vencimentos ocorram após o deferimento do pedido de soerguimento.

REsp 1.924.161-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/06/2021, DJe 11/06/2021(Info 700)

10.1.                   Situação FÁTICA.

Para evitar os riscos da flutuação da taxa de câmbio relativa ao Dólar estadunidense, Hering Fertilizantes, em momento ANTERIOR à protocolização de seu pedido de recuperação judicial, firmou diversos contratos a termo de moeda que originaram um crédito em favor do Banco Brasa.

Tais créditos não foram arrolados pelo administrador judicial como sujeitos aos efeitos do processo de soerguimento, ao argumento de que os respectivos fatos geradores ocorreram posteriormente ao pedido recuperacional.

Insatisfeita com a inferência de que se trata de créditos extraconcursais, Hering insurgiu-se quanto ao ponto, defendendo a tese de que, como aquelas avenças foram firmadas antes da deflagração do processo de recuperação, seria de rigor sua submissão ao plano.

10.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

10.2.1. Questão JURÍDICA.

Lei n. 11.101/2005:

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

§ 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

§ 4º Não se sujeitará aos efeitos da recuperação judicial a importância a que se refere o inciso II do art. 86 desta Lei.

Art. 67. Os créditos decorrentes de obrigações contraídas pelo devedor durante a recuperação judicial, inclusive aqueles relativos a despesas com fornecedores de bens ou serviços e contratos de mútuo, serão considerados extraconcursais, em caso de decretação de falência, respeitada, no que couber, a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei.

10.2.2. Tais créditos se submetem ao processo de recuperação judicial?

R: Yeaph!!!

O contrato a termo de moeda, espécie de instrumento derivativo, possibilita proteção de riscos de mercado decorrentes da variação cambial. Por meio dele, assume-se a obrigação de pagar a quantia correspondente à diferença resultante entre a taxa de câmbio contratada e a taxa de mercado da data futura estabelecida na avença.

Os contratos derivativos, de modo geral, classificam-se como contratos aleatórios, firmados com a finalidade precípua de expor as partes à alternativa recíproca de ganho ou perda, de acordo com a ocorrência de evento futuro e incerto.

É sabido que, quando do julgamento do tema repetitivo 1.051, a Segunda Seção do STJ assentou que, a existência do crédito está diretamente ligada à relação jurídica estabelecida entre credor e devedor, devendo-se levar em conta, para sua aferição, a ocorrência do respectivo fato gerador, isto é, a data da fonte da obrigação.

Tratando-se de contrato a termo de moeda, entretanto, diferentemente do que ocorre em outras espécies de negócios jurídicos, a posição de credor não se evidencia a partir do cumprimento prévio de uma obrigação pela parte contrária, sendo necessário que se aguarde o implemento da condição pactuada (taxa de câmbio futura) para que se verifique o valor devido.

Essa situação de pendência, que perdura até a data do vencimento das operações, todavia, não autoriza concluir que o fato que dá origem à obrigação de pagar a quantia apurada seja outro que não a própria contratação.

Assim, na medida em que a forma pela qual as partes irão suportar os efeitos decorrentes das operações realizadas está pactuada desde a data da celebração – restando apenas a apuração do saldo definitivo no vencimento -, bem como que a produção desses efeitos não depende da prática de qualquer outro ato, é impositivo reconhecer que a origem, a fonte, o fato gerador das correspondentes obrigações é o próprio contrato, cuja eficácia plena se manifesta desde a assinatura.

Vale registrar, outrossim, que, consoante o princípio da retroatividade da condição, a condição pactuada contratualmente, uma vez implementada, faz com que o direito correspondente seja considerado “existente desde a celebração do negócio”.

Além disso, excetuadas as hipóteses de extraconcursalidade expressamente previstas na Lei n. 11.101/2005 – art. 49, §§ 3º e 4º, p.ex. -, a não sujeição dos créditos posteriores ao pedido de soerguimento ao processo recuperacional (art. 67 da LFRE) tem como objetivo incentivar que terceiros, apesar da condição de crise enfrentada pela sociedade empresária, venham (ou continuem) a manter relações negociais com esta, conferindo, assim, efetividade ao princípio da preservação da empresa (art. 47 da LFRE) e funcionando como elemento fundamental à continuidade das atividades, à manutenção dos empregos e à satisfação dos interesses dos credores. Nesse passo, “[…] contratadas as operações de proteção ao risco cambial, por meio dos contratos NDF, antes do pedido de recuperação judicial, e não se relacionando com qualquer meio concreto de contribuição ao soerguimento da recuperanda, o crédito apurado, na data da liquidação, em favor da instituição financeira agravada, está sujeito à recuperação judicial, a teor do art. 49, caput, da Lei n. 11.101/2005”.

Entendimento em sentido diverso, convém gizar, não seria apto a garantir tratamento isonômico à totalidade dos credores de uma mesma classe, pois possibilitaria que créditos decorrentes de contratos idênticos, eventualmente celebrados numa mesma data, fossem submetidos a situações díspares (concursalidade x extraconcursalidade) simplesmente em função dos vencimentos das operações contratadas, circunstância que atentaria contra a coerência do microssistema recuperacional.

10.2.3. Resultado final.

Os créditos decorrentes de contratos a termo de moeda submetem-se aos efeitos da recuperação judicial ainda que seus vencimentos ocorram após o deferimento do pedido de soerguimento.

DIREITO REGISTRAL E URBANÍSTICO

11.  Cabimento da aquisição de imóveis particulares situados no Setor Tradicional de Planaltina/DF por usucapião

RECURSO ESPECIAL

É cabível a aquisição de imóveis particulares situados no Setor Tradicional de Planaltina/DF, por usucapião, ainda que pendente o processo de regularização urbanística.

REsp 1.818.564-DF, Rel. Min. Moura Ribeiro, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 09/06/2021 (Tema 1025) (Info 700)

11.1.                   Situação FÁTICA.

O Juízo da Vara do Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do Distrito Federal propôs Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas tendo em vista a existência de centenas de ações de usucapião ajuizadas por moradores do Setor Tradicional de Planaltina-DF, as quais não estariam recebendo, solução uniforme por parte da Justiça do Distrito Federal.

De acordo com magistrado singular, os imóveis em questão, embora situados em área particular, não têm matrícula individual nos cartórios de registros imobiliários, pois o parcelamento de fato levado a efeito na localidade teria ocorrido há mais de cinquenta anos e ainda não fora regularizado pelo Poder Público.

Ainda, em todas essas demandas, o Ministério Público do Distrito Federal e o próprio Distrito Federal têm alegado ser impossível declarar a usucapião dos imóveis sob pena de usurpação da função de planejamento e regularização urbanística da Administração.

11.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

11.2.1. Questão JURÍDICA.

Constituição Federal:

Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. 

11.2.2. Cabe a aquisição por meio de usucapião?

R: Com certeza!!

Tem-se, inicialmente, que a possibilidade de registro da sentença declaratória da usucapião não é pressuposto ao reconhecimento do direito material em testilha, o qual se funda, essencialmente, na posse ad usucapionem e no decurso do tempo.

A propósito da questão da regularização fundiária, a doutrina esclarece que ela compreende três dimensões: (a) a dimensão urbanística, relacionada aos investimentos necessários para melhoria das condições de vida da população; (b) a dimensão jurídica, que diz respeito aos instrumentos que possibilitam a aquisição da propriedade nas áreas privadas e o reconhecimento da posse nas áreas públicas; e (c) a dimensão registrária, com o lançamento nas respectivas matrículas da aquisição destes direitos, a fim de atribuir eficácia para todos os efeitos da vida civil.

Não há, portanto, como negar o direito à usucapião sob o pretexto de que o imóvel está inserido em loteamento irregular, porque o direito de propriedade declarado pela sentença (dimensão jurídica) não se confunde com a certificação e publicidade que emerge do registro (dimensão registrária) ou com a regularidade urbanística da ocupação levada a efeito (dimensão urbanística).

O reconhecimento da usucapião não impede a implementação de políticas públicas de desenvolvimento urbano. Muito ao revés, constitui, em várias hipóteses, o primeiro passo para restabelecer a regularidade da urbanização.

No mesmo sentido, o Pleno do STF, ao julgar o RE 422.349/RS, sob a relatoria do Ministro Dias Toffoli, fixou a tese de que preenchidos os requisitos do art. 183 da Constituição Federal, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que situado o imóvel (dimensão do lote).

Admitindo-se que aquele não era o único imóvel da região com metragem inferior ao módulo mínimo legal, parece razoável sustentar que o STF, ao fim e ao cabo, reconheceu a possibilidade de usucapião de glebas inseridas em loteamentos não regularizados.

Nesse contexto, é preciso ter em mente que Poder Público não faz favor nenhum quando promove a regularização de áreas ocupadas irregularmente. Muito pelo contrário, limita-se a desempenhar uma obrigação que lhe foi expressamente confiada pela CF. Admitindo-se que a regularização fundiária concorre para a segurança, saúde e bem estar da população e, bem assim, que esses são deveres essenciais do Estado, nada mais lógico do que concluir que a Administração Pública tem o dever de promover a regularização fundiária.

Não parece acertado assumir como linha de princípio que que as ocupações irregulares do solo atentem, todas elas, contra o interesse público. Muito ao revés, o que atenta contra o interesse público é a inércia do Estado em promover e disciplinar a ocupação do solo.

No caso, essa omissão estatal é mais do que flagrante. A ocupação da área está sedimentada há décadas e contou com a anuência implícita do Poder Público, que fingiu não ter visto nada, tolerou durante todos esses anos e ainda providenciou a instalação de vários serviços e equipamentos públicos, como pavimentação de ruas, iluminação pública, linhas de ônibus, praça pública, posto do DETRAN; etc. Não por outro motivo, a região é conhecida como Setor Tradicional de Planaltina, o que bem denota a idade do parcelamento do solo.

11.2.3. Resultado final.

É cabível a aquisição de imóveis particulares situados no Setor Tradicional de Planaltina/DF, por usucapião, ainda que pendente o processo de regularização urbanística.

DIREITO PENAL

12.  Sucessivas revisões dos quantitativos máximos de receita bruta para enquadramento como ME ou EPP e crimes de inserção de informação falsa em documento público

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL

As sucessivas revisões dos quantitativos máximos de receita bruta para enquadramento como ME ou EPP, da Lei Complementar n. 123/2006, para fazer frente à inflação, não descaracterizam crimes de inserção de informação falsa em documento público, para fins de participação em procedimento licitatório, cometidos anteriormente.

AREsp 1.526.095-RJ, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 08/06/2021(Info 700)

12.1.                   Situação FÁTICA.

O Ministério Público ofereceu denúncia em face dos sócios de empresas participantes de licitações, imputando-lhes a prática do delito previsto no art. 90 da Lei 8.666/1993. Conforme o MP, as sociedades empresárias apresentaram declarações falsas para que pudessem participar de licitação restrita a microempresas e empresas de pequeno porte (ME/EPP), mesmo sem se enquadrarem nesta condição.

No entanto, o magistrado singular os absolveu sumariamente, por entender que a Lei Complementar 139/2011, ao elevar os valores máximos para fins de caracterização como ME ou EPP, teria eficácia retroativa. Deste modo, como as receitas brutas das duas sociedades empresárias eram inferiores aos novos limites legais, restaria superada a anterior falsidade de suas declarações.

12.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

12.2.1. Questão JURÍDICA.

Lei Complementar n. 123/2006:

Art. 3º Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte, a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que:

I – no caso da microempresa, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais); e

II – no caso de empresa de pequeno porte, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais). 

CF/1998:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239. 

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País

Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.

12.2.2. As revisões dos valores para enquadramento como ME/EPP descaracterizam o crime?

R: Nana-nina-NÃO!!!

No caso, a licitação na qual competiram as sociedades empresárias era restrita àquelas enquadráveis como ME ou EPP, nos termos da Lei Complementar n. 123/2006, segundo os limites de receita bruta indicados no art. 3º do referido diploma.

O texto normativo foi alterado pela Lei Complementar n. 139/2011.

É necessário lembrar que a previsão de tratamento mais benéfico às MEs e EPPs tem a finalidade constitucional (ex vi dos arts. 146, III, “d”, 170, IX, e 179 da CF/1998) de criar um ambiente jurídico favorável aos empreendimentos que, por seu tamanho reduzido, não detém a estrutura para competir em condições de igualdade com todos os gigantes do mercado.

A forma encontrada pela legislação para tornar objetiva esta condição foi a fixação de um limite de receita bruta, em dinheiro, e como tal suscetível às variações inflacionárias. A propósito, a atualização do teto de receita bruta das EPPs, dos R$ 2.400.000,00 fixados em 2006 para os R$ 3.600.000,00 da Lei Complementar n. 139/2011, corresponde a pouco mais do que a inflação acumulada no período (30,78%, conforme o IPCA).

Esta constatação é fundamental, porque demonstra que as sucessivas revisões dos quantitativos máximos da Lei Complementar n. 123/2006, para fazer frente à inflação, não se aplicam a anos anteriores – ainda que para fins criminais -, sob pena de instituir uma grave distorção concorrencial e atentar contra os próprios objetivos do Estatuto. Afinal, a obtenção de uma receita bruta de R$ 3.600.000,00 no ano de 2012 representa, na prática, um poder aquisitivo menor do que o auferimento, em 2011, do mesmo montante.

No caso, a acusação não diz que as duas empresas não são, hoje, MEs ou EPPs, mas sim que, no específico ano-calendário de 2011, não tinham essa qualificação, falsamente atestada por seus dirigentes. Como se percebe, alterações legais posteriores são incapazes de modificar a dinâmica fática já ocorrida, porque a conduta delitiva imputada aos réus é a falsa declaração de uma situação fático-jurídica então inexistente. Uma modificação legislativa que dê novo enquadramento ao atual regime das empresas não muda o fato de que, em 2011, a informação prestada à Administração Pública foi, em tese, falsa.

12.2.3. Resultado final.

As sucessivas revisões dos quantitativos máximos de receita bruta para enquadramento como ME ou EPP, da Lei Complementar n. 123/2006, para fazer frente à inflação, não descaracterizam crimes de inserção de informação falsa em documento público, para fins de participação em procedimento licitatório, cometidos anteriormente.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

13.  Competência para processar e julgar o crime de esbulho possessório de imóvel vinculado ao Programa Minha Casa Minha Vida

CONFLITO DE COMPETÊNCIAS

Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime de esbulho possessório de imóvel vinculado ao Programa Minha Casa Minha Vida.

CC 179.467-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 09/06/2021 (Info 700)

13.1.                   Situação FÁTICA.

Joana teve sua casa invadida por traficantes que a expulsaram da moradia mediante ameaças. Ocorre que o imóvel havia sido financiado através do Programa Minha Casa Minha Vida.

Ao receber a denúncia, o Juiz de Direito, acolhendo a manifestação do Ministério Público estadual, declinou de sua competência para a análise do crime de esbulho possessório (art. 161, § 3.º, do Código Penal) para Justiça Federal. Entendeu que, por ser o imóvel objeto do Programa Minha Casa Minha Vida, implementado pela Caixa Econômica Federal, sendo objeto de contrato de mútuo entre Joana e essa Instituição financeira, haveria interesse federal.

Porém, o Juiz Federal se declarou incompetente e suscitou o conflito de competência, afirmando que o crime de esbulho possessório teria por objeto jurídico a proteção da posse e que, nesse caso, a vítima seria o devedor fiduciário e não a instituição financeira, motivo pelo qual inexistiria prejuízo direto para a Caixa Econômica Federal.

13.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

13.2.1. Questão JURÍDICA.

Código Penal:

Art. 161 – Suprimir ou deslocar tapume, marco, ou qualquer outro sinal indicativo de linha divisória, para apropriar-se, no todo ou em parte, de coisa imóvel alheia:

Esbulho possessório

II – invade, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio, para o fim de esbulho possessório.

Lei n. 9.514/1997:

Art. 23. Constitui-se a propriedade fiduciária de coisa imóvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título.

Parágrafo único. Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel.

Código de Processo Civil:

Art. 560. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado em caso de esbulho.

CF/88:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

IV – os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;

Lei n. 11.977/2009:

Art. 2o  Para a implementação do PMCMV, a União, observada a disponibilidade orçamentária e financeira

I – concederá subvenção econômica ao beneficiário pessoa física no ato da contratação de financiamento habitacional;

Art. 6o  A subvenção econômica de que trata o inciso I do art. 2o será concedida no ato da contratação da operação de financiamento, com o objetivo de

I – facilitar a aquisição, produção e requalificação do imóvel residencial;

II – complementar o valor necessário a assegurar o equilíbrio econômico-financeiro das operações de financiamento realizadas pelas entidades integrantes do Sistema Financeiro da Habitação – SFH, compreendendo as despesas de contratação, de administração e cobrança e de custos de alocação, remuneração e perda de capital.

13.2.2. A quem compete julgar?

R: JUSTIÇA FEDERAL!!!

O art. 161, inciso II, do Código Penal, incrimina a conduta de invadir terreno ou edifício alheio, para o fim de esbulho possessório, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas. O crime de esbulho possessório pressupõe uma ação física de invadir um terreno ou edifício alheio, no intuito de impedir a utilização do bem pelo seu possuidor. Portanto, tão-somente aquele que tem a posse direta do imóvel pode ser a vítima, pois é quem exercia o direito de uso e fruição do bem.

No que diz respeito ao contrato de alienação fiduciária, o art. 23, parágrafo único, da Lei n. 9.514/1997, estabelece que “[c]om a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel.”

Assim, na hipótese de imóvel alienado fiduciariamente, enquanto o devedor fiduciário permanecer na posse direta do bem, tão-somente ele pode ser vítima do crime de esbulho possessório. Apenas se, por alguma razão, passar o credor fiduciário a ter a posse direta do bem é que será ele a vítima.

Entretanto, o fato de o credor fiduciário não ser a vítima do crime, não retira o seu interesse jurídico no afastamento do esbulho ocorrido, uma vez que o possuidor indireto, no âmbito cível, da mesma forma que o possuidor direto, possui legitimidade para propor a ação de reintegração de posse, prevista no art. 560 do atual Código de Processo Civil, cuidando-se de hipótese de legitimação ativa concorrente.

No caso, além da vítima do crime de esbulho possessório, ou seja, a possuidora direta e devedora fiduciária, a Caixa Econômica Federal, enquanto credora fiduciária e possuidora indireta, também possui legitimidade para, no âmbito cível, propor eventual ação de reintegração de posse do imóvel esbulhado. Essa legitimação ativa concorrente da empresa pública federal, embora seja na esfera civil, é suficiente para evidenciar a existência do seu interesse jurídico na apuração do referido delito. E, nos termos do art. 109, inciso IV, da Constituição da República, a existência de interesse dos entes nele mencionados, é suficiente para fixar a competência penal da Justiça Federal.

Há, ainda, outro aspecto da situação em exame, que evidencia a existência de interesse jurídico, agora da União, e que também instaura a competência federal, nos termos do artigo mencionado.

Com efeito, o imóvel objeto do esbulho foi adquirido pela vítima, no âmbito do programa governamental “Minha Casa Minha Vida”, criado pela Lei n. 11.977/2009. Nele, nos termos do arts. 2.º, inciso I, e 6.º da referida Lei, os imóveis são subsidiados pela União, a qual efetiva parte do pagamento do bem, com recursos orçamentários, no momento da assinatura do contrato com o agente financeiro.

Saliente-se que o fato de o bem ter sido adquirido, em parte, com recursos orçamentários federais, não leva à permanência do interesse da União, ad aeternum, na apuração do crime de esbulho possessório em que o imóvel esbulhado tenha sido adquirido pelo Programa Minha Casa Minha Vida. Contudo, ao menos enquanto estiver o imóvel vinculado ao mencionado Programa, ou seja, quando ainda em vigência o contrato por meio do qual houve a sua compra e no qual houve o subsídio federal, persiste o interesse da União.   

13.2.3. Resultado final.

Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime de esbulho possessório de imóvel vinculado ao Programa Minha Casa Minha Vida.

Jean Vilbert

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