Informativo nº 681 do STJ COMENTADO está disponível para quem está ligado aqui conosco no Estratégia Carreiras Jurídicas!
Sumário
1. RPV, precatório e prazo prescricional após cancelamento. 3
2. Utilização de trecho musical como título de programa televisivo e Lei de Direitos Autorais. 6
3. Plano de saúde e tratamento de infertilidade associado ao de endometriose. 10
4. Viúva meeira e usufruto vidual do CC/1916. 12
5. Prisão civil do devedor de alimentos e Covid-19. 14
8. Caução em ação conexa como garantia do efeito suspensivo em embargos à execução. 21
9. Acordo realizado sem a participação do patrono original e honorários sucumbenciais. 23
10. Prisão civil por dívida alimentícia decorrente de ato ilícito 26
11. Sucumbência recíproca e majoração em sede recursal 29
12. Mercadorias destinadas à Zona Franca de Manaus e isenção das contribuições previdenciárias. 32
13. Ação redibitória e devolução do bem após restituição dos valores. 34
14. Assinatura em duplicata como requisito de validade. 37
15. Recuperação judicial e validade dos atos executivos realizados nas execuções individuais. 39
16. Exercício anterior de atividade rural e recuperação judicial 42
17. Irmã da vítima de estupro de vulnerável e papel de garantidora. 45
18. Teoria do domínio do fato e nexo de casualidade. 47
20. Tráfico privilegiado e individualização da pena. 55
21. Competência do TJDFT para julgar crime de falso testemunho em processos de sua jurisdição. 58
22. Covid-19 e privação cautelar em face do não pagamento da fiança. 60
PARA TESTAR SEU CONHECIMENTO.. 62
23.1. Questões objetivas: CERTO ou ERRADO. 63
RECURSO ESPECIAL
É imprescritível a pretensão de expedição de novo precatório ou nova Requisição de Pequeno Valor – RPV, após o cancelamento de que trata o art. 2º da Lei n. 13.463/2017
REsp 1.856.498-PE, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, por maioria, julgado em 06/10/2020, DJe 13/10/2020
Cleide, representada pelo Dr, Creisson, ajuizou ação contra a União. Após a decisão favorável e o trânsito em julgado, foi determinada a expedição de Precatório do valor devido.
Ocorre que, por lapso, Dr Creisson deixou de levantar os valores. Decorrido mais de dois anos, Cleide averiguou a situação e solicitou nova expedição de Precatório. O Juízo da Vara Federal determinou a expedição de nova requisição de pagamento, com fundamento na previsão contida no art. 3o. da Lei 13.463/2017, afastando as alegações de prescrição. O Tribunal Regional Federal manteve a decisão agravada.
Inconformada, a União interpôs recurso especial no qual sustentou a violação dos arts. 2º da Lei 13.463/2017 e 1º. do Decreto 20.910/1932, aduzindo que no momento da liberação da verba para a parte credora promover o levantamento do precatório se inicia o direito do exequente ao levantamento do seu crédito e, tratando-se de direito oponível contra o estado, como tal e qualquer outro direito, deve ser exercido no prazo legal quinquenal previsto na legislação.
Cinge-se a controvérsia sobre a ocorrência de eventual prescrição ante o transcurso de mais de cinco anos entre a data da expedição da RPV originária e a data do requerimento para expedição de novo requisitório de pagamento – previsão contida no art. 3º da Lei n. 13.463/2017, em virtude de seu cancelamento.
Lei n. 13.463/2017:
Art. 2º Ficam cancelados os precatórios e as RPV federais expedidos e cujos valores não tenham sido levantados pelo credor e estejam depositados há mais de dois anos em instituição financeira oficial.
§ 1º O cancelamento de que trata o caput deste artigo será operacionalizado mensalmente pela instituição financeira oficial depositária, mediante a transferência dos valores depositados para a Conta Única do Tesouro Nacional.
§ 2º Do montante cancelado:
I – pelo menos 20% (vinte por cento) deverá ser aplicado pela União na manutenção e desenvolvimento do ensino;
II – pelo menos 5% (cinco por cento) será aplicado no Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM).
§ 3º Será dada ciência do cancelamento de que trata o caput deste artigo ao Presidente do Tribunal respectivo.
§ 4º O Presidente do Tribunal, após a ciência de que trata o § 3º deste artigo, comunicará o fato ao juízo da execução, que notificará o credor.
Art. 3º Cancelado o precatório ou a RPV, poderá ser expedido novo ofício requisitório, a requerimento do credor.
Parágrafo único. O novo precatório ou a nova RPV conservará a ordem cronológica do requisitório anterior e a remuneração correspondente a todo o período.
R: NÃO.
A previsão no referido artigo é expressa ao determinar que, havendo o cancelamento do precatório ou RPV, poderá ser expedido novo ofício requisitório, a requerimento do credor, não havendo, por opção do legislador, prazo prescricional para que o credor faça a respectiva solicitação.
Esse dispositivo legal deixa à mostra que não se trata de extinção de direito do credor do precatório ou RPV, mas sim de uma POSTERGAÇÃO para recebimento futuro, quando tiverem decorridos 2 anos da liberação, sem que o credor levante os valores correspondentes.
De acordo com o sistema jurídico brasileiro, nenhum direito perece sem que haja previsão EXPRESSA do fenômeno apto a produzir esse resultado. Portanto, não é lícito estabelecer-se, sem lei escrita, ou seja, arbitrariamente, uma causa inopinada de prescrição.
Com efeito, por ausência de previsão legal quanto ao prazo para que o credor solicite a reexpedição do precatório ou RPV, NÃO há que se falar em prescrição, sobretudo por se tratar do exercício de um direito potestativo, o qual não estaria sujeito à prescrição, podendo ser exercido a qualquer tempo. Precedentes: REsp. 1.827.462/PE, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 11.10.2019; AgRg no REsp. 1.100.377/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 18.3.2013.
Efetuado o depósito dos valores do precatório ou RPV, os montantes respectivos se transferem à propriedade do credor, pois saem da esfera de disponibilidade patrimonial do ente público. Sendo de sua propriedade, o credor pode optar por sacá-los quando bem entender; eventual subtração da quantia que lhe pertence, para retorná-la em caráter definitivo aos cofres públicos, configuraria verdadeiro CONFISCO – ou mesmo desapropriação de dinheiro, instituto absolutamente esdrúxulo e ilegal.
É imprescritível a pretensão de expedição de novo precatório ou nova Requisição de Pequeno Valor – RPV, após o cancelamento de que trata o art. 2º da Lei n. 13.463/2017
RECURSO ESPECIAL
A utilização do trecho de maior sucesso de obra musical como título de programa televisivo, em conjunto com o fonograma, sem autorização do titular do direito, viola os direitos patrimoniais do autor.
REsp 1.704.189-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/10/2020, DJe 19/10/2020
O canal televisivo SPT utilizou a obra musical “Ela só pensa em beijar”, também conhecida como “Se ela dança, eu danço” como nome e elemento identificador de um programa televisivo exibido no referido canal.
Leonardo, o autor e intérprete da música, ajuizou ação de ressarcimento por danos materiais e morais em virtude de violação de direitos autorais referentes à obra musical. Narrou na inicial que quando recebeu o e-mail enviado pela ré em 30/8/2010, no qual solicitava o licenciamento da obra para a abertura de um programa televisivo, decidiu não conceder a autorização diante dos interesses comerciais que mantinha com outra emissora e do baixo valor oferecido como contrapartida. Ocorre que o programa da emissora ré estreou, em janeiro de 2011, com o nome “Se ela dança, eu danço”, utilizando, inclusive, o fonograma.
A tutela antecipada foi deferida para determinar à parte ré a obrigação de não fazer consistente em se abster de utilizar a cantoria e o referido nome de identificação do programa televisivo, sob pena de multa de R$ 500.000,00 por exibição do programa.
Ainda assim, a ordem judicial foi descumprida e a multa por descumprimento de ordem judicial foi majorada para R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) por exibição do programa.
O Tribunal de Justiça local, contudo, deu parcial provimento ao agravo de instrumento interposto pela ré, para afastar a determinação de cessar o uso da expressão “Se ela dança, eu danço” como nome do programa, mantendo apenas a proibição de execução da música, e reduzir o valor das astreintes para R$ 50.000,00 (cinquenta mil pila).
Inconformada, a emissora interpôs recurso especial no qual sustentou a existência de autorização tácita para o uso da obra musical. Já o autor interpôs recurso no qual sustentou que o uso da expressão “Se ela dança, eu danço” como nome do programa também enseja reparação, e requerendo que o valor previsto na Tabela da ABEM para cada uso da obra seja multiplicado pela quantidade de vezes em que ela foi utilizada indevidamente pela ré.
Cinge-se a controvérsia a discutir se a utilização de trecho de obra musical como nome de programa televisivo, sem a autorização prévia e expressa do titular do direito, enseja a reparação por ofensa a direitos patrimoniais do autor
Lei n. 9.610/1998:
Art. 24. São direitos morais do autor:
I – o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;
II – o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;
III – o de conservar a obra inédita;
IV – o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra;
V – o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada;
VI – o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem;
VII – o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado.
§ 1º Por morte do autor, transmitem-se a seus sucessores os direitos a que se referem os incisos I a IV.
§ 2º Compete ao Estado a defesa da integridade e autoria da obra caída em domínio público.
§ 3º Nos casos dos incisos V e VI, ressalvam-se as prévias indenizações a terceiros, quando couberem.
Art. 25. Cabe exclusivamente ao diretor o exercício dos direitos morais sobre a obra audiovisual.
Art. 26. O autor poderá repudiar a autoria de projeto arquitetônico alterado sem o seu consentimento durante a execução ou após a conclusão da construção.
Parágrafo único. O proprietário da construção responde pelos danos que causar ao autor sempre que, após o repúdio, der como sendo daquele a autoria do projeto repudiado.
Art. 27. Os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis.
Art. 28. Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica.
Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:
I – a reprodução parcial ou integral;
II – a edição;
III – a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações;
IV – a tradução para qualquer idioma;
V – a inclusão em fonograma ou produção audiovisual;
VI – a distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou exploração da obra;
VII – a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para percebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em que o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usuário;
VIII – a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante:
a) representação, recitação ou declamação;
b) execução musical;
c) emprego de alto-falante ou de sistemas análogos;
d) radiodifusão sonora ou televisiva;
e) captação de transmissão de radiodifusão em locais de freqüência coletiva;
f) sonorização ambiental;
g) a exibição audiovisual, cinematográfica ou por processo assemelhado;
h) emprego de satélites artificiais;
i) emprego de sistemas óticos, fios telefônicos ou não, cabos de qualquer tipo e meios de comunicação similares que venham a ser adotados;
j) exposição de obras de artes plásticas e figurativas;
IX – a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero;
X – quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas.
Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:
I – a reprodução:
a) na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo, publicado em diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação de onde foram transcritos;
b) em diários ou periódicos, de discursos pronunciados em reuniões públicas de qualquer natureza;
c) de retratos, ou de outra forma de representação da imagem, feitos sob encomenda, quando realizada pelo proprietário do objeto encomendado, não havendo a oposição da pessoa neles representada ou de seus herdeiros;
d) de obras literárias, artísticas ou científicas, para uso exclusivo de deficientes visuais, sempre que a reprodução, sem fins comerciais, seja feita mediante o sistema Braille ou outro procedimento em qualquer suporte para esses destinatários;
II – a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro;
III – a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra;
IV – o apanhado de lições em estabelecimentos de ensino por aqueles a quem elas se dirigem, vedada sua publicação, integral ou parcial, sem autorização prévia e expressa de quem as ministrou;
V – a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas, fonogramas e transmissão de rádio e televisão em estabelecimentos comerciais, exclusivamente para demonstração à clientela, desde que esses estabelecimentos comercializem os suportes ou equipamentos que permitam a sua utilização;
VI – a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar ou, para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em qualquer caso intuito de lucro;
VII – a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas para produzir prova judiciária ou administrativa;
VIII – a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores.
Art. 47. São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito.
Art. 48. As obras situadas permanentemente em logradouros públicos podem ser representadas livremente, por meio de pinturas, desenhos, fotografias e procedimentos audiovisuais
R: SIM.
No Brasil, a Lei n. 9.610/1998 (LDA), que disciplina os direitos de autor e os direitos conexos, reconhece o DUPLO aspecto do direito autoral. De um lado, a lei protege os direitos de natureza moral do autor, relacionados à defesa e à proteção da autoria e da integridade da obra (arts. 24 a 27 da LDA). São, em sua essência, direitos de personalidade do autor e como tais, irrenunciáveis e inalienáveis.
De outro lado, tem-se os direitos de conteúdo patrimonial, que conferem ao autor “o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica” (art. 28 da LDA) e que garantem a ele o aproveitamento econômico de sua obra, protegendo os meios pelos quais o autor poderá obter vantagens pecuniárias de sua criação. Por esse motivo, qualquer forma de utilização da obra por pessoa diversa do autor dependerá de sua prévia e expressa autorização (art. 29 da LDA)
A LDA, contudo, dispõe acerca dos LIMITES ao direito do autor, prevendo hipóteses em que a utilização da obra não constituirá ofensa aos direitos autorais (arts. 46 a 48 da LDA). Dentre essas limitações, destaca-se a citação de pequenos trechos de obras preexistentes “sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores” (inciso VIII do art. 46, da LDA).
Nos termos da legislação em vigor, e tendo como parâmetro a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema, verifica-se, a princípio, que poderá haver violação de direitos patrimoniais do autor quando houver a utilização, sem autorização do titular do direito, tanto do fonograma, quanto de trecho da obra musical, desde que esse uso não esteja amparado pelos limites previstos em lei (arts. 46 a 48 da LDA).
No caso, a escolha do trecho de maior sucesso da obra musical como título de programa televisivo e seu uso em conjunto com o fonograma, gerou uma ASSOCIAÇÃO inadequada do autor da obra musical com a emissora, que utilizou o sucesso da música como título em sua programação semanal também como forma de atrair audiência.
A utilização do trecho de maior sucesso de obra musical como título de programa televisivo, em conjunto com o fonograma, sem autorização do titular do direito, viola os direitos patrimoniais do autor.
RECURSO ESPECIAL
A operadora de plano de saúde não é obrigada a custear o procedimento de fertilização in vitro associado ao tratamento de endometriose profunda.
REsp 1.859.606-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 06/10/2020, DJe 15/10/2020
Paula ajuizou ação de obrigação de fazer em face de Brasa Saúde S.A., pretendendo o custeio do tratamento médico prescrito para endometriose, incluindo a realização de fertilização in vitro. O Juízo de primeiro grau julgou parcialmente procedente o pedido para condenar a ré a custear o tratamento prescrito, exceto a fertilização in vitro.
Da decisão, Paula interpôs apelação a qual não foi provida pelo Tribunal de Justiça local por entender ausente a previsão contratual e legal para tal tratamento.
Inconformada, a autora interpôs recurso especial no qual sustentou que a Lei 9656/98 não proibiu o procedimento de fertilização in vitro, tanto que na própria Lei evidencia e restringe tão somente a inseminação artificial; o que significa dizer que são procedimentos totalmente distintos e que não admite interpretação extensiva para abranger a fertilização in vitro.
Por fim, alegou também que “considerando que a finalidade dos contratos de seguro-saúde consiste na garantia da efetiva prestação de saúde, significa dizer que a autora cria a expectativa de que quando precisar de tratamento médico-hospitalar, a seguradora colocará à sua disposição todo o aparato necessário para que a paciente alcance a cura almejada ou contenha os avanços de sua moléstia.”
Lei n. 9.656/1998:
Art. 35-F. A assistência a que alude o art. 1o desta Lei compreende todas as ações necessárias à prevenção da doença e à recuperação, manutenção e reabilitação da saúde, observados os termos desta Lei e do contrato firmado entre as partes.
R: NÃO.
A Terceira Turma, ao julgar o REsp 1.815.796/RJ (DJe de 09/06/2020), fez a DISTINÇÃO entre o tratamento da infertilidade – que, segundo a jurisprudência, não é de cobertura obrigatória pelo plano de saúde (REsp 1.590.221/DF, Terceira Turma, julgado em 07/11/2017, DJe de 13/11/2017) – e a prevenção da infertilidade, enquanto efeito adverso do tratamento prescrito ao paciente e coberto pelo plano de saúde.
Na ocasião daquele julgamento, decidiu-se pela necessidade de ATENUAÇÃO dos efeitos colaterais, previsíveis e evitáveis da quimioterapia, dentre os quais a falência ovariana, em atenção ao princípio médico primum non nocere e à norma que emana do art. 35-F da Lei n. 9.656/1998, e se concluiu pela manutenção da condenação da operadora à cobertura de parte do procedimento de reprodução assistida pleiteado, cabendo à beneficiária arcar com os eventuais custos a partir da alta do tratamento quimioterápico.
No particular, diferentemente do contexto delineado no mencionado REsp 1.815.796/RJ, verifica-se que o procedimento de fertilização in vitro não foi prescrito à parte para prevenir a infertilidade decorrente do tratamento para a endometriose, senão como tratamento da infertilidade COEXISTENTE à endometriose, a cuja cobertura não está obrigada a operadora do plano de saúde.
É dizer, não se evidencia que a infertilidade é efeito colateral, previsível e evitável do tratamento prescrito para a endometriose, mas uma patologia que preexiste a este, associada à baixa reserva ovariana e à endometriose, cujo tratamento é feito por meio dos procedimentos de reprodução assistida.
Constata-se, assim, que a fertilização in vitro NÃO é o único recurso terapêutico para a patologia, mas uma alternativa à cirurgia que resolve o problema da infertilidade a ela associada.
A operadora de plano de saúde não é obrigada a custear o procedimento de fertilização in vitro associado ao tratamento de endometriose profunda.
RECURSO ESPECIAL
A viúva meeira não faz jus ao usufruto vidual previsto no art. 1.611, § 1º, do Código Civil de 1916.
REsp 1.280.102-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 13/10/2020, DJe 16/10/2020
Joselito, casado com Graça, faleceu. Nos autos do inventário dos bens deixados pelo finado, foi exarada decisão que indeferiu o pedido apresentado pela viúva no sentido de ver reconhecido o usufruto vidual da quarta parte dos bens inventariados, nos moldes do disposto no artigo 1.611, §1º, do Código Civil de 1916.
Graça então interpôs agravo de instrumento, o qual foi negado por entender o Tribunal local que a viúva já contemplada com a meação, não fazendo jus a aludido instituto previsto no artigo 1611, § 1°, do Código Civil de 1916.
Inconformada, Graça interpôs recurso especial no qual sustentou que atendeu aos dois únicos requisitos estabelecidos pelo § 1° do art. 1.611 do antigo Código Civil para a concessão do usufruto: regime de bens diferente do da comunhão universal e viuvez do cônjuge e ainda que o usufruto vidual deveria ser concedido, independente de eventual meação a que tenha direito o cônjuge sobrevivente.
Código Civil de 1916:
Art. 1.611 – A falta de descendentes ou ascendentes será deferida a sucessão ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estava dissolvida a sociedade conjugal.
§ 1º O cônjuge viúvo se o regime de bens do casamento não era o da comunhão universal, terá direito, enquanto durar a viuvez, ao usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se houver filho dêste ou do casal, e à metade se não houver filhos embora sobrevivam ascendentes do “de cujus”.
§ 2º Ao cônjuge sobrevivente, casado sob o regime da comunhão universal, enquanto viver e permanecer viúvo será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habilitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar.
O usufruto vidual era conferido no regime do Código Civil revogado (art. 1.611, § 1º, com o acréscimo conferido pela Lei n. 4.121/1962) aos cônjuges casados em regimes de bens diversos da comunhão universal, correspondendo à quarta parte dos bens deixados pelo falecido, caso houvesse filhos, ou metade dos bens, na hipótese de herdeiros ascendentes.
O escopo do instituto era a salvaguarda do mínimo necessário ao cônjuge que não era agraciado, obrigatoriamente, com herança do falecido, como no caso de comunhão parcial ou separação absoluta, em sucessões abertas na vigência do Código Beviláqua, esse que NÃO considerava o cônjuge como herdeiro necessário.
O atual Código NÃO abarcou esse tema jurídico nos mesmos moldes então previstos na legislação revogada, porém estendeu o direito real de habitação referido no § 2º do art. 1.611 do CC/1916 a todos os regimes de bens (art. 1.831, CC/2002), sem as restrições então previstas e alçou o cônjuge ao patamar de herdeiro necessário. Sob o restrito ditame do Código Civil de 1916, não seria a condição econômica do viúvo fator determinante para a existência do direito de usufruto sobre parte dos bens.
R: Ficouuu.
O art. 1.611, § 1º, do CC/16 preleciona que para a aplicação do instituto seriam exigidos apenas três requisitos, a saber: (a) que o cônjuge sobrevivente não tenha sido casado com o falecido no regime de comunhão universal de bens; (b) que existam herdeiros necessários, isto é, ascendentes ou descendentes; e (c) que perdure o estado de viuvez.
Certamente, o dispositivo legal em questão tem o inequívoco sentido de amparo ao cônjuge que fica desprovido dos recursos que pertenciam ao falecido, em consequência do regime matrimonial dos bens.
Se, no entanto, a viúva, pelo reconhecimento de sua participação na metade dos aquestos, já tem uma situação correspondente à que lograria se o regime fosse o da comunhão universal, NÃO há razão alguma de se lhe atribuir, ademais, o benefício legal ora em foco, sobre parte dos bens que excederam a sua fração do monte, vez que o usufruto em tela é modo de COMPENSAÇÃO pelo que não teria recebido, a denotar a imprescindibilidade do afastamento da benesse em virtude da ausência de necessidade econômico-patrimonial.
A viúva meeira não faz jus ao usufruto vidual previsto no art. 1.611, § 1º, do Código Civil de 1916.
HABEAS CORPUS
É ilegal/teratológica a prisão civil do devedor de alimentos, sob o regime fechado, no período de pandemia, anterior ou posterior à Lei n. 14.010/2020.
HC 569.014-RN, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 06/10/2020, DJe 14/10/2020
A Defensoria Pública do Rio Grande do Norte ajuizou habeas corpus coletivo, com pedido liminar, em favor de “todas as pessoas privadas de liberdade em decorrência do inadimplemento de pensão alimentícia e que se encontram recolhidas no sistema prisional do Estado.
O pedido liminar foi parcialmente deferido pelo relator para determinar o cumprimento das prisões civis por devedores de alimentos do Estado do Rio Grande do Norte, por ora e excepcionalmente, em regime domiciliar.
O Ministério Público Federal ofertou parecer pela concessão da ordem.
Lei n. 14.010/2020:
Art. 15. Até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida alimentícia, prevista no art. 528, § 3º e seguintes da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações.
R: SOLTOUUUU (Brasil-sil-sil)
Segundo o STJ, ressai clara a possibilidade de subsistir o aprisionamento em estabelecimento coletivo de devedor de alimentos durante a pandemia causada pelo Coronavírus (Covid-19), devendo-se levar em consideração, determinadas circunstâncias, como o estado de saúde do devedor.
O ato coator, no cenário pandêmico em que se vivencia, encerra manifesta TERATOLOGIA. Hummm… e eu achando que era um conflito complicadíssimo, afinal de contas, criança também come durante pandemia e se alimentante não paga pensão a coisa complica…
Em atenção: I) ao estado de emergência em saúde pública declarado pela Organização Mundial de Saúde, que perdura até os dias atuais, decorrente da pandemia de Covid-19, doença causada pelo Coronavírus (Sars-Cov-2); II) à adoção de medidas necessárias à contenção da disseminação levadas a efeito pelo Poder Público, as quais se encontram em vigor; III) à Recomendação n. 62 do Conselho Nacional de Justiça consistente na colocação em prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia; e, mais recentemente, IV) à edição da Lei n. 14.010/2020, de 10 de junho de 2020, que determinou, expressamente, que, até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida de alimentos seja cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações, mostra-se flagrante a ilegalidade no ato atacado.
As Turmas de Direito Privado do STJ são uníssonas em reconhecer a indiscutível ilegalidade/teratologia da prisão civil, sob o regime fechado, no período de pandemia, anterior ou posterior à Lei n. 14.010/2020.A divergência subsistente no âmbito das Turmas de Direito Privado refere-se apenas ao período anterior à edição da Lei n. 14.010/2020, tendo esta Terceira Turma, no tocante a esse interregno, compreendido ser possível o diferimento da prisão civil para momento posterior ao fim da pandemia; enquanto a Quarta Turma do STJ tem reconhecido a necessidade de aplicar o regime domiciliar.
É ilegal/teratológica a prisão civil do devedor de alimentos, sob o regime fechado, no período de pandemia, anterior ou posterior à Lei n. 14.010/2020.
RECURSO ESPECIAL
Nos contratos de mútuo imobiliário com pacto adjeto de alienação fiduciária, com a entrada em vigor da Lei n. 13.465/2017, não se admite a purgação da mora após a consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário, sendo assegurado ao devedor fiduciante tão somente o exercício do direito de preferência.
REsp 1.649.595-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/10/2020, DJe 16/10/2020
Janice e Jânio ajuizaram ação de conhecimento em desfavor de Caixa Econômica Federal, visando a suspensão do leilão extrajudicial do imóvel dado em garantia de alienação fiduciária de mútuo imobiliário, bem como pretendendo a purgação da mora ofertada, a fim de manter a continuidade do contrato de financiamento em todos os seus termos.
Na sentença, o Juízo de primeiro grau julgou procedentes os pedidos. O Tribunal local deu parcial provimento à apelação interposta pela casa bancária, a fim de se reconhecer “o direito dos autores de purgar a mora até a data da venda do imóvel, efetuando o pagamento integral da dívida e sem a reativação do contrato, nos termos da fundamentação”
Inconformado, o casal interpôs recurso especial no qual sustentou a possibilidade de purgação da mora, antes ou depois de consolidada a propriedade em favor do credor fiduciário, mediante o pagamento dos débitos vencidos e vincendos, bem como a não extinção do contrato de mútuo, de imediato, com a consolidação da propriedade em benefício do credor fiduciário.
Lei n. 9.514/1997:
Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído, será intimado, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação.
Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel. […]§ 2o-B. Após a averbação da consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário e até a data da realização do segundo leilão, é assegurado ao devedor fiduciante o direito de preferência para adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida, somado aos encargos e despesas de que trata o § 2o deste artigo, aos valores correspondentes ao imposto sobre transmissão inter vivos e ao laudêmio, se for o caso, pagos para efeito de consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário, e às despesas inerentes ao procedimento de cobrança e leilão, incumbindo, também, ao devedor fiduciante o pagamento dos encargos tributários e despesas exigíveis para a nova aquisição do imóvel, de que trata este parágrafo, inclusive custas e emolumentos.
R: NÃO. Somente o exercício do direito de preferência.
Segundo o entendimento do STJ, a purgação da mora, nos contratos de mútuo imobiliário com garantia de alienação fiduciária, submetidos à disciplina da Lei n. 9.514/1997, é admitida no prazo de 15 (quinze) dias, conforme previsão do art. 26, § 1º, da lei de regência, ou a qualquer tempo, até a assinatura do auto de arrematação, com base no art. 34 do Decreto-Lei n. 70/1966, aplicado subsidiariamente às operações de financiamento imobiliário relativas à Lei n. 9.514/1997.
Sobrevindo a Lei n. 13.465/2017, que introduziu no art. 27 da Lei n. 9.514/1997 o § 2º-B, NÃO se cogita mais da aplicação subsidiária do Decreto-Lei n. 70/1966, uma vez que, consolidada a propriedade fiduciária em nome do credor fiduciário, descabe ao devedor fiduciante a purgação da mora, sendo-lhe garantido apenas o exercício do direito de PREFERÊNCIA na aquisição do bem imóvel objeto de propriedade fiduciária.
ANTES da entrada em vigor da Lei n. 13.465/2017 | DEPOIS da entrada em vigor da Lei n. 13.465/2017 |
Nas situações em que já consolidada a propriedade e purgada a mora nos termos do art. 34 do Decreto-Lei n. 70/1966 (ato jurídico perfeito = retomada do contrato de financiamento imobiliário | Nas situações em que consolidada a propriedade, mas não purgada a mora no prazo legal, aplicar-se o previsto no § 2º-B do art. 27 da Lei n. 9.514/1997 (não há purgação de mora após a consolidação) |
Desfazimento do ato de consolidação | Exercício do direito de preferência |
Nos contratos de mútuo imobiliário com pacto adjeto de alienação fiduciária, com a entrada em vigor da Lei n. 13.465/2017, não se admite a purgação da mora após a consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário, sendo assegurado ao devedor fiduciante tão somente o exercício do direito de preferência.
RECURSO ESPECIAL
Para a incidência da exceção à impenhorabilidade do bem de família, prevista no art. 3º, VI, da Lei n. 8.009/1990, é imprescindível a sentença penal condenatória transitada em julgado.
REsp 1.823.159-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/10/2020, DJe 19/10/2020
Sociedade Esportiva Itália ajuizou ação indenizatória ajuizada em face de Valmir, ex-diretor da sociedade, por meio da qual pleiteava a reparação dos prejuízos causados pelo recorrente à sociedade durante o período de sua gestão. Valmir foi condenado a pagar R$ 30 mil conto.
Já na fase de cumprimento de sentença, o Juízo de 1º grau deferiu a penhora sobre um bem imóvel do réu. O executado apresentou impugnação, sob o argumento de que o imóvel em discussão seria seu único bem e, ainda, utilizado para sua residência. No julgamento da impugnação, o Juízo de 1º grau de jurisdição manteve o ato de constrição, reconhecendo que o imóvel era utilizado como residência, mas, por ter sido dado em alienação fiduciária e em razão da penhora ter recaído sobre os direitos decorrentes do contrato de alienação fiduciária, afastou a proteção conferida pela Lei n°. 8009/90.
O Tribunal de Justiça local manteve tal decisão por entender correta em seus fundamentos e ainda mencionou que seria aplicável ao caso a exceção do art. 3º, VI, da Lei 8.009/90. Inconformado, Valmir interpôs recurso especial no qual sustentou a alega violação aos arts. 1º e 3º, VI, da Lei 8.009/90 e ainda a existência de dissídio jurisprudencial.
Cinge-se a controvérsia em determinar pela legalidade da aplicação na hipótese da exceção à impenhorabilidade do bem de família, prevista no art. 3º, VI, da Lei n. 8.009/1990, considerando a ausência de condenação penal em definitivo.
Lei n. 8.009/1990:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
Código Penal:
Art. 91 – São efeitos da condenação:
I – tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;
R: SIM.
A Lei n. 8.009/1990 institui a impenhorabilidade do bem de família como instrumento de tutela do direito fundamental à moradia da família e, portanto, indispensável à composição de um mínimo existencial para uma vida digna. No entanto, mesmo esse importantíssimo instituto possui limites de aplicações. A depender das circunstâncias, a própria Lei n. 8.009/1990 prevê EXCEÇÕES à regra da impenhorabilidade.
Assim, o art. 3º, VI, da mencionada lei dispõe que não é possível opor a impenhorabilidade quando o bem em questão for adquirido como produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória.
Nessas hipóteses, no cotejo entre os bens jurídicos envolvidos, o legislador preferiu defender o ofendido por conduta criminosa ao autor da ofensa, conforme nota a doutrina: “essas exceções significam que a Lei do Bem de Família teve a intenção de balancear valores, privilegiando o valor moradia, mas ressalvando que o bem de família será penhorável em benefício dos credores por alimentos, ou por verbas devidas aos trabalhadores da própria residência, ou por garantia real constituída pelo devedor residente no imóvel etc.” Sobre efeitos da condenação penal sobre o âmbito cível, é fato que a sentença penal condenatória produz também efeitos EXTRAPENAIS, tanto genéricos quanto específicos.
Os efeitos genéricos decorrem automaticamente da sentença, sem necessidade de abordagem direta pelo juiz. Entre esses efeitos genéricos, há a obrigação de reparar o dano causado, tal como previsto no art. 91, I, do Código Penal.
Por se tratar de regra que excepciona a impenhorabilidade do bem de família e decorrer automaticamente de sentença penal condenatória, a jurisprudência do STJ já se posicionou sobre a impossibilidade de interpretação extensiva de outros incisos contidos no art. 3º da Lei n. 8.009/1990.
Por fim, anota-se ser inegável que, para a incidência da exceção prevista no art. 3º, VI, da Lei n. 8.009/1990, faz-se necessária a presença de sentença penal condenatória transitada em julgado, por não ser possível a interpretação extensiva.
Para a incidência da exceção à impenhorabilidade do bem de família, prevista no art. 3º, VI, da Lei n. 8.009/1990, é imprescindível a sentença penal condenatória transitada em julgado.
RECURSO ESPECIAL
A caução prestada em ação conexa pode ser aceita como garantia do juízo para a concessão de efeito suspensivo a embargos à execução.
REsp 1.743.951-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 06/10/2020, DJe 14/10/2020
Pavitec Ltda, empresa do ramo de pavimentação asfáltica, ajuizou ação de embargos à execução em desfavor de TS Serviços Ltda, em virtude de anterior ação de execução ajuizada por esta em face daquela.
Em decisão interlocutória, o juízo de primeiro grau indeferiu o pleito de concessão de efeito suspensivo aos embargos à execução, “mormente por não ter a parte embargante logrado comprovar que o regular prosseguimento da execução poderá provocar a ela dano irreparável e/ou de difícil reparação, sendo certo que o juízo não se encontra garantido”.
A questão chegou ao Tribunal de Justiça local que deu provimento ao agravo de instrumento para atribuir efeito suspensivo aos embargos à execução.
Inconformada, TS Serviços interpôs recurso especial no qual sustentou, dentre outras coisas, que a caução prestada na medida cautelar de sustação de protesto não pode ser entendida como penhora na ação de execução, especialmente na espécie, em que o juízo exequendo não se manifestou sobre a oferta como penhora do mesmo bem dado em garantia na ação conexa.
Cinge-se a controvérsia em definir acerca da possibilidade de se aceitar como garantia do juízo – requisito previsto no art. 919, § 1º, do CPC/2015 para a concessão de efeito suspensivo aos embargos à execução – caução prestada em ação conexa (cautelar de sustação de protesto).
CPC/2015:
Art. 919. Os embargos à execução não terão efeito suspensivo.
§ 1º O juiz poderá, a requerimento do embargante, atribuir efeito suspensivo aos embargos quando verificados os requisitos para a concessão da tutela provisória e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes.
R: SIM.
O art. 919, § 1º, do CPC/2015 prevê que o magistrado poderá atribuir efeito suspensivo aos embargos à execução quando presentes, cumulativamente, os seguintes REQUISITOS: (a) requerimento do embargante; (b) relevância da argumentação; (c) risco de dano grave de difícil ou incerta reparação; e (d) garantia do juízo.
No caso, anteriormente ao ajuizamento da ação de execução, houve o ajuizamento de ação de rescisão contratual cumulada com declaração de inexigibilidade de débito e de multa contratual cumulada com perdas e danos, questionando a higidez do contrato, bem como ação cautelar de sustação de protesto em que foi oferecido um bem móvel em garantia em valor superior ao da execução.
De fato, as parcelas contratuais que figuram como objeto da ação de execução são as MESMAS que dão sufrágio ao pleito declaratório de inexigibilidade do débito, sendo tais parcelas, também, as mesmas que foram objeto de protesto pela recorrente e, via de consequência, objeto da ação de sustação de protesto, na qual foi concedida a providência liminar. Isso significa dizer que a ação cautelar de sustação de protesto versa exatamente sobre o mesmo débito, oriundo do mesmo contrato a que se refere a ação executiva, sendo a ela CONEXA.
Dessa forma, tendo sido reconhecido, no bojo da ação cautelar, que houve o caucionamento do débito não há por que determinar que seja realizada nova constrição no patrimônio dos agravados, a fim de que seja concedido o efeito suspensivo aos seus embargos. Tal conclusão está nitidamente em convergência com o princípio da menor onerosidade ao devedor, que deve ser sempre observado pelo julgador.
A caução prestada em ação conexa pode ser aceita como garantia do juízo para a concessão de efeito suspensivo a embargos à execução.
RECURSO ESPECIAL
São devidos os honorários de sucumbência ao procurador que não participou de acordo firmado entre as partes, realizado e homologado antes do trânsito em julgado da sentença que fixou tal verba.
REsp 1.851.329-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 22/09/2020, DJe 28/09/2020
Condomínio Edfícil ajuizou ação de obrigação de fazer em desfavor da Engemaster Engenharia Ltda, por meio da qual objetivava a condenação desta à reexecução de determinados serviços de impermeabilização, realizados nas dependências do condomínio.
A sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos, para, convolando a obrigação de fazer em perdas e danos, condenar a ré ao pagamento de R$ 281.744,45. No mais, condenou a ré ainda ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.
Ocorre que, após a interposição de apelação pela recorrente e de apelação adesiva pelo Condomínio, as partes (malandramente) realizaram acordo. No referido acordo, o Condomínio foi representado por sua nova advogada, que participou das tratativas e cuja procuração revogou, automaticamente, o mandato outorgado aos advogados anteriores do Condomínio.
Dr. Ronaldo, o advogado inicial do Condomínio, por sua vez, peticionou nos autos requerendo fossem preservados os seus legítimos interesses no que se refere aos honorários sucumbenciais definidos na sentença condenatória. Asseverou, na oportunidade, que o acordo foi realizado sem a sua intervenção.
No entanto, o Juízo homologou o acordo firmado entre as partes, e indeferiu o pleito do causídico, deixando expressamente consignado que, como o acordo foi apresentado antes do trânsito em julgado da sentença, não haveria que se falar em honorários sucumbenciais.
O Tribunal de Justiça local deu provimento à apelação interposta por Dr. Ronaldo, a fim de condenar a recorrente ao pagamento da verba honorária fixada na sentença condenatória.
Inconformada, Engemaster interpôs recurso especial no qual sustentou que a sentença condenatória foi substituída, para todos os fins de direito, pela sentença homologatória do acordo firmado antes do seu trânsito em julgado, não subsistindo, por consequência lógica e direta, a condenação das verbas sucumbenciais — acordo celebrado pelas partes não impediria que o recorrido cobrasse de seu ex-cliente os honorários contratados pelos serviços prestados no processo; o que não se poderia admitir era a cobrança de honorários de sucumbência com base em uma sentença que não mais subsiste.
Cinge-se a controvérsia em definir se são devidos os honorários de sucumbência ao procurador que não participou do acordo firmado entre as partes, realizado e homologado antes do trânsito em julgado da sentença que fixou tal verba.
Lei n. 8.906/1994:
Art. 24. A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial.
§ 4º O acordo feito pelo cliente do advogado e a parte contrária, salvo aquiescência do profissional, não lhe prejudica os honorários, quer os convencionados, quer os concedidos por sentença.
R: SIM.
O art. 24, § 4º, da Lei n. 8.906/1994 dispõe que “o acordo feito pelo cliente do advogado e a parte contrária, salvo aquiescência do profissional, não lhe prejudica os honorários, quer os convencionados, quer os concedidos por sentença”. A exegese do preceito legal é a de que o acordo firmado entre as partes, sem a concordância do advogado, não atinge o direito ao recebimento dos honorários advocatícios fixados em sentença judicial transitada em julgado.
A 3ª Turma do STJ possui precedente no sentido de que, embora seja direito autônomo do advogado a execução da verba honorária de sucumbência, inclusive nos próprios autos, não há como atribuir força executiva à sentença que não transitou em julgado se as partes chegaram a consenso acerca do direito controvertido e celebraram acordo que foi devidamente homologado por sentença, devendo o causídico, nessa situação, valer-se das vias ordinárias (REsp 1.524.636/RJ, 3ª Turma, DJe 23/08/2016).Na espécie, verifica-se que não houve trânsito em julgado da sentença condenatória que, por sua vez, fixou a condenação da verba honorária em favor dos ex-patronos.
No entanto, a despeito da ausência de trânsito em julgado da sentença condenatória, entende-se que a questão deve ser analisada sob outro viés, dadas as peculiaridades do caso concreto, mostrando-se plausível a flexibilização da interpretação normativa.
Na presente hipótese, verifica-se que, em 1º grau, a sentença condenatória condenou a recorrente ao pagamento de 10% (dez por cento) do valor da condenação a título de verba honorária, condenação esta que foi mantida pelo Tribunal de Origem e que estava prestes a transitar em julgado, não fosse pelo fato de as partes terem, neste meio tempo, atravessado pedido de homologação de acordo extrajudicial – que sequer fez menção ao pagamento de qualquer verba honorária -, com a participação de nova advogada constituída nos autos, o que revogou automaticamente anterior procuração outorgada.
Mutatis mutandis, vale lembrar que esta 3ª Turma já decidiu, também com base nas particularidades do caso concreto analisado, pela possibilidade de a sociedade de advogados que patrocinou os interesses da exequente no curso da execução e teve seu mandato revogado antes da sentença homologatória da transação firmada entre as partes sem disposição acerca de verba honorária, prosseguir com a execução dos honorários que entende devidos nos próprios autos do feito executivo, e não necessariamente em ação autônoma (REsp 1.819.956/SP, DJe 19/12/2019).
Assim, dada as particularidades da situação ora analisada, convém reconhecer o direito autônomo do recorrido ao recebimento da verba honorária estabelecida na sentença condenatória, devendo esta ser considerada título executivo judicial, nos termos dos arts. 23 e 24 da Lei n. 8.906/1994.
São devidos os honorários de sucumbência ao procurador que não participou de acordo firmado entre as partes, realizado e homologado antes do trânsito em julgado da sentença que fixou tal verba.
HABEAS CORPUS
Não se aplica o rito excepcional da prisão civil como meio coercitivo para o adimplemento dos alimentos devidos em razão da prática de ato ilícito.
HC 523.357-MG, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 01/09/2020, DJe 16/10/2020
Nelson cumpre pena em regime semiaberto, em prisão domiciliar, em virtude do cometimento de homicídio contra Laíza, genitora de Hugo e Luís. Desde 2005 foi obrigado a arcar com pensão alimentícia mensal de 3 salários-mínimos aos filhos da vítima, além de ter sido condenado em ação de indenização de danos morais e lucros cessantes cumulados com alimentos, quantia que hoje alcança montante superior a oitocentos mil reais.
Por este motivo, teve todas as suas propriedades bloqueadas, para a constituição de capital em favor dos filhos da vítima, e garantir a execução da sentença de indenização datada de 2006.
Ocorre que Nelson sofreu no final de 2018 derrame cerebral, não exercendo atividade remunerada que sequer supra integralmente suas necessidades suportadas por familiares. Por tal razão, deixou de pagar o valor devido aos filhos da vítima.
Houve a prisão do devedor que, de acordo com o Juízo competente, seria mera consequência jurídica do descumprimento, ressalvando que as possibilidades do alimentante, bem como as necessidades dos alimentados devem ser discutidas em ação própria.
Inconformada, a defesa de Nelson impetrou diversos Habeas Corpus no qual sustentou indevida a prisão por inadimplemento de parcelas alimentícias decorrentes de ato ilícito.
Código Civil:
Art.948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações:
I – no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família;
II – na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima.
Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.
Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.
Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
§ 1 o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
§ 2 o Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.
CPC/2015:
Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.
§ 1º Caso o executado, no prazo referido no caput , não efetue o pagamento, não prove que o efetuou ou não apresente justificativa da impossibilidade de efetuá-lo, o juiz mandará protestar o pronunciamento judicial, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 517 .
§ 2º Somente a comprovação de fato que gere a impossibilidade absoluta de pagar justificará o inadimplemento.
§ 3º Se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial na forma do § 1º, decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses.
§ 4º A prisão será cumprida em regime fechado, devendo o preso ficar separado dos presos comuns.
§ 5º O cumprimento da pena não exime o executado do pagamento das prestações vencidas e vincendas.
§ 6º Paga a prestação alimentícia, o juiz suspenderá o cumprimento da ordem de prisão.
§ 7º O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.
§ 8º O exequente pode optar por promover o cumprimento da sentença ou decisão desde logo, nos termos do disposto neste Livro, Título II, Capítulo III, caso em que não será admissível a prisão do executado, e, recaindo a penhora em dinheiro, a concessão de efeito suspensivo à impugnação não obsta a que o exequente levante mensalmente a importância da prestação.
§ 9º Além das opções previstas no art. 516 , parágrafo único, o exequente pode promover o cumprimento da sentença ou decisão que condena ao pagamento de prestação alimentícia no juízo de seu domicílio.
Art. 533. Quando a indenização por ato ilícito incluir prestação de alimentos, caberá ao executado, a requerimento do exequente, constituir capital cuja renda assegure o pagamento do valor mensal da pensão.
§ 1º O capital a que se refere o caput , representado por imóveis ou por direitos reais sobre imóveis suscetíveis de alienação, títulos da dívida pública ou aplicações financeiras em banco oficial, será inalienável e impenhorável enquanto durar a obrigação do executado, além de constituir-se em patrimônio de afetação.
§ 2º O juiz poderá substituir a constituição do capital pela inclusão do exequente em folha de pagamento de pessoa jurídica de notória capacidade econômica ou, a requerimento do executado, por fiança bancária ou garantia real, em valor a ser arbitrado de imediato pelo juiz.
§ 3º Se sobrevier modificação nas condições econômicas, poderá a parte requerer, conforme as circunstâncias, redução ou aumento da prestação.
§ 4º A prestação alimentícia poderá ser fixada tomando por base o salário-mínimo.
§ 5º Finda a obrigação de prestar alimentos, o juiz mandará liberar o capital, cessar o desconto em folha ou cancelar as garantias prestadas.
R: Solta.
Os alimentos, de acordo com a causa de sua origem, podem ser classificados em TRÊS ESPÉCIES:
O artigo 1.694 do atual Código Civil, seguindo a mesma linha da legislação civil anterior, foi expresso ao elencar como causas jurídicas do dever de prestar alimentos o parentesco natural/civil e o vínculo familiar criado por ocasião do casamento ou união estável. Os alimentos decorrentes de ato ilícito, por sua vez, são considerados de forma expressa como indenização, conforme se verifica da leitura dos artigos 948, 950 e 951 do CC/2002.
Discute-se se o rito prescrito no art. 528 do CPC/2015, no capítulo intitulado “Do cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de prestar alimentos” – notadamente o respectivo §3º, segundo o qual se o executado não pagar no prazo assinado no caput, ou a justificativa apresentada não for aceita, o juiz “decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses” – tem aplicação às execuções de sentenças indenizatórias de ato ilícito.
Com base na DISTINÇÃO entre obrigação alimentar propriamente dita e obrigação de ressarcimento de prejuízo decorrente de ato ilícito, parte expressiva da doutrina sustenta que somente no primeiro caso (obrigações de direito de família) é cabível a prisão civil do devedor de obrigação de prestar alimentos. Esse entendimento é corroborado pela circunstância de que o artigo 533 do CPC em vigor apresenta regra específica destinada a reger a execução de sentença indenizatória que incluir prestação de alimentos.
Observa-se que realmente, como acentua a doutrina que admite a prisão civil em relação a alimentos indenizatórios, o art. 528 do CPC/2015, assim como o art. 733 do CPC/1973, ao estabelecer a possibilidade de decreto de prisão em caso de não pagamento injustificado da pensão, não faz diferença entre a obrigação alimentar de direito de família e a decorrente de ato ilícito.
Todavia, é MANIFESTA a distinção entre a obrigação de prestar alimentos derivada de vínculo familiar e a decorrente da condenação a compor os prejuízos causados por ato ilícito. Com efeito, os “alimentos” indenizatórios são arbitrados em quantia fixa, pois são medidos pela extensão do dano, de forma a ensejar, na medida do possível, o retorno ao status quo ante. Ao contrário, os alimentos civis/naturais devem necessariamente levar em consideração o binômio necessidade-possibilidade para a sua fixação, estando sujeitos à reavaliação para mais ou para menos, a depender das vicissitudes ocorridas na vida dos sujeitos da relação jurídica.
Cumpre ressaltar que o alargamento das hipóteses de prisão civil, para alcançar também prestação de alimentos de caráter indenizatório, chegando a se estender, no limite proposto por parte da doutrina, a todos os credores de salários e honorários profissionais, acaba por enfraquecer a dignidade excepcional, a força coercitiva extrema, que o ordenamento jurídico, ao vedar como regra geral a prisão por dívida, concedeu à obrigação alimentar típica, decorrente de direito de família, a qual, em sua essência, é sempre variável de acordo com as necessidades e possibilidades dos envolvidos.
Não se aplica o rito excepcional da prisão civil como meio coercitivo para o adimplemento dos alimentos devidos em razão da prática de ato ilícito.
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
A sucumbência recíproca, por si só, não afasta a condenação em honorários advocatícios sucumbenciais nem impede a sua majoração em sede recursal.
AgInt no AREsp 1.495.369-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 01/09/2020, DJe 16/10/2020
Em certo processo movido por Mozart em face de Banco Brasa, a sentença fixou a sucumbência recíproca em 50% para cada parte litigante. Ao apreciar os embargos de declaração opostos, o magistrado de primeiro grau ainda frisou que não estava caracterizada a sucumbência mínima.
Ou seja, a título de honorários de sucumbência, foi arbitrado, por equidade, o valor fixo de R$ 100.000,00 (cem mil reais), nos termos do artigo 86, parágrafo único do CPC, na mesma proporção acima estipulada, ou seja, R$ 50.000,00 para os patronos do autor e R$ 50.000,00 para os patronos do requerido.
Ocorre que o Tribunal local, ao dar parcial provimento à apelação de Mozart e negar provimento ao recurso do banco agravado, manteve a sucumbência recíproca; todavia, remanejou o grau de sucumbência entre as partes, assentando que o autor responderia por 20% da sucumbência, e o réu, com o restante.
Ao apreciar os embargos declaratórios, o Tribunal de Justiça local ainda consignou que não era o caso de majoração dos honorários advocatícios em favor de Mozart, nos termos da jurisprudência só STJ, por se revelar incabível na hipótese de provimento de recurso com a consequente redistribuição da sucumbência entre as partes litigantes.
Cinge-se a controvérsia à possibilidade de majoração de honorários advocatícios, com base no parágrafo 11 do art. 85 do CPC de 2015, na hipótese em que (1) está caracterizada a sucumbência recíproca (no caso, 20% do autor, e 80% do réu); e (2) há provimento do recurso de uma das partes litigantes, com nova redistribuição da sucumbência.
CPC/2015:
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
§ 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.
R: Sim.
No que se refere à majoração de honorários advocatícios em sede recursal (art. 85, § 11, do CPC) quando está caracterizada a sucumbência recíproca entre as partes, não se desconhece que há precedentes do STJ concluindo pelo seu não cabimento, sob o fundamento de que, em tais situações, cada uma das partes arca com os honorários advocatícios do próprio causídico.
No entanto, a sucumbência recíproca, por si só, não afasta a condenação em honorários advocatícios de sucumbência, tampouco impede a sua majoração em sede recursal com base no art. 85, § 11, do Código de Processo Civil de 2015. Isso porque, em relação aos honorários de sucumbência, o caput do art. 85 do CPC de 2015 dispõe que “[a] sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor”.
R: Negativo!
A relação jurídica se estabelece entre a parte litigante e o causídico do ex adverso, diferentemente do que ocorre nos honorários advocatícios convencionais – ou contratuais -, em que a relação jurídica se estabelece entre a parte e o patrono que constitui.
Segundo o STJ, acaso se adote o entendimento de que, havendo sucumbência recíproca, cada parte se responsabiliza pela remuneração do seu respectivo patrono também no que tange aos honorários de sucumbência, o deferimento de gratuidade de justiça ensejaria CONFLITO DE INTERESSES entre o advogado e a parte beneficiária por ele representada, criando situação paradoxal de um causídico defender um benefício ao seu cliente que, de forma reflexa, o prejudicaria.
Desse modo, uma vez estabelecido o grau de sucumbência recíproca entre os litigantes, a parte autora fica responsável pelo pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência do advogado do réu, e o réu, responsável pelo pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência do advogado do autor.
R: Não.
No que tange à majoração de honorários em sede recursal, em que pese não existir óbice quando caracterizada a sucumbência recíproca, a jurisprudência desta Corte Superior preconiza a necessidade da PRESENÇA CONCOMITANTE dos seguintes requisitos: a) decisão recorrida publicada a partir de 18/3/2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no processo em que interposto o recurso.
Assim, é incabível a majoração de honorários em sede recursal, nas hipóteses em que há provimento do recurso e a respectiva readequação da sucumbência.
A sucumbência recíproca, por si só, não afasta a condenação em honorários advocatícios sucumbenciais nem impede a sua majoração em sede recursal.
RECURSO ESPECIAL
As receitas decorrentes das operações de vendas de mercadorias destinadas à Zona Franca de Manaus devem ser excluídas da base de cálculo da contribuição previdenciária sobre a receita bruta.
REsp 1.579.967-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 08/09/2020, DJe 09/10/2020
Calçados Urano Ltda impetrou mandado de segurança no qual pretendia assegurar que as vendas realizadas para a Zona Franca de Manaus, fossem isentas da contribuição previdenciária prevista no art. 8° da Lei n° 12.546, de 2011.
O Tribunal Regional Federal competente concedeu a segurança por entender que ”as receitas decorrentes de exportações, às quais são equiparadas as vendas realizadas para a Zona Franca de Manaus, estão isentas da contribuição previdenciária prevista no art. 8° da Lei n° 12.546, de 2011“.
Inconformada, a União interpôs recurso especial no qual sustentou que houve violação dos arts. 8° e 9° da Lei n. 12.546/2011; do art. 4° do Decreto-Lei n. 288/1967; e do art. 7° do Decreto-Lei n. 1.435/1975, ao argumento de que na base de cálculo da contribuição previdenciária substitutiva sobre receita bruta (art. 8° da Lei n. 12.546/2011), apesar da isenção conferida às receitas de exportação (art. 9° da Lei n. 12.546/2011), deveria ser incluída a receita proveniente de venda de mercadorias e serviços à Zona Franca de Manaus, não se aplicando o tratamento equivalente do art. 4° do Decreto-Lei n. 12.546/2011 por ausência de previsão legal.
R: NÃO.
A Lei n. 12.546/2011, com redação dada pela Lei n. 12.844/13, criou espécie de contribuição previdenciária substitutiva: “até 31 de dezembro de 2014, contribuirão sobre o valor da receita bruta, excluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos, à alíquota de 1% (um por cento), em substituição às contribuições previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei n. 8.212/1991, as empresas que fabricam os produtos classificados na TIPI, aprovada pelo Decreto n. 7.660/2011, nos códigos referidos no Anexo desta Lei” (art. 8º); e dispôs que, “para fins do disposto nos arts. 7º e 8º, exclui-se da base de cálculo das contribuições a receita bruta de exportações” (art. 9º, II).
Por sua vez, a Zona Franca de Manaus constitui área de livre comércio instituída pelo Decreto-lei n. 288/1967, cujo art. 4º veicula incentivo fiscal especial, estabelecendo que “a exportação de mercadorias de origem nacional para consumo ou industrialização na Zona Franca de Manaus, ou reexportação para o estrangeiro, será para todos os efeitos fiscais, constantes da legislação em vigor, equivalente a uma exportação brasileira para o estrangeiro”.
As vendas de mercadorias para a Zona Franca de Manaus, na linha de pacífico entendimento jurisprudencial do STJ, são alcançadas pela regra do art. 9º, II, da Lei n. 12.546/2011.
“A venda de mercadorias para empresas situadas na Zona Franca de Manaus equivale à exportação de produto brasileiro para o estrangeiro, em termos de efeitos fiscais, segundo interpretação do Decreto-lei n. 288/1967, de modo que, com base nesse entendimento consolidado, é possível concluir que NÃO incide sobre tais receitas a contribuição substitutiva prevista na Lei n. 12.546/2011” (AgInt no REsp 1.736.363/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 06/09/2018, DJe 13/09/2018).
As receitas decorrentes das operações de vendas de mercadorias destinadas à Zona Franca de Manaus devem ser excluídas da base de cálculo da contribuição previdenciária sobre a receita bruta.
RECURSO ESPECIAL
É obrigatória a devolução de veículo considerado inadequado ao uso após a restituição do preço pelo fornecedor no cumprimento de sentença prolatada em ação redibitória.
REsp 1.823.284-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/10/2020, DJe 15/10/2020
Cleiton ajuizou ação redibitória em desfavor de Lada Motors do Brasil, alegando que adquiriu um veículo Lada Dilux Sedan, tendo aludido automóvel apresentado diversos problemas após a compra, tornando-se inadequado ao uso a que se destinava.
O autor requereu a devolução do preço pago pelo automóvel e dos valores gastos com a locação de veículo reserva e pedágios, bem como a indenização. O juízo de primeiro grau julgou procedente o pedido para rescindir o contrato e determinar a restituição do montante despendido no momento da aquisição do veículo, bem como condenou a empresa requerida ao pagamento de indenização por danos materiais e danos morais. Sobreveio sentença declarando extinta a execução, nos termos do art. 794, inciso I, do CPC.
Ato seguinte, a recorrente requereu a devolução do veículo, acompanhado dos documentos, considerando a rescisão contratual, em observância ao disposto no art. 18, § 1º, do CDC. Ocorre que tanto Juízo de primeiro grau como o Tribunal de Justiça entenderam que não havia tal comando na decisão judicial transitada em julgado.
No prejuízo, Lada Motors interpôs recurso especial no qual sustentou ofensa ao art. 18, parágrafo primeiro, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor c.c. arts. 502 e 503, ambos do Código de Processo Civil/2015, sob o fundamento de que a restituição do valor pago pela aquisição do bem móvel pressupõe a devolução do veículo tido por viciado pela consumidora à fornecedora. Aduziu negativa de vigência aos arts. 476 e 884, ambos do Código Civil, ao argumento de que a devolução do valor pago sem a restituição do bem ensejaria o enriquecimento ilícito do consumidor.
Cinge-se a controvérsia em torno da obrigatoriedade da devolução do veículo considerado inadequado ao uso após a restituição do preço pela fornecedora no cumprimento de sentença prolatada em ação redibitória.
Código de Defesa do Consumidor:
Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
§ 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I – a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;
II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III – o abatimento proporcional do preço.
Código Civil:
Art. 844. A transação não aproveita, nem prejudica senão aos que nela intervierem, ainda que diga respeito a coisa indivisível.
§ 1 o Se for concluída entre o credor e o devedor, desobrigará o fiador.
§ 2 o Se entre um dos credores solidários e o devedor, extingue a obrigação deste para com os outros credores.
§ 3 o Se entre um dos devedores solidários e seu credor, extingue a dívida em relação aos co-devedores.
R: SIM.
O enunciado normativo do art. 18, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor, confere ao consumidor, nas hipóteses de constatação de vício que torne inadequado o produto adquirido ao uso a que se destina, três alternativas, dentre as quais, a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos.
Evidente, portanto, a intenção do legislador de conferir ao consumidor, entre outras alternativas, o direito à rescisão do contrato de compra e venda, em face da ocorrência do vício de qualidade do produto que o torne impróprio ao uso a que se destina, retornando às partes ao status quo ante com a extinção do vínculo contratual.
Assim, acolhida a pretensão redibitória do consumidor, rescinde-se o contrato de compra e venda, retornando as partes à situação anterior à sua celebração (status quo ante), sendo uma das consequências automáticas da sentença a sua eficácia restitutória, com a restituição atualizada do preço pelo vendedor e devolução da coisa adquirida pelo comprador. Naturalmente, essa alternativa conferida ao consumidor deve ser compreendida à luz dos princípios reitores do sistema de Direito Privado, especialmente os princípios da boa-fé objetiva e da VEDAÇÃO DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.
A boa-fé objetiva, na sua função de controle, limita o exercício dos direitos subjetivos e estabelece para o credor, ao exercer o seu direito, o dever de se ater aos limites por ela traçados, sob pena de uma atuação antijurídica. Por sua vez, a venire contra factum proprium, é o exercício de uma posição jurídica desleal e em contradição com o comportamento anterior do exercente.
Constitui obrigação do consumidor devolver o veículo viciado à fornecedora, sob pena de afronta ao art. 884, do Código Civil, de vez que o recebimento da restituição integral e atualizada do valor pago, sem a devolução do bem adquirido, ensejaria o enriquecimento sem causa do consumidor.
É obrigatória a devolução de veículo considerado inadequado ao uso após a restituição do preço pelo fornecedor no cumprimento de sentença prolatada em ação redibitória.
RECURSO ESPECIAL
A assinatura do sacador/emitente da duplicata é requisito que pode ser suprido por outro meio.
REsp 1.790.004-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/10/2020, DJe 19/10/2020
Simaria ajuizou ação de embargos à execução, em face de Garcia e Cia Ltda., que impugnam a execução subsidiada em duplicatas mercantis ao argumento, entre outros, de estar ausente a assinatura do emitente da cártula, requisito que seria essencial à existência do título.
Tanto o juiz de primeiro grau quanto o Tribunal entenderam que a falta de assinatura do emitente da duplicata “pode ser suprida quando há notas fiscais e também comprovação da entrega das mercadorias”.
Inconformada, Simaria interpôs recurso especial no qual sustentou que as duplicatas que embasaram a execução seriam nulas, eis que ausente o requisito essencial da assinatura do emitente, o que impossibilitaria a verificação de sua regular emissão. Afirmou ainda que, ante a ausência desse requisito essencial, a cobrança da dívida inscrita no documento somente poderia ser realizada por meio de ação de cobrança ou de ação monitória, pois, se a duplicata é nula, é também incapaz de configurar título executivo extrajudicial.
Lei n. 5.474/1968:
Art. 13. A duplicata é protestável por falta de aceite de devolução ou pagamento.
§ 1º Por falta de aceite, de devolução ou de pagamento, o protesto será tirado, conforme o caso, mediante apresentação da duplicata, da triplicata, ou, ainda, por simples indicações do portador, na falta de devolução do título.
R: SIM, desde que a falta de assinatura possa ser suprida por outros meios.
Inicialmente, quanto à essencialidade ou possibilidade de suprimento da assinatura do emitente na duplicata, deve-se ter em vista que, distintamente da letra de câmbio – na qual que essa circunstância ocorre apenas eventualmente -, na duplicata o beneficiário da ordem de pagamento é o próprio sacador/emitente, que também é o vendedor da mercadoria ou prestador do serviço que serve de causa ao nascimento desse título de crédito.
Mesmo que a assinatura seja, em tese, essencial e suficiente para o nascimento do título de crédito, por consistir na representação material da declaração unilateral de vontade criadora do título, deve-se observar que a função da assinatura do emitente é a de garantir a sua responsabilização perante terceiros, o que somente ocorre de maneira eventual, na hipótese de circulação do título de crédito.
Não se deve, ademais, olvidar que a duplicata, por ser um título causal, permite a incidência da LITERALIDADE INDIRETA, que autoriza a identificação de seus elementos no documento da compra e venda mercantil ou da prestação de serviços que lhe serve de ensejo, pois o devedor tem a ciência de que aquela obrigação também tem seus limites definidos em outro documento.
A jurisprudência do STJ já admitiu a remissão a elemento essencial constante em documento externo, mas vinculado ao título de crédito causal, adotando, pois, a literalidade indireta.
“Descabe extinguir execução pelo só fato de inexistir data de emissão da nota promissória, quando possível tal aferição no contrato a ela vinculado” (REsp 968.320/MG, Quarta Turma, DJe 03/09/2010, sem destaque no original).
Dessa forma, como (a) se admite a configuração de título executivo extrajudicial mesmo sem a apresentação física da duplicata, pela mera menção a seus elementos – conforme expressamente permitido pelo protesto por indicação previsto no art. 13, § 1º, da Lei n. 5.474/1968 – somada ao comprovante de entrega das mercadorias ou da prestação de serviços e (b) por incidência da literalidade indireta, segundo a qual ser permite inferir a assinatura do emitente das notas fiscais e faturas juntadas à duplicata, o requisito da assinatura do emitente deve ser considerado suprível nessa específica modalidade de título de crédito, sobretudo quando não ocorre sua circulação.
A assinatura do sacador/emitente da duplicata é requisito que pode ser suprido por outro meio.
RECURSO ESPECIAL
A validade dos atos executivos realizados no bojo das execuções individuais, no interregno em que a decisão de deferimento do processamento da recuperação judicial encontra-se sobrestada ou mesmo reformada (porém, sujeita a revisão por instância judicial superior), fica condicionada à confirmação, por provimento judicial final, de que o empresário, de fato, não fazia jus ao deferimento do processamento de sua recuperação judicial.
REsp 1.867.694-MT, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 06/10/2020, DJe 15/10/2020
Nicoli, empresária rural, requereu recuperação judicial, cujo processamento foi deferido pelo Juízo de Direito da comarca competente.
Ocorre que o Tribunal de Justiça local conferiu provimento à insurgência recursal manifestada por um dos credores, por reputar não comprovado o exercício da atividade agrícola pelo período de 2 (dois) anos contados do registro, para indeferir o processamento da Recuperação Judicial. Posteriormente, os efeitos desta decisão foram sobrestados em razão do deferimento de tutela de urgência pelo Ministro relator.
Nesse interregno – em que houve a suspensão dos efeitos da recuperação judicial, três de seus credores, no bojo das respectivas ações executivas, lograram êxito em obter o arresto, o depósito e a remoção de grande quantidade de sacas de grãos de soja — praticamente toda a produção anual da recuperanda.
Diante desse quadro, Nicoli requereu ao Juízo recuperacional que tornasse sem efeito os arrestos efetuados no âmbito das execuções individuais. O Juízo de Direito da comarca em que se processa a recuperação judicial de Nicoli indeferiu o pedido por entender que a safra arrestada já se encontrava há muito comprometida, conforme contratos firmados com os credores.
O Tribunal de Justiça manteve tal decisão por entender que ”não se vislumbra a essencialidade da restituição dos bens para a continuidade da atividade econômica dos produtores rurais se há informação do administrador judicial de que foi possível a implantação da safra através do financiamento obtido com terceiros.” Inconformada, Nicoli interpôs recurso especial para tentar reverter a situação.
Cinge-se a controvérsia a analisar a validade e a subsistência dos atos executivos realizados no bojo de execuções individuais promovidas por credores, consistentes no arresto, no depósito e a na remoção de produtos agrícolas, objeto de garantia pignoratícia, em interregno no qual a decisão de deferimento do processamento da recuperação judicial dos executados havia sido reformada.
R: NÃO.
Os atos executivos ocorreram APÓS o Tribunal de origem ter, em grau recursal, reformado a decisão de primeira instância que havia deferido o pedido de processamento de recuperação judicial, por reputar não comprovado o exercício da atividade agrícola pelo período de 2 (dois) anos contados do registro de produtor rural na Junta Comercial.
Todavia, que os efeitos do acórdão foram SOBRESTADOS pelo STJ via deferimento tutela de urgência, restabelecendo-se, assim, o deferimento do processamento da recuperação judicial deferido em primeira instância até o julgamento do REsp.
A se ressaltar que uma vez deferido o processamento da recuperação judicial, este passa a ser o marco inicial legal de suspensão de todas as execuções individuais que fluem contra o empresário recuperando, a atrair a competência do Juízo recuperacional para decidir sobre os bens daquele.
Trata-se de um benefício legal conferido à recuperanda ABSOLUTAMENTE INDISPENSÁVEL para que esta, durante tal interregno, possa regularizar e reorganizar suas contas, com vistas à reestruturação e ao soerguimento econômico-financeiro, sem prejuízo da continuidade do desenvolvimento de sua atividade empresarial.
Ainda que a decisão da primeira instância seja objeto de impugnação recursal, o provimento judicial final que venha a reconhecer o acerto da decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial do empresário tem o condão de manter incólumes todos os efeitos legais dela decorrentes, desde a sua prolação.
Destaca-se que a lei elegeu, como marco inicial para o stay period – cujo efeito principal consiste justamente na suspensão de todas as execuções promovidas contra a recuperanda, a atrair a competência do Juízo recuperacional para decidir sobre os bens daquela) -, a decisão que (primeiramente) defere o processamento da recuperação judicial.
Assim, mesmo que esta venha a ser reformada em grau recursal, o provimento judicial final que reconhece o acerto da decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial mantém incólumes todos os efeitos legais dela decorrentes desde a sua prolação, já que este é o marco legal adotado pela lei para a produção destes.
Entendimento contrário esvaziaria por completo a recuperação judicial do empresário que obteve em seu favor o deferimento do processamento desta – confirmado em provimento judicial final -, caso se convalidasse a constrição judicial e o levantamento do patrimônio do recuperando em favor de determinados credores exarados no âmbito de execuções individuais, durante a tramitação dos correlatos recursos por período absolutamente indefinido, em detrimento dos demais credores também submetidos ao processo recuperacional.
A validade dos atos executivos realizados no bojo das execuções individuais, no interregno em que a decisão de deferimento do processamento da recuperação judicial encontra-se sobrestada ou mesmo reformada (porém, sujeita a revisão por instância judicial superior), fica condicionada à confirmação, por provimento judicial final, de que o empresário, de fato, não fazia jus ao deferimento do processamento de sua recuperação judicial.
RECURSO ESPECIAL
O cômputo do período de dois anos de exercício da atividade econômica, para fins de recuperação judicial, nos termos do art. 48 da Lei n. 11.101/2005, aplicável ao produtor rural, inclui aquele anterior ao registro do empreendedor.
REsp 1.811.953-MT, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por maioria, julgado em 06/10/2020, DJe 15/10/2020
Nicoli, empresária rural, requereu, em 6/12/2018, pedido de recuperação judicial, cujo processamento foi deferido pelo Juízo de Direito da comarca competente.
Irresignada, uma das credoras interpôs agravo de instrumento no qual defendeu a impossibilidade de os produtores rurais promoverem o pedido de recuperação judicial, sob o argumento, em síntese, de que a lei de regência mostra-se absolutamente clara ao exigir, para esse propósito, como requisito indispensável, a constituição da condição de empresário – mediante registro na Junta Comercial – há mais de 2 anos, o que não se verifica na hipótese dos autos, na qual Nicoli procedeu ao registro poucas semanas antes do ajuizamento da ação recuperacional.
O Tribunal de Justiça local conferiu provimento à insurgência recursal para indeferir o processamento da Recuperação Judicial. Inconformada, Nicoli interpôs recurso especial no qual sustentou que a inscrição do produtor rural na Junta Comercial deverá anteceder ao pedido recuperacional para atender ao requisito do inciso V do art. 51 da Lei n. 11.101/2005, sendo certo, porém, que a questão relacionada à demonstração do tempo de atividade empresarial nada se relacionaria ao referido registro.
Código Civil:
Art. 971. O empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode, observadas as formalidades de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro
Lei 11.101/2005:
Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente:
I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes;
II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial;
III – não ter, há menos de 8 (oito) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo;
III – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo;
IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
§ 1º A recuperação judicial também poderá ser requerida pelo cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente.
§ 2º Tratando-se de exercício de atividade rural por pessoa jurídica, admite-se a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo por meio da Declaração de Informações Econômico-fiscais da Pessoa Jurídica – DIPJ que tenha sido entregue tempestivamente
R: Do início das atividades (não do registro).
Com esteio na Teoria da Empresa, em tese, qualquer atividade econômica organizada profissionalmente submete-se às regras e princípios do Direito Empresarial, salvo previsão legal específica, como são os casos dos profissionais intelectuais, das sociedades simples, das cooperativas e do exercente de atividade econômica rural, cada qual com tratamento legal próprio.
A constituição do empresário rural dá-se a partir do exercício profissional da atividade econômica rural organizada para a produção e circulação de bens ou de serviços, sendo irrelevante, à sua caracterização, a efetivação de sua inscrição na Junta Comercial. Todavia, sua submissão ao regime empresarial apresenta-se como FACULDADE, que será exercida, caso assim repute conveniente, por meio da inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis.
Empresário Rural | Empresário Urbano |
Registro a qualquer tempo | Registro ANTES de iniciar as atividades |
Registro FACULTATIVO | Registro OBRIGATÓRIO |
Tal como se dá com o empresário comum, a inscrição do produtor rural na Junta Comercial NÃO o transforma em empresário. No caso do empresário rural, a inscrição assume natureza meramente declaratória, a autorizar, tecnicamente, a produção de efeitos retroativos (ex tunc).
A própria redação do art. 971 do Código Civil traz, em si, a assertiva de que o empresário rural poderá proceder à inscrição. Ou seja, antes mesmo do ato registral, a qualificação jurídica de empresário – que decorre do modo profissional pelo qual a atividade econômica é exercida – já se faz presente. Desse modo, a inscrição do empresário rural na Junta Comercial apenas declara, formaliza a qualificação jurídica de empresário, presente em momento anterior ao registro.
O empresário rural que objetiva se valer dos benefícios do processo recuperacional, instituto próprio do regime jurídico empresarial, há de proceder à inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, não porque o registro o transforma em empresário, mas sim porque, ao assim proceder, passou a voluntariamente se submeter ao aludido regime jurídico.
A inscrição, sob esta perspectiva, assume a CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE ao pedido de recuperação judicial, como bem reconheceu esta Terceira Turma, por ocasião do julgamento do REsp 1.193.115/MT, e agora, mais recentemente, a Quarta Turma do STJ (no REsp 1.800.032/MT) assim compreendeu.
A inscrição, por ser meramente opcional, não se destina a conferir ao empresário rural o status de regularidade, simplesmente porque este já se encontra em situação absolutamente regular, mostrando-se, por isso, descabida qualquer interpretação tendente a penalizá-lo por, eventualmente, não proceder ao registro, possibilidade que a própria lei lhe franqueou.
Assim, ainda que relevante para viabilizar o pedido de recuperação judicial, como instituto próprio do regime empresarial, o registro é absolutamente desnecessário para que o empresário rural demonstre a regularidade (em conformidade com a lei) do exercício profissional de sua atividade agropecuária pelo biênio mínimo, podendo ser comprovado por outras formas admitidas em direito e, principalmente, levando-se em conta período anterior à inscrição.
O cômputo do período de dois anos de exercício da atividade econômica, para fins de recuperação judicial, nos termos do art. 48 da Lei n. 11.101/2005, aplicável ao produtor rural, inclui aquele anterior ao registro do empreendedor.
HABEAS CORPUS
A irmã de vítima do crime de estupro de vulnerável responde por conduta omissiva imprópria se assume o papel de garantidora.
HC 603.195-PR, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 06/10/2020, DJe 16/10/2020
Deise foi denunciada pela suposta prática do delito de estupro de vulnerável por omissão imprópria, previsto nos artigos 217-A do Código Penal. As vítimas era suas irmãs menores e o autor da conduta comissiva o maridão.
O Juízo de 1º grau absolveu sumariamente a acusada com fundamento no art. 397, III, do CPP. Concluiu o magistrado pela atipicidade da conduta narrada, pois, na condição apenas de irmã das vítimas, sobre ela não incidiria a figura do “garantidor”, exigida pelo artigo 13, §2º, ‘a’, do CP
O TJ local deu provimento ao recurso do Ministério Público para reformar a sentença de absolvição sumária e dar seguimento ao feito. Inconformada, a defesa de Deise impetrou Habeas Corpus no qual sustenta que a acusada não podia e nem devia evitar os ilícitos em tese praticados por seu marido (codenunciado) contra suas irmãs (eihn??).
Código Penal:
Art. 13 – O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.
§ 2º – A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado
R: SIM.
Os crimes omissos impróprios, de acordo com a doutrina, são aqueles que “(…) envolvem um não fazer, que implica a falta do dever legal de agir, contribuindo, pois, para causar o resultado. Não há tipos omissivos específicos, mas sim tipicidade por EXTENSÃO.
Para que alguém responda por um delito omissivo impróprio é preciso que tenha o dever de agir, imposto por lei, deixando de atuar, dolosa ou culposamente, auxiliando na produção do resultado. “Quando se fala em “dever legal de agir” e em assunção do papel de “garantidor”, o Código Penal, no art. 13, § 2º, apresenta três hipóteses taxativas para caracterizar tal incumbência ao agente.
Na primeira perspectiva, na alínea “a”, tem-se a figura do GARANTIDOR legal stricto sensu, aquele que tem por lei o dever de proteção, vigilância e cuidado, hipótese comumente aplicada entre os pais e os seus filhos menores de idade, no exercício de seu poder familiar.
Nesse ponto, é clara a impossibilidade de extensão das obrigações paternas aos irmãos. Afinal, muito embora haja vínculo familiar e até presumidamente uma relação afetiva entre irmãos, o mero parentesco não torna penalmente responsável um irmão para com o outro, salvo, evidentemente, os casos de transferência de guarda ou tutela.
Acontece que a lei expressamente prevê a assunção da figura de “garantidor” nas alíneas “b” e “c”, quais sejam:
Assim, muito embora uma irmã mais velha não possa ser enquadrada na alínea “a” do art. 13, § 2º, do CP, pois o mero parentesco não torna penalmente responsável um irmão para com o outro, caso caracterizada situação fática de assunção da figura do “garantidor” pela irmã, nos termos previstos nas duas alíneas seguintes do referido artigo (“b” e “c”), NÃO há falar em atipicidade de sua conduta.
Hipótese em que a acusada se omitiu quanto aos abusos sexuais em tese praticados pelo seu marido na residência do casal contra suas irmãs menores durante anos. Assunção de responsabilidade ao levar as crianças para sua casa sem a companhia da genitora e criação de riscos ao não denunciar o agressor, mesmo ciente de suas condutas, bem como ao continuar deixando as meninas sozinhas em casa.
A irmã de vítima do crime de estupro de vulnerável responde por conduta omissiva imprópria se assume o papel de garantidora.
RECURSO ESPECIAL
A teoria do domínio do fato não permite, isoladamente, que se faça uma acusação pela prática de qualquer crime, eis que a imputação deve ser acompanhada da devida descrição, no plano fático, do nexo de causalidade entre a conduta e o resultado delituoso.
REsp 1.854.893-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 08/09/2020, DJe 14/09/2020
Joana foi acusada, juntamente com sua irmã Joanete, na condição de sócia-proprietária e responsável pela gestão da empresa Embalagens Balas Ltda, de suprimir, dolosamente, tributo (ICMS), no montante de quase R$ 700 mil “fraudando a fiscalização tributária por meio de inserção de elementos inexatos e omissão de operação em documentos exigidos pela lei fiscal”, durante vários anos.
A sentença assinalou que a falta de fiscalização pelas sócias não afastaria a tipicidade e antijuricidade dos atos praticados e que a falta de condições técnicas da acusada tampouco afastaria sua responsabilidade. Em recurso, o acórdão destacou que: ”em se tratando de crimes contra a ordem tributária, aplica-se a teoria do domínio do fato: é autor do delito aquele que detém o domínio da conduta, ou seja o domínio final da ação aquele que decide se o fato delituoso vai acontecer ou não, independentemente dessa pessoa ter ou não realizado a conduta material de inserir elemento inexato em documento exigido pela lei fiscal, por exemplo.”
Inconformada, Joana interpôs recurso especial no qual sustentou que o acórdão impugnado violou o art. 1º, II, da Lei n. 8.137/1990, porquanto manteve o édito condenatório com base apenas no papel de sócia que ocupava, isto é, com foco apenas em “fatores que são próprios à condição de sócio de qualquer empresa, como o recebimento de dividendos e ter, em tese, ascendência sobre a máquina empresarial”, o que denotaria a responsabilização objetiva.
Código Penal:
Art. 29 – Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.
§ 1º – Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço
Lei n. 8.137/1990:
Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
R: Nada!
Apesar de o Código Penal prever que todo aquele que concorre para o crime é considerado autor (art. 29, caput), ainda que a sua participação seja de menor importância (art. 29, § 1º), há situações nas quais o intérprete lança mão do domínio do fato, do modo a presumir e demarcar a autoria.
Entretanto, o conceito de “domínio do fato” ou “domínio final do fato” não se satisfaz com a simples referência à posição do indivíduo como administrador ou gestor (de fato ou previsto no contrato social da empresa). Vale dizer, é insuficiente considerar tal circunstância, isoladamente, para que se possa atribuir a responsabilidade penal pela prática de crime tributário.
Em relação ao domínio do fato, há interessantes produções doutrinárias que chamam a atenção para os problemas que orbitam ao redor dessa teoria. O principal deles pode ser identificado logo em sua gênese, isto é, na ausência de uma construção teórico-dogmática coerente e passível de ser coordenada em harmonia com o nosso ordenamento jurídico, sobretudo na atuação jurisdicional diante de casos concretos.
Fazer uso da teoria do domínio do fato pressupõe do intérprete a manutenção da coerência sistêmica.
Enquanto para Welzel a teoria do domínio do fato seria um pressuposto (requisito) material para determinação da autoria, para Roxin esta consistiria em um critério para delimitação do papel do agente na prática delitiva (como autor ou partícipe).
A teoria do domínio do fato representa uma forma de distinguir autor de partícipe e não fundamentou responsabilidade penal onde ela não existe, mas apenas distinguiu o papel desempenhado por cada agente no delito.
Roxin desenvolveu uma teoria em que o domínio do fato se manifestava de TRÊS maneiras, sem a pretensão de universalidade sobre todos os casos:
a) domínio da ação, nas hipóteses em que o agente realiza, por sua própria pessoa, todos os elementos estruturais do crime (autoria imediata);
b) domínio da vontade, na qual um terceiro funciona como instrumento do crime (autoria mediata); e
c) domínio funcional do fato, que trata da ação coordenada, com divisão de tarefas, por pelo menos mais uma pessoa.
Ao tratar especificamente do domínio da vontade, Roxin distinguiu três hipóteses: (1) por coação exercida sobre terceiro, (2) por indução a erro de terceiro e (3) por um aparato organizado de poder. Esta última hipótese trata daquele que “servindo-se de uma organização verticalmente estruturada e apartada, dissociada da ordem jurídica, emite uma ordem cujo cumprimento é entregue a executores fungíveis, que funcionam como meras engrenagens de uma estrutura automática, não se limita a instigar, mas é verdadeiro autor mediato dos fatos realizados”.
Mas, para Roxin, esse não seria o único critério de fundamentação e distinção da autoria e da participação. Existiriam outros delitos que não seriam influenciados pela teoria do domínio do fato, como naqueles em que há violação de dever (delitos próprios). Então, v. g., no crime de peculato, não seria estabelecida a autoria pela teoria do domínio do fato, mas por violação de dever.
Além desses, os delitos culposos, omissivos (próprios e impróprios), também não seriam abrangidos pela teoria do domínio do fato. Observa-se, portanto, que a referida teoria opera em um plano de abstração e funciona como uma ratio, a qual é insuficiente, por si mesma e se conceitualmente considerada, para aferir a existência do nexo de causalidade entre o crime e o agente.
É insuficiente e equivocado afirmar que um indivíduo é autor porque detém o domínio do fato se, no plano intermediário ligado aos fatos, não há nenhuma circunstância que estabeleça o nexo entre sua conduta e o resultado lesivo (comprovação da existência de um plano delituoso comum ou a contribuição relevante para a ocorrência do fato criminoso).
Não há, portanto, como considerar, com base na teoria do domínio do fato, que a posição de gestor, diretor ou sócio administrador de uma empresa implica a presunção de que houve a participação no delito, se não houver, no plano fático-probatório, alguma circunstância que o vincule à prática delitiva.
Também não é correto, no âmbito da imputação da responsabilidade penal, partir da premissa ligada à forma societária, ao número de sócios ou ao porte apresentado pela empresa para se PRESUMIR a autoria, sobretudo porque nem sempre as decisões tomadas por gestor de uma sociedade empresária ou pelo empresário individual, – seja ela qual for e de que forma esteja constituída – implicam o absoluto conhecimento e aquiescência com os trâmites burocráticos subjacentes, os quais, não raro, são delegados a terceiros.
O delito de sonegação fiscal, previsto no art. 1º, II, da Lei n. 8.137/1990, exige, para sua configuração, que a conduta do agente seja dolosa, consistente na utilização de procedimentos (fraude) que violem de forma direta a lei ou o regulamento fiscal, com objetivo de favorecer a si ou terceiros, por meio da sonegação. Há uma diferença inquestionável entre aquele que não paga tributo por circunstâncias alheias à sua vontade de pagar (dificuldades financeiras, equívocos no preenchimento de guias etc.) e quem, dolosamente, sonega o tributo com a utilização de expedientes espúrios e motivado por interesses pessoais. Na hipótese, o quadro fático descrito na imputação é mais indicativo de conduta negligente ou imprudente. A constatação disso é reforçada pela delegação das operações contábeis sem a necessária fiscalização, situação que não se coaduna com o dolo, mas se aproxima da culpa em sentido estrito, não prevista no tipo penal em questão.
A teoria do domínio do fato não permite, isoladamente, que se faça uma acusação pela prática de qualquer crime, eis que a imputação deve ser acompanhada da devida descrição, no plano fático, do nexo de causalidade entre a conduta e o resultado delituoso.
HABEAS CORPUS
A progressão de regime do reincidente não específico em crime hediondo ou equiparado com resultado morte deve observar o que previsto no inciso VI, a, do artigo 112 da Lei de Execução Penal.
HC 581.315-PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 06/10/2020, DJe 19/10/2020
Amir, condenado por homicídios qualificados e por receptação, requereu ao Juízo da execução para alterar a fração de progressão quanto ao crime hediondo para 2/5, por ser reincidente não específico. O Juízo atendeu ao pedido da defesa.
O Ministério Público recorreu, e a Primeira Câmara Criminal da Corte estadual deu provimento ao agravo para determinar como requisito o cumprimento de 3/5 da pena.
Inconformada, a defesa de Amir impetrou Habeas Corpus no qual sustentou que o paciente estaria sendo submetido a constrangimento ilegal, pois, com a alteração da Lei de Crimes Hediondos pelo advento da Lei n. 13.964/2019, só seria possível a imposição da fração de 3/5 (60%) para a progressão de regime de condenados por crimes hediondos quando houvesse reincidência específica, ao contrário do caso citado.
Lei de Execução Penal:
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:
VI – 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:
a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional;
b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou
c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada;
§ 3º No caso de mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, os requisitos para progressão de regime são, cumulativamente:
I – não ter cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;
II – não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente;
III – ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior;
IV – ser primária e ter bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento;
V – não ter integrado organização criminosa.
§ 4º O cometimento de novo crime doloso ou falta grave implicará a revogação do benefício previsto no § 3º deste artigo
Art. 122. Os condenados que cumprem pena em regime semi-aberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos:
I – visita à família;
II – freqüência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução;
III – participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.
Parágrafo único. A ausência de vigilância direta não impede a utilização de equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, quando assim determinar o juiz da execução.
§ 1º A ausência de vigilância direta não impede a utilização de equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, quando assim determinar o juiz da execução.
§ 2º Não terá direito à saída temporária a que se refere o caput deste artigo o condenado que cumpre pena por praticar crime hediondo com resultado morte.
Lei n. 8.072/1990:
Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:
§ 2º A progressão de regime, no caso dos condenados pelos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente, observado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 112 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal). (Redação dada pela Lei nº 13.769, de 2018) (Revogado pela Lei nº 13.964, de 2019)
R: 50%.
Havia entendimento no Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido de que, nos termos da legislação de regência, mostra-se irrelevante que a reincidência seja específica em crime hediondo para a aplicação da fração de 3/5 na progressão de regime, pois não deve haver distinção entre as condenações anteriores (se por crime comum ou por delito hediondo) (AgRg no HC n. 494.404/MS, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 20/5/2019).
Contudo, tal entendimento não pode mais prevalecer diante da nova redação do art. 122 da Lei de Execução Penal, trazida com a Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime).
A Lei de Crimes Hediondos não fazia distinção entre a reincidência genérica e a específica para estabelecer o cumprimento de 3/5 da pena para fins de progressão de regime, é o que se depreende da leitura do § 2º do art. 2º da Lei n. 8.072/1990. Já a Lei n. 13.964/2019 trouxe significativas mudanças na legislação penal e processual penal, e, nessa toada, revogou o referido dispositivo legal.
Agora, os requisitos objetivos para a progressão de regime foram sensivelmente modificados, tendo sido criada uma variedade de lapsos temporais a serem observados antes da concessão da benesse. A leitura da atual redação do dispositivo em comento revela, porém, que a situação em exame (condenado por crime hediondo, reincidente não específico) não foi contemplada na lei.
Vejamos: Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos: V – 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário; VI – 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for: a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional; VII – 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado; VIII – 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional.
Dessa forma, em relação aos apenados que foram condenados por crime hediondo, mas que são reincidentes em razão da prática anterior de crimes comuns não há percentual previsto na Lei de Execuções Penais, em sua nova redação, para fins de progressão de regime, visto que os percentuais de 60% e 70% se destinam unicamente aos reincidentes específicos, NÃO podendo a interpretação ser extensiva, vez que seria prejudicial ao apenado. Assim, por ausência de previsão legal, o julgador deve integrar a norma aplicando a analogia in bonam partem.
No caso (condenado por crime hediondo com resultado morte, reincidente não específico), diante da lacuna na lei, deve ser observado o lapso temporal relativo ao primário. Impõe-se, assim, a aplicação do contido no inciso VI, a, do referido artigo da Lei de Execução Penal, exigindo-se, portanto, o cumprimento de 50% da pena para a progressão de regime.
A progressão de regime do reincidente não específico em crime hediondo ou equiparado com resultado morte deve observar o que previsto no inciso VI, a, do artigo 112 da Lei de Execução Penal.
HABEAS CORPUS
As diretrizes para individualização da pena e segregação cautelar dos autores de crime de tráfico privilegiado, por decorrerem de precedentes qualificados das Cortes Superiores, devem ser observadas, sempre ressalvada, naturalmente, a eventual indicação de peculiaridades do caso examinado, a permitir distinguir a hipótese em julgamento da que fora decidida nos referidos precedentes.
HC 596.603-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 08/09/2020, DJe 22/09/2020
Johnny foi preso em flagrante e posteriormente denunciado pela prática do crime de tráfico de drogas, por armazenar, em seu estabelecimento comercial, 23 pedras de crack (com peso líquido de 2,9 gramas) e 4 saquinhos de cocaína (com peso líquido de 2,7 gramas) supostamente destinados ao comércio ilícito.
Ao término da instrução criminal, em 23/9/2019, o réu foi condenado como incurso no art. 33, caput e § 4º, da Lei n. 11.343/2006, à pena de 1 ano e 8 meses de reclusão, no regime inicial fechado, mais multa. Na ocasião, a despeito da aparente ausência de especial periculosidade do crime ora em comento, a segregação provisória foi mantida, havendo sido vedado o recurso em liberdade.
Irresignada, a defesa interpôs apelação criminal perante o Tribunal de origem, cuja Sexta Câmara de Direito Criminal, à unanimidade de votos, em julgamento proferido em fevereiro deste ano, negou provimento apelo, a fim de manter inalterada a sentença condenatória. A condenação transitou em julgado em 16/6/2020.
Incansável, a Defensoria Pública impetrou Habeas Corpus no qual sustentou que deveria ser fixado regime inicial menos gravoso de cumprimento da sanção reclusiva, haja vista que a pena-base foi estabelecida no mínimo legal, ou seja, com a avaliação favorável de todas as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal.
Lei n. 7.210/1984:
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:
§ 5º Não se considera hediondo ou equiparado, para os fins deste artigo, o crime de tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006.
Lei n. 11.343/2006:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos , desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
R: Deve ser analisada caso a caso.
Há anos são perceptíveis, em um segmento da jurisdição criminal, os reflexos de uma postura judicial que, sob o afirmado escudo da garantia da independência e da liberdade de julgar, reproduz política estatal que se poderia, não sem exagero, qualificar como desumana, desigual, seletiva e preconceituosa. Tal orientação, que se forjou ao longo das últimas décadas, parte da premissa equivocada de que não há outro caminho, para o autor de qualquer das modalidades do crime de tráfico – nomeadamente daquele considerado pelo legislador como de menor gravidade -, que não o seu encarceramento.
Essa insistente desconsideração de alguns órgãos judicantes às diretrizes normativas derivadas das Cortes de Vértice produz um desgaste permanente da função jurisdicional, com anulação e/ou repetição de atos, e implica inevitável lesão financeira ao erário, bem como gera insegurança jurídica e clara ausência de isonomia na aplicação da lei aos jurisdicionados.
Em suma, diante da mesma situação factual – tráfico de pequena monta, agente primário, sem antecedentes penais, sem prova de vínculo com organização criminosa e de exercício de atividade criminosa (que não seja, é claro, a específica mercancia ilícita eventual que lhe rendeu a condenação) -, há de reconhecer-se que: A Lei n. 7.210/1984 (Lei de Execuções Penais), em seu art. 112, § 5º (com a redação que lhe conferiu a Lei n. 13.964/2019) é expressa em dizer que “§ 5º Não se considera hediondo ou equiparado, para os fins deste artigo, o crime de tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006”;O Ministério Público, a par da função exclusiva de exercitar a ação penal pública, é também constitucionalmente incumbido da “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (art. 127, caput, da C.R.), e deve agir de acordo com critérios de objetividade, compromissado, pois, com o direito (custos iuris) e com a verdade.
Logo, a acusação formulada pelo Ministério Público há de consubstanciar uma imputação responsavelmente derivada da realidade fático-jurídica evidenciada pelo simples exame do inquérito policial, muitas vezes já indicativa de que não se cuida de hipótese de subsunção da conduta do agente ao crime de tráfico de drogas positivado no caput do art. 33 da LAD.
A jurisprudência dos Tribunais Superiores – quer por meio de Súmulas (verbetes n. 718 e 719 do STF e 440 do STJ), quer por meio de julgamentos proferidos pela composição Plena do Supremo Tribunal Federal, seguidos por inúmeros outros julgamentos do STF e do STJ – é uníssona e consolidada no sentido de que:
– Não se pode impor regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito e sem a idônea motivação, que não pode decorrer da mera opinião do julgador;
– O condenado por crime de tráfico privilegiado, nos termos do art. 33. § 4º, da Lei n. 11.343/2006, a pena inferior a 4 anos de reclusão, faz jus a cumprir a reprimenda em regime inicial aberto ou, excepcionalmente, em semiaberto, desde que por motivação idônea, não decorrente da mera natureza do crime, de sua gravidade abstrata ou da opinião pessoal do julgador;
– O condenado por crime de tráfico privilegiado, nas condições e nas ressalvas da alínea anterior, faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos;
– O autor do crime previsto no art. 33, § 4º da LAD não pode permanecer preso preventivamente, após a sentença (ou mesmo antes, se a segregação cautelar não estiver apoiada em quadro diverso), porque: a) O Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal – e copiosa jurisprudência das Cortes Superiores – afastou a vedação à liberdade provisória referida no art. 44 da LAD; b) Não é cabível prisão preventiva por crime punido com pena privativa máxima igual ou inferior a 4 anos (art. 313, I do Código de Processo Penal); c) O tempo que o condenado eventualmente tenha permanecido preso deverá ser computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade (art. 387, § 2º do CPP), o que, a depender do tempo da custódia e do quantum da pena arbitrada, implicará imediata soltura do sentenciado, mesmo se fixado o regime inicial intermediário, ou seja, o semiaberto (dado que, como visto, não se mostra possível a inflição de regime fechado ao autor de tráfico privilegiado).
As diretrizes para individualização da pena e segregação cautelar dos autores de crime de tráfico privilegiado, por decorrerem de precedentes qualificados das Cortes Superiores, devem ser observadas, sempre ressalvada, naturalmente, a eventual indicação de peculiaridades do caso examinado, a permitir distinguir a hipótese em julgamento da que fora decidida nos referidos precedentes.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA
A Justiça do Distrito Federal é a competente para julgar o crime de falso testemunho praticado em processos sob sua jurisdição.
CC 166.732-DF, Rel. Min. Laurita Vaz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 14/10/2020, DJe 21/10/2020
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios ofereceu denúncia contra Arthur e Bruno pela prática do crime previsto pelo art. 342, §1º, do CP, em virtude de, supostamente, terem prestado falso testemunho no âmbito de certa ação penal em trâmite perante a Justiça do Distrito Federal, contradizendo a verdade dos fatos ao negar as versões apresentadas em ocasião anterior.
Na Audiência de instrução e julgamento, o Juiz de Direito declinou da sua competência, ao argumento, em síntese, de que “considerando que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios é órgão do Poder Judiciário da União, tem-se que a vítima é a União”. Por isso, concluiu que a apuração do crime de “falso testemunho supostamente praticado em plenário do tribunal do júri” deveria ser processada e julgada na Justiça Comum Federal.
O Juiz Federal, então, suscitou o presente conflito negativo de competência, ao argumento de que “a prática de falso testemunho no âmbito de processo criminal do TJDFT é conduta que não afeta bens, serviços ou interesses da União, de suas autarquias ou empresas públicas, uma vez que o Poder Judiciário do Distrito Federal é órgão integrante da estrutura orgânica do Distrito Federal, não atraindo a competência da Justiça Federal o simples fato de ser mantido e organizado pela União”.
Súmula 165/STJ:
“Compete à justiça federal processar e julgar crime de falso testemunho cometido no processo trabalhista”.
Código Penal Militar:
Art. 346. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade, como testemunha, perito, tradutor ou intérprete, em inquérito policial, processo administrativo ou judicial, militar:
Pena – reclusão, de dois a seis anos.
Aumento de pena
§ 1º A pena aumenta-se de um têrço, se o crime é praticado mediante subôrno.
§ 2º O fato deixa de ser punível, se, antes da sentença o agente se retrata ou declara a verdade.
R: TJDFT.
Ao desenhar a partição de competências do Poder Judiciário da União, a Constituição da República dividiu-o em cinco ramos: 1) Justiça Comum Federal; 2) Justiça Eleitoral; 3) Justiça do Trabalho; 4) Justiça Militar; e 5) Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Segundo a Súmula 165/STJ, “compete à justiça federal processar e julgar crime de falso testemunho cometido no processo trabalhista”.
Ademais, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 3.684 concluiu, em definitivo, faltar à Justiça do Trabalho jurisdição penal (Rel. Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe 29/05/2020). Exceptuada a Justiça do Trabalho, todos os demais ramos do Poder Judiciário da União têm jurisdição penal. Ocorre que, em 1992, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça proferiu acórdão no qual firmou a competência da Justiça Federal para julgar crime de falso testemunho praticado contra a administração da Justiça Eleitoral (CC 2.437/SP, Rel. Ministro José Dantas, DJ 06/04/1992).
Pela jurisprudência do STJ, portanto, no caso de depoimento falso constatado em causa no âmbito do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal, é da Justiça Federal a competência para processar e julgar tal delito. No âmbito da Justiça Militar o Superior Tribunal Militar reconhece a atribuição da Justiça Castrense para o crime de falso testemunho (art. 346 do Código Penal Militar) cometido em processos de sua jurisdição.
Entretanto, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, ao contrário da Justiça Trabalhista, detém atribuições criminais (como também as Justiças Eleitoral e a Militar). Todavia, diferentemente de todos outros braços do Poder Judiciário da União, o TJDFT possui natureza HÍBRIDA, pois sua competência jurisdicional corresponde à dos Tribunais estaduais (ou seja, não se trata de Justiça especializada).
Por isso, o Superior Tribunal de Justiça proferiu julgados nos quais consignou que outros crimes (diversos do falso testemunho) cometidos contra o MPDFT ou o TJDFT não são processados e julgados na Justiça Comum Federal.
A índole sui generis da Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, distinta por sua atribuição jurisdicional equivalente à dos Tribunais estaduais, impede o reconhecimento de interesse direto da União na causa.
A Justiça do Distrito Federal é a competente para julgar o crime de falso testemunho praticado em processos sob sua jurisdição.
HABEAS CORPUS
Em razão da pandemia de covid-19, concede-se a ordem para a soltura de todos os presos a quem foi deferida liberdade provisória condicionada ao pagamento de fiança e que ainda se encontram submetidos à privação cautelar em razão do não pagamento do valor.
HC 568.693-ES, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 14/10/2020, DJe 16/10/2020
A Defensoria Pública do Espírito Santo impetrou Habeas Corpus coletivo em favor de todos aqueles a quem foi concedida liberdade provisória condicionada ao pagamento da fiança no estado do Espírito Santo e ainda se encontram submetidos à privação cautelar de liberdade, apontando-se como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Espírito Santo.
Sustenta que diante do cenário atual de pandemia em razão do novo coronavírus (Covid-19), deve ser superada a Súmula 691/STF e, nos moldes da Recomendação n. 62/2020 do CNJ, pleiteou que fosse determinada a soltura imediata de todos os presos que tiveram o deferimento da liberdade provisória condicionada ao pagamento de fiança.
Alegou ainda que há que se reduzir a população carcerária do estado, sobretudo no período da pandemia da Covid-19, com maior razão é ilegal a manutenção da prisão cautelar de pessoas tão somente pelo fato de serem pobres e não recolherem a fiança arbitrada.
O Ministério Público Federal apresentou parecer pelo não conhecimento da impetração ou, caso conhecida, pela denegação da ordem com a cassação das liminares anteriormente proferidas.
R: Mais uma vez: SIM-Sim-SIM.
Busca-se no habeas corpus coletivo, a soltura de todos os presos do estado do Espírito Santo que tiveram o deferimento da liberdade provisória condicionada ao pagamento de fiança.
Segundo o STJ, não se pode olvidar que o Conselho Nacional de Justiça (órgão de caráter administrativo, rememoremos) editou a Recomendação n. 62/2020, em que recomenda aos tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus – covid-19 no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo.
Nesse contexto, corroborando com a evidência de notória e maior vulnerabilidade do ambiente carcerário à propagação do novo coronavírus, nota técnica apresentada após solicitação apresentada pela Coordenação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais no Distrito Federal – IBCCrim/DF, demonstra que, sendo o distanciamento social tomado enquanto a medida mais efetiva de prevenção à infecção pela covid-19, as populações vivendo em aglomerações, como favelas e presídios, mostram-se significativamente mais sujeitas a contrair a doença mesmo se proporcionados equipamentos e insumos de proteção a estes indivíduos.
Por sua vez, a Organização das Nações Unidas (ONU), admitindo o contexto de maior vulnerabilidade social e individual das pessoas privadas de liberdade em estabelecimentos penais, divulgou, em 31/3/2020, a Nota de Posicionamento – Preparação e respostas à covid-19 nas prisões. Dentre as análises realizadas, a ONU afirma a possível insuficiência de medidas preventivas à proliferação da covid-19 nos presídios em que sejam verificadas condições estruturais de alocação de presos e de fornecimento de insumos de higiene pessoal precárias, a exemplo da superlotação prisional. Assim, a ONU recomenda a adoção de medidas alternativas ao cárcere para o enfrentamento dos desafios impostos pela pandemia aos já fragilizados sistemas penitenciários nacionais e à situação de inquestionável vulnerabilidade das populações neles inseridas.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) igualmente afirmou, por meio de sua Resolução n. 1/2020, a necessidade de adoção de medidas alternativas ao cárcere para mitigar os riscos elevados de propagação da covid-19 no ambiente carcerário, considerando as pessoas privadas de liberdade como mais vulneráveis à infecção pelo novo coronavírus se comparadas àquelas usufruindo de plena liberdade ou sujeitas a medidas restritivas de liberdade alternativas à prisão.
Por essas razões, somadas ao reconhecimento, pela Corte, na ADPF n. 347 MC/DF, de que nosso sistema prisional se encontra em um estado de coisas inconstitucional, é que se faz necessário dar IMEDIATO cumprimento às recomendações apresentadas no âmbito nacional e internacional, que preconizam a máxima excepcionalidade das novas ordens de prisão preventiva, inclusive com a fixação de medidas alternativas à prisão, como medida de contenção da pandemia mundialmente causada pelo coronavírus (covid-19).
Assim, nos termos em que preconiza o Conselho Nacional de Justiça em sua Resolução, NÃO se mostra proporcional a manutenção dos investigados na prisão, tão somente em razão do não pagamento da fiança, visto que os casos – notoriamente de menor gravidade – não revelam a excepcionalidade imprescindível para o decreto preventivo.
Ademais, o Judiciário não pode se portar como um Poder alheio aos anseios da sociedade, sabe-se do grande impacto financeiro que a pandemia já tem gerado no cenário econômico brasileiro, aumentando a taxa de desemprego e diminuindo ou, até mesmo, extirpando a renda do cidadão brasileiro, o que torna a decisão de condicionar a liberdade provisória ao pagamento de fiança ainda mais irrazoável.
Em razão da pandemia de covid-19, concede-se a ordem para a soltura de todos os presos a quem foi deferida liberdade provisória condicionada ao pagamento de fiança e que ainda se encontram submetidos à privação cautelar em razão do não pagamento do valor.
Olá, tudo bem? Hoje responderemos ao questionamento sobre a constitucionalidade das emendas de redação e…
Neste artigo você encontrará um resumo do Transtorno de Personalidade Esquizotípica, pertencente ao tópico de…
Olá, pessoal, tudo bem? As funções essenciais à justiça estarão em pauta hoje no nosso…
Confira quais são os hospitais de lotação! Iniciais de até R$ 17,9 mil! O edital…
Neste artigo você encontrará um resumo do Transtorno de Personalidade Evitativa, pertencente ao tópico de…
Olá, pessoal, tudo bem? Hoje vamos falar sobre controle de constitucionalidade. Dada a proximidade da…