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Informativo STJ 679 Comentado

Informativo nº 679 do STJ COMENTADO está disponível para quem está ligado aqui conosco no Estratégia Carreiras Jurídicas! São mais de VINTE decisões para você conferir e se atualizar!

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Sumário

DIREITO ADMINISTRATIVO… 4

1.      Mandado de injunção e regulamentação da ascensão funcional no Exército Brasileiro.. 4

1.1.        Situação FÁTICA. 4

1.2.        Análise ESTRATÉGICA. 4

DIREITO CIVIL. 6

2.      Valor de restituição devido ao devedor fiduciante em venda extrajudicial 6

2.1.        Situação FÁTICA. 6

2.2.        Análise ESTRATÉGICA. 7

3.      Eficácia do contrato do plano de saúde e comunicação do óbito do beneficiário.. 8

3.1.        Situação FÁTICA. 9

3.2.        Análise ESTRATÉGICA. 9

4.      (Im)Possibilidade de partilha de direitos possessórios sobre imóvel irregular. 10

4.1.        Situação FÁTICA. 11

4.2.        Análise ESTRATÉGICA. 11

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. 13

5.      Ação de usucapião e juntada de planta e memorial após a citação.. 13

5.1.        Situação FÁTICA. 13

5.2.        Análise ESTRATÉGICA. 13

6.      (Im)Possibilidade de ajuizamento nos Juizados Especiais da Fazenda Pública de execução de título executivo de ação coletiva tramitada no rito ordinário.. 16

6.1.        Situação FÁTICA. 16

6.2.        Análise ESTRATÉGICA. 17

7.      Honorários advocatícios recursais de sentença proferida sob a égide do CPC 1973. 19

7.1.        Situação FÁTICA. 20

7.2.        Análise ESTRATÉGICA. 20

8.      Efeitos da inversão do ônus probatório.. 21

8.1.        Situação FÁTICA. 21

8.2.        Análise ESTRATÉGICA. 22

9.      (Des)necessidade da demonstração de distinção ou superação das súmulas e precedentes persuasivos. 23

9.1.        Situação FÁTICA. 23

9.2.        Análise ESTRATÉGICA. 24

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.. 25

10.         Sentença proferida em ação de destituição de poder familiar sem a participação do pretenso pai biológico.. 25

10.1.     Situação FÁTICA. 25

10.2.     Análise ESTRATÉGICA. 26

11.         Oponibilidade da sentença transitada em julgada em ação de afastamento do convívio familiar a quem exercia a guarda irregularmente após grande lapso de tempo.. 27

11.1.     Situação FÁTICA. 28

11.2.     Análise ESTRATÉGICA. 28

12.         Obrigatoriedade da intervenção da FUNAI em ação de destituição de poder familiar relativa a criança indígena. 30

12.1.     Situação FÁTICA. 30

12.2.     Análise ESTRATÉGICA. 31

DIREITO TRIBUTÁRIO… 33

13.         Dilatação volumétrica do combustível e fato gerador do ICMS   33

13.1.     Situação FÁTICA. 33

13.2.     Análise ESTRATÉGICA. 33

DIREITO DO CONSUMIDOR.. 34

14.         Publicidade de alimentos direcionada a crianças e abusividade. 34

14.1.     Situação FÁTICA. 34

14.2.     Análise ESTRATÉGICA. 35

15.         Esclarecimentos posteriores ou complementares e mitigação da enganosidade ou abusividade. 36

15.1.     Situação FÁTICA. 36

15.2.     Análise ESTRATÉGICA. 37

DIREITO AMBIENTAL. 38

16.         Local da compensação de danos ambientais ocorridos em reserva legal em data anterior à vigência da Lei n. 12.651/2012. 38

16.1.     Situação FÁTICA. 38

16.2.     Análise ESTRATÉGICA. 39

17.         Cumprimento do TAC e legislação aplicável 40

17.1.     Situação FÁTICA. 41

17.2.     Análise ESTRATÉGICA. 41

DIREITO EMPRESARIAL. 42

18.         Astreintes aplicadas em processo trabalhista e classe de credores. 42

18.1.     Situação FÁTICA. 42

18.2.     Análise ESTRATÉGICA. 43

19.         Ilegalidade da resolução do INPI que afasta o direito da restauração de patente previsto na Lei n. 9.279/1996. 44

19.1.     Situação FÁTICA. 45

19.2.     Análise ESTRATÉGICA. 45

20.         Abusividade em cláusulas dos contratos de origem do crédito impugnado como matéria de defesa na recuperação judicial 46

20.1.     Situação FÁTICA. 47

20.2.     Análise ESTRATÉGICA. 47

DIREITO PENAL. 49

21.         Tenra idade da vítima como fundamento para majoração da pena-base. 49

21.1.     Situação FÁTICA. 49

21.2.     Análise ESTRATÉGICA. 49

22.         (In)Aplicabilidade da majoração do art. 61,II,”h” do CP quando ausentes os proprietários do imóvel 51

22.1.     Situação FÁTICA. 51

22.2.     Análise ESTRATÉGICA. 51

23.         (Des)Necessidade de contumácia da conduta para tipicidade do crime de não recolhimento do ICMS. 52

23.1.     Situação FÁTICA. 53

23.2.     Análise ESTRATÉGICA. 53

DIREITO PROCESSUAL PENAL. 54

24.         Conversão da prisão em flagrante em preventiva e Pacote Anticrime. 54

24.1.     Situação FÁTICA. 54

24.2.     Análise ESTRATÉGICA. 54

JULGADO COM MENOR RELEVÂNCIA PARA CONCURSO… 56

25.         Competência da Segunda Turma do STJ em ação de ressarcimento de desconto efetuado em fatura de energia elétrica  56

25.1.     Situação FÁTICA. 56

25.2.     Análise ESTRATÉGICA. 57

PARA TESTAR SEU CONHECIMENTO… 58

26.        QUESTÕES. 58

26.1.     Questões objetivas: CERTO ou ERRADO. 58

26.2.     Gabarito. 59

DIREITO ADMINISTRATIVO

1.      Mandado de injunção e regulamentação da ascensão funcional no Exército Brasileiro

MANDADO DE INJUNÇÃO

Mandado de injunção é via imprópria para pleitear a regulamentação do direito militar de ascensão funcional do quadro especial do Exército Brasileiro.

MI 324-DF, Rel. Min. Herman Benjamin, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 19/02/2020, DJe 25/08/2020

1.1. Situação FÁTICA.

Valdemar, militar do Exército Brasileiro, impetrou mandado de injunção no qual requereu o reconhecimento da lacuna e mora legislativa, e, via de consequência, que fosse determinado prazo razoável para que o Comandante do Exército promova a edição da norma regulamentadora a garanta aos militares do Quadro Especial do Exército Brasileiro o acesso às graduações superiores, ou seja, até a graduação de subtenente, ou envie ao Congresso Nacional projeto de lei neste sentido. 

1.2. Análise ESTRATÉGICA.

1.2.1.  Questão JURÍDICA.

Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LXXI – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

II – disponham sobre:

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

§ 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições:

X – a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra.

1.2.2.     Correta a via eleita por Valdemar?

R: NÃO.

Para o cabimento do Mandado de Injunção, é imprescindível a existência de direito previsto na Constituição que não esteja sendo exercido por ausência de norma regulamentadora. O Mandado de Injunção não é remédio destinado a fazer suprir lacuna ou ausência de regulamentação de direito previsto em norma infraconstitucional e, muito menos, de legislação que se refere a eventuais prerrogativas a serem estabelecidas discricionariamente pela União.

Constata-se que não cabe ao Comandante do Exército, por ato infralegal, nem por iniciativa própria, inovar no ordenamento jurídico quanto à promoção de militares das Forças Armadas, sob pena de violação ao art. 61, § 1º, II, “f”, da Constituição Federal.

A Carta Magna exige lei ordinária ou complementar, de iniciativa do Presidente da República, para tratar de promoções, entre outros direitos, aos militares das Forças Armadas. Portanto, patente a ilegitimidade passiva do Comandante do Exército. Ademais é cediço que o anseio de regulamentação da promoção hierárquica no âmbito do Quadro Especial do Exército não está assegurado na Carta Magna.

O art. 142, § 3º, X, da Constituição Federal é claro ao prever que haverá lei dispondo sobre “o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades”.

Nessa esteira, imperioso asseverar que não há omissão na edição de norma regulamentadora do citado artigo constitucional. Depreende-se, ainda, que a possibilidade de promoção das carreiras dos militares sem dúvida implica aumento de despesa pública, o que compete única e exclusivamente ao Congresso Nacional, mediante análise de Projeto de Lei de iniciativa do Presidente da República, aquiescer ou não com a criação ou alteração das carreiras já existentes, prevendo recursos no Orçamento.

Outrossim, verifica-se que o Supremo Tribunal Federal, no Mandado de Injunção 6.837 (decisão monocrática proferida pelo Min. Roberto Barroso em 25/4/2018 e já transitada em julgado), caso semelhante ao presente, entendeu que o impetrante buscava a regulamentação não de preceito da Constituição, mas do art. 50, IV, “m”, da Lei n. 6.880/1980, concluindo, assim, que, ausente dever constitucional de legislar, é imprópria a via do Mandado de Injunção, conforme dita o art. 5º, LXXI, da Constituição e da jurisprudência do próprio STF. Acrescenta-se, por fim, que a carreira militar está lastreada em processos seletivos rigorosos, compostos de cursos, avaliações e preparo físico-técnico, devendo eventuais exceções (por. ex. quadros especiais) ser interpretadas restritivamente, sob pena de comprometimento do sistema meritório global e da própria disciplina das Forças Armadas.

1.2.3.  Resultado final.

Mandado de injunção é via imprópria para pleitear a regulamentação do direito militar de ascensão funcional do quadro especial do Exército Brasileiro.

DIREITO CIVIL

2.      Valor de restituição devido ao devedor fiduciante em venda extrajudicial

RECURSO ESPECIAL

O valor a ser restituído ao devedor fiduciante, quando há venda extrajudicial do bem no bojo de ação de busca e apreensão posteriormente julgada extinta sem resolução do mérito, deve ser o valor do veículo na Tabela FIPE à época da busca e apreensão.

REsp 1.742.897-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/09/2020, DJe 16/09/2020

2.1. Situação FÁTICA.

BW Financeira S.A. ajuizou ação de busca e apreensão em desfavor de Ronaldo, em virtude de suposto inadimplemento de contrato de financiamento, garantido por alienação fiduciária. A sentença julgou procedente o pedido, para consolidar a posse do veículo descrito nos autos à instituição financeira recorrente, determinando que o produto da venda do bem seja utilizado para amortização da dívida garantida por este.

Em apelação, o Tribunal de Justiça local conheceu parcialmente da apelação interposta por Ronaldo e, nessa extensão, deu-lhe provimento para julgar extinta a ação de busca e apreensão, sem resolução do mérito, ante a descaracterização da mora. Ainda determinou a restituição do veículo ou, acaso tenha sido alienado, a indenização do recorrido em perdas e danos pela indevida apreensão do bem, balizada pela avaliação da Tabela FIPE à época em que este foi injustamente desapossado do bem.

Inconformada, BW interpôs recurso especial no qual sustentou que o valor a ser atribuído ao veículo apreendido, para fins de restituição, não seria o valor constante da Tabela FIPE, mas sim o valor apurado com a venda extrajudicial do bem. Ainda, defendeu que a Tabela FIPE não leva em consideração a depreciação do veículo enquanto esteve na posse do devedor.

2.2. Análise ESTRATÉGICA.

2.2.1.  Questão JURÍDICA.

DL n. 911/69:

Art. 2o  No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas

Art. 3o O proprietário fiduciário ou credor poderá, desde que comprovada a mora, na forma estabelecida pelo § 2o do art. 2o, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, podendo ser apreciada em plantão judiciário.

§ 1o Cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária. (Redação dada pela Lei 10.931, de 2004)

§ 2o No prazo do § 1o, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus.

§ 6o Na sentença que decretar a improcedência da ação de busca e apreensão, o juiz condenará o credor fiduciário ao pagamento de multa, em favor do devedor fiduciante, equivalente a cinqüenta por cento do valor originalmente financiado, devidamente atualizado, caso o bem já tenha sido alienado

2.2.2.     Qual o valor devido de restituição?

R: O valor do veículo constante na Tabela FIPE.

Infere-se dos arts. 2º e 3º, caput, § 1º e § 2º, do DL n. 911/69 que após a execução da liminar de busca e apreensão do bem, o devedor terá o prazo de 5 (cinco) dias para pagar a integralidade da dívida pendente, oportunidade em que o bem lhe será restituído sem o respectivo ônus.

No entanto, caso o devedor não efetue o pagamento no prazo legal, haverá a consolidação da propriedade e da posse plena e exclusiva do bem móvel objeto da alienação fiduciária no patrimônio do credor. Consolidado o bem no patrimônio do credor, estará ele investido em todos os poderes inerentes à propriedade, podendo vender o bem.

Se, contudo, efetivar a venda e a sentença vier a julgar improcedente o pedido, o RISCO do negócio é seu, devendo ressarcir os prejuízos que o devedor fiduciante sofrer em razão da perda do bem. Privado indevidamente da posse de seu veículo automotor, a composição do prejuízo do devedor fiduciante deve traduzir-se no valor de mercado do veículo no momento de sua apreensão indevida (valor do veículo na Tabela FIPE à época da ocorrência da busca e apreensão).

Isso porque é indiscutível que tal valor é o que melhor exprime o montante do desequilíbrio financeiro sofrido pelo devedor fiduciante. Saliente-se que a tabela FIPE é comumente utilizada para pesquisa do preço médio de veículos e serve como balizador de valores dos veículos automotores terrestres, considerando, inclusive, os diversos fatores de depreciação existentes.

Por fim, destaca-se apenas que, apesar de não ter sido propriamente julgada improcedente a ação de busca e apreensão, mas sim julgada extinta a ação sem resolução do mérito, houve a revogação da liminar concedida, o que autoriza a aplicação do referido raciocínio quanto à indenização do recorrido pelas perdas e danos, situação que se diferencia da multa citada no art. 3º, § 6º, do DL 911/69, uma vez que a norma sancionatória deve ser interpretada restritivamente (AgInt no REsp 1.588.151/SC, 4ª Turma, DJe 19/12/2018).

2.2.3.  Resultado final.

O valor a ser restituído ao devedor fiduciante, quando há venda extrajudicial do bem no bojo de ação de busca e apreensão posteriormente julgada extinta sem resolução do mérito, deve ser o valor do veículo na Tabela FIPE à época da busca e apreensão.

3.      Eficácia do contrato do plano de saúde e comunicação do óbito do beneficiário

RECURSO ESPECIAL

A eficácia do contrato de plano de saúde se protrai no tempo até que a operadora seja comunicada do falecimento da beneficiária, descabendo cobranças efetuadas em relação ao período posterior à comunicação e sendo viável que a notificação ocorra nos autos de processo cujo objeto seja o referido contrato.

REsp 1.879.005-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 18/08/2020, DJe 26/08/2020

3.1. Situação FÁTICA.

Paulo ajuizou ação declaratória de inexigibilidade de débito cumulada com obrigação de não fazer e compensação de dano moral em face de Unimais Cooperativa de Saúde, em virtude da cobrança de mensalidade de plano de saúde após a notificação do falecimento da beneficiária. O autor e sua falecida esposa, Neuza, eram dependentes do plano de saúde contratado junto à Unimais, cuja titularidade era da filha do casal.

 Com o falecimento desta última (filha), a ré cancelou os planos dos dependentes Neuza e Paulo, motivo pelo qual os autores ingressaram anteriormente com Ação de Obrigação de Fazer na qual foi deferido pedido liminar para manutenção do plano e continuidade de tratamentos já iniciados.

Ocorre que, durante o trâmite da referida ação, dona Neuza veio a falecer. Mesmo tendo informado o fato no processo e requerido o cancelamento das mensalidades referentes à falecida, a ré continuou enviando os boletos de cobrança sem excluir a cota parte relativa a Sra. Neuza.

 O Juízo de primeiro grau julgou parcialmente procedentes os pedidos para declarar a inexistência do débito objeto da negativação efetuada pela Unimais; determinar a retirada da anotação do nome do autor do cadastro de inadimplentes; e condenar o plano de saúde a pagar ao autor o valor R$ 8.000,00 (oito mil reais), a título de compensação do dano moral.

O propósito recursal consiste em definir o momento em que se considera cancelado o contrato de plano de saúde pela morte da beneficiária, bem como dizer sobre a configuração do dano moral

3.2. Análise ESTRATÉGICA.

3.2.1.     Válidas as cobranças após a comunicação do óbito?

R: NÃO.

A morte é fato jurídico superveniente que implica o rompimento do vínculo entre o beneficiário e a operadora do plano de saúde, mas esse efeito só se produzirá para a operadora depois de tomar CONHECIMENTO de sua ocorrência; ou seja, a eficácia do contrato se protrai no tempo até que a operadora seja comunicada do falecimento do beneficiário.

Ressalta-se que nos contratos personalíssimos (intuitu personae), como o é o de plano de saúde, porque neles não se admite a substituição do sujeito, a morte, evidentemente, é causa de extinção do contrato.

Nessas circunstâncias, defende a doutrina, que “a extinção do contrato pela morte se dá de pleno direito, em caráter EX NUNC, preservadas as situações patrimoniais consolidadas tais quais as prestações já vencidas nos contratos de duração”.

A Resolução ANS n. 412/2016, que versa sobre a solicitação de cancelamento do contrato do plano de saúde individual ou familiar pelo beneficiário titular, estabelece o efeito imediato do requerimento, a partir da CIÊNCIA da operadora ou administradora de benefícios, e dispõe, por conseguinte, que só serão devidas, a partir de então, as contraprestações pecuniárias vencidas e/ou eventuais coparticipações devidas, nos planos em pré-pagamento ou em pós-pagamento, pela utilização de serviços realizados antes da solicitação (art. 15, II e III).

Embora o ato normativo indique as FORMAS apropriadas ao pedido de cancelamento – presencial, por telefone ou pela internet (art. 4o – para os fins a que se destina, certo é que a notificação nos autos do processo cujo objeto é o próprio contrato de plano de saúde atinge a mesma finalidade, de tal modo que, constatada a ciência inequívoca da operadora sobre o falecimento da beneficiária, cessa, imediatamente, a obrigação assumida pelas partes. Assim, reputam-se indevidas todas as cobranças efetuadas em relação ao período posterior à notificação da operadora do falecimento do beneficiário ao plano de saúde.

3.2.2.  Resultado final.

A eficácia do contrato de plano de saúde se protrai no tempo até que a operadora seja comunicada do falecimento da beneficiária, descabendo cobranças efetuadas em relação ao período posterior à comunicação e sendo viável que a notificação ocorra nos autos de processo cujo objeto seja o referido contrato.

4.      (Im)Possibilidade de partilha de direitos possessórios sobre imóvel irregular

RECURSO ESPECIAL

Em dissolução de vínculo conjugal, é possível a partilha de direitos possessórios sobre bem edificado em loteamento irregular, quando ausente a má-fé dos possuidores.

REsp 1.739.042-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/09/2020, DJe 16/09/2020

4.1. Situação FÁTICA.

Cleide e Creisson, então casados, construíram uma casa em loteamento irregular e lá permaneceram residindo por muitos anos, sem maiores problemas. Até que, em uma bela noite, o casal quebrou os pratos e decidiu pelo divórcio. Ocorre que o imóvel foi construído com a participação de ambos e nenhum queria abrir mão deste, ainda que irregular.

Cleide então ajuizou ação de divórcio litigioso cumulada com partilha de bens em face de Creisson. A sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos, a fim de decretar o divórcio do casal e partilhar o veículo adquirido na constância da sociedade conjugal, sem, contudo, promover a partilha de imóvel que se encontrava em situação irregular.

Em apelação, o Tribunal de Justiça local entendeu que bens adquiridos na constância da sociedade conjugal, em regra, comunicam-se ao casal, pois se presume o esforço comum na aquisição. Entretanto, o fato de imóvel se encontrar localizado em loteamento irregular, impediria a partilha sobre os direitos possessórios. Sobrepartilha que somente poderia ser requerida após regularização do bem.

Inconformada, Cleide interpôs recurso especial no qual sustentou que os direitos de propriedade e de posse são autônomos e de que haveria autorização legal para a partilha de direitos e ações, o que permitiria a realização de partilha de imóvel situado em loteamento irregular.

 Cinge-se a controvérsia em definir se é admissível, em ação de divórcio, a partilha de bem imóvel situado em loteamento irregular.

4.2. Análise ESTRATÉGICA.

4.2.1.     Possível a partilha do imóvel irregular?

R: SIM.

As propriedades formalmente constituídas compõem o rol de bens adquiridos pelos cônjuges na constância do vínculo conjugal. Ao revés, também é preciso observar que existem bens e direitos com indiscutível expressão econômica que, por VÍCIOS de diferentes naturezas, não se encontram legalmente regularizados ou formalmente constituídos sob a titularidade do casal divorciando, como, por exemplo, as edificações realizadas em lotes irregulares sobre os quais os cônjuges adquiriram direitos possessórios.

 Nesse contexto, é notório que, em algumas hipóteses, a ausência de regularização do imóvel que se pretende partilhar decorre de desídia, de má-fé ou de artifício engendrado pelas partes com diferentes finalidades (sonegação de tributos, ocultação de bens, etc.).

Em se tratando “de imóvel situado em condomínio irregular, a penhora não recairá sobre a propriedade do imóvel, mas sobre os direitos possessórios que o devedor tenha”, reconhecendo a expressão econômica desses direitos e a sua integração ao patrimônio do devedor (REsp 901.906/DF, Quarta Turma, DJe 11/02/2010).

De outro lado, também é importante destacar que o STJ possui o entendimento de que “o expropriado que detém apenas a posse do imóvel tem direito a receber a correspondente indenização” (REsp 1.118.854/SP, Segunda Turma, DJe 28/10/2009).

Reconhece-se, pois, a AUTONOMIA existente entre o direito de propriedade e o direito de posse, bem como a expressão econômica do direito possessório como objeto de possível partilha entre os cônjuges no momento da dissolução do vínculo conjugal sem que haja reflexo direto às discussões relacionadas à propriedade formal do bem.

Diante desse cenário, a melhor solução está em admitir a possibilidade de partilha de direitos possessórios sobre bem edificado em loteamento irregular, quando AUSENTE a má-fé dos possuidores, resolvendo, em caráter particular e imediatamente, a questão que diz respeito somente à dissolução do vínculo conjugal, relegando a um segundo e oportuno momento as eventuais discussões acerca da regularidade e da formalização da propriedade sobre o bem imóvel.

4.2.2.  Resultado final.

Em dissolução de vínculo conjugal, é possível a partilha de direitos possessórios sobre bem edificado em loteamento irregular, quando ausente a má-fé dos possuidores.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

5.      Ação de usucapião e juntada de planta e memorial após a citação

RECURSO ESPECIAL

Após a citação, é possível a mera juntada da planta e do memorial descritivo, sem a anuência do demandado, desde que não implique em alteração do pedido formulado na petição inicial da ação de usucapião. 

REsp 1.685.140-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 25/08/2020, DJe 31/08/2020

5.1. Situação FÁTICA.

Cleiton ajuizou ação de usucapião em face de Vermelho Industrial Ltda. A empresa requereu a extinção do processo sem resolução de mérito pela falta da juntada da planta e memorial descritivo do imóvel. O Juízo de primeiro grau indeferiu o pedido de extinção do processo sem resolução do mérito e admitiu a possibilidade de o autor suprir a ausência de dados contidos no memorial descritivo e na planta.

Da decisão, Vermelho Industrial interpôs agravo de instrumento, o qual teve provimento negado pelo Tribunal de Justiça local. Conforme o acórdão, o suprimento de dados faltantes na planta e no memorial descrito, para melhor descrição dos limites e confrontações do imóvel usucapiendo, não significaria modificação do pedido constante da inicial, que é de aquisição, por meio de usucapião, do mesmo bem pretendido quando ajuizada a demanda.

A empresa então interpôs recurso especial no qual sustentou a impossibilidade de alteração dos limites objetivos da lide após apresentada a contestação. Acrescentou ainda que “não se trata de suprimento de dados faltantes, que poderia ser efetivada após a contestação em razão dos princípios da celeridade e da economia processual, mas alteração significativa na área pleiteada”.

 Cinge-se a controvérsia a definir se, após a citação, o autor pode realizar nova delimitação da área objeto da ação de usucapião, sem a anuência do demandado.

5.2. Análise ESTRATÉGICA.

5.2.1.  Questão JURÍDICA.

CPC 1973:

Art. 264. Feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)

Parágrafo único. A alteração do pedido ou da causa de pedir em nenhuma hipótese será permitida após o saneamento do processo.

Art. 282. A petição inicial indicará:

I – o juiz ou tribunal, a que é dirigida;

II – os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência do autor e do réu;

III – o fato e os fundamentos jurídicos do pedido;

IV – o pedido, com as suas especificações;

V – o valor da causa;

VI – as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados;

VII – o requerimento para a citação do réu.

Art. 294. Antes da citação, o autor poderá aditar o pedido, correndo à sua conta as custas acrescidas em razão dessa iniciativa.

Art. 942. O autor, expondo na petição inicial o fundamento do pedido e juntando planta do imóvel, requererá a citação daquele em cujo nome estiver registrado o imóvel usucapiendo, bem como dos confinantes e, por edital, dos réus em lugar incerto e dos eventuais interessados, observado quanto ao prazo o disposto no inciso IV do art. 232

Lei nº 6.015/1973:

Art. 225 – Os tabeliães, escrivães e juizes farão com que, nas escrituras e nos autos judiciais, as partes indiquem, com precisão, os característicos, as confrontações e as localizações dos imóveis, mencionando os nomes dos confrontantes e, ainda, quando se tratar só de terreno, se esse fica do lado par ou do lado ímpar do logradouro, em que quadra e a que distância métrica da edificação ou da esquina mais próxima, exigindo dos interessados certidão do registro imobiliário.

§ 3o Nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais

5.2.2.     Possível a emenda da inicial no caso narrado?

R: SIM.

Com efeito, “à luz do princípio ‘tempus regit actum’ e da teoria do isolamento dos atos processuais, estes devem observar a legislação vigente ao tempo de sua prática, sob pena de indevida retroação da lei nova para alcançar atos já consumados” (AgInt no REsp nº 1.540.391/SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe 23/10/2018).

A petição inicial da usucapião deve observar os requisitos genéricos do art. 282 do CPC/1973, cabendo ao autor identificar claramente o imóvel, descrevendo-o minuciosamente e juntando a respectiva planta e o memorial descritivo (art. 942 do CPC/1973).

Nesse aspecto, o § 3º do art. 225 da Lei nº 6.015/1973 estabelece que, nas ações judiciais que versem acerca de imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA.

Por sua vez, incumbe igualmente ao autor requerer a citação daquele em cujo nome estiver registrado o imóvel usucapiendo, bem como dos confinantes e, por edital, dos réus em lugar incerto e dos eventuais interessados (art. 942 do CPC/1973).

O art. 264 do CPC/1973 dispõe que, “feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei”. Assim, “antes da citação, o autor poderá aditar o pedido, correndo à sua conta as custas acrescidas em razão dessa iniciativa” (art. 294 do CPC/1973).

A respeito do assunto, o STJ entende que “é admissível a determinação de emenda à petição inicial, mesmo após a citação do réu e a apresentação de defesa, quando não houver alteração no pedido ou na causa de pedir” (REsp 1.698.716/GO, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 11/9/2018, DJe 13/9/2018).

A Quarta Turma, especificamente tratando de ação de usucapião, concluiu que, “após a citação e sem o consentimento do réu, a apresentação de memorial descritivo, trazendo alteração nos elementos identificadores do imóvel usucapiendo constantes da petição inicial, consubstancia manifesta violação à regra do art. 264 do CPC”. No caso, o Tribunal de origem manteve a decisão do magistrado de piso ao fundamento de que os dados faltantes na planta e no memorial descritivo, com a finalidade de demostrar corretamente os limites e as confrontações do imóvel, não foi capaz de alterar o pedido constante da inicial, consistente na aquisição originária do terreno rural.

Nesse cenário, NÃO há como concluir que a mera juntada dos referidos documentos implicou alteração objetiva da demanda, ou seja, do pedido formulado na petição inicial da ação de usucapião.                               

5.2.3.  Resultado final.

Após a citação, é possível a mera juntada da planta e do memorial descritivo, sem a anuência do demandado, desde que não implique em alteração do pedido formulado na petição inicial da ação de usucapião. 

6.      (Im)Possibilidade de ajuizamento nos Juizados Especiais da Fazenda Pública de execução de título executivo de ação coletiva tramitada no rito ordinário

RECURSO ESPECIAL

Não é possível propor nos Juizados Especiais da Fazenda Pública a execução de título executivo formado em ação coletiva que tramitou sob o rito ordinário, assim como impor o rito sumaríssimo da Lei n. 12.153/2009 ao juízo comum da execução.

REsp 1.804.186-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 12/08/2020, DJe 11/09/2020 (Tema 1029)

6.1. Situação FÁTICA.

Certo Sindicato dos servidores de um município propôs contra o referido Município uma ação para obrigá-lo a avaliar o desempenho de milhares de servidores públicos substituídos. O pedido foi julgado procedente e a sentença transitou em julgado em 2006. Na fase de execução, a obrigação de avaliar foi convertida em perdas e danos, com a promoção de todos os servidores substituídos independentemente de avaliação. Na prática, isso significou reajustar o vencimento de cada um deles em 6,09%.

Após o trânsito em julgado da questão nos tribunais superiores, Roberto, a exemplo de centenas de outros servidores públicos substituídos, formulou pedido de cumprimento individual da sentença prolatada na referida ação coletiva.

O Juízo de 1° Grau responsável alterou a competência para o processamento do incidente, fixando a competência do Juizado Especial da Fazenda Pública, fazendo incidir as disposições da Lei 12.153/2009.

 Cinge-se a controvérsia a definir se é possível ajuizar ação executiva no Juizado Especial da Fazenda Pública relativa a título judicial oriundo de ação coletiva, em que se seguiu rito próprio desse tipo de ação.

6.2. Análise ESTRATÉGICA.

6.2.1.  Questão JURÍDICA.

Lei n. 12.153/2009:

Art. 2o  É de competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública processar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos.

§ 1o  Não se incluem na competência do Juizado Especial da Fazenda Pública:

I – as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, por improbidade administrativa, execuções fiscais e as demandas sobre direitos ou interesses difusos e coletivos;

Art. 12.  O cumprimento do acordo ou da sentença, com trânsito em julgado, que imponham obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa certa, será efetuado mediante ofício do juiz à autoridade citada para a causa, com cópia da sentença ou do acordo.

Art. 13.  Tratando-se de obrigação de pagar quantia certa, após o trânsito em julgado da decisão, o pagamento será efetuado:

I – no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, contado da entrega da requisição do juiz à autoridade citada para a causa, independentemente de precatório, na hipótese do § 3o do art. 100 da Constituição Federal; ou

II – mediante precatório, caso o montante da condenação exceda o valor definido como obrigação de pequeno valor.

Lei n.12.153/2009:

Art. 27.  Aplica-se subsidiariamente o disposto nas Leis nos 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, 9.099, de 26 de setembro de 1995, e 10.259, de 12 de julho de 2001.

Lei n. 9.099/1995:

Art. 3º O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas:

§ 1º Compete ao Juizado Especial promover a execução:

I – dos seus julgados;

II – dos títulos executivos extrajudiciais, no valor de até quarenta vezes o salário mínimo, observado o disposto no § 1º do art. 8º desta Lei.

Lei n. 10.259/2001:

Art. 3o Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças.

Código de Processo Civil:

Art. 516. O cumprimento da sentença efetuar-se-á perante:

I – os tribunais, nas causas de sua competência originária;

II – o juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição;

III – o juízo cível competente, quando se tratar de sentença penal condenatória, de sentença arbitral, de sentença estrangeira ou de acórdão proferido pelo Tribunal Marítimo.

Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o exequente poderá optar pelo juízo do atual domicílio do executado, pelo juízo do local onde se encontrem os bens sujeitos à execução ou pelo juízo do local onde deva ser executada a obrigação de fazer ou de não fazer, casos em que a remessa dos autos do processo será solicitada ao juízo de origem.

Art. 535. A Fazenda Pública será intimada na pessoa de seu representante judicial, por carga, remessa ou meio eletrônico, para, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias e nos próprios autos, impugnar a execução, podendo arguir:

§ 3º Não impugnada a execução ou rejeitadas as arguições da executada:

II – por ordem do juiz, dirigida à autoridade na pessoa de quem o ente público foi citado para o processo, o pagamento de obrigação de pequeno valor será realizado no prazo de 2 (dois) meses contado da entrega da requisição, mediante depósito na agência de banco oficial mais próxima da residência do exequente.

6.2.2.     Possível o cumprimento de sentença no Juizado Especial?

R: NÃO.

O art. 2º, § 1º, I, da Lei n. 12.153/2009 dispõe que não se incluem na competência do Juizado Especial da Fazenda Pública as demandas sobre direitos ou interesses difusos e coletivos, argumento suficiente para excluir a competência executória de sentenças exaradas em Ações Coletivas.

Na mesma lei NÃO há disposição expressa acerca da competência executória dos Juizados da Fazenda Pública, havendo apenas regramento (arts. 12 e 13) do rito da execução de seus próprios julgados. O art. 27 da Lei n. 12.153/2009 fixa a aplicação subsidiária do CPC, da Lei n. 9.099/1995 e da Lei n. 10.259/2001. Já a Lei n. 9.099/1995, no art. 3º, § 1º, delimita a competência dos Juizados Especiais Cíveis e, por aplicação subsidiária, dos Juizados Especiais da Fazenda Pública para promoverem a execução “dos seus julgados” e “dos títulos executivos extrajudiciais, no valor de até quarenta vezes o salário mínimo”.

O art. 3º, caput, da Lei n. 10.259/2001, por sua vez, também de aplicação SUBSIDIÁRIA aos Juizados Especiais da Fazenda Pública, delimita a competência executória a “executar as suas sentenças”. Ademais o CPC estabelece: “Art. 516. O cumprimento da sentença efetuar-se-á perante: I – os tribunais, nas causas de sua competência originária; II – o juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição; III – o juízo cível competente, quando se tratar de sentença penal condenatória, de sentença arbitral, de sentença estrangeira ou de acórdão proferido pelo Tribunal Marítimo. Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o exequente poderá optar pelo juízo do atual domicílio do executado, pelo juízo do local onde se encontrem os bens sujeitos à execução ou pelo juízo do local onde deva ser executada a obrigação de fazer ou de não fazer, casos em que a remessa dos autos do processo será solicitada ao juízo de origem”.

Nota-se que a Lei n. 12.153/2009 e as respectivas normas de aplicação subsidiária determinam que os Juizados Especiais da Fazenda Pública têm competência para apreciar apenas as execuções de seus próprios julgados ou de títulos extrajudiciais.

Por derradeiro, o Código de Defesa do Consumidor, norma que rege a tutela coletiva não só no direito do consumidor, mas de forma subsidiária de todos os tipos de direitos, fixa a competência, para a execução, do juízo da liquidação da sentença ou da ação condenatória, no caso de execução individual, valendo aqui a regra do domicílio do exequente no caso de juízos com a mesma competência.

Assim, NÃO é possível propor nos Juizados Especiais da Fazenda Pública a execução de título executivo formado em ação coletiva, muito menos impor o citado rito sumaríssimo ao juízo comum. O Cumprimento da Sentença coletiva deve obedecer ao rito previsto nos arts. 534 e seguintes do CPC/2015; e o fato de o valor da execução ser baixo pode apenas resultar, conforme a quantia, em Requisição de Pequeno Valor para o pagamento do débito (art. 535, § 3º, II, do CPC/2015).

6.2.3.  Resultado final.

Não é possível propor nos Juizados Especiais da Fazenda Pública a execução de título executivo formado em ação coletiva que tramitou sob o rito ordinário, assim como impor o rito sumaríssimo da Lei n. 12.153/2009 ao juízo comum da execução.

7.      Honorários advocatícios recursais de sentença proferida sob a égide do CPC 1973

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL

É devido o pagamento de honorários advocatícios recursais quando o acórdão recorrido for publicado na vigência do CPC/2015, mesmo que a sentença tenha sido proferida sob a égide do CPC/1973.

EAREsp 1.402.331-PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 09/09/2020, DJe 15/09/2020

7.1. Situação FÁTICA.

Em certa ação de cobrança, a sentença foi proferida durante a vigência do CPC/1973. Porém o respectivo acórdão somente foi publicado já durante a vigência do CPC/2015, em 21 de março de 2016.

O Tribunal de Justiça local condenou a parte sucumbente ao pagamento de honorários advocatícios no valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), de modo que a majoração da referida verba, na razão de 20%.

Inconformado, o credor interpôs embargos de divergência no qual sustentou que a Primeira Turma do STJ decidiu que, na hipótese em que a sentença foi prolatada na vigência do CPC/1973 (17/7/2015), não sendo cabível a fixação de honorários recursais.

Já Segunda Turma do mesmo Tribunal possui entendimento jurisprudencial divergente, pois declara que o marco temporal para a fixação de honorário recursais não é data da sentença, mas sim a data da publicação do acórdão objeto do recurso especial.

7.2. Análise ESTRATÉGICA.

7.2.1.  Questão JURÍDICA.

Código de Processo Civil 2015:

Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

§ 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.

7.2.2.     Devidos os honorários?

R: SIM.

Os direitos subjetivos decorrem da concretização dos requisitos legais previstos pelo direito objetivo vigente. Eventual direito aos honorários advocatícios recursais será devido quando os requisitos previstos no art. 85, § 11, do CPC/2015 se materializam após o início de vigência deste novo Código.

Por isso, nos termos do Enunciado Administrativo n. 7/STJ: “somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC”.

No caso, a sentença foi proferida durante a vigência do CPC/1973, porém, o acórdão a quo foi publicado já durante a vigência do CPC/2015. Logo, o pagamento de honorários advocatícios recursais é devido.

7.2.3.  Resultado final.

É devido o pagamento de honorários advocatícios recursais quando o acórdão recorrido for publicado na vigência do CPC/2015, mesmo que a sentença tenha sido proferida sob a égide do CPC/1973.

8.      Efeitos da inversão do ônus probatório

RECURSO ESPECIAL

A inversão do ônus probatório leva consigo o custeio da carga invertida, não como dever, mas como simples faculdade, sujeita as consequências processuais advindas da não produção da prova.

REsp 1.807.831-RO, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 07/11/2019, DJe 14/09/2020

8.1. Situação FÁTICA.

Joãozinho ajuizou de Ação de Reintegração de Posse em face de Vanusa. Processada a demanda, houve ajuizamento de Reconvenção, cujo objeto foi a reparação por danos materiais e morais decorrentes da ocupação da área em disputa, tendo havido decreto judicial de inversão do ônus da prova e determinação de que os honorários periciais recaiam sobre o autor reconvindo.

Ao dirimir a controvérsia com relação ao objeto da Reconvenção e à possibilidade de formação de litisconsórcio, o Tribunal de Justiça local entendeu correta a decisão de primeiro grau uma vez que a interpretação do pedido deve considerar o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé.

Inconformado, Joãozinho interpôs recurso especial no qual sustentou a ilegalidade da decisão que manteve a intervenção de terceiros, e a inversão o ônus da prova.

8.2. Análise ESTRATÉGICA.

8.2.1.  Questão JURÍDICA.

Código de Processo Civil 2015:

Art. 373. O ônus da prova incumbe:

§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

8.2.2.     Com razão Joãozinho?

R: NÃO.

Quanto à inversão do ônus da prova, o art. 373, § 1º, do Código de Processo Civil, em perfeita sintonia com a Constituição de 1988, reproduz, na relação processual, a transição da isonomia formal para a isonomia material. Não se trata de prerrogativa judicial irrestrita, pois depende ora de previsão legal (direta ou indireta, p. ex., como consectário do princípio da precaução), ora, na sua falta, de peculiaridades da causa, associadas quer à impossibilidade ou a excessivo custo ou complexidade de cumprimento do encargo probante, quer à maior capacidade de obtenção da prova pela parte contrária.

Naquela hipótese, em reação à natureza espinhosa da produção probatória, a inversão foca em dificuldade do beneficiário da inversão; nesta, prestigia a maior facilidade, para tanto, do detentor da prova do fato contrário. Qualquer elemento probatório, pontualmente – ou todos eles conjuntamente -, pode ser objeto da decretação de inversão, desde que haja adequada fundamentação judicial.

A alteração ope legis ou ope judicis da sistemática probatória ordinária leva consigo o custeio da carga invertida, não como dever, mas como simples faculdade. Logo, não equivale a compelir a parte gravada a pagar ou a antecipar pagamento pelo que remanescer de ônus do beneficiário. Modificada a atribuição, desaparece a necessidade de a parte favorecida provar aquilo que, daí em diante, integrar o âmbito da inversão. Ilógico e supérfluo requisitar que produza o réu prova de seu exclusivo interesse disponível, já que a omissão em nada prejudicará o favorecido ou o andamento processual.

Ou seja, a inversão NÃO implica transferência ao réu de custas de perícia requerida pelo autor da demanda, pois de duas, uma: ou tal prova continua com o autor e somente a ele incumbe, ou a ele comumente cabia e foi deslocada para o réu, titular da opção de, por sua conta e risco, cumpri-la ou não. Claro, se o sujeito titular do ônus invertido preferir não antecipar honorários periciais referentes a seu encargo probatório, presumir-se-ão verdadeiras as alegações da outra parte.

8.2.3.  Resultado final.

A inversão do ônus probatório leva consigo o custeio da carga invertida, não como dever, mas como simples faculdade, sujeita as conseqüências processuais advindas da não produção da prova.

9.      (Des)necessidade da demonstração de distinção ou superação das súmulas e precedentes persuasivos

RECURSO ESPECIAL

A regra do art. 489, §1º, VI, do CPC, segundo a qual o juiz, para deixar de aplicar enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, deve demonstrar a existência de distinção ou de superação, somente se aplica às súmulas ou precedentes vinculantes, mas não às súmulas e aos precedentes apenas persuasivos, como, por exemplo, os acórdãos proferidos por Tribunais de 2º grau distintos daquele a que o julgador está vinculado.

REsp 1.698.774-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 01/09/2020, DJe 09/09/2020

9.1. Situação FÁTICA.

Joaquina ajuizou de divórcio cumulada com partilha de bens em face de Wellington. A sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos, para decretar o divórcio, afastar o recorrido do lar conjugal e partilhar, igualitariamente, a relação de bens enumerados.

Não satisfeitos, ambas as partes interpuseram apelação, a qual foi provida pelo Tribunal de Justiça local que entendeu que, dentre outras coisas, Joaquina não se desincumbiu a recorrente de comprovar sua tradução de que os valores depositados em sua conta bancária pertenciam de fato a seus genitores, mas que, em razão da idade avançada, eram por si administrados, com o que deve ser mantida a determinação de partilha desses valores.

Inconformada, Joaquina interpôs recurso especial no qual sustentou que em seu recurso teriam sido colacionados diversos julgados de Tribunais de Justiça, que deveriam ser observados pelo acórdão recorrido, salvo na hipótese de distinção ou de superação de entendimento.

Cinge-se a controvérsia em definir se o dever de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, previsto no art. 489, §1º, VI, do CPC/2015, abrange também o dever de seguir julgado proferido por Tribunal de 2º grau distinto daquele a que o julgador está vinculado.

9.2. Análise ESTRATÉGICA.

9.2.1.  Questão JURÍDICA.

Código de Processo Civil 2015:

Art. 489. São elementos essenciais da sentença:

§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

9.2.2.     Procede a tese de Joaquina?

R: NÃO.

O art. 489, §1º, VI, do CPC/2015, dispõe: “Art. 489. São elementos essenciais da sentença: (…) §1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: (…) VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”.

Examinando-se o conteúdo do referido dispositivo legal, verifica-se que a nova lei processual exige do juiz um ônus argumentativo diferenciado na hipótese em que pretenda ele se afastar da orientação firmada em determinadas espécies de julgados, a saber, que demonstre a existência de DISTINÇÃO entre a hipótese que lhe fora submetida e o paradigma invocado ou de SUPERAÇÃO do entendimento firmado no paradigma invocado.

Denota-se, pois, que o art. 489, §1º, VI, do CPC/2015, possui, em sua essência, uma indissociável relação com o sistema de precedentes tonificado pela nova legislação processual, razão pela qual a interpretação sobre o conteúdo e a abrangência daquele dispositivo deve levar em consideração que o dever de fundamentação analítica do julgador, no que se refere à obrigatoriedade de demonstrar a existência de distinção ou de superação, limita-se às súmulas e aos precedentes de natureza vinculante, mas não às súmulas e aos precedentes apenas persuasivos.

Na hipótese em exame, dado que foi invocado, para o julgamento da apelação perante o TJRS, apenas julgados proferidos pelo TJSP e pelo TJDFT no mesmo sentido da tese recursal pretendida, o acórdão recorrido não estava obrigado a considerá-los por ocasião do julgamento da apelação e, por via de consequência, também NÃO estava obrigado a estabelecer qualquer distinção ou superação do entendimento firmado pelos referidos julgados, razão pela qual não há que se falar em violação ao art. 489, §1º, VI, do CPC/2015.

9.2.3.  Resultado final.

A regra do art. 489, §1º, VI, do CPC, segundo a qual o juiz, para deixar de aplicar enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, deve demonstrar a existência de distinção ou de superação, somente se aplica às súmulas ou precedentes vinculantes, mas não às súmulas e aos precedentes apenas persuasivos, como, por exemplo, os acórdãos proferidos por Tribunais de 2º grau distintos daquele a que o julgador está vinculado.

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

10.  Sentença proferida em ação de destituição de poder familiar sem a participação do pretenso pai biológico

RECURSO ESPECIAL

É juridicamente existente a sentença proferida em ação de destituição de poder familiar ajuizada em desfavor apenas da genitora, no caso em que pretenso pai biológico não conste na respectiva certidão de nascimento do menor.

REsp 1.819.860-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 01/09/2020, DJe 09/09/2020

10.1.             Situação FÁTICA.

Roberto, suposto e tardio pai biológico do menor Alexandre, ajuizou ação querela nullitatis insanabilis em face do Ministério Público de São Paulo, por meio da qual se pretende declarar a inexistência de sentença de destituição de poder familiar em razão da ausência de citação do suposto genitor biológico.

A sentença extinguiu o processo sem resolução de mérito ao fundamento de que estaria ausente o interesse de agir na modalidade necessidade. Em apelação, o Tribunal de Justiça local deu parcial provimento ao recurso, superando a preliminar de falta de interesse de agir em que se fundou a sentença para, no mérito, julgar improcedente o pedido autoral por entender que o autodeclarado pai, por não deter o poder familiar sobre a criança, não tinha legitimidade para atuar como réu na ação de destituição do poder familiar.

Inconformada, a defesa de Roberto então interpôs recurso especial no qual sustentou que a manifestação posterior do suposto genitor biológico, no sentido de reconhecer a paternidade, independeria de prova da origem genética, de modo que seria indispensável a sua presença na ação de destituição do poder familiar.

10.2.             Análise ESTRATÉGICA.

10.2.1.                Questão JURÍDICA.

Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 158. O requerido será citado para, no prazo de dez dias, oferecer resposta escrita, indicando as provas a serem produzidas e oferecendo desde logo o rol de testemunhas e documentos.

§ 1 o A citação será pessoal, salvo se esgotados todos os meios para sua realização.

§ 2 o O requerido privado de liberdade deverá ser citado pessoalmente.

§ 3 o Quando, por 2 (duas) vezes, o oficial de justiça houver procurado o citando em seu domicílio ou residência sem o encontrar, deverá, havendo suspeita de ocultação, informar qualquer pessoa da família ou, em sua falta, qualquer vizinho do dia útil em que voltará a fim de efetuar a citação, na hora que designar, nos termos do art. 252 e seguintes da Lei n o 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil) .

§ 4 o Na hipótese de os genitores encontrarem-se em local incerto ou não sabido, serão citados por edital no prazo de 10 (dez) dias, em publicação única, dispensado o envio de ofícios para a localização.

Art. 163.  O prazo máximo para conclusão do procedimento será de 120 (cento e vinte) dias, e caberá ao juiz, no caso de notória inviabilidade de manutenção do poder familiar, dirigir esforços para preparar a criança ou o adolescente com vistas à colocação em família substituta.

Parágrafo único.  A sentença que decretar a perda ou a suspensão do poder familiar será averbada à margem do registro de nascimento da criança ou do adolescente

10.2.2. É nula ou inexistente a sentença?

R: NÃO.

Do exame do art. 158 do ECA, se percebe que a lei disciplina o modo pelo qual os genitores biológicos deverão ser citados para a ação de destituição do poder familiar de modo bastante detalhado, justamente para reduzir ao máximo a possibilidade de inexistência ou de vício no ato citatório em ação cuja consequência, após a sentença, será extremamente drástica, a saber, a decretação da perda do poder familiar que será averbada à margem do registro de nascimento da criança ou do adolescente (art. 163, parágrafo único, do ECA).

Percebe-se que esse minucioso regramento, todavia, volta-se à circunstância de se tratar de pais biológicos CONHECIDOS, ou seja, dos genitores assim declarados como tal na certidão de nascimento do menor ou posteriormente reconhecidos por decisão judicial.

A hipótese em exame, entretanto, é substancialmente distinta, pois o suposto genitor do menor era absolutamente desconhecido, ao tempo do ajuizamento da ação de destituição do poder familiar que culminou com a sentença cuja inexistência jurídica se alega, razão pela qual se conclui que a pessoa que não mantinha relação jurídica de poder familiar com o menor não poderia ser ré da ação em que se pretendia decretar a destituição do referido poder.

A simples e tardia declaração de assunção de paternidade pelo genitor, pois, NÃO é suficiente, por si só, para obstar a prolação da sentença que destituiu o poder familiar juridicamente exercido pela genitora biológica, especialmente porque, na hipótese, o menor já se encontrava em família substituta, durante a tramitação da ação de destituição de poder familiar, de modo a viabilizar uma futura adoção que efetivamente se concretizou.

10.2.3.                Resultado final.

É juridicamente existente a sentença proferida em ação de destituição de poder familiar ajuizada em desfavor apenas da genitora, no caso em que pretenso pai biológico não conste na respectiva certidão de nascimento do menor.

11.  Oponibilidade da sentença transitada em julgada em ação de afastamento do convívio familiar a quem exercia a guarda irregularmente após grande lapso de tempo

RECURSO ESPECIAL

O trânsito em julgado de sentença de procedência do pedido de afastamento do convívio familiar não é oponível a quem exercia a guarda irregularmente e, após considerável lapso temporal, pretende ajuizar ação de guarda cuja causa de pedir seja a modificação das circunstâncias fáticas.

REsp 1.878.043-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/09/2020, DJe 16/09/2020

11.1.             Situação FÁTICA.

O casal Tamires e Tiago ajuizou ação de guarda por meio da qual pretendem reaver a guarda fática irregularmente exercida sobre a menor Bruna.

A sentença indeferiu a petição inicial e extinguiu o processo sem resolução de mérito por litispendência (arts. 337, §3º e 485, V, ambos do CPC/15), ao fundamento de que a ação de guarda repetiria todos os fundamentos e questões que já haviam sido objeto de decisão de mérito em anterior ação de afastamento de convívio familiar ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo em face dos autores.

Em apelação, o Tribunal de Justiça local afastou a ocorrência de litispendência, mas negou provimento ao recurso de apelação interposto pelos recorrentes por fundamentação distinta. Conforme o acórdão, como os autores buscariam rediscutir questão de guarda já definida na ação para a aplicação de medida protetiva, restaria comprovada a ausência de interesse e utilidade do provimento judicial buscado.

Inconformado, o casal interpôs recurso especial no qual sustentou que ação de guarda não pretenderia rediscutir as mesmas questões anteriormente debatidas na ação de afastamento de convívio familiar, especialmente porque a pretensão de guarda estaria fundada em modificação de situação fática do menor e dos recorrentes cuja prova somente poderia ser produzida por intermédio de estudo psicossocial que fora negado anteriormente.

11.2.             Análise ESTRATÉGICA.

11.2.1.                Questão JURÍDICA.

Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 35. A guarda poderá ser revogada a qualquer tempo, mediante ato judicial fundamentado, ouvido o Ministério Público.

Art. 100. Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.

Parágrafo único.  São também princípios que regem a aplicação das medidas:

II – proteção integral e prioritária: a interpretação e aplicação de toda e qualquer norma contida nesta Lei deve ser voltada à proteção integral e prioritária dos direitos de que crianças e adolescentes são titulares

Código de Processo Civil 2015:

Art. 504. Não fazem coisa julgada:

I – os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença;

11.2.2. Com razão o casal?

R: SIM.

As ações de guarda e de afastamento do convívio familiar veiculam pretensões AMBIVALENTES, pois, na primeira, pretende-se exercer o direito de proteção da pessoa dos filhos (guarda sob a ótica do poder familiar) ou a proteção de quem, em situação de risco, demande cuidados especiais (guarda sob a ótica assistencial), ao passo que, na segunda, pretende o legitimado a cessação ou a modificação da guarda em razão de estar a pessoa que deve ser preservada em uma situação de risco.

Da irrelevância do nomen iuris dado às ações que envolvam a guarda do menor para fins da tutela jurisdicional pretendida se conclui que, por suas características peculiares, a guarda é indiscutivelmente modificável a qualquer tempo, bastando que exista a alteração das circunstâncias fáticas que justificaram a sua concessão, ou não, no passado.

Transitada em julgado a sentença de procedência do pedido de afastamento do convívio familiar de que resultou o acolhimento institucional da menor, quem exercia irregularmente a guarda e pretende adotá-la possui interesse jurídico para, após considerável lapso temporal, ajuizar ação de guarda cuja causa de pedir seja a modificação das circunstâncias fáticas que ensejaram o acolhimento, não lhe sendo oponível a coisa julgada que se formou na ação de afastamento.

A alternância e a volatividade, embora indesejáveis no âmbito da guarda que se pauta na constância e na segurança, são ínsitas à natureza humana e social, podendo ser causadas, inclusive, por circunstâncias fáticas alheias à vontade de quem a exercia. É por esse motivo que, em comezinha lição, a coisa julgada material, em determinadas hipóteses (como na ação de guarda, nos termos do art. 35 do ECA) sequer se forma ou, ao menos, fica sujeita à moldura fática que lhe serviu de base e à estritas limitações de natureza temporal.

Assim, a fundamentação adotada pela sentença que julgou procedente o pedido de afastamento do convívio familiar, no sentido de que seria juridicamente impossível o reconhecimento da filiação socioafetiva que tenha em sua origem uma adoção à brasileira, não impede o exame da questão na superveniente ação de guarda, pois os motivos que conduziram à procedência do pedido anterior, por mais relevantes que sejam, não fazem coisa julgada, a teor do art. 504, I, do CPC/2015.A concepção prévia das instâncias ordinárias, no sentido de que a burla ao cadastro de adoção ou à ordem cronológica tornaria, por si só, absolutamente inviável a adoção pelos recorrentes, deve ser objeto de profunda revisitação.

A jurisprudência desta Corte, diante de uma ineludível realidade social, mas sem compactuar com a vulneração da lei, do cadastro de adotantes e da ordem cronológica, consolidou-se no sentido de que, nas ações que envolvem a filiação e a situação de menores, é imprescindível que haja o profundo, pormenorizado e casuístico exame de cada situação concretamente considerada, a fim de que, com foco naquele que deve ser o centro de todas as atenções – a criança – decida-se de acordo com os princípios do melhor interesse do menor e da proteção integral e prioritária da criança (art. 100, parágrafo único, II, do ECA), sendo IMPRESCINDÍVEL, nesse contexto, que haja a oitiva e a efetiva participação de todos os envolvidos (art. 100, parágrafo único, XII, do ECA) e a realização dos estudos psicossociais e interdisciplinares pertinentes, inclusive nas hipóteses de adoção à brasileira.

11.2.3.                Resultado final.

O trânsito em julgado de sentença de procedência do pedido de afastamento do convívio familiar não é oponível a quem exercia a guarda irregularmente e, após considerável lapso temporal, pretende ajuizar ação de guarda cuja causa de pedir seja a modificação das circunstâncias fáticas.

12.  Obrigatoriedade da intervenção da FUNAI em ação de destituição de poder familiar relativa a criança indígena

RECURSO ESPECIAL

É obrigatória a intervenção da FUNAI em ação de destituição de poder familiar que envolva criança cujos pais possuem origem indígena.

REsp 1.698.635-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 01/09/2020, DJe 09/09/2020

12.1.             Situação FÁTICA.

O Ministério Público de certo Estado ajuizou ação de destituição de poder familiar em face de Tereza. A sentença julgou procedente o pedido, destituindo o poder familiar da recorrente em relação às menores Bruna e Bianca.

Tereza interpôs apelação, a qual não foi provida pelo Tribunal de Justiça local. Conforme o acórdão, ficou demonstrada a situação de abandono material e psicológico, exposição ao consumo imoderado de álcool e drogas dos menores, ainda, que a genitora das crianças se mostrou resistente às tentativas de orientação e apoio oferecidas pela assistência social.

A Defensoria Pública Estadual, representando Tereza, interpôs então recurso especial no qual sustentou que em se tratando de crianças de origem indígena, seria obrigatória a intervenção da Fundação Nacional do Índio – FUNAI – e a realização de estudo antropológico, inexistentes no caso.

Cinge-se a controvérsia em definir se, na ação de destituição de poder familiar que envolva criança cujos pais possuem origem indígena, é obrigatória a intervenção da Fundação Nacional do Índio – FUNAI.

12.2.             Análise ESTRATÉGICA.

12.2.1.                Questão JURÍDICA.

Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei.

§ 6 o Em se tratando de criança ou adolescente indígena ou proveniente de comunidade remanescente de quilombo, é ainda obrigatório:

I – que sejam consideradas e respeitadas sua identidade social e cultural, os seus costumes e tradições, bem como suas instituições, desde que não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais reconhecidos por esta Lei e pela Constituição Federal;

II – que a colocação familiar ocorra prioritariamente no seio de sua comunidade ou junto a membros da mesma etnia;

Art. 157. Havendo motivo grave, poderá a autoridade judiciária, ouvido o Ministério Público, decretar a suspensão do pátrio poder poder familiar , liminar ou incidentalmente, até o julgamento definitivo da causa, ficando a criança ou adolescente confiado a pessoa idônea, mediante termo de responsabilidade.

§ 1 o Recebida a petição inicial, a autoridade judiciária determinará, concomitantemente ao despacho de citação e independentemente de requerimento do interessado, a realização de estudo social ou perícia por equipe interprofissional ou multidisciplinar para comprovar a presença de uma das causas de suspensão ou destituição do poder familiar, ressalvado o disposto no § 10 do art. 101 desta Lei, e observada a Lei    n o 13.431, de 4 de abril de 2017 . (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)

§ 2 o Em sendo os pais oriundos de comunidades indígenas, é ainda obrigatória a intervenção, junto à equipe interprofissional ou multidisciplinar referida no § 1 o deste artigo, de representantes do órgão federal responsável pela política indigenista, observado o disposto no § 6 o do art. 28 desta Lei.

12.2.2. Obrigatória a participação da FUNAI?

R: SIM.

Preliminarmente, pontua-se que a revogação do art. 161, §2º, do ECA, pela Lei n. 13.509/2017, com tratamento da matéria no art. 157, §2º, do mesmo Estatuto, apenas esclarece que a realização de estudo social ou perícia por equipe interprofissional ou multidisciplinar, bem como a intervenção da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, deverá ocorrer sempre e logo após o recebimento da petição inicial, não significando a referida modificação legal que a intervenção da FUNAI, em se tratando de destituição de poder familiar de criança que é filha de pais oriundos de comunidades indígenas, somente seria obrigatória nas hipóteses de suspensão liminar ou incidental do poder familiar.

A intervenção da FUNAI nos litígios relacionados à destituição do poder familiar e à adoção de menores indígenas ou menores cujos pais são indígenas é OBRIGATÓRIA e apresenta caráter de ordem pública, visando-se, em ambas as hipóteses, que sejam consideradas e respeitadas a identidade social e cultural do povo indígena, os seus costumes e tradições, suas instituições, bem como que a colocação familiar ocorra prioritariamente no seio de sua comunidade ou junto a membros da mesma etnia.

As regras do art. 28, §6º, I e II, do ECA, visam conferir às crianças de origem indígena um tratamento verdadeiramente diferenciado, pois, além de crianças, pertencem elas a uma etnia minoritária, historicamente discriminada e marginalizada no Brasil, bem como pretendem, reconhecendo a existência de uma série de vulnerabilidades dessa etnia, adequadamente tutelar a comunidade e a cultura indígena, de modo a minimizar a sua assimilação ou absorção pela cultura dominante.

Nesse contexto, a obrigatoriedade e a relevância da intervenção obrigatória da FUNAI decorre do fato de se tratar do órgão especializado, interdisciplinar e com conhecimentos aprofundados sobre as diferentes culturas indígenas, o que possibilita uma melhor verificação das condições e idiossincrasias da família biológica, com vistas a propiciar o adequado acolhimento do menor e, consequentemente, a proteção de seus melhores interesses, não se tratando, pois, de formalismo processual exacerbado apenar de nulidade a sua ausência.

12.2.3.                Resultado final.

É obrigatória a intervenção da FUNAI em ação de destituição de poder familiar que envolva criança cujos pais possuem origem indígena.

DIREITO TRIBUTÁRIO

13.  Dilatação volumétrica do combustível e fato gerador do ICMS

RECURSO ESPECIAL

A fenomenologia física de dilatação volumétrica do combustível não constitui fato gerador do ICMS.

REsp 1.884.431-PB, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 08/09/2020, DJe 11/09/2020

13.1.             Situação FÁTICA.

O Estado da Paraíba efetua e defende a legalidade da cobrança de ICMS incidente sobre a diferença entre o valor de entrada e o de saída do combustível, quando, em virtude da temperatura da entrada ter sido inferior à de saída, se perceba um volume maior da mercadoria.

Inconformada, Ipitanga Produtos de Petróleo S.A. ajuizou ação na qual visa a declaração da inexistência do débito tributário decorrente de tal fenômeno físico. Conforme a autora :” A variação da temperatura ambiente faz com que o produto sofra uma retração ou dilatação, quando do armazenamento, do transporte, e da comercialização, até a chegada ao consumidor final.” Tal fenômeno ocorreria com maior intensidade no Nordeste brasileiro em razão das altas temperaturas.

Cinge-se a controvérsia acerca da legalidade da cobrança de ICMS incidente sobre a diferença entre o valor de entrada e o de saída do combustível, quando, em virtude da temperatura da entrada ter sido inferior à de saída, se perceba um volume maior da mercadoria.

13.2.             Análise ESTRATÉGICA.

13.2.1. Possível a cobrança do ICMS da variação de volume?

R: NÃO.

A entrada a maior do combustível, em razão da variação da temperatura ambiente de carregamento e descarregamento se constitui em fenômeno físico de dilatação volumétrica. Portanto, NÃO se aplica ao fenômeno a conclusão de que “o fato gerador da circulação da mercadoria independe da natureza jurídica da operação que constituiu o fato gerador”.

Não se pode confundir o fenômeno físico com a natureza jurídica das coisas. A fenomenologia física de dilatação volumétrica do combustível não se amolda à descrição normativa hipotética que constitui o fato gerador do ICMS. Na hipótese, se o volume de combustível se dilatou ou se retraiu, não há se falar em estorno ou cobrança a maior do ICMS, uma vez que não há que se qualificar juridicamente um fenômeno da física, por escapar da hipótese de incidência tributária do imposto.

NÃO se pode falar, portanto, em novo fato gerador ocorrido com a variação volumétrica de combustíveis líquidos, uma vez que não se está diante de uma nova operação tributável, ou seja, de nova entrada ou saída intermediária não considerada para o cálculo do imposto antecipado, mas de MERA EXPANSÃO natural de uma mercadoria volátil por natureza.

13.2.2.                Resultado final.

A fenomenologia física de dilatação volumétrica do combustível não constitui fato gerador do ICMS.

DIREITO DO CONSUMIDOR

14.  Publicidade de alimentos direcionada a crianças e abusividade

RECURSO ESPECIAL

É abusiva a publicidade de alimentos direcionada, de forma explícita ou implícita, a crianças.

REsp 1.613.561-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 25/04/2017, DJe 01/09/2020

14.1.             Situação FÁTICA.

Fundação de Defesa do Consumidor de certo estado aplicou multa a Sadi S/A, indústria de produtos alimentícios. O auto de infração foi realizado em razão da indução ao consumo de produtos de qualidade nutricional baixa, aproveitando-se da deficiência de julgamento e experiência de criança.

O Tribunal de Justiça local, ao analisar o feito, entendeu que uma vez não verificada na campanha publicitária excesso qualificável como patológico nem ofensa aos hipossuficientes (crianças), por desrespeito à dignidade humana, por indução de comportamentos prejudiciais à saúde ou à segurança pessoal, por exploração de diminuta capacidade de discernimento ou inexperiência, por opressão, ou, ainda, por estratégia de coação moral ao consumo ou abuso de persuasão, não se justifica a autuação e a punição aplicada pelo Procon.

Inconformada, a Fundação interpôs recurso especial no qual sustentou que “a publicidade era abusiva, na medida em que direcionada ao público infanto-juvenil e se aproveitava da deficiência de julgamento ou de experiência das crianças, pois através dela, crianças e adolescentes influenciariam seus pais para que adquirissem os produtos alimentícios envolvidos na campanha, muitos deles pobres em nutrientes.”

14.2.             Análise ESTRATÉGICA.

14.2.1.                Questão JURÍDICA.

Código de Defesa do Consumidor:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

14.2.2. Tal campanha pode ser considerada abusiva?

R: SIM.

O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência reconhecendo a ABUSIVIDADE de publicidade de alimentos direcionada, de forma explícita ou implícita, a crianças. Isso porque a decisão de comprar gêneros alimentícios cabe aos pais, especialmente em época de altos e preocupantes índices de obesidade infantil, um grave problema nacional de saúde pública.

Diante disso, consoante o art. 37, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor, estão VEDADAS campanhas publicitárias que utilizem ou manipulem o universo lúdico infantil.

Na ótica do Direito do Consumidor, publicidade é oferta e, como tal, ato precursor da celebração de contrato de consumo, negócio jurídico cuja validade depende da existência de sujeito capaz (art. 104, I, do Código Civil). Em outras palavras, se criança, no mercado de consumo, não exerce atos jurídicos em seu nome e por vontade própria, por lhe faltar poder de consentimento, tampouco deve ser destinatária de publicidade que, fazendo tábula rasa da realidade notória, a incita a agir como se plenamente capaz fosse.

14.2.3.                Resultado final.

É abusiva a publicidade de alimentos direcionada, de forma explícita ou implícita, a crianças.

15.  Esclarecimentos posteriores ou complementares e mitigação da enganosidade ou abusividade

RECURSO ESPECIAL

 Esclarecimentos posteriores ou complementares desconectados do conteúdo principal da oferta (informação disjuntiva, material ou temporalmente) não servem para exonerar ou mitigar a enganosidade ou abusividade.

REsp 1.802.787-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 08/10/2019, DJe 11/09/2020

15.1.             Situação FÁTICA.

Fundação de Defesa do Consumidor de certo estado aplicou multa a Saraiva Ltda, empresa atuante em vários segmentos. Conforme o auto de infração, a ré teria iniciado campanha publicitária divulgando promoção na qual reduzia o valor de um de seus principais produtos coxinha habib’s para o valor de R$ 0,49 a unidade, caso fosse adquirida uma quantidade mínima de 30 (trinta) unidades.

Entretanto, o principal atrativo da publicidade preço da coxinha não foi acompanhado por um aviso objetivo, claro e induvidoso das unidades participantes, ensejando que o consumidor considerasse, em princípio, todas as unidades como participantes, levando-o a flagrante equívoco.

O Tribunal de Justiça local entendeu pela abusividade da conduta e manteve o auto de infração, ainda que tenha diminuído o valor da multa para R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).

Inconformada, Saraiva interpôs recurso especial no qual sustentou que complementou as informações propagadas anteriormente. Por tal razão, não teria cometido qualquer ato de propaganda enganosa, nem por omissão, uma vez que o consumidor obteve todas as informações necessárias antes de efetuar a compra do produto, sendo cumpridos os ditames legais que, como visto, não exigem a informação a uma única ação do fornecedor, mas a um conjunto de atos.

15.2.             Análise ESTRATÉGICA.

15.2.1.                Questão JURÍDICA.

Código de Defesa do Consumidor:

Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

Parágrafo único.  As informações de que trata este artigo, nos produtos refrigerados oferecidos ao consumidor, serão gravadas de forma indelével

15.2.2. A complementação de informações afasta a abusividade?

R: NÃO.

Consoante o art. 31, caput, do CDC, a obrigação de informação, com maior razão a que possa atingir pessoas de baixa renda, exige, do fornecedor, comportamento eficaz, pró-ativo e leal. O Código rejeita tanto a regra caveat emptor como a subinformação, as patologias do silêncio total e parcial. No exame da enganosidade de oferta, publicitária ou não, o que vale – inclusive para fins de exercício do poder de polícia de consumo – é a capacidade de indução do consumidor em erro acerca de quaisquer “dados sobre produtos e serviços”, dados esses que, na hipótese de omissão (mas não na de oferta enganosa comissiva) reclamam a qualidade da essencialidade (CDC, art. 37, §§ 1º e 3º).

Esclarecimentos posteriores ou complementares DESCONECTADOS do conteúdo principal da oferta (informação disjuntiva, material ou temporalmente) não servem para exonerar ou mitigar a enganosidade ou abusividade.

Viola os princípios da vulnerabilidade, da boa-fé objetiva, da transparência e da confiança prestar informação por etapas e, assim, compelir o consumidor à tarefa impossível de juntar pedaços informativos esparramados em mídias, documentos e momentos diferentes.

Em rigor, cada ato de informação é analisado e julgado em relação a si mesmo, pois ABSURDO esperar que, para cada produto ou serviço oferecido, o consumidor se comporte como Sherlock Holmes improvisado e despreparado à busca daquilo que, por dever ope legis inafastável, incumbe somente ao fornecedor. Seria transformar o destinatário-protegido, à sua revelia, em protagonista do discurso mercadológico do fornecedor, atribuindo e transferindo ao consumidor missão inexequível de vasculhar o universo inescrutável dos meios de comunicação, invertendo tanto o ônus do dever legal como a ratio e o âmago do próprio microssistema consumerista.

15.2.3.                Resultado final.

 Esclarecimentos posteriores ou complementares desconectados do conteúdo principal da oferta (informação disjuntiva, material ou temporalmente) não servem para exonerar ou mitigar a enganosidade ou abusividade.

DIREITO AMBIENTAL

16.  Local da compensação de danos ambientais ocorridos em reserva legal em data anterior à vigência da Lei n. 12.651/2012

RECURSO ESPECIAL

Compensação de danos ambientais ocorridos em reserva legal em data anterior à vigência da Lei n. 12.651/2012 não precisa ser feita na mesma microbacia, sendo suficiente que ocorra no mesmo bioma do imóvel a ser compensado.

REsp 1.532.719-MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 08/09/2020, DJe 15/09/2020

16.1.             Situação FÁTICA.

O Ministério Público Estadual de certo estado moveu, no ano de 2011, Ação Civil Pública contra o Espólio de Vicente, pleiteando, em suma, a demarcação e a recuperação da área de reserva legal em seu imóvel rural.

Conforme o Parquet, diante da degradação da vegetação no imóvel, o réu promoveu a compensação ambiental, adquirindo reserva legal em terreno rural diverso. Entretanto, tal compensação não teria observado a exigência do art. 44, III da Lei 4.771/1965 (o antigo Código Florestal), segundo o qual somente seria compensável a reserva legal dentro da mesma microbacia hidrográfica.

A sentença, proferida em 2013 – já na vigência da Lei 12.651/2012, portanto -, julgou improcedentes os pedidos, por entender que o Código Florestal atualmente em vigor não exige que a compensação ocorra na mesma microbacia, bastando que as reservas legais se situem no mesmo bioma.

Após a interposição de Apelação pelo Parquet, o Tribunal de Justiça local negou-lhe provimento, mantendo a aplicabilidade imediata do Novo Código Florestal.

Inconformado, o MP interpôs Recurso Especial, no qual sustentou que a Lei 12.651/2012 não poderia retroagir, diminuindo a tutela do meio ambiente, para abranger degradações ambientais anteriores à sua vigência, em razão do ato jurídico perfeito e dos direitos ambientais adquiridos. Defende, ao fim, a aplicação da Lei 4.771/1965, vigente à época das averbações impugnadas.

16.2.             Análise ESTRATÉGICA.

16.2.1.                Questão JURÍDICA.

Lei n. 4.771/1965:

Art. 44.  O proprietário ou possuidor de imóvel rural com área de floresta nativa, natural, primitiva ou regenerada ou outra forma de vegetação nativa em extensão inferior ao estabelecido nos incisos I, II, III e IV do art. 16, ressalvado o disposto nos seus §§ 5o e 6o, deve adotar as seguintes alternativas, isoladas ou conjuntamente:          

III – compensar a reserva legal por outra área equivalente em importância ecológica e extensão, desde que pertença ao mesmo ecossistema e esteja localizada na mesma microbacia, conforme critérios estabelecidos em regulamento.

Lei n. 12.651/2012:

 Art. 66. O proprietário ou possuidor de imóvel rural que detinha, em 22 de julho de 2008, área de Reserva Legal em extensão inferior ao estabelecido no art. 12, poderá regularizar sua situação, independentemente da adesão ao PRA, adotando as seguintes alternativas, isolada ou conjuntamente:

III – compensar a Reserva Legal.

§ 3º A recomposição de que trata o inciso I do caput poderá ser realizada mediante o plantio intercalado de espécies nativas com exóticas ou frutíferas, em sistema agroflorestal, observados os seguintes parâmetros: (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).      (Vide ADC Nº 42)          (Vide ADIN Nº 4.901)

I – o plantio de espécies exóticas deverá ser combinado com as espécies nativas de ocorrência regional;

II – a área recomposta com espécies exóticas não poderá exceder a 50% (cinquenta por cento) da área total a ser recuperada.

§ 6º As áreas a serem utilizadas para compensação na forma do § 5º deverão: 

II – estar localizadas no mesmo bioma da área de Reserva Legal a ser compensada;

16.2.2. Possível a recomposição “flexibilizada”?

R: SIM.

A controvérsia trata da legislação aplicável à compensação ambiental de reserva legal em imóvel rural: se o art. 44, III, da Lei n. 4.771/1965, segundo o qual a compensação deveria ocorrer dentro da mesma microbacia hidrográfica; ou o art. 66, III, e § 6º, II, da Lei n. 12.651/2012, que não impõe tal exigência, demandando apenas que as áreas compensadas se localizem no mesmo bioma.

Sobre o tema, a Segunda Turma do STJ firmou entendimento que a regra geral será a incidência da legislação florestal, de direito material, vigente à época dos fatos, na qual se determina a aplicação da Lei n. 4.771/1965 para as degradações ambientais ocorridas em sua vigência. Essa tese foi referendada pela Primeira Turma, por maioria, ao apreciar o REsp 1.646.193/SP (DJe 04/06/2020).

No entanto, nesse julgamento, foi admitida a aplicação dos dispositivos expressamente RETROATIVOS do Novo Código Florestal – ou seja, aqueles que disciplinam, justamente, situações pretéritas. Este é o caso do art. 66, que rege formas alternativas de recomposição da reserva legal para os imóveis consolidados até 22/07/2008, e inclusive foi objeto de discussão no referido aresto.

Por fim, é importante lembrar que o § 3º do art. 66, que fundamentou a compensação ambiental e o acórdão recorrido, foi declarado constitucional pelo STF no julgamento conjunto da ADC 42/DF e das ADIs 4.901/DF, 4.902/DF, 4.903/DF e 4.937/DF, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 13/08/2019.

16.2.3.                Resultado final.

Compensação de danos ambientais ocorridos em reserva legal em data anterior à vigência da Lei n. 12.651/2012 não precisa ser feita na mesma microbacia, sendo suficiente que ocorra no mesmo bioma do imóvel a ser compensado.

17.  Cumprimento do TAC e legislação aplicável

RECURSO ESPECIAL

O cumprimento de Termo de Ajustamento de Conduta deve ser regido pelo Código Florestal vigente à época da celebração do acordo.

REsp 1.802.754-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 08/10/2019, DJe 11/09/2020

17.1.             Situação FÁTICA.

O MPE de certo estado moveu execução por quantia certa em face de Marcinho para o pagamento de multa decorrente do descumprimento de Termo de Ajustamento de Conduta relativo a infrações ambientais. O TAC em questão foi firmado em 2009 e haveria de ser cumprido até 2011.

Marcinho então embargou a execução sob a alegação de que teria cumprido o TAC, porém de acordo com as novas determinações ambientais. Tais embargos foram julgados improcedentes pelo juízo de primeiro grau. Em apelação, o Tribunal de Justiça local anulou a sentença e determinou que o valor da multa, nos termos indicados pelo Exequente, não podia prevalecer, devendo-se proceder a nova análise das etapas cumpridas do TAC, adaptado à nova legislação.

Inconformado, o MP interpôs recurso especial no qual sustentou que o TAC não só foi subscrito em data anterior à vigência do novo Código Florestal, como o prazo para cumprimento da obrigação se esvaiu no ano de 2011, logo, caberia somente a aplicação da legislação em vigor da época.

17.2.             Análise ESTRATÉGICA.

17.2.1.                Questão JURÍDICA.

Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro:

Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.  

17.2.2. O TAC deve ser cumprido de acordo com a legislação da época ou da atual?

R: Da época em que foi celebrado.

Discute-se a aplicação do novo Código Florestal a Termo de Ajustamento de Conduta celebrado sob a égide da Lei n. 4.771/1965.Nos termos da orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, “o novo Código Florestal não pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada.” (AgRg no REsp 1.434.797/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 7/6/2016).

As cláusulas de Termo de Ajustamento de Conduta – TAC, ou de documento assemelhado, devem ser adimplidas fielmente e de boa-fé, incumbindo ao degradador a prova da satisfação plena das obrigações assumidas. A inadimplência, total ou parcial, do TAC dá ensejo à execução do avençado e das sanções de garantia.

Desse modo, uma vez celebrado, e cumpridas as formalidades legais, o Termo de Ajustamento de Conduta – TAC constitui ato jurídico perfeito, imunizado contra alterações legislativas posteriores que enfraqueçam as obrigações ambientais nele estabelecidas. Deve, assim, ser cabal e fielmente implementado, vedado ao juiz recusar sua execução, pois do contrário desrespeitaria a GARANTIA da irretroatividade da lei nova, prevista no art. 6º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei n. 4.657/1942).

17.2.3.                Resultado final.

O cumprimento de Termo de Ajustamento de Conduta deve ser regido pelo Código Florestal vigente à época da celebração do acordo.

DIREITO EMPRESARIAL

18.  Astreintes aplicadas em processo trabalhista e classe de credores

RECURSO ESPECIAL

O crédito decorrente das astreintes aplicadas no bojo de processo trabalhista deve ser habilitado na recuperação judicial na classe dos quirografários, e não na dos créditos trabalhistas.

REsp 1.804.563-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 25/08/2020, DJe 31/08/2020

18.1.             Situação FÁTICA.

No bojo da ação de recuperação judicial de Cerâmica Chiavo S.A., Macedo requereu habilitação de crédito supostamente trabalhista no valor de R$ 2.086.005,88 (dois milhões, oitenta e seis mil reais, cinco reais e oitenta e oito centavos), com esteio em certidão exarada pelo Juízo da Vara do Trabalho em certa reclamação trabalhista.

O administrador judicial da recuperação manifestou-se pela inclusão do crédito do habilitante, na relação de credores da recuperanda, da importância de R$ 43.023,42 (quarenta e três mil, vinte e três reais e quarenta e dois centavos), na qualidade de credor trabalhista; e do valor de R$ 2.010.000,00 (dois milhões e dez mil reais), na classificação de credor quirografário, já que referente às astreintes fixadas no bojo da reclamação trabalhista.

Chiavo insurgiu-se contra a pretensão de habilitar o crédito referente à multa processual fixada no âmbito do processo trabalhista, que, segundo defende, não ostenta natureza trabalhista, advinda do vínculo de emprego. O juízo recuperacional acolheu o parecer do administrador judicial. Em agravo de instrumento, o Tribunal de Justiça local reformou a decisão por entender que o montante total deveria ser inserido como crédito privilegiado.

Inconformada, a recuperanda interpôs recurso especial no qual defendeu que as astreintes jamais poderiam ser caracterizadas como verba indenizatória e de natureza trabalhista pelo simples fato de ter sido aplicada no âmbito de processo trabalhista. Ressaltou ainda que, diversamente da compreensão adotada pelo segundo grau, as astreintes constituem espécie de multa processual, que tem a finalidade de constranger o requerido ao cumprimento da obrigação judicial determinada.

 A controvérsia cinge-se a saber se o crédito decorrente das astreintes, aplicadas no bojo de processo trabalhista, em razão de descumprimento de ordem emanada pelo Juízo trabalhista, deve ser habilitado na recuperação judicial na classe dos créditos trabalhistas, ou na dos quirografários.

18.2.             Análise ESTRATÉGICA.

18.2.1. Privilegiado ou Quirografário?

R: QUIROGRAFÁRIO.

Inicialmente, destaca-se que as astreintes possuem o propósito especifico de coagir a parte a cumprir determinada obrigação imposta pelo juízo – em tutelas provisórias e específicas ou mesmo na sentença -, incutindo, em seu psicológico, o temor de sofrer sanção pecuniária decorrente de eventual inadimplemento, do que ressai, indiscutivelmente, seu caráter coercitivo e intimidatório.

Trata-se, pois, de técnica EXECUTIVA, de viés puramente instrumental, destinada a instar a parte a cumprir, voluntariamente (ainda que sem espontaneidade), a obrigação judicial, tal como lhe foi imposta.

Na hipótese de a técnica executiva em comento mostrar-se inócua, incapaz de superar a renitência do devedor em cumprir com a obrigação judicial, a multa assume claro viés sancionatório. Trata-se, nesse caso, de penalidade processual imposta à parte, sem nenhuma finalidade ressarcitória pelos prejuízos eventualmente percebidos pela parte adversa em razão do descumprimento da determinação judicial ou correlação com a prestação, em si, não realizada.

O fato de a multa processual ter sido imposta no bojo de uma reclamação trabalhista NÃO faz com que esta adira ao direito material ali pretendido, confundindo-se com as retribuições trabalhistas de origem remuneratória e indenizatória. Primeiro, porque a obrigação judicial inadimplida, ensejadora da imposição de sanção pecuniária, não se confunde, necessariamente, com o direito ao final reconhecido na reclamação trabalhista.

Segundo e principalmente, porquanto a sanção pecuniária imposta em razão do descumprimento da obrigação judicial – estabelecida em tutelas provisórias e específicas ou mesmo na sentença -, de natureza processual, NÃO possui nenhum conteúdo ALIMENTAR, que é, justamente, o critério justificador do privilégio legal dado às retribuições trabalhistas de origens remuneratória e indenizatória. Não se pode conferir tratamento assemelhado a realidades tão DÍSPARES.

O crédito trabalhista tem como substrato e fato gerador o desempenho da atividade laboral pelo trabalhador, no bojo da relação empregatícia, destinado a propiciar a sua subsistência, do que emerge seu caráter alimentar. As astreintes, fixadas no âmbito de uma reclamação trabalhista (concebidas como sanção pecuniária de natureza processual), não possuem origem, nem sequer indireta, no desempenho da atividade laboral do trabalhador.

A interpretação demasiadamente alargada à noção de “crédito trabalhista”, a pretexto de beneficiar determinado trabalhador, promove, em última análise, indesejado desequilíbrio no processo concursal de credores, sobretudo na classe dos trabalhistas, em manifesta violação ao princípio da par conditio creditorum.

18.2.2.                Resultado final.

O crédito decorrente das astreintes aplicadas no bojo de processo trabalhista deve ser habilitado na recuperação judicial na classe dos quirografários, e não na dos créditos trabalhistas.

19.  Ilegalidade da resolução do INPI que afasta o direito da restauração de patente previsto na Lei n. 9.279/1996

RECURSO ESPECIAL

É ilegal a Resolução n. 113/2013 do INPI que afasta a aplicação do direito de restauração de patente, previsto no art. 87 da Lei n. 9.279/1996, para as hipóteses de inadimplemento superior uma retribuição anual.

REsp 1.837.439-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 01/09/2020, DJe 04/09/2020

19.1.             Situação FÁTICA.

Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial ajuizou ação civil pública na qual a impugnou a validade do artigo 13 da Resolução nº 113/2013 do INPI e requereu a concessão, pela autarquia, de um prazo para que os titulares de patentes atingidos pela norma pagassem as retribuições atrasadas, tornando sem efeito os arquivamentos e as extinções feitas com fundamento naquele dispositivo infralegal.

Conforme a Associação, os artigos 86 e 87 da Lei nº 9.279/1996 contêm norma que assegura o direito de restaurar a patente ou o pedido de patente, mediante o pagamento posterior de retribuição especial, não se admitindo que a Resolução INPI nº 113/2013 imponha limitação à norma federal, mesmo em caso de inadimplemento em mais de uma retribuição anual.

O juízo de primeiro grau julgou procedente o pedido para o fim de declarar sem efeito todos os arquivamentos de pedidos de patente e extinções de patente realizados com fundamento no Artigo 13 da Resolução 113/2013 do INPI.

A apelação interposta pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI não foi provida, razão pela qual a autarquia interpôs então recurso especial no qual sustentou a possibilidade de extinção da patente ou o arquivamento do pedido, independentemente de notificação, e a legalidade da aplicação do instituto da restauração apenas para as hipóteses em que o inadimplemento é de uma única retribuição.

Cinge-se a controvérsia a discutir se um ato infralegal – o artigo 13 da Resolução nº 113/2013 do INPI – pode afastar a aplicação do instituto da restauração, previsto no artigo 87 da Lei nº 9.279/1996, para as hipóteses de inadimplemento superior em mais de uma retribuição anual.

19.2.             Análise ESTRATÉGICA.

19.2.1.                Questão JURÍDICA.

Lei n. 9.279/1996:

Art. 78. A patente extingue-se:

I – pela expiração do prazo de vigência;

II – pela renúncia de seu titular, ressalvado o direito de terceiros;

III – pela caducidade;

IV – pela falta de pagamento da retribuição anual, nos prazos previstos no § 2º do art. 84 e no art. 87; e

V – pela inobservância do disposto no art. 217.

Parágrafo único. Extinta a patente, o seu objeto cai em domínio público.

Lei n. 9.279/1996:

Art. 87. O pedido de patente e a patente poderão ser restaurados, se o depositante ou o titular assim o requerer, dentro de 3 (três) meses, contados da notificação do arquivamento do pedido ou da extinção da patente, mediante pagamento de retribuição específica.

19.2.2. Possível a restauração da patente?

R: SIM.

Nos termos do 78 da Lei n. 9.279/1996 – LPI, uma patente pode ser extinta nas seguintes hipóteses: a) decurso do prazo de vigência; b) renúncia; c) caducidade (uma penalidade pelo abuso ou desuso no exercício dos direitos); d) falta de pagamento da retribuição anual devida ao INPI; e e) inexistência de representante legal no Brasil, caso o titular seja domiciliado ou sediado no exterior.

O artigo 87 da Lei n. 9.279/1996, contudo, cria uma EXCEÇÃO à regra da extinção por falta de pagamento, concedendo ao depositante do pedido de patente e ao titular de uma patente que estejam inadimplentes uma nova oportunidade para manter seu direito, mediante o pagamento de uma retribuição especial.

No caso, discute-se o teor do artigo 13 da Resolução n. 113/2013, publicada em 15/10/2013 pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, que afastou a aplicação do art. 87 da Lei n. 9.279/1996 nas hipóteses de inadimplemento em mais de uma retribuição anual.

A partir da análise sistemática da LPI, que disciplina a matéria, verifica-se que o INPI extrapolou seu poder disciplinar. O referido ato infralegal vai além da disciplina estabelecida no art. 87 da LPI, restringindo o cabimento da restauração para hipóteses não definidas pela lei. Enquanto o art. 87 da LPI permite ao titular ou ao depositante de patente requerer a restauração, dentro do período de 3 (três) meses a partir da notificação, a resolução do INPI limita a aplicação do instituto a um requisito não previsto na LPI – o inadimplemento não superior a uma retribuição anual.

Assim, é evidente que, ao afastar o direito de restauração de patente em hipóteses não previstas na lei, o INPI restringiu ilegalmente o direito de restauração.

19.2.3.                Resultado final.

É ilegal a Resolução n. 113/2013 do INPI que afasta a aplicação do direito de restauração de patente, previsto no art. 87 da Lei n. 9.279/1996, para as hipóteses de inadimplemento superior uma retribuição anual.

20.  Abusividade em cláusulas dos contratos de origem do crédito impugnado como matéria de defesa na recuperação judicial

RECURSO ESPECIAL

Pode-se arguir como matéria de defesa, em impugnação de crédito incidente à recuperação judicial, a existência de abusividade em cláusulas dos contratos de que se originou o crédito impugnado.

REsp 1.799.932-PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 01/09/2020, DJe 09/09/2020

20.1.             Situação FÁTICA.

A Financiadora de Projetos apresentou impugnação de crédito mediante a qual objetiva acrescer R$ 718.223,70 ao valor do crédito indicado na relação de credores da recuperação judicial de WHB Motors, empresa em recuperação judicial, decorrentes de encargos moratórios previstos em contratos de financiamento.

O juízo de origem julgou procedente o pedido de impugnação, determinando a retificação do crédito. A recuperanda interpôs agravo de instrumento, sendo negado provimento pelo Tribunal de origem, por entender que o incidente de impugnação de crédito não configura meio processual adequado para a revisão das cláusulas financeiras dos contratos que deram origem ao crédito

WHB então interpôs recurso especial no qual defendeu que os arts 8º e 9º, II, da Lei n. 11.101/05 expressamente autorizam a discussão do montante do crédito diretamente nos autos da impugnação ajuizada pela recorrida, não sendo necessária ação autônoma para tanto.

 A controvérsia diz respeito à possibilidade de se examinar, em impugnação de crédito incidente à recuperação judicial, a existência de abusividade em cláusulas dos contratos de que se originou o crédito impugnado, alegada pela recuperanda como matéria de defesa. 

20.2.             Análise ESTRATÉGICA.

20.2.1.                Questão JURÍDICA.

Lei n. 11.101/2005:

Art. 8º No prazo de 10 (dez) dias, contado da publicação da relação referida no art. 7º , § 2º , desta Lei, o Comitê, qualquer credor, o devedor ou seus sócios ou o Ministério Público podem apresentar ao juiz impugnação contra a relação de credores, apontando a ausência de qualquer crédito ou manifestando-se contra a legitimidade, importância ou classificação de crédito relacionado.

Parágrafo único. Autuada em separado, a impugnação será processada nos termos dos arts. 13 a 15 desta Lei.

Art. 13. A impugnação será dirigida ao juiz por meio de petição, instruída com os documentos que tiver o impugnante, o qual indicará as provas consideradas necessárias.

Parágrafo único. Cada impugnação será autuada em separado, com os documentos a ela relativos, mas terão uma só autuação as diversas impugnações versando sobre o mesmo crédito.

Art. 15. Transcorridos os prazos previstos nos arts. 11 e 12 desta Lei, os autos de impugnação serão conclusos ao juiz, que:

I – determinará a inclusão no quadro-geral de credores das habilitações de créditos não impugnadas, no valor constante da relação referida no § 2º do art. 7º desta Lei;

II – julgará as impugnações que entender suficientemente esclarecidas pelas alegações e provas apresentadas pelas partes, mencionando, de cada crédito, o valor e a classificação;

III – fixará, em cada uma das restantes impugnações, os aspectos controvertidos e decidirá as questões processuais pendentes;

IV – determinará as provas a serem produzidas, designando audiência de instrução e julgamento, se necessário.

20.2.2. Com razão WHB?

R: SIM.

 O incidente de impugnação de crédito configura procedimento de cognição exauriente, possibilitando o pleno contraditório e a ampla instrução probatória, em rito semelhante ao ordinário. Inteligência dos arts. 13 e 15 da Lei n. 11.101/2005. Desses enunciados normativos se extrai de forma clara que é possível, no incidente de impugnação de crédito, o exercício pleno do contraditório, incluindo a ampla produção de provas, além da possibilidade de realização de audiência de instrução e julgamento.

Não se olvida que a cognição na impugnação de crédito, embora exauriente, não é ampla, já que apenas podem ser suscitadas as questões indicadas no art. 8º da Lei n. 11.101/2005: ausência de crédito, legitimidade, importância ou classificação do crédito relacionado.

A circunstância de ser parcial a cognição material apenas decorre das restrições impostas ao impugnante, devendo se ater, em sua causa de pedir e em seu pedido, aos temas que podem ser discutidos no incidente. No plano processual, porém, uma vez apresentada a impugnação acerca de matéria devidamente elencada como passível de ser discutida, o exercício do direito de defesa não encontra, em regra, qualquer restrição, podendo perfeitamente ser apresentada, como no presente caso, defesa material indireta.

É verdade que o ordenamento jurídico pode, EXCEPCIONALMENTE, restringir em parte o exercício do contraditório e da ampla defesa em determinados procedimentos com o fito de se acomodar a outros princípios constitucionais de mesma envergadura, porém essa restrição deve estar necessariamente expressa em lei, não podendo ser presumida. Não há, na Lei n. 11.101/2005, qualquer restrição à defesa que pode ser apresentada na impugnação de crédito, não se tratando, como já visto, de procedimento simplificado ou mais célere, mas de procedimento semelhante ao ordinário.

Diante disso, devem ser examinadas todas as alegações trazidas pela recuperanda, o que inclui a eventual existência de abusividades nas cláusulas contratuais relativas aos encargos moratórios que o impugnante busca acrescer aos seus créditos.

20.2.3.                Resultado final.

Pode-se arguir como matéria de defesa, em impugnação de crédito incidente à recuperação judicial, a existência de abusividade em cláusulas dos contratos de que se originou o crédito impugnado.

DIREITO PENAL

21.  Tenra idade da vítima como fundamento para majoração da pena-base

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL

A tenra idade da vítima é fundamento idôneo para a majoração da pena-base do crime de homicídio pela valoração negativa das consequências do crime.

AgRg no REsp 1.851.435-PA, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por maioria, julgado em 12/08/2020, DJe 21/09/2020

21.1.             Situação FÁTICA.

Francisco interpôs agravo regimental contra decisão monocrática que não deu provimento ao seu recurso especial que visava afastar a majoração decorrente da tenra idade da vítima do homicídio cometido pelo Sr. Francisco, mais conhecido na região como Chico Matadô.

Cinge-se a controvérsia em definir se a tenra idade da vítima constituiu fundamento idôneo para agravar a pena-base, especificamente no que se refere ao crime de homicídio, mediante valoração negativa das consequências do crime.

21.2.             Análise ESTRATÉGICA.

21.2.1.                Questão JURÍDICA.

Código Penal:

Art. 121. Matar alguem:

Pena – reclusão, de seis a vinte anos.

§ 4o No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos

21.2.2. A tenra idade pode ser utilizada como fator de majoração

R: SIM.

Em princípio, o homicídio perpetrado contra vítima de tenra idade (adolescente ou criança) ostenta reprovabilidade idêntica àquele perpetrado contra um adulto, pois ambos vulneram o objeto jurídico tutelado pela norma (vida).

NÃO há como ignorar, no entanto, o fato de que o homicídio perpetrado conta a vítima jovem ceifa uma vida repleta de POSSIBILIDADES e perspectivas, que não guardam identidade ou semelhança com aquelas verificadas na vida adulta.

Há que se sopesar, ainda, as consequências do homicídio contra vítima de tenra idade no núcleo familiar respectivo: pais e demais familiares enlutados por um crime que subverte a ordem natural da vida. Não se pode olvidar, ademais, o aumento crescente do número de homicídios perpetrados contra adolescentes no Brasil, o que reclama uma resposta estatal.

Não se ignora que o legislador ordinário estabeleceu – no art. 121, § 4º, do Código Penal – o aumento de pena para o crime de homicídio doloso praticado contra pessoa menor de 14 ou maior de 60 anos. NADA obsta, contudo, que o magistrado, ao se deparar com crime de homicídio perpetrado contra uma vítima com 14 anos de idade ou mais (mas com menos de 18 anos), aumente a pena na primeira fase da dosimetria, pois, como referenciado acima, um crime perpetrado contra um adolescente ostenta consequências mais gravosas do que um homicídio comum.

Assim, deve prevalecer a orientação no sentido de que a tenra idade da vítima (menor de 18 anos de idade) é ELEMENTO CONCRETO e transborda aqueles inerentes ao crime de homicídio, sendo apto, pois, a justificar o agravamento da pena-base, mediante valoração negativa das consequências do crime, ressalvada, para evitar bis in idem, a hipótese em que aplicada a causa de aumento prevista no art. 121, § 4º (parte final), do Código Penal.

21.2.3.                Resultado final.

A tenra idade da vítima é fundamento idôneo para a majoração da pena-base do crime de homicídio pela valoração negativa das consequências do crime.

22.  (In)Aplicabilidade da majoração do art. 61, II,”h” do CP quando ausentes os proprietários do imóvel

HABEAS CORPUS

Não se aplica a agravante prevista no art. 61, II, “h”, do Código Penal na hipótese em que o crime de furto qualificado pelo arrombamento à residência ocorreu quando os proprietários não se encontravam no imóvel, não havendo que se falar, portanto, em ameaça à vítima ou em benefício do agente para a prática delitiva em razão de sua condição de fragilidade.

HC 593.219-SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 25/08/2020, DJe 03/09/2020

22.1.             Situação FÁTICA.

No dia 19 de junho de 2019, por volta das 14h45min, Valmor Pé de Pano teria se deslocado com motocicleta subtraída outrem a uma residência de propriedade Ernesto, cidadão de 78 (setenta e oito) anos de idade. Após arrombar a porta dos fundos, Mr. Pé de Pano acessou o interior da residência, colocou dois notebooks em sua mochila e empreendeu fuga do local.

Valmor Pé de Pano foi condenado à pena de 2 anos, 4 meses e 24 dias de reclusão em regime inicial semiaberto. Inconformada, a defesa de Valmor impetrou Habeas Corpus no qual defende a ocorrência de constrangimento ilegal, diante do reconhecimento da agravante genérica do art. 61, II, ‘h’, do Código Penal em relação ao delito de furto qualificado pelo arrombamento, por se tratar “de subtração de dois notebooks do interior de uma residência no momento em que a vítima sequer se encontrava no local. Alegou ainda que o denunciado e vítima não se conheciam, já que a investida contra aquela residência fora puramente aleatória.

22.2.             Análise ESTRATÉGICA.

22.2.1.                Questão JURÍDICA.

Código Penal:

Art. 61 – São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:

II – ter o agente cometido o crime:

h) contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida;

22.2.2. Aplicável a agravante no caso descrito?

R: NÃO.

Por se tratar de agravante de natureza objetiva, a incidência do art. 61, II, “h”, do CP INDEPENDE da prévia ciência pelo réu da idade da vítima, sendo, de igual modo, desnecessário perquirir se tal circunstância, de fato, facilitou ou concorreu para a prática delitiva. A incidência da agravante ocorre em razão da fragilidade, vulnerabilidade da vítima perante o agente, em razão de sua menor capacidade de defesa, a qual é presumida.

Acontece que ausente qualquer nexo entre a ação do réu e a condição de vulnerabilidade da vítima, quando o furto qualificado pelo arrombamento à residência ocorreu quando os proprietários NÃO se encontram no imóvel, com a escolha da residência de forma aleatória, nada indicando a condição de idoso do morador da casa invadida. Configurada a excepcionalidade da situação, deve ser afastada a agravante relativa ao crime praticado contra idoso, prevista no art. 61, II, ‘h’, do Código Penal.                                 

22.2.3.                Resultado final.

Não se aplica a agravante prevista no art. 61, II, “h”, do Código Penal na hipótese em que o crime de furto qualificado pelo arrombamento à residência ocorreu quando os proprietários não se encontravam no imóvel, não havendo que se falar, portanto, em ameaça à vítima ou em benefício do agente para a prática delitiva em razão de sua condição de fragilidade.

23.  (Des)Necessidade de contumácia da conduta para tipicidade do crime de não recolhimento do ICMS

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL

A ausência de contumácia no não recolhimento do ICMS em operações próprias conduz ao reconhecimento da atipicidade da conduta.

AgRg no REsp 1.867.109-SC, Rel. Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 25/08/2020, DJe 04/09/2020

23.1.             Situação FÁTICA.

Alairto Sonagamus foi condenado como incurso no art. 2.º, inciso II, da Lei n. 8.137/90 por ter deixado de recolher imposto referente a 1 (um) mês.

Irresignada, a defesa do Sr. Sonegamus interpôs recurso especial no qual alegou que a conduta imputada seria atípica, uma vez que após realizar operações de circulação de mercadorias, sujeitas ao ICMS declarou o valor devido à fazenda Pública e, apenas por incapacidade financeira, deixou de pagar tributo próprio.

23.2.             Análise ESTRATÉGICA.

23.2.1.                Questão JURÍDICA.

Lei n. 8.137/90:

Art. 2° Constitui crime da mesma natureza: 

II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;

23.2.2. Necessária a contumácia para que seja considerada conduta típica?

R: SIM.

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC n. 399.109/SC, pacificou o entendimento de que o não recolhimento do ICMS em operações próprias é fato típico.

Todavia, ainda a propósito da tipicidade no tocante ao delito previsto no inciso II do art. 2.º da Lei n. 8.137/90, o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RHC n. 163.334/SC, cujo acórdão ainda está pendente de publicação, fixou a seguinte tese jurídica: “O contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990”.

No caso dos autos, a conduta típica imputada ao Agravante restringe-se ao não recolhimento do ICMS relativo a 1 (um) mês.Portanto, nos termos do atual entendimento do Pretório Excelso, inafastável a conclusão de que, conquanto o fato deletério atribuído ao réu, a princípio se subsuma à figura penal antes mencionada, a ausência de CONTUMÁCIA – o débito com o fisco se refere a tão somente 1 (um) mês -, conduz ao reconhecimento da atipicidade da conduta e, por conseguinte, à absolvição do réu.

23.2.3.                Resultado final.

A ausência de contumácia no não recolhimento do ICMS em operações próprias conduz ao reconhecimento da atipicidade da conduta.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

24.  Conversão da prisão em flagrante em preventiva e Pacote Anticrime

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS

Mesmo após o advento da Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime), o art. 310, II, do Código de Processo Penal autoriza a conversão, de ofício pelo Juízo processante, da prisão em flagrante em preventiva.

AgRg no HC 611.940-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 22/09/2020, DJe 28/09/2020

24.1.             Situação FÁTICA.

Alexandre foi denunciado e se encontra preso preventivamente pela suposta prática dos crimes previstos nos arts. 180, § 1º, c/c o § 2º (por cinco vezes), 288 e 311, todos do Código Penal.

A defesa impetrou Habeas Corpus no qual sustentou que o paciente teve a sua prisão preventiva decretada de ofício, indo assim em desencontro a norma preceituada no artigo 311 do Código de Processo Penal, caracterizando flagrante constrangimento ilegal.

24.2.             Análise ESTRATÉGICA.

24.2.1.                Questão JURÍDICA.

Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;

LXV – a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária;

LXVI – ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança;

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;

Código de Processo Penal:

Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente:

II – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.      

§ 1º  A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o).

§ 2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada

24.2.2. Possível a conversão?

R: SIM.

A prisão preventiva é uma medida excepcional, de natureza cautelar, que autoriza o Estado, observadas as balizas legais e demonstrada a absoluta necessidade, a restringir a liberdade do cidadão antes de eventual condenação com trânsito em julgado (art. 5º, LXI, LXV, LXVI e art. 93, IX, da CF).

Para a privação desse direito fundamental da pessoa humana, é INDISPENSÁVEL a demonstração da existência da prova da materialidade do crime, da presença de indícios suficientes da autoria e do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos dos artigos 310 e seguintes do Código de Processo Penal.

De fato, nos termos do art. 311 do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei n. 13.964/2019, “em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial”.

Assim, embora a Lei n. 13.964/2019 – Pacote Anticrime – tenha retirado a possibilidade de DECRETAÇÃO da prisão preventiva, de ofício, do art. 311 do Código de Processo Penal, no caso, trata-se da CONVERSÃO da prisão em flagrante, hipótese DISTINTA e amparada pela regra específica do art. 310, II, do CPP.

Ou seja, o art. 310, II, do Código de Processo Penal, autoriza a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva pelo Juízo processante, desde que presentes os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal.Portanto, não há ilegalidade ou ofensa ao sistema acusatório, na prisão preventiva do agente uma vez que a sua conversão, de ofício, está amparada no referido dispositivo da Lei Processual Penal.

24.2.3.                Resultado final.

Mesmo após o advento da Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime), o art. 310, II, do Código de Processo Penal autoriza a conversão, de ofício pelo Juízo processante, da prisão em flagrante em preventiva.

JULGADO COM MENOR RELEVÂNCIA PARA CONCURSO

25.  Competência da Segunda Turma do STJ em ação de ressarcimento de desconto efetuado em fatura de energia elétrica

CONFLITO DE COMPETÊNCIAS

Compete às Turmas que compõem a Segunda Seção do STJ apreciar recurso em que se discute ressarcimento pelo desconto de mensalidades de plano de saúde cobradas em fatura de energia elétrica.

CC 171.348-DF, Rel. Min. Francisco Falcão, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 02/09/2020, DJe 10/09/2020

25.1.             Situação FÁTICA.

Pedro ajuizou uma ação de indenização por danos materiais e morais  em desfavor de Centrais Elétricas do Sul e G&A Ltda., tendo em conta a irregular inserção, na conta de energia elétrica do autor, do valor de R$ 24,65 (vinte e quatro reais e sessenta e cinco centavos), no mês de agosto de 2012, relativo a um convênio médico firmado com a “Policlínica São Judas”. Pedro relatou na inicial que contatou a segunda ré e cancelou o plano – que jamais houvera contratado –, mas, mesmo assim, ocorreu o desconto do valor na fatura de energia elétrica do mês seguinte.

 Os pedidos foram julgados improcedentes em primeira instância. O Tribunal de Justiça local deu parcial provimento ao recurso, reconhecendo a ilicitude das cobranças operadas na fatura de energia elétrica do autor e condenando as rés ao ressarcimento das quantias indevidamente cobradas. Não houve acolhimento do pedido de indenização por dano moral.

G&A então interpôs recurso especial no qual sustentou que o contrato de plano de saúde cobrado na fatura de energia elétrica do autor foi firmado por sua esposa, em nome próprio e em benefício de toda a família. Ou seja, segundo a recorrente, o próprio autor da ação era beneficiário do serviço contratado.

Distribuído o recurso, o Ministro da Segunda Seção declinou de sua competência para alguma das Turmas que integra a Primeira Seção. Como fundamento do declínio, expôs que “discute-se a possibilidade de indenização pela cobrança indevida em fatura de energia elétrica, matéria que se insere na competência da Primeira Seção.”

Por sua vez, a Ministra da Primeira Seção suscitou Conflito Negativo de Competência por entender que não se verificou nenhum pedido ou causa de pedir referente ao contrato de concessão de serviço público ou à norma legal ou regulamentar da concessão, razão pela qual não caberia julgamento pela referida Seção.

25.2.             Análise ESTRATÉGICA.

25.2.1.                Questão JURÍDICA.

Regimento Interno do STJ:

Art. 9º A competência das Seções e das respectivas Turmas é fixada em

função da natureza da relação jurídica litigiosa.

§ 2º À Segunda Seção cabe processar e julgar os feitos relativos a:

II – obrigações em geral de direito privado, mesmo quando o Estado

participar do contrato;

25.2.2. A quem compete julgar o recurso?

R: A uma das turmas da Segunda Seção.

A competência dos órgãos fracionários do Superior Tribunal de Justiça é definida “em função da natureza da relação jurídica litigiosa” (RISTJ, art. 9º). É dizer, determina-se não em razão exclusivamente da parte que figura em um dos polos da relação jurídica litigiosa, mas leva em conta o conteúdo da relação jurídica subjacente ao recurso.

No recurso alçado ao Superior Tribunal de Justiça, discute-se se a empresa que comercializa planos de saúde responde pela cobrança de prestações de contrato não celebrado. E se a concessionária do serviço público de energia elétrica – sociedade de economia mista e, pois, pessoa jurídica de direito privado – poderia ter lançado na fatura que cobra a tarifa de energia, sem assentimento do usuário, valor atinente a mensalidades do plano de saúde por ele questionado.

Dentre os incisos do § 2º do art. 9º, existe um que se subsume comodamente ao caso ora em análise. Cuida-se do inciso II, que atribui competência à Segunda Seção para “processar e julgar os feitos relativos a obrigações em geral de direito privado, mesmo quando o Estado participar do contrato”. É exatamente a hipótese subjacente ao presente conflito.No caso, perceba-se que não existe relação jurídica de direito público na base desse processo. A discussão versa claramente sobre direito obrigacional privado, sobre responsabilização de empresa privada e de concessionária de serviço público pela cobrança indevida de prestações alusivas a plano de saúde. Não há, absolutamente, discussão de matéria afeta ao regime jurídico-administrativo.

Não se questionam aspectos ligados ao contrato de concessão, ou mesmo eventual falha no fornecimento de energia elétrica a dado usuário. A discussão é de cunho estritamente obrigacional, e a presença de concessionária de serviço público no polo passivo não desconstrói essa conclusão. Cuida-se de relação de consumo.               

25.2.3.                Resultado final.

Compete às Turmas que compõem a Segunda Seção do STJ apreciar recurso em que se discute ressarcimento pelo desconto de mensalidades de plano de saúde cobradas em fatura de energia elétrica.

Jean Vilbert

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