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Sumário
1. Licitação e percentual mínimo referente à taxa de administração.. 3
2. Ausência de notificação prévia e prazo decadencial para exercício do direito de preferência. 5
3. Ofensa a direito brasileiro em aplicação hospedada no estrangeiro e competência. 8
5. Pedido de indenização por perdas e danos em geral e teoria da perda de uma chance. 13
11. Validade da “taxa de conveniência” em intermediação de venda de ingressos. 30
13. Importação de pequena quantidade de sementes de maconha e tipicidade. 33
14. Demonstração de prejuízo e nulidade pela não observação do art. 400 do CPP. 38
15. Pacote anticrime e aplicabilidade retroativa do acordo de não persecução penal 41
PARA TESTAR SEU CONHECIMENTO… 45
17.1. Questões objetivas: CERTO ou ERRADO. 45
RECURSO ESPECIAL
Os editais de licitação ou pregão não podem conter cláusula prevendo percentual mínimo referente à taxa de administração, sob pena de ofensa ao artigo 40, inciso X, da Lei n. 8.666/1993.
REsp 1.840.113-CE, Rel. Min. Og Fernandes, Primeira Seção, por maioria, julgado em 23/09/2020, DJe 23/10/2020 (Tema 1038)
Estado do Ceará publicou edital de licitação que previa o limite mínimo de 1% para a taxa de administração no Pregão Presencial. A empresa Thompson Ltda impetrou mandado de segurança pleiteando a suspensão da cláusula que previa tal limite mínimo. A segurança foi concedida e em reexame necessário, foi mantida pelo Tribunal de Justiça local.
Inconformado, o ente federativo interpôs recurso especial no qual sustentou a ausência de irregularidades na cláusula editalícia que estipula percentual mínimo de cotação da Taxa de Administração.
Cinge-se a controvérsia em definir se o ente público pode estipular cláusula editalícia em licitação/pregão prevendo percentual mínimo referente à taxa de administração, como forma de resguardar-se de eventuais propostas, em tese, inexequíveis.
Lei n. 8.666/1993:
Art. 3o A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.
Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:
X – o critério de aceitabilidade dos preços unitário e global, conforme o caso, permitida a fixação de preços máximos e vedados a fixação de preços mínimos, critérios estatísticos ou faixas de variação em relação a preços de referência, ressalvado o disposto nos parágrafos 1º e 2º do art. 48;
Art. 48. Serão desclassificadas:
§ 1º Para os efeitos do disposto no inciso II deste artigo consideram-se manifestamente inexequíveis, no caso de licitações de menor preço para obras e serviços de engenharia, as propostas cujos valores sejam inferiores a 70% (setenta por cento) do menor dos seguintes valores:
a) média aritmética dos valores das propostas superiores a 50% (cinquenta por cento) do valor orçado pela administração, ou
b) valor orçado pela administração.
§ 2º Dos licitantes classificados na forma do parágrafo anterior cujo valor global da proposta for inferior a 80% (oitenta por cento) do menor valor a que se referem as alíneas “a” e “b”, será exigida, para a assinatura do contrato, prestação de garantia adicional, dentre as modalidades previstas no § 1º do art. 56, igual a diferença entre o valor resultante do parágrafo anterior e o valor da correspondente proposta.
R: NÃO.
A fixação de percentual mínimo de taxa de administração em edital de licitação/pregão fere expressamente a norma contida no inciso X do art. 40 da Lei n. 8.666/1993, que veda “a fixação de preços mínimos, critérios estatísticos ou faixas de variação em relação a preços de referência”. A própria Lei de Licitações, a exemplo dos §§ 1º e 2º do art. 48, prevê outros mecanismos de combate às propostas inexequíveis em certames licitatórios, permitindo que o licitante preste garantia adicional, tal como caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública, seguro-garantia e fiança bancária.
Sendo o objetivo da licitação selecionar a proposta MAIS VANTAJOSA para a Administração – consoante expressamente previsto no art. 3º da Lei n. 8.666/1993 -, a fixação de um preço mínimo atenta contra esse objetivo, especialmente considerando que um determinado valor pode ser inexequível para um licitante, porém exequível para outro.
Deve a Administração Pública, portanto, buscar a proposta mais vantajosa; em caso de dúvida sobre a exequibilidade, ouvir o respectivo licitante; e, sendo o caso, exigir-lhe a prestação de garantia. É o que dispõe a Súmula 262/TCU: “O critério definido no art. 48, inciso II, § 1º, alíneas ‘a’ e ‘b’, da Lei n. 8.666/1993 conduz a uma presunção relativa de inexequibilidade de preços, devendo a Administração dar à licitante a oportunidade de demonstrar a exequibilidade da sua proposta.”Cuida-se a escolha da taxa de administração de medida compreendida na área negocial dos interessados, a qual fomenta a competitividade entre as empresas que atuam nesse mercado, em benefício da obtenção da melhor proposta pela Administração Pública.
Portanto, a interpretação mais adequada da Lei n. 8.666/1993, especialmente dos arts. 40, inciso X, e 48, §§ 1º e 2º, conduz à conclusão de que o ente público NÃO pode estipular cláusula editalícia em licitação/pregão prevendo percentual mínimo referente à taxa de administração, havendo outros mecanismos na legislação aptos a resguardar a Administração Pública de eventuais propostas inexequíveis.
Os editais de licitação ou pregão não podem conter cláusula prevendo percentual mínimo referente à taxa de administração, sob pena de ofensa ao artigo 40, inciso X, da Lei n. 8.666/1993.
RECURSO ESPECIAL
O prazo decadencial do exercício do direito de preferência por condômino, na ausência de prévia notificação, inicia-se com o registro da escritura pública de compra e venda da fração ideal da coisa comum indivisa.
REsp 1.628.478-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 03/11/2020, DJe 17/11/2020
José e Sílvia ajuizaram ação anulatória de negócio jurídico cumulada com declaratória de direito de preferência em desfavor de Salsa Empreendimentos LTDA visando a desconstituição da venda realizada pela ré de fração de imóvel indiviso de que são coproprietários os autores, exercendo, ademais, o seu direito de preferência.
O Juízo de primeiro grau proferiu sentença de improcedência dos pedidos, mas a sentença foi reformada na apelação, determinando-se a expedição de mandado de registro de aquisição da cota-parte indivisa em prol dos autores.
Inconformada, Salsa interpôs recurso especial no qual sustentou que fora devidamente realizada a notificação aos demais condôminos autores necessária ao exercício do direito de preferência da cota-parte da coisa indivisa, porém entende prescindível a sua efetivação através de notificação formal, visto que a lei não exige forma específica para a consecução do ato.
CC/2002:
Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.
Art. 215. A escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena.
§ 1 o Salvo quando exigidos por lei outros requisitos, a escritura pública deve conter:
IV – manifestação clara da vontade das partes e dos intervenientes;
Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de decadência.
Parágrafo único. Sendo muitos os condôminos, preferirá o que tiver benfeitorias de maior valor e, na falta de benfeitorias, o de quinhão maior. Se as partes forem iguais, haverão a parte vendida os comproprietários, que a quiserem, depositando previamente o preço.
Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
Lei n. 8.245/1991:
Art. 27. No caso de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento, o locatário tem preferência para adquirir o imóvel locado, em igualdade de condições com terceiros, devendo o locador dar – lhe conhecimento do negócio mediante notificação judicial, extrajudicial ou outro meio de ciência inequívoca.
Parágrafo único. A comunicação deverá conter todas as condições do negócio e, em especial, o preço, a forma de pagamento, a existência de ônus reais, bem como o local e horário em que pode ser examinada a documentação pertinente.
Lei n. 6.015/1973:
Art. 172 – No Registro de Imóveis serão feitos, nos termos desta Lei, o registro e a averbação dos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintos de direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei, ” inter vivos” ou ” mortis causa” quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para a sua disponibilidade.
R: SIM.
Nos termos do art. 504 do CC/2002, é garantido ao condômino o direito de preferência na aquisição de fração ideal de coisa comum indivisa, em iguais condições ofertadas ao terceiro estranho à relação condominial, desde que o exerça no prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da ciência.
Tal conhecimento deve ser possibilitado pelo coproprietário alienante, em decorrência de imposição legal, através de prévia notificação, judicial, extrajudicial ou outro meio que confira aos demais comunheiros ciência inequívoca da venda e dos termos do negócio, consoante o previsto nos arts. 107 do CC/2002 e 27, in fine, da Lei n. 8.245/1991, este último aplicado por analogia.
Em relação à notificação, saliente-se que esta deve ser, em regra, judicial ou extrajudicial, de modo expresso e com comprovante de recebimento, a fim de demonstrar a inequívoca ciência, por parte dos outros condôminos, da intenção de venda.
Nada impede, contudo, que, nos termos do art. 107 do CC/2002, o conhecimento aos outros consortes se dê por meios INFORMAIS, uma vez que a lei não prevê forma específica para tal ato, muito embora se entreveja certa dificuldade de se comprovar a ciência inequívoca mediante outra prova que não seja a documental.
No caso, o direito de preferência só foi oportunamente exercido após o aperfeiçoamento da venda da fração ideal do imóvel comum indiviso com a celebração da escritura pública de compra e venda e o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
A escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena das informações que nela contiverem, nos termos do art. 215, caput, do CC/2002, sobretudo com a manifestação clara de vontade das partes e dos intervenientes (art. 215, § 1º, IV, do CC/2002). Essa formalidade, enfatiza-se, deve ser observada na compra e venda de imóveis, em regra, segundo estabelece o art. 108 do diploma substantivo.
Além disso, pontua-se que a perfectibilização do negócio, com a transferência da propriedade imobiliária, pressupõe o registro do título translativo no Cartório de Registro de Imóveis (art. 1.245 do CC/2002, c/c o art. 172 da Lei n. 6.015/1973), ocasião em que produzirá efeitos erga omnes, alcançando terceiros, notadamente em virtude do atributo da publicidade.
Desdobramentos: (1) enquanto não registrado o título, a avença produz efeitos apenas em relação àqueles que dela participaram; (2) realizado o registro, tais efeitos atingem toda a sociedade.
Diante disso, outra não pode ser a conclusão senão aquela em que a ausência de comunicação prévia aos demais coproprietários, pelo condômino alienante, acerca da venda do seu quinhão do imóvel comum indiviso ao terceiro estranho à relação condominial, é suprida pelo registro da escritura pública de compra e venda, iniciando-se, a partir daí, o transcurso do prazo decadencial do direito de preferência, porquanto presumida a ciência do negócio, nos limites das informações constantes do título levado a registro.
O prazo decadencial do exercício do direito de preferência por condômino, na ausência de prévia notificação, inicia-se com o registro da escritura pública de compra e venda da fração ideal da coisa comum indivisa.
RECURSO ESPECIAL
Em caso de ofensa ao direito brasileiro em aplicação hospedada no estrangeiro, é possível a determinação judicial, por autoridade brasileira, de que tal conteúdo seja retirado da internet e que os dados do autor da ofensa sejam apresentados à vítima.
REsp 1.745.657-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 03/11/2020, DJe 19/11/2020
Luiz ajuizou de obrigação de fazer ajuizada em face da Microsoft LTDA, por meio da qual requereu o fornecimento dos registros de acesso do titular do endereço de certo e-mail, utilizado para a veiculação de ofensas e ameaças contra o autor.
O pedido foi deferido e fixada multa em caso de descumprimento pela ré. Ocorre que Microsoft optou por não cumprir a determinação judicial e tampouco realizou os depósitos para o pagamento das astreintes.
Em agravo de instrumento, o Tribunal de Justiça local manteve as decisões do juízo de primeiro grau. Inconformada, Microsoft interpôs recurso especial no qual sustentou violação ao art. 11 do Marco civil da Internet e o reconhecimento da incompetência da justiça brasileira para a determinação de fornecimento dos dados solicitados pelos recorridos.
Lei n. 12.965/2014:
Art. 11. Em qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet em que pelo menos um desses atos ocorra em território nacional, deverão ser obrigatoriamente respeitados a legislação brasileira e os direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e dos registros.
R: SIM.
Em conflitos transfronteiriços na internet, a autoridade responsável deve atuar de forma prudente, cautelosa e autorrestritiva, reconhecendo que a territorialidade da jurisdição permanece sendo a regra, cuja EXCEÇÃO somente pode ser admitida quando atendidos, cumulativamente, os seguintes critérios:
Quando a alegada atividade ilícita tiver sido praticada pela internet, independentemente de foro previsto no contrato de prestação de serviço, ainda que no exterior, é competente a autoridade judiciária brasileira caso acionada para dirimir o conflito, pois aqui tem domicílio a autora e é o local onde houve acesso ao sítio eletrônico onde a informação foi veiculada, interpretando-se como ato praticado no Brasil.
É necessário afastar qualquer ideia da internet como um “porto seguro” ou “zona franca” contra a aplicação do direito estatal, na hipótese, do direito brasileiro. De fato, é um equívoco imaginar que qualquer aplicação hospedada fora do Brasil não possa ser alcançada pela jurisdição nacional ou que as leis brasileiras não sejam aplicáveis às suas atividades.
É evidente que, se há ofensa ao direito brasileiro em aplicação hospedada no estrangeiro (por exemplo, uma ofensa veiculada contra residente no Brasil em rede social), pode ocorrer a determinação judicial de que tal conteúdo seja retirado da internet e que os dados do autor da ofensa sejam apresentados à vítima. Não fosse assim, bastaria a qualquer pessoa armazenar informações lesivas em países longínquos para não responder por seus atos danosos.
Com base no art. 11 do Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/2014), tem-se a aplicação da lei brasileira sempre que qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet ocorra em território nacional, mesmo que apenas um dos dispositivos da comunicação esteja no Brasil e mesmo que as atividades sejam feitas por empresa com sede no estrangeiro.
Em caso de ofensa ao direito brasileiro em aplicação hospedada no estrangeiro, é possível a determinação judicial, por autoridade brasileira, de que tal conteúdo seja retirado da internet e que os dados do autor da ofensa sejam apresentados à vítima.
RECURSO ESPECIAL
Incumbe exclusivamente ao estipulante o dever de prestar informação prévia ao segurado a respeito das cláusulas limitativas/restritivas nos contratos de seguro de vida em grupo.
REsp 1.825.716-SC, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 27/10/2020, DJe 12/11/2020
Cinge-se a controvérsia em definir o alcance da responsabilidade do dever de informação prévia pelo estipulante a respeito das cláusulas limitativas/restritivas nos contratos de seguro de vida em grupo.
R: AO ESTIPULANTE.
Encontrando-se o contrato de seguro de vida indiscutivelmente sob o influxo do Código de Defesa do Consumidor, dada a ASSIMETRIA da relação jurídica estabelecida entre segurado e segurador, a implementação do dever de informação prévia dá-se de modo particular e distinto conforme a modalidade da contratação, se “individual” ou se “em grupo”.
A contratação de seguro de vida coletivo pressupõe a existência de anterior vínculo jurídico (que pode ser de cunho trabalhista ou associativo) entre o tomador do seguro (a empresa ou a associação estipulante) e o grupo de segurados (trabalhadores ou associados).
O estipulante (tomador do seguro), com esteio em vínculo jurídico anterior com seus trabalhadores ou com seus associados, celebra contrato de seguro de vida coletivo diretamente com o segurador, representando-os e assumindo, por expressa determinação legal, a responsabilidade pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais perante o segurador.
O segurador, por sua vez, tem por atribuição precípua garantir os interesses do segurado, sempre que houver a implementação dos riscos devidamente especificados no contrato de seguro de vida em grupo, cuja abrangência, por ocasião da contratação, deve ter sido clara e corretamente informada ao estipulante, que é quem celebra o contrato de seguro em grupo.
O grupo de segurados é composto pelos usufrutuários dos benefícios ajustados, assumindo suas obrigações para com o estipulante, sobretudo o pagamento do prêmio, a ser repassado à seguradora.
Parte | Posição |
ESTIPULANTE | Tomador, empresa contratante que oferecerá o plano a seus funcionários (representante). |
SEGURADORA | Garantidora dos interesses dos segurados. |
BENEFICIÁRIOS | Trabalhador ou associado que podem aderir aos termos da apólice de seguro de vida em grupo já contratada pelo estipulante. |
É relevante perceber que, por ocasião da contratação do seguro de vida coletivo, não há, ainda, um grupo definido de segurados. A condição de segurado dar-se-á, voluntariamente, em momento posterior à efetiva contratação, ou seja, em momento em que as bases contratuais, especificamente quanto à abrangência da cobertura e dos riscos dela excluídos, já foram definidas pelo segurador e aceitas pelo estipulante.
Como decorrência do princípio da boa-fé contratual, é imposto ao SEGURADOR, antes e por ocasião da contratação da apólice coletiva de seguro, o dever legal de conceder todas as informações necessárias à sua perfectibilização ao ESTIPULANTE, que é quem efetivamente celebra o contrato em comento.
Inexiste, ao tempo da contratação do seguro de vida coletivo – e muito menos na fase pré-contratual – qualquer interlocução direta da seguradora com os segurados, individualmente considerados, notadamente porque, nessa ocasião, não há, ainda, nem sequer definição de quem irá compor o grupo dos segurados.
Somente em momento posterior à efetiva contratação do seguro de vida em grupo, caberá ao trabalhador ou ao associado avaliar a conveniência e as vantagens de aderir aos termos da apólice de seguro de vida em grupo já contratada. A esse propósito, afigura-se indiscutível a obrigatoriedade legal de bem instruir e informar o pretenso segurado sobre todas as informações necessárias à tomada de sua decisão de aderir à apólice de seguro de vida contratada.
Essa obrigação legal de informar o pretenso segurado previamente à sua adesão, contudo, deve ser atribuída exclusivamente ao estipulante, justamente em razão da posição jurídica de representante dos segurados, responsável que é pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais assumidas perante o segurador.
Para o adequado tratamento da questão posta, mostra-se relevante o fato de que não há, também nessa fase contratual, em que o segurado adere à apólice de seguro de vida em grupo, nenhuma interlocução da seguradora com este, ficando a formalização da adesão à apólice coletiva restrita ao estipulante e ao proponente.
Incumbe exclusivamente ao estipulante o dever de prestar informação prévia ao segurado a respeito das cláusulas limitativas/restritivas nos contratos de seguro de vida em grupo.
RECURSO ESPECIAL
Havendo pedido de indenização por perdas e danos em geral, pode o juiz reconhecer a aplicação da perda de uma chance sem que isso implique em julgamento fora da pretensão autoral.
REsp 1.637.375-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 17/11/2020, DJe 25/11/2020
Hardcontrol LTDA ajuizou ação de reparação GENÉRICA por danos materiais contra Dr. Creisson postulando o pagamento da quantia de R$ 35.587,37 pela perda de prazo para apresentar embargos monitórios.
O magistrado de primeiro grau julgou parcialmente procedente o pedido para condenar o ora recorrente ao pagamento de indenização no valor de R$ 7.880,00 pela PERDA DE UMA CHANCE (de recorrer e quem sabe levar).
Inconformado, Dr. Creisson interpôs recurso especial no qual sustentou que houve julgamento extra petita, pois as instâncias ordinárias não poderiam acolher a tese de responsabilização por perda de uma chance sem o requerimento expresso na petição inicial.
Cinge-se a controvérsia dos autos em a definir se houve julgamento extra petita decorrente da condenação pela perda de uma chance e também em verificar a existência de dano decorrente da perda de prazo para oposição de defesa em ação monitória
Código de Processo Civil de 1973:
Art. 128. O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte.
Art. 460. É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que Ihe foi demandado.
R: NÃO.
Pela aplicação do princípio da CONGRUÊNCIA ou da ADSTRIÇÃO, cabe ao magistrado decidir a lide dentro dos limites fixados pelas partes, conforme estabelecem os arts. 128 e 460 do Código de Processo Civil de 1973.
A decisão judicial deve se limitar, como regra geral, ao pedido formulado pelo autor na petição inicial, e, se tal comando não for observado, a sentença será ultra, extra ou infra (ou citra) petita, ou seja, terá julgado além, fora ou menos do que o postulado.
Vício | Caracterização |
Citra petita | Não examina em toda a sua amplitude o pedido formulado na inicial. |
Ultra petita | Vai além do pedido do autor, dando mais do que fora pedido. |
Extra petita | A providência jurisdicional deferida é diversa da que fora postulada. |
Como causa de pedir, a demandante destaca a oposição intempestiva dos embargos monitórios e a ausência de informações quanto à revelia decretada nos autos, levando ao andamento de demanda temerária e impossibilitando, inclusive, a viabilidade de acordo judicial para pôr fim ao processo.
Dessa forma, por mais que não se tenha falado expressamente acerca da perda de uma chance, a situação fática narrada leva o julgador a compreender que o dano decorreu de uma atuação que poderia ter sido evitada se o advogado tivesse sido diligente na atuação do processo.
Diante disso, é nítido que a causa de pedir, no caso, faz referência à perda da chance de sair vencedor na ação monitória ou, pelo menos, de reduzir os efeitos de eventual procedência dos pedidos autorais. A conduta de não observar o prazo para apresentar defesa em autos judiciais equivale à perda da chance de obter uma situação mais favorável na demanda judicial.
Ademais, a postulação na demanda é de indenização por danos materiais, tanto que o autor esclareceu, como exige a legislação processual civil, a extensão da lesão provocada pelo advogado e o valor do ressarcimento pretendido.
Diferentemente é o caso do Recurso Especial n. 1.190.180-RS, no qual o STJ assentou a ocorrência de julgamento extra petita na hipótese em que o autor formula indenização por danos MATERIAIS e a sentença, ao aplicar a teoria da perda de uma chance, condena o réu a pagar a reparação por DANOS morais.
Nesse aspecto, ainda cabe ressaltar que os pedidos formulados devem ser examinados a partir de uma interpretação lógico-sistemática, não podendo o magistrado se esquivar da análise ampla e detida da relação jurídica posta, mesmo porque a obrigatória adstrição do julgador ao pedido expressamente formulado pelo autor pode ser mitigada em observância aos brocardos da mihi factum dabo tibi ius (dá-me os fatos que te darei o direito) e iura novit curia (o juiz é quem conhece o direito).
Assim, inexiste o alegado julgamento extra petita, pois o autor postulou indenização por danos materiais e as instâncias ordinárias condenaram o réu em conformidade com o pedido, apenas concedendo a reparação em menor extensão.
Havendo pedido de indenização por perdas e danos em geral, pode o juiz reconhecer a aplicação da perda de uma chance sem que isso implique em julgamento fora da pretensão autoral.
RECURSO ESPECIAL
Não é cabível a suspensão do cumprimento de sentença contra cooperativa em regime de liquidação extrajudicial para além do prazo de um ano, prorrogável por mais um ano, previsto no art. 76 da Lei n. 5.764/1971.
REsp 1.833.613-DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 17/11/2020, DJe 20/11/2020
Eduardo e Mônica integram a cooperativa habitacional CooperHouses, tendo celebrado com esta contrato de promessa de compra e venda de unidade habitacional, com previsão de entrega das obras em dezembro de 2007. As referidas obras não foram concluídas, tendo o casal ajuizado ação contra a cooperativa pleiteando a restituição dos valores pagos e indenização por lucros cessantes.
Ocorre que, no curso do cumprimento de sentença, o juízo de origem decidiu suspender o processo para aguardar o desfecho da liquidação extrajudicial da cooperativa — procedeu a uma interpretação extensiva dessa regra, autorizando a suspensão do processo para além do limite legal de dois anos. Tal decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça local. Inconformado, o casal interpôs recurso especial no qual sustentou a impossibilidade de suspensão da execução por prazo indeterminado, bem como o descabimento da suspensão da execução de ofício.
Cinge-se a controvérsia em torno da suspensão de um cumprimento de sentença contra uma cooperativa em regime de liquidação extrajudicial para além do prazo de um ano, prorrogável por mais um ano, previsto no art. 76 da Lei 5.764/1971.
Lei n. 5.764/1971:
Art. 76. A publicação no Diário Oficial, da ata da Assembléia Geral da sociedade, que deliberou sua liquidação, ou da decisão do órgão executivo federal quando a medida for de sua iniciativa, implicará a sustação de qualquer ação judicial contra a cooperativa, pelo prazo de 1 (um) ano, sem prejuízo, entretanto, da fluência dos juros legais ou pactuados e seus acessórios.
Lei n. 11.101/2005:
Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.
§ 4º Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial.
Constituição Federal de 1988:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
R: Somente pelo PRAZO LEGAL.
Nos termos do art. 76 da Lei n. 5.764/1971, a aprovação da liquidação extrajudicial pela assembleia geral implica a suspensão das ações judiciais contra a cooperativa pelo prazo de um ano, prorrogável por no máximo mais um ano.
No caso de recuperação judicial, esta Corte Superior tem permitido a prorrogação do prazo de suspensão de 180 dias (stay period) previsto no art. 6º, § 4º, da Lei n. 11.101/2005. Porém, NÃO se vislumbra analogia entre a liquidação extrajudicial da cooperativa e a recuperação judicial das empresas, pois a recuperação se dá na via judicial, não na extrajudicial.
A Lei das Cooperativas avançou bastante na proteção dessa espécie societária, ao prever um prazo de suspensão de até DOIS ANOS, bastante superior, aliás, do atualmente previsto para a recuperação judicial, sendo esse lapso temporal deflagrado a partir de uma simples deliberação assemblear, sem a supervisão judicial que ocorre na recuperação de empresas.
Assim, essa particularidade da liquidação das cooperativas, por tangenciar o direito fundamental à inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF), merece ser aplicada com toda a deferência ao referido direito fundamental, razão pela qual não se admite interpretação ampliativa do prazo de suspensão em comento.
Não é cabível a suspensão do cumprimento de sentença contra cooperativa em regime de liquidação extrajudicial para além do prazo de um ano, prorrogável por mais um ano, previsto no art. 76 da Lei n. 5.764/1971.
RECURSO ESPECIAL
Ao autor que deseje litigar no âmbito de Juizado Especial Federal Cível, é lícito renunciar, de modo expresso e para fins de atribuição de valor à causa, ao montante que exceda os 60 (sessenta) salários-mínimos previstos no art. 3º, caput, da Lei n. 10.259/2001, aí incluídas, sendo o caso, as prestações vincendas.
REsp 1.807.665-SC, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 28/10/2020, DJe 26/11/2020 (Tema 1030)
O TRF-4, decidindo Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), concluiu no sentido de ser possível aos demandantes renunciar ao excedente do valor de alçada previsto no art. 3º da Lei n. 10.259/2001 (sessenta salários-mínimos) aí incluídas prestações vincendas.
Inconformada, a União interpôs recurso especial no qual sustentou ser absoluta a competência dos Juizados Especiais Federais, não se podendo permitir que a parte autora possa renunciar a valores, o que implicaria na escolha do juízo, menosprezando o princípio do juiz natural.
Lei n. 10.259/2001:
Art. 3o Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças.
§ 2o Quando a pretensão versar sobre obrigações vincendas, para fins de competência do Juizado Especial, a soma de doze parcelas não poderá exceder o valor referido no art. 3o, caput.
§ 3o No foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta.
Art. 17. Tratando-se de obrigação de pagar quantia certa, após o trânsito em julgado da decisão, o pagamento será efetuado no prazo de sessenta dias, contados da entrega da requisição, por ordem do Juiz, à autoridade citada para a causa, na agência mais próxima da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil, independentemente de precatório.
§ 4o Se o valor da execução ultrapassar o estabelecido no § 1o, o pagamento far-se-á, sempre, por meio do precatório, sendo facultado à parte exeqüente a renúncia ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório, da forma lá prevista.
Código de Processo Civil 1973:
Art. 260. Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, tomar-se-á em consideração o valor de umas e outras. O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado, ou por tempo superior a 1 (um) ano; se, por tempo inferior, será igual à soma das prestações.
Código de Processo Civil 2015:
Art. 291. A toda causa será atribuído valor certo, ainda que não tenha conteúdo econômico imediatamente aferível.
Art. 292. O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será:
I – na ação de cobrança de dívida, a soma monetariamente corrigida do principal, dos juros de mora vencidos e de outras penalidades, se houver, até a data de propositura da ação;
II – na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua parte controvertida;
III – na ação de alimentos, a soma de 12 (doze) prestações mensais pedidas pelo autor;
IV – na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido;
V – na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido;
VI – na ação em que há cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles;
VII – na ação em que os pedidos são alternativos, o de maior valor;
VIII – na ação em que houver pedido subsidiário, o valor do pedido principal.
§ 1º Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, considerar-se-á o valor de umas e outras.
§ 2º O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a 1 (um) ano, e, se por tempo inferior, será igual à soma das prestações.
§ 3º O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes.
Art. 293. O réu poderá impugnar, em preliminar da contestação, o valor atribuído à causa pelo autor, sob pena de preclusão, e o juiz decidirá a respeito, impondo, se for o caso, a complementação das custas.
R: SIM.
Quanto à fixação do valor da causa em sede de juizados especiais federais, o § 2º do art. 3º da Lei n. 10.259/2001 dispõe que, “quando a pretensão versar sobre obrigações vincendas, para fins de competência do Juizado Especial, a soma de doze parcelas não poderá exceder o valor referido no art. 3º, caput”, omitindo-se o legislador, porém, em disciplinar o valor relativo a parcelas já vencidas, gerando, no ponto, a necessidade de se recorrer aos subsidiários préstimos do Código de Processo Civil.
De há muito, “na hipótese de o pedido englobar prestações vencidas e vincendas, há no STJ entendimento segundo o qual incide a regra do art. 260 do Código de Processo Civil, que interpretado conjuntamente com o mencionado art. 3º, § 2º, da Lei 10.259/2001, estabelece a soma da prestações vencidas mais doze parcelas vincendas, para a fixação do conteúdo econômico da demanda e, consequentemente, a determinação da competência do juizado especial federal” (CC 91.470/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, DJe 26/8/2008).
Portanto, na fixação do valor da causa perante os juizados especiais federais, deverão ser observadas, para além do regramento previsto na Lei n. 10.259/2001 (art. 3º), as disposições contidas nos artigos 291 a 293 do CPC/2015.
Ademais, cabe registrar que a jurisprudência desta Corte é pacífica quanto à natureza absoluta da competência atribuída aos Juizados Especiais Federais, a teor do art. 3º, § 3º, da Lei n. 10.259/2001, observando-se, para isso, o valor da causa.
Delineados, pois, os critérios para a apuração do valor da causa nos Juizados Especiais Federais, tanto quanto sua competência absoluta para atuar nas hipóteses em que o postulante circunscreva sua pretensão inicial em montante que não ultrapasse o limite de sessenta salários mínimos, resta indagar sobre a possibilidade, ou não, de a parte autora renunciar a valores excedentes a esse patamar sexagesimal, para poder demandar perante esses mesmos Juizados Especiais Federais, aí incluído o montante das parcelas vincendas, bem assim se tal renúncia deverá ser comunicada expressamente pela parte autora.
A possibilidade de renúncia para adoção do procedimento previsto na Lei n. 10.259/2001 encontra conforto na jurisprudência do STJ, conforme se extrai do seguinte e já vetusto julgado:
“Se o autor da ação renunciou expressamente o que excede a sessenta salários, competente o Juizado Especial Federal para o feito” (CC 86.398/RJ, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, DJ 22/2/2008).Em reforço, vale mencionar que, embora a Lei n. 10.259/2001 não cuide expressamente da possibilidade de renúncia inicial para fins de fixação da competência dos Juizados Especiais Federais, seu § 4º do artigo 17 dispõe que, “se o valor da execução ultrapassar o estabelecido no § 1º, o pagamento far-se-á, sempre, por meio do precatório, sendo facultado à parte exequente a renúncia ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório, da forma lá prevista.”
Se o legislador, na fase de CUMPRIMENTO da decisão, previu expressamente a possibilidade de renúncia ao crédito excedente para fins de o credor se esquivar do recebimento via precatório, não se compreende como razoável vedar-se ao interessado, no ato de AJUIZAMENTO da ação, a possibilidade de dispor de valores presumidamente seus, em prol de uma solução mais célere do litígio perante os Juizados Especiais Federais.
Estabelecida essa diretriz, a questão remanescente diz com a porção do valor da causa a ser considerada para fins de renúncia, no momento do ajuizamento da ação, tendo em mira que a Lei Adjetiva Civil estabelece que, para a composição daquele montante, deverão ser consideradas as prestações vencidas e as vincendas.
Quanto ao ponto, havendo discussão sobre relação de trato sucessivo nos Juizados Especiais Federais, deve ser observada a conjugada aplicação dos arts. 3º, § 2º, da Lei n. 10.259/2001 e 292 do CPC/2015, quando a definição do valor da causa deverá observar os seguintes vetores: a) versando a pretensão apenas sobre prestações vincendas, considerar-se-á a soma de doze delas para a definição da competência (art. 3º, § 2º, da Lei n. 10.259/2001); b) quando o pleito englobar prestações vencidas e vincendas, e a obrigação for por tempo indeterminado ou superior a um ano, somam-se os valores de todas as parcelas vencidas e de uma anuidade das parcelas vincendas (ex vi do art. 292, §§ 1º e 2º, do CPC/2015).
Em suma, inexistem amarras legais que impeçam o demandante de, assim lhe convindo, reivindicar pretensão financeira a menor, que lhe possibilite enquadrar-se na alçada estabelecida pelo art. 3º, caput, da Lei n. 10.259/2001.
Ao autor que deseje litigar no âmbito de Juizado Especial Federal Cível, é lícito renunciar, de modo expresso e para fins de atribuição de valor à causa, ao montante que exceda os 60 (sessenta) salários-mínimos previstos no art. 3º, caput, da Lei n. 10.259/2001, aí incluídas, sendo o caso, as prestações vincendas.
RECURSO ESPECIAL
Imóvel bem de família oferecido como caução imobiliária em contrato de locação não pode ser objeto de penhora.
REsp 1.873.203-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 24/11/2020, DJe 01/12/2020
Imobiliária Levante ajuizou ação de execução de título executivo extrajudicial – contrato de locação -, em desfavor do locatário Cleiton e de João, este último como caucionante da relação locatícia. João então apresentou exceção de pré-executividade, sustentando, dentre outros pontos, a impenhorabilidade do bem de família oferecido em caução.
O Juízo de primeiro grau rejeitou a exceção de pré-executividade apresentada pelo recorrente, decisão posteriormente mantida pelo Tribunal de Justiça local.
Inconformado, João interpôs recurso especial no qual sustentou a impossibilidade da penhora do imóvel oferecido em garantia e ainda a taxatividade do art. 3º da Lei 8.009/90 – que prevê as exceções à regra geral da impenhorabilidade do bem de família.
Lei n. 8.245/1991:
Art. 37. No contrato de locação, pode o locador exigir do locatário as seguintes modalidades de garantia:
I – caução;
II – fiança;
III – seguro de fiança locatícia.
IV – cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)
Parágrafo único. É vedada, sob pena de nulidade, mais de uma das modalidades de garantia num mesmo contrato de locação.
Lei n. 8.009/1990:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
R: NÃO.
Nos termos do art. 37 da Lei n. 8.245/1991, no contrato de locação de imóveis urbanos podem ser exigidos pelo locador certas modalidades de garantia, podendo-se citar, dentre elas, a caução (inciso I) e a fiança (inciso II).
Em paralelo, mister destacar, também, que a Lei n. 8.245/1991 inseriu o inciso VII ao art. 3º da Lei n. 8.009/1990, que dispõe acerca de exceções à regra geral da impenhorabilidade do bem de família, fazendo constar que a penhora do bem de família será autorizada quando se tratar de obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
As hipóteses de exceção à regra da impenhorabilidade do bem de família, previstas na Lei n. 8.009/1990, são TAXATIVAS, não comportando interpretação extensiva. Dentre elas, como se infere, não consta a hipótese da CAUÇÃO IMOBILIÁRIA oferecida em contrato de locação, razão pela qual inviável que se admita a penhora do imóvel residencial familiar.
De fato, considerando que a possibilidade de expropriação do imóvel residencial é exceção à garantia da impenhorabilidade, a interpretação às ressalvas legais deve ser restritiva, sobretudo na hipótese sob exame, em que o legislador optou, expressamente, pela espécie (fiança), e não pelo gênero (caução), não deixando, por conseguinte, margem a dúvidas (REsp 866.027/SP, 5ª Turma, DJ 29/10/2007).
Imóvel bem de família oferecido como caução imobiliária em contrato de locação não pode ser objeto de penhora.
RECURSO ESPECIAL
É nulo acórdão genérico que, sob a justificativa da multiplicidade de recursos, delega ao juízo de primeiro grau a sua aplicação ao caso concreto.
REsp 1.880.319-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 17/11/2020, DJe 20/11/2020
Em uma ação civil pública, houve a condenação para emissão de ações com base no valor patrimonial de uma empresa telefônica. A empresa condenada interpôs agravo de instrumento questionando diversos pontos da decisão.
O relator do agravo de instrumento no Tribunal de origem proferiu então uma decisão monocrática genérica, enfrentando em tese as questões comumente versadas nos recursos oriundos da liquidação da referida sentença coletiva, e delegando ao juízo de origem a adequação do provimento ao caso concreto. Tal decisão foi mantida posteriormente pelo mesmo Tribunal.
Cinge-se a controvérsia acerca da validade de acórdão genérico prolatado pelo Tribunal local, delegando ao juízo de primeiro grau a atribuição de aplicar o referido acórdão ao caso concreto, sob a justificativa da existência de multiplicidade de recursos versando sobre questões atinentes à liquidação da sentença proferida em certa ação civil pública.
Código de Processo Civil 2015:
Art. 489. São elementos essenciais da sentença:
III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.
§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
R: SIM.
Embora a elevada multiplicidade de recursos seja algo alarmante, a ponto de comprometer a capacidade do Tribunal de prestar jurisdição em tempo razoável, a solução para esse quadro de multiplicidade de recursos não pode escapar dos limites da LEGALIDADE.
No caso, a lei processual civil foi flagrantemente desrespeitada, ao se prolatar um acórdão genérico, que apenas elenca os entendimentos pacificados na jurisprudência daquela Corte, sem resolver, efetivamente, as questões devolvidas no caso concreto sob julgamento.
A necessidade de que as decisões judiciais sejam particularizadas, no exercício difuso da jurisdição, é regra basilar do processo civil, encontrando-se enunciada no art. 489, inciso III, e § 1º, incisos III e V, do CPC/2015. Assim, não se considera fundamentada a decisão ou acórdão que “se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos”.
De outra parte, causa espécie a determinação do relator para que os juízos de 1ª instância procedam à aplicação do acórdão genérico ao caso concreto. Essa determinação configura delegação de competência jurisdicional (especificamente a competência funcional hierárquica), também sem amparo legal.
Por fim, registre-se que a solução legalmente prevista no CPC/2015 para enfrentar o cenário de multiplicidade de recursos identificado pelo relator do Tribunal de origem é o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR, previsto no art. 976 do CPC/2015.
É nulo acórdão genérico que, sob a justificativa da multiplicidade de recursos, delega ao juízo de primeiro grau a sua aplicação ao caso concreto.
RECURSO ESPECIAL
Sob a vigência do CPC/1973, o juiz possui interesse jurídico e legitimação para recorrer da decisão que julga procedente a exceção de suspeição, ainda que não lhe seja atribuído o pagamento de custas e honorários advocatícios.
REsp 1.237.996-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 20/10/2020, DJe 03/11/2020
Em ação dissolutória de sociedade, Marcos e Guilherme, via exceção, arguiram a suspeição do insurgente José (juiz de direito), sob a alegação de que o magistrado teria violado a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (art. 36, III) diante de certas afirmações realizadas por este durante entrevista à imprensa.
Tal exceção foi rejeitada por José, porém acolhida pelo Tribunal de Justiça local que determinou a remessa dos autos ao substituto legal. Inconformado com tal decisão, José opôs dois sucessivos embargos de declaração, que não foram conhecidos sob a assertiva de inexistência de legitimação recursal do magistrado quando julgada procedente a exceção de suspeição.
José então interpôs recurso especial no qual alegou a legitimidade recursal do juiz excepto quando julgada procedente a exceção de suspeição, ainda que não lhe sejam fixadas custas e honorários advocatícios.
Código de Processo Civil 1973:
Art. 138. Aplicam-se também os motivos de impedimento e de suspeição:
§ 1 o A parte interessada deverá argüir o impedimento ou a suspeição, em petição fundamentada e devidamente instruída, na primeira oportunidade em que Ihe couber falar nos autos; o juiz mandará processar o incidente em separado e sem suspensão da causa, ouvindo o argüido no prazo de 5 (cinco) dias, facultando a prova quando necessária e julgando o pedido.
Código de Processo Civil 2015:
Art. 146. No prazo de 15 (quinze) dias, a contar do conhecimento do fato, a parte alegará o impedimento ou a suspeição, em petição específica dirigida ao juiz do processo, na qual indicará o fundamento da recusa, podendo instruí-la com documentos em que se fundar a alegação e com rol de testemunhas.
§ 5º Acolhida a alegação, tratando-se de impedimento ou de manifesta suspeição, o tribunal condenará o juiz nas custas e remeterá os autos ao seu substituto legal, podendo o juiz recorrer da decisão.
R: SIM.
Questão ainda não definitivamente resolvida no âmbito doutrinário, tampouco jurisprudencial, sob a égide do diploma processual civil revogado, é a afeta à legitimidade recursal do juiz de direito, dos demais auxiliares da justiça e sujeitos imparciais do processo para a interposição de recursos quando a decisão exarada em feito no qual intervém, de modo direto ou indireto, puder lhes alcançar interesse próprio ou reunir potencial para tanto, ainda que de ordem simplesmente moral.
Com amparo no rigorismo dos princípios tradicionais que regem o direito processual e na concepção doutrinária clássica, juiz, auxiliares da justiça e demais sujeitos imparciais do processo não são parte (tomando como base a noção de quem e em face de quem se pede a prestação jurisdicional, ou seja, as figuras do autor e do réu) tampouco terceiros relativamente aos feitos que tramitam sob a sua jurisdição ou supervisão, motivo pelo qual, em tese, NÃO estariam legitimados a interpor recursos, podendo valer-se, apenas, de ações autônomas de impugnação. No entanto, é incontroverso, existem deliberações judiciais que têm o condão de afetar de modo direto o patrimônio jurídico material (financeiro) dessas pessoas.
Justamente frente a hipóteses como essas ora em evidência que se percebe, nos dias atuais, diante de inegável evolução legal e doutrinária sobre o tema, um largo distanciamento da concepção clássica acerca do elemento subjetivo da ação denominado “parte” frente aos modelos até então tradicionalmente estabelecidos, pois os pretensos titulares da relação jurídica material posta em juízo não se confundem, necessariamente, com os sujeitos da relação jurídica processual, embora não seja rara a coincidência quando o processo segue um caminho procedimental retilíneo.
O conceito de parte ganha especial relevo, destacando-se a completa distinção entre os sujeitos do processo da relação jurídica material (legitimidade para a causa) com os sujeitos de incidentes, que podem até coincidir, porém não impreterivelmente equivaler.
Especificamente na exceção de suspeição, expediente processual sobre o qual paira a discussão ora em debate nestes autos, o juiz excepto, embora não seja parte na relação jurídica material da demanda subjacente, figura inegavelmente como parte legítima no incidente, tanto que acaso não reconheça a sua suspeição pode apresentar defesa por meio de razões, devidamente acompanhadas de documentos comprobatórios e rol de testemunhas, conforme constava no art. 138, § 1º do CPC/1973 (atual art. 146 do NCPC) que expressamente referia “a parte interessada deverá arguir o impedimento ou a suspeição, em petição fundamentada e devidamente instruída, na primeira oportunidade em que Ihe couber falar nos autos; o juiz mandará processar o incidente em separado e sem suspensão da causa, ouvindo o arguido no prazo de 5 (cinco) dias, facultando a prova quando necessária e julgando o pedido”.
O novo diploma processual civil sanou a questão controvertida acerca da possibilidade de o juiz arguido interpor recurso da decisão que julga a exceção de suspeição procedente, consoante previsto no artigo 146, § 5º, do NCPC.
Em que pese o novo Código de Processo Civil tenha sanado a controvérsia atinente à legitimidade recursal do magistrado enquanto sujeito (parte) do incidente processual, fato é que no diploma de 1973, nem a lei, a doutrina, tampouco a jurisprudência estabeleciam um referencial para delinear acerca da viabilidade do juiz e também de outros auxiliares do juízo e demais sujeitos imparciais do processo interporem recurso contra decisões que de algum modo lhe fossem desfavoráveis ou causassem prejuízos.
Reside aqui o ponto nodal da controvérsia, pois diante da lacuna legislativa revogada e a falta de entendimento dominante na doutrina e jurisprudência acerca da questão, a Corte local não conheceu dos embargos de declaração opostos pelo juiz contra o acórdão que julgou procedente a exceção de suspeição.
Tal procedimento NÃO se coaduna com a assertiva segundo a qual o juiz, apesar de não figurar como parte ou terceiro prejudicado na relação jurídica de direito material é, inegavelmente, sujeito do processo, parte no incidente de suspeição, que participa do processo de forma parcial, defendendo direitos e interesses próprios, possuindo, portanto, interesse jurídico e legitimação recursal para impugnar, via recurso, a decisão que julga procedente a exceção de suspeição.
Não há falar que tal somente seria possível quando a deliberação atingisse o patrimônio jurídico material do excepto, ou seja, quando lhe fosse determinado o pagamento de honorários advocatícios e custas – essas últimas, inclusive, aplicadas pelo acórdão recorrido na hipótese – pois é certo que a procedência da exceção de suspeição, principalmente com a fundamentação utilizada pelo Tribunal, denota a atuação inadequada e antijurídica do magistrado que, em entrevista concedida à imprensa, teria externado opinião sobre demanda pendente de julgamento definitivo e cuja tramitação dependia, ainda, de produção de provas, indicando claro comportamento de parcialidade expressa como pré-julgamento ante a valoração preliminar da conduta dos excipientes.
Sob a vigência do CPC/1973, o juiz possui interesse jurídico e legitimação para recorrer da decisão que julga procedente a exceção de suspeição, ainda que não lhe seja atribuído o pagamento de custas e honorários advocatícios.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL
É válida a intermediação, pela internet, da venda de ingressos para eventos culturais e de entretenimento mediante cobrança de “taxa de conveniência”, desde que o consumidor seja previamente informado do preço total da aquisição do ingresso, com o destaque do valor da referida taxa.
EDcl no REsp 1.737.428-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por maioria, julgado em 06/10/2020, DJe 19/11/2020
Associação Gaúcha de Consumidores ajuizou ação coletiva em face de Ingresso Rápido Ltda na qual requereu o reconhecimento da ilegalidade da cobrança de “taxa de conveniência” pelo simples fato de a recorrida oferecer a venda de ingressos na internet e ainda a condenação da ré ao pagamento de danos morais e materiais.
Cinge-se a controvérsia em determinar se a disponibilização da venda de ingressos de espetáculos culturais na internet é facilidade que efetivamente beneficia os consumidores e ainda se existe abusividade na cobrança de “taxa de conveniência” aos consumidores.
R: SIM, desde que o consumidor seja previamente informado do preço total da aquisição do ingresso.
O serviço de venda de ingressos online, na forma como organizado pela empresa demandada, integra-se à cadeia e fornecimento do serviço de produção de eventos, tratando-se, portanto, de um custo repassado ao consumidor, e não de um serviço independente oferecido ao consumidor, como o são, por exemplo, os serviços de concierge ou de despachante.
Semelhante questão já foi enfrentada por esta Corte Superior anteriormente em pelo menos dois precedentes, o relativo à comissão de corretagem (Tema 938/STJ) e o pertinente à comissão do correspondente bancário (Tema 958/STJ).
Assim, sendo a “taxa de conveniência” um repasse de custos de intermediação, torna-se irrelevante perscrutar acerca de efetiva vantagem ao consumidor, pois a controvérsia se desloca para a fase PRÉ-CONTRATUAL, bastando que o consumidor seja informado prévia e adequadamente acerca dessa transferência de custos.
Com efeito, merece ser repelida com vigor a prática abusiva e desleal de ofertar produto/serviço por um preço artificialmente menor, para, depois de capturar a preferência do consumidor no mercado de consumo, exigir a diferença de preço sob a roupagem de um falso serviço “adicional”, aumentando indevidamente o valor a ser desembolsado pelo consumidor. Observe-se que essa prática comercial, além de ser abusiva sob a ótica do direito do consumidor, como já exaustivamente demonstrado no precedente sobre a corretagem, é também desleal sob a ótica da livre concorrência, se bem que o princípio constitucional da livre concorrência também possui um viés de proteção do consumidor.
Em um mercado de concorrência saudável, espera-se que o consumidor seja informado, já na fase pré-contratual, sobre o custo total da compra, inclusive o custo da intermediação, para assim se evitar que o consumidor seja capturado no mercado por uma proposta de preço menor do que o efetivo, em prejuízo dos demais concorrentes que também disputam a preferência do consumidor, nos mais diversos ramos de atividade.
É válida a intermediação, pela internet, da venda de ingressos para eventos culturais e de entretenimento mediante cobrança de “taxa de conveniência”, desde que o consumidor seja previamente informado do preço total da aquisição do ingresso, com o destaque do valor da referida taxa.
RECURSO ESPECIAL
Os valores auferidos a título de “reembolso de materiais” adquiridos para a atividade de construção civil não devem ser deduzidos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL pelo lucro presumido.
REsp 1.421.590-RN, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 17/11/2020, DJe 30/11/2020
Tomé Comercial LTDA é optante da tributação do IRPJ e da CSLL pelo lucro presumido e pretendia, por meio de mandado de segurança de caráter preventivo, deduzir da receita bruta, base de cálculo dos tributos nesse regime, os valores que aufere a título de “reembolso de materiais” adquiridos para a atividade de construção civil.
A segurança foi denegada e a respectiva apelação desprovida pelo Tribunal Regional Federal local. Inconformada, Tomé Comercial interpôs recurso especial no qual sustentou que o preço dos serviços prestados não se confunde com os materiais adquiridos e repassados ao cliente, logo, seria nítido que os materiais empregados na obra não são vendidos, mas sim aplicados nas obras de construção civil e consequentemente não poderiam ser considerados receitas.
Cinge-se a controvérsia a analisar se empresa optante da tributação do IRPJ e da CSLL pelo lucro presumido pode deduzir da receita bruta, base de cálculo dos tributos nesse regime, os valores que aufere a título de “reembolso de materiais” adquiridos para a atividade de construção civil.
R: NÃO.
Em regra, receita bruta corresponde aos ingressos financeiros no patrimônio, decorrentes ou não do desenvolvimento das atividades empresariais ou profissionais, e que não sofrem deduções por quaisquer despesas ou custos suportados pelo contribuinte.
O acolhimento de pedido tendente a excluir da receita bruta determinada despesa ou custo, no regime de apuração pelo lucro presumido, conduziria a uma indevida DUPLA dedução da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, na medida em que, na determinação dos percentuais incidentes, a lei já considera, em tese, todas as reduções possíveis, de acordo com cada ramo de atividade.
Se o contribuinte pretende que sejam considerados determinados custos ou despesas, deve optar pelo regime de apuração pelo lucro real, que contempla essa possibilidade, não se podendo permitir, à luz dos dispositivos de regência, que promova uma combinação dos dois regimes, a fim de reduzir indevidamente a base de cálculo dos tributos.
Caso em que os ingressos provenientes de pagamentos realizados pelo contratante pelos materiais empregados na obra, ainda que a título de reembolso, referem-se, em última análise, à prestação do serviço da empresa e, por conseguinte, integram a definição de receita bruta, para fins de incidência do IRPJ e da CSLL, no regime de apuração pelo lucro presumido.
Os valores auferidos a título de “reembolso de materiais” adquiridos para a atividade de construção civil não devem ser deduzidos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL pelo lucro presumido.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL
É atípica a conduta de importar pequena quantidade de sementes de maconha.
EREsp 1.624.564-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 14/10/2020, DJe 21/10/2020
Rafael foi denunciado por tráfico internacional de drogas, por ter importado 16 (dezesseis) sementes de maconha da Holanda. O Juízo sentenciante desclassificou a conduta para a prevista no art. 28, § 1.º, da Lei n.º 11.343/2006, e rejeitou a denúncia com fundamento no art. 395, inciso III, do Código de Processo Penal, diante da atipicidade material.
O Tribunal Regional Federal local manteve a sentença por entender que a conduta perpetrada pelo acusado configuraria, em tese, o crime de contrabando. Não obstante, consideradas as peculiaridades do caso concreto, concluiu pela aplicação do princípio da insignificância.
Inconformado, o MPF apresentou embargos de divergência no qual sustentou a existência de dissídio jurisprudencial.
Lei n. 11.343/2006:
Art. 1º Esta Lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes.
Parágrafo único. Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União.
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I – advertência sobre os efeitos das drogas;
II – prestação de serviços à comunidade;
III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
§ 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
§ 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
§ 3º As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.
§ 4º Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.
§ 5º A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.
§ 6º Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:
I – admoestação verbal;
II – multa.
§ 7º O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I – importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;
II – semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;
Código Penal:
Contrabando
Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 ( cinco) anos.
§ 1o Incorre na mesma pena quem:
I – pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando;
II – importa ou exporta clandestinamente mercadoria que dependa de registro, análise ou autorização de órgão público competente;
III – reinsere no território nacional mercadoria brasileira destinada à exportação;
IV – vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira;
V – adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira.
§ 2º – Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residência
R: NÃO.
“A importação clandestina de sementes de cannabis sativa linneu (maconha) configura o tipo penal descrito no art. 33, § 1º, I, da Lei n. 11.343/2006” Quinta Turma – AgRg no REsp 1.733.645/SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 05/06/2018, DJe 15/06/2018. | “Tratando-se de pequena quantidade de sementes e inexistindo expressa previsão normativa que criminaliza, entre as condutas do artigo 28 da Lei de Drogas, a importação de pequena quantidade de matéria prima ou insumo destinado à preparação de droga para consumo pessoal, forçoso reconhecer a atipicidade do fato” (Sexta Turma) |
É CRIME! | TÁ DIBOA! |
O conceito de “droga”, para fins penais, é aquele estabelecido no art. 1º, parágrafo único, da Lei n. 11.343/2006: “Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder executivo da União.”
A mesma Lei traz no seu art. 66: “Para fins do disposto no parágrafo único do art. 1º desta Lei, até que seja atualizada a terminologia da lista mencionada no preceito, denominam-se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, da Portaria SVS/MS n. 344, de 12 de maio de 1998.”
Compulsando a lista do referido ato administrativo, do que se pode denominar “droga”, vê-se que dela não consta referência a SEMENTES da planta Cannabis Sativum.
No anexo, Lista E, tem-se as plantas que podem originar substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas. A primeira delas é justamente a Cannabis Sativum. O Tetrahidrocanabinol – THC é a substância psicoativa encontrada na planta Cannabis Sativum, MAS AUSENTE NA SEMENTE, razão pela qual esta não pode ser considerada “droga”, para fins penais, o que afasta a subsunção do caso a qualquer uma das hipóteses do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006.
Os incisos I e II do § 1º do referido artigo, listam uma série de condutas que incorrem nas mesmas penas. Infere-se do inciso II que “matéria-prima” é a substância utilizada “para a preparação de drogas”, como é o caso da planta Cannabis Sativum, porque dela se extrai a droga. Da semente, nada se extrai diretamente, nem se misturada com o que quer que seja. Logo, não pode ser considerada “matéria-prima”.
No mais, a norma prevê como conduta delituosa o semeio, o cultivo ou a colheita da planta proibida. Embora a semente seja um pressuposto necessário para a primeira ação, e a planta para as demais, a importação (ou qualquer dos demais núcleos verbais) da semente não está descrita como conduta típica. Além disso, a semente também não se enquadra na qualificação de “insumo” ou, muito menos, “produto químico”, porque ambos visam à preparação de drogas.
Também não se antevê possibilidade de subsunção da conduta a qualquer das hipóteses do art. 28 da Lei. As condutas delituosas estão adstritas a ações voltadas para o consumo de droga e aos núcleos verbais de semear, cultivar ou colher plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de droga, também para consumo pessoal.
Sob essa óptica, o ato de importar pequena quantidade de semente configuraria, em tese, MERO ATO PREPARATÓRIO para o crime do art. 28, § 1º, impunível, segundo nosso ordenamento jurídico.
Por fim, apesar da propensão em concordar com o entendimento sufragado pela instância a quo (que enquadrou a conduta de importar sementes de maconha como crime de contrabando, previsto no Código Penal, art. 334-A), em homenagem à segurança jurídica e ao princípio da razoável duração do processo, privilegia-se o entendimento majoritário já formado neste Superior Tribunal de Justiça, que está em consonância com os precedentes da Suprema Corte e que consideram atípica a importação de pequena quantidade de sementes de maconha.
É atípica a conduta de importar pequena quantidade de sementes de maconha.
RECURSO ESPECIAL
É desnecessária a comprovação de prejuízo para o reconhecimento da nulidade decorrente da não observância do rito previsto no art. 400 do Código de Processo Penal, o qual determina que o interrogatório do acusado seja o último ato a ser realizado.
REsp 1.808.389-AM, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por maioria, julgado em 20/10/2020, DJe 23/11/2020
João e Joaquim foram condenados pela prática do crime previsto no art. 33, caput, c/c o art. 40, VI, ambos da Lei n. 11.343/2006. Ocorre que durante a instrução processual, não foi observado o que rege o art. 400 do CPP e o interrogatório dos réus foi realizado antes da oitiva das testemunhas.
Logo, a defesa de ambos interpôs recurso especial requerendo que fosse reconhecida a nulidade do feito, procedendo-se novamente ao interrogatório, em decorrência da violação do art. 400 do Código de Processo Penal, tendo em vista a inversão da ordem estabelecida na legislação.
Cinge-se a controvérsia acerca da necessidade de comprovação de prejuízo para o reconhecimento da nulidade decorrente da não observância da ordem na oitiva do acusado.
Código de Processo Penal:
Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.
Lei 11.343/2006:
Art. 57. Na audiência de instrução e julgamento, após o interrogatório do acusado e a inquirição das testemunhas, será dada a palavra, sucessivamente, ao representante do Ministério Público e ao defensor do acusado, para sustentação oral, pelo prazo de 20 (vinte) minutos para cada um, prorrogável por mais 10 (dez), a critério do juiz.
Parágrafo único. Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante.
R: NÃO.
Ao disciplinar a instrução processual no rito comum ordinário, o caput do art. 400 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei n. 11.719/2008, determina que o interrogatório do acusado seja o último ato a ser realizado. O art. 57 da Lei de Drogas, por sua vez, prevê momento específico e diverso para o interrogatório do réu.
No entanto, por ocasião do julgamento do HC 127.900/AM (Rel. Ministro Dias Toffoli), o Pleno do Supremo Tribunal Federal realizou uma releitura do art. 400 do Código de Processo Penal e firmou o entendimento de que o rito processual para o interrogatório, previsto no referido dispositivo, deve ser aplicado a TODOS os procedimentos regidos por leis especiais.
Isso porque a Lei n. 11.719/2008 (que deu nova redação ao referido art. 400) prepondera sobre as disposições em sentido contrário delineadas em legislação especial, por se tratar de lei posterior mais benéfica ao acusado (lex mitior), visto que assegura maior efetividade a princípios constitucionais, notadamente aos do contraditório e da ampla defesa.
Dito isso, para que eventual nulidade seja reconhecida em decorrência da inversão da ordem do interrogatório, remanescem dois pontos a serem previamente analisados: a) para que seja reconhecida a nulidade do feito, é necessário haver a demonstração de efetivo prejuízo à defesa, à luz do princípio pas de nullité sans grief? e b) a matéria deve ser alegada no primeiro momento processual oportuno, sob pena de preclusão?
Em relação ao primeiro ponto, registra-se que não se desconhece a existência de julgados desta Corte Superior de Justiça que, mesmo depois do julgamento do referido HC 127.900/AM, passaram a exigir, em relação aos processos com instrução ainda em curso, que, naqueles casos em que o interrogatório tivesse sido realizado no início da instrução, deveria haver a comprovação de efetivo prejuízo à defesa para que fosse reconhecida a nulidade processual
No entanto, ressalta-se que o Supremo Tribunal Federal, ante a magnitude constitucional de que se reveste o interrogatório judicial, já teve diversas oportunidades de assentar que esse ato processual representa meio viabilizador do exercício das prerrogativas constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
Se o interrogatório é um ato essencialmente de autodefesa, não se deu aos recorrentes a possibilidade de, ao final da instrução criminal, esclarecer ao Magistrado eventuais fatos contra si alegados pelas testemunhas, manifestar-se pessoalmente sobre a prova acusatória a eles dirigida e influenciar na formação do convencimento do julgador.
Portanto, se nem a doutrina nem a jurisprudência ignoram a importância de que se reveste o interrogatório judicial – cuja natureza jurídica permite qualificá-lo como ato de defesa -, não há como acolher o argumento do Tribunal de origem, no sentido de que a ausência de demonstração de prejuízo impossibilitaria o reconhecimento da apontada nulidade.
Não há como se imputar à defesa do acusado o ônus de comprovar eventual prejuízo em decorrência de uma ilegalidade, para a qual não deu causa e em processo que já resultou na sua própria condenação. Isso porque não há, num processo penal, prejuízo maior do que uma condenação resultante de um procedimento que não respeitou as diretrizes legais e que nem sequer observou determinadas garantias constitucionais do réu (no caso, a do contraditório e a da ampla defesa).
Como avaliar, na perspectiva de exigir-se a demonstração do prejuízo, se o interrogatório realizado no início da instrução não trouxe nenhum prejuízo à defesa (tanto à defesa técnica quanto à do próprio acusado – autodefesa)?
Assim, exigir a comprovação de prejuízo para o reconhecimento da nulidade decorrente da não observância do rito previsto no art. 400 do Código de Processo Penal representa não apenas uma burla (escamoteada) ao que decidido pelo Supremo Tribunal Federal no HC 127.900/AM, como também um esvaziamento das garantias constitucionais do contraditório e, especialmente, da ampla defesa, uma forma de se esquivar do reconhecimento de uma nulidade e uma maneira de se evitar a anulação de uma instrução probatória que, visivelmente, foi realizada em franco desacordo com as referidas garantias constitucionais.
Por fim, uma vez fixada a compreensão pela DESNECESSIDADE de a defesa ter de demonstrar eventual prejuízo decorrente da inversão da ordem do interrogatório dos réus, em processo do qual resultou a condenação, e porque o procedimento adotado afrontou os princípios do contraditório e da ampla defesa, não há como condicionar o reconhecimento da nulidade ao fato de a defesa arguir ou não o vício processual já na própria audiência de instrução. Não incide na espécie, portanto, a preclusão.
É desnecessária a comprovação de prejuízo para o reconhecimento da nulidade decorrente da não observância do rito previsto no art. 400 do Código de Processo Penal, o qual determina que o interrogatório do acusado seja o último ato a ser realizado.
HABEAS CORPUS
O acordo de não persecução penal (ANPP) aplica-se a fatos ocorridos antes da Lei n. 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia.
HC 607.003-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares Da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 24/11/2020, DJe 27/11/2020
O Ministério Público ofereceu denúncia em desfavor de Rogério, imputando-lhe a prática dos crimes tipificados no art. 33, caput, e art. 35, ambos da Lei n. 11.343/2006, no art. 330 do Código Penal, e no art. 311 da Lei n. 9.503/1997. A inicial foi recebida pelo Juízo competente em 25/01/2019.
Rogério foi então condenado pela prática do crime de tráfico de entorpecentes. A defesa interpôs recurso requerendo, dentre outras coisas, a à revogação da prisão preventiva e à celebração de acordo de não-persecução penal previsto pela Lei n. 13.964/2019.
Cinge-se a controvérsia acerca da possibilidade de aplicação do previsto na Lei n. 13.964/2019 no tocante ao acordo de não persecução penal referente aos crimes praticados anteriormente à alteração legislativa.
Código de Processo Penal:
Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:
R: SIM, desde que não recebida a denúncia.
A Lei n. 13.964/2019 (comumente denominada como “Pacote Anticrime”), ao criar o art. 28-A do Código de Processo Penal, estabeleceu a previsão no ordenamento jurídico pátrio o instituto do acordo de não persecução penal.
Em síntese, consiste em um negócio jurídico pré-processual entre o Ministério Público e o investigado, juntamente com seu defensor, como alternativa à propositura de ação penal para certos tipos de crimes, principalmente no momento presente, em que se faz necessária a otimização dos recursos públicos e a efetivação da chamada Justiça multiportas, com a perspectiva restaurativa.
A respeito da aplicação retroativa do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), a 5ª Turma deste Superior Tribunal de Justiça já decidiu que, embora o benefício processual/penal possa ser aplicado aos fatos anteriores à vigência da lei, a denúncia não pode ter sido recebida ainda. Recentemente, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC-191.464/STF, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, DJe de 12/11/2020, ao examinar o tema, proclamou o mesmo entendimento.
O acordo de não persecução penal (ANPP) aplica-se a fatos ocorridos antes da Lei n. 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia.
RECURSO ESPECIAL
A apelação criminal é o recurso adequado para impugnar a decisão que recusa a homologação do acordo de colaboração premiada, mas ante a existência de dúvida objetiva é cabível a aplicação do princípio da fungibilidade.
REsp 1.834.215-RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 27/10/2020, DJe 12/11/2020
Em certo processo criminal, o Juízo de primeiro grau recusou-se a homologar o acordo de colaboração premiada. Inconformado, o Ministério Público Estadual interpôs sucessivos recursos nos quais sustentou cabível a correição parcial em face da decisão que não homologou acordo de colaboração premiada.
O Tribunal de Justiça local entendeu que a decisão recorrida não constitui erro ou abuso cometido pelo Juízo, ou seja, que a decisão estaria dentro dos parâmetros do poder discricionário instrutório do magistrado, no exercício de suas atribuições, o que lhe permitiria, na direção do processo, zelar pela observância formal das regras processuais, não existindo o alegado prejuízo a justificar o manejo do recurso de Correição Parcial.
Cinge-se a controvérsia em definir qual seria o recurso cabível contra a decisão que recusa a homologação do acordo de colaboração premiada.
Lei n. 12.850/2013:
Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:
§ 7º Realizado o acordo na forma do § 6º deste artigo, serão remetidos ao juiz, para análise, o respectivo termo, as declarações do colaborador e cópia da investigação, devendo o juiz ouvir sigilosamente o colaborador, acompanhado de seu defensor, oportunidade em que analisará os seguintes aspectos na homologação:
I – regularidade e legalidade;
II – adequação dos benefícios pactuados àqueles previstos no caput e nos §§ 4º e 5º deste artigo, sendo nulas as cláusulas que violem o critério de definição do regime inicial de cumprimento de pena do art. 33 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), as regras de cada um dos regimes previstos no Código Penal e na Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal) e os requisitos de progressão de regime não abrangidos pelo § 5º deste artigo;
III – adequação dos resultados da colaboração aos resultados mínimos exigidos nos incisos I, II, III, IV e V do caput deste artigo;
IV – voluntariedade da manifestação de vontade, especialmente nos casos em que o colaborador está ou esteve sob efeito de medidas cautelares
Código de Processo Penal:
Art. 579. Salvo a hipótese de má-fé, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro.
Parágrafo único. Se o juiz, desde logo, reconhecer a impropriedade do recurso interposto pela parte, mandará processá-lo de acordo com o rito do recurso cabível.
Art. 581. Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença:
I – que não receber a denúncia ou a queixa;
II – que concluir pela incompetência do juízo;
III – que julgar procedentes as exceções, salvo a de suspeição;
IV – que pronunciar o réu;
V – que conceder, negar, arbitrar, cassar ou julgar inidônea a fiança, indeferir requerimento de prisão preventiva ou revogá-la, conceder liberdade provisória ou relaxar a prisão em flagrante;
VII – que julgar quebrada a fiança ou perdido o seu valor;
VIII – que decretar a prescrição ou julgar, por outro modo, extinta a punibilidade;
IX – que indeferir o pedido de reconhecimento da prescrição ou de outra causa extintiva da punibilidade;
X – que conceder ou negar a ordem de habeas corpus;
XI – que conceder, negar ou revogar a suspensão condicional da pena;
XII – que conceder, negar ou revogar livramento condicional;
XIII – que anular o processo da instrução criminal, no todo ou em parte;
XIV – que incluir jurado na lista geral ou desta o excluir;
XV – que denegar a apelação ou a julgar deserta;
XVI – que ordenar a suspensão do processo, em virtude de questão prejudicial;
XVII – que decidir sobre a unificação de penas;
XVIII – que decidir o incidente de falsidade;
XIX – que decretar medida de segurança, depois de transitar a sentença em julgado;
XX – que impuser medida de segurança por transgressão de outra;
XXI – que mantiver ou substituir a medida de segurança, nos casos do art. 774;
XXII – que revogar a medida de segurança;
XXIII – que deixar de revogar a medida de segurança, nos casos em que a lei admita a revogação;
XXIV – que converter a multa em detenção ou em prisão simples.
XXV – que recusar homologação à proposta de acordo de não persecução penal, previsto no art. 28-A desta Lei.
R: APELAÇÃO.
A teor das disposições contidas na Lei n. 12.850/2013, realizado o acordo de colaboração premiada, serão remetidos ao juiz, para verificação de sua regularidade, legalidade, adequação e voluntariedade, os termos do ajuste, as declarações do colaborador e cópia da investigação.
Tem-se, nessa fase, a FISCALIZAÇÃO dos aspectos previstos no art. 4º, § 7º, do mesmo regramento legal, com redação incluída pela Lei n. 13.964/2019. O magistrado poderá RECUSAR a homologação da proposta que não atender aos requisitos legais e esse ato judicial tem conteúdo decisório, pois impede o meio de obtenção da prova.
NÃO existe previsão normativa sobre o recurso cabível para a impugnação da recusa judicial para a homologação da proposta de colaboração premiada.
Nesse contexto, ante a lacuna na lei, o operador do direito tem de identificar, entre os instrumentos recursais existentes no direito processual penal, aquele mais adequado para a revisão da decisão proferida em primeira instância.
Desse modo, analisadas as espécies de recursos elencados no Código de Processo Penal, tem-se que a APELAÇÃO criminal é apropriada para confrontar a decisão que recusar a homologação da proposta de acordo de colaboração premiada.
Isso porque, o ato judicial: a) não ocasiona uma situação de inversão tumultuária do processo, a atrair o uso da correição parcial e b) tem força definitiva, uma vez que impede o negócio jurídico processual, com prejuízo às partes interessadas. Ademais, o cabimento do recurso em sentido estrito está taxativamente previsto no art. 581 do CPP e seus incisos não tratam de hipótese concreta que se assemelha àquela prevista no art. 4°, § 8°, da Lei n. 12.850/2013.
De toda forma, ante a existência de dúvida objetiva quanto ao instrumento adequado para combater o provimento jurisdicional, não constitui erro grosseiro o manejo de correição parcial, principalmente quando esse instrumento foi aceito em situações outras pelo Tribunal de origem. Interposta a insurgência no interstício de cinco dias, sem que se possa falar em sua intempestividade, é perfeitamente aplicável o princípio da fungibilidade recursal. Assim, consoante preceitua o art. 579 do CPP: “salvo a hipótese de má-fé, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro”.
A apelação criminal é o recurso adequado para impugnar a decisão que recusa a homologação do acordo de colaboração premiada, mas ante a existência de dúvida objetiva é cabível a aplicação do princípio da fungibilidade.
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