E chegou a hora do Informativo nº 671 do STJ COMENTADO.
Várias decisões interessantes para discutirmos!
Sumário
1. Desapropriação indireta e declaração de utilidade pública: prazo prescricional decenal 3
2. Uso de bem comum do povo (calçada) sem autorização estatal 6
3. Base de cálculo do imposto importação e capatazia. 10
4. Contribuição patronal e Hora Repouso Alimentação.. 12
5. Prazo decadencial da ação rescisória. 14
6. Alienação fiduciária e inclusão de restrição em nome dos devedores solidários. 15
7. Intimação do executado para pagar na vigência do CPC/1973. 17
8. Covid-19, prisão domiciliar por dívida alimentar. 20
9. Prazo da execução individual da sentença coletiva. 22
10. Separação de fato e contagem do prazo para usucapião.. 23
12. Usucapião e destinação de parte do bem para fins comerciais. 27
13. Juros superiores a 12% ao ano e instituição não financeira. 29
14. Responsabilidade do laboratório por efeito colateral 31
15. Preço incorreto: erro grosseiro e rápida correção.. 34
16. Inaplicabilidade do CDC a investimentos em S/A de capital aberto.. 35
17. Divergência de valores em título de crédito e presunção da vontade do emitente. 38
18. Alienação de unidades produtivas isoladas em plano recuperação judicial 40
19. Créditos de fiança bancária e submissão à recuperação judicial 41
20. Obrigação de reparar o meio ambiente e concessão de licença 44
21. Pena de multa e extinção da punibilidade. 47
22. Causa de aumento de pena por tráfico de drogas nas imediações de igreja. 49
23. Tipicidade do crime de porte de arma com registro vencido 51
24. Aplicação da Lei Maria da Penha a violência cometida da neta contra a avó.. 52
PARA TESTAR SEU CONHECIMENTO… 54
25.1. Questões objetivas: CERTO ou ERRADO. 54
RECURSO ESPECIAL
O prazo prescricional aplicável à desapropriação indireta, na hipótese em que o Poder Público tenha realizado obras no local ou atribuído natureza de utilidade pública ou de interesse social ao imóvel, é de 10 anos, conforme parágrafo único do art. 1.238 do CC.
REsp 1.757.352-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, por maioria, julgado em 12/02/2020, DJe 07/05/2020 (Tema 1019)
A administração tomou posse de um certo imóvel sem o procedimento correto para a desapropriação e alegou utilidade pública, de modo a realizar obras de interesse social no local. O proprietário ou possuidor tem interesse em ser indenizado do valor do bem perdido. A questão é quanto tempo ele tem para fazê-lo.
O STJ tem opinião antiga de que o prazo prescricional no caso de ação de desapropriação indireta é de 10 anos (STJ, REsp 1.300.442/SC)
Contudo, tal prescrição decenal tem sido questionada em alguns julgados da Primeira Turma, sob o argumento de que, por se tratar de uma regra extraordinária, deve ser interpretada de forma restrita, aplicando-se, portanto, apenas em favor de particulares (não do poder público).
Quem tem razão?
CC, art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
R: 10 anos.
Ante a ausência de normas expressas que regulem o prazo prescricional das ações de desapropriação indireta, o Superior Tribunal de Justiça, à luz do disposto no art. 550 do Código Civil de 1916, firmou o entendimento de que a ação de indenização por apossamento administrativo, por possuir natureza real e não pessoal, sujeitava-se ao prazo prescricional de 20 anos, e não àquele previsto no Decreto-Lei 20.910/1932 (Súmula 119 do STJ: “A ação de desapropriação indireta prescreve em 20 anos”).
DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA = retirada do direito sem as formalidades legais (ex: desapropriação dissimulada em servidão). O possuidor, mesmo sem titularidade do domínio, tem legitimidade ad causam para postular a indenização pelo apossamento administrativo ilícito (STJ, REsp 182.369).
Partiu-se da premissa de que a ação expropriatória indireta possui natureza REAL e, enquanto não transcorrido o prazo para aquisição da propriedade por usucapião, subsistiria a pretensão de reivindicar o correspondente preço do bem objeto do apossamento administrativo. Essas razões para a fixação do prazo prescricional permanecem válidas.
O Código Civil de 2002, contudo, REDUZIU o prazo da usucapião extraordinária para 15 anos (art. 1.238, caput) e previu a possibilidade de aplicação do prazo de 10 anos (art. 1.238, parágrafo único) nos casos em que o possuidor tenha estabelecido no imóvel sua moradia habitual, ou realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
Portanto, considerando que as hipóteses legais de desapropriação por utilidade pública indicam que a posse havida pela Administração Pública tem por fim a realização de obras ou serviços de caráter produtivo, é aplicável o prazo prescricional decenal, previsto na regra especial do parágrafo único do art. 1.238 do CC/2002.
Tanto o caput quanto o parágrafo único do artigo 1.238 NÃO são voltados à Administração Pública, porquanto presentes no Código Civil e, dessarte, regulam ambos as relações entre particulares, tão somente. De qualquer forma, vale-se legitimamente o intérprete (e deve mesmo se valer) da analogia.
Com efeito, o mesmo fundamento que afastaria a aplicação do parágrafo único (ou seja, de que a regra é exclusiva para particulares) serviria para afastar o regramento da usucapião extraordinária, prevista no caput. Logo, nessa linha de raciocínio, também não poderia ser aplicado o prazo de 15 anos à Administração Pública. Hipótese descartada, como já visto, considerando que o STJ já decidiu pela aplicação do CC à presente questão.
E tenho dito!
No caso de desapropriação indireta por declaração de utilidade pública, tendo sido realizadas obras e serviços de caráter produtivo, no que se refere à prescrição, aplica-se o prazo de 10 anos previsto no parágrafo único do art. 1.238 do CC/2002 (tema 1019).
RECURSO ESPECIAL
Não é possível a manutenção de quiosques e trailers instalados sobre calçadas sem a regular aprovação estatal.
REsp 1.846.075-DF, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 03/03/2020, DJe 18/05/2020.
José tinha uma barraquinha na calçada na qual ele vendia churrasquinho. Com o passar do tempo, ele passou a ficar confiante de que aquele lugar era “seu”. Então ele construiu um quiosque e ali passou a exercer sua atividade por algum tempo. Ele nunca requereu ou obteve autorização estatal para ocupar aquele espaço. Pode isso?
A controvérsia cinge-se a saber se é possível a manutenção de quiosques e trailers comerciais instalados sobre calçadas sem a regular aprovação estatal.
CC, Art. 99. São bens públicos: I – os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças.
R: SAI.
Em cidades tomadas por veículos automotores, a maior parte deles a serviço de minoria privilegiada[1], calçadas integram o mínimo existencial de espaço público dos pedestres, a maioria da população. Na qualidade de genuínas artérias de circulação dos que precisam ou preferem caminhar, constituem expressão cotidiana do direito de locomoção.
No Estado Social de Direito, o ato de se deslocar a pé, em segurança e com conforto, qualifica-se como direito de todos, com atenção redobrada para a acessibilidade dos mais vulneráveis, aí incluídos idosos, crianças e pessoas com deficiência. Mister atinar que, no dia a dia da cidade contemporânea, o universo complexo da mobilidade urbana reserva PAPEL CRÍTICO ÀS CALÇADAS, não se esgotando no fluxo de carros nem na construção de ruas, avenidas, estradas, pontes e viadutos.
No Direito, calçadas compõem a família dos bens públicos, consoante o art. 99, I, do Código Civil. Contudo, o que se vê geralmente é a brutal apropriação de calçadas para usos particulares destituídos de função ou benefício social, atributo inseparável da classe dos bens públicos.
Em país ainda marcado pela ferida aberta das favelas e por fração significativa de pessoas vivendo ao relento[2] poderia soar irrealista esperar que o Judiciário se preocupe com a existência, conservação e proteção de calçadas. Nada mais equivocado, no entanto, pois o autêntico juiz se revela quando decide questões jurídicas que, embora aparentem atrelamento a dificuldades do presente ou a concepções obsoletas do passado, se projetam sobre as gerações futuras.
As calçadas e cidades do AMANHÃ se formam no seio do caos urbano da nossa época, mesmo que ainda não passem de esqueletos imperfeitos à espera, mais adiante, de corpo imaginado ou de destino prometido pela Constituição e pelas leis.
Essa exatamente a expectativa que o Estatuto da Cidade deposita (se faltar ou falhar ação administrativa ou sobrar cobiça individual) no Judiciário brasileiro, ao prescrever que a Política Urbana deve garantir o “direito a cidades sustentáveis”, em favor das “presentes e futuras gerações” (Lei 10.257/2001, art. 2º, I).
Segundo jurisprudência pacífica do STJ, a ninguém é lícito ocupar espaço público (calçada, in casu), exceto se estritamente conforme à legislação e após regular procedimento administrativo.
R: DERRUBA.
A Administração dispõe de dever-poder de revisão de ofício de seus atos, exercitável a qualquer momento, mais ainda quando o ato administrativo de qualquer tipo for emitido em caráter provisório ou precário, com realce para o urbanístico, ambiental e sanitário.
Além disso, é interditado atribuir efeitos permanentes a alvará provisório:
“A ocupação indevida de bem público configura mera detenção, de natureza precária, insuscetível de retenção ou indenização por acessões e benfeitorias” (Súmula 619 do STJ).
Com efeito, se o apossamento do espaço urbano público ocorre ilegalmente, incumbe ao administrador, sob risco de cometimento de improbidade e infração disciplinar, proceder à imediata DEMOLIÇÃO de eventuais construções irregulares e à desocupação de bem turbado ou esbulhado.
Em rigor, evidenciaria despropósito estabelecer, no Código de Trânsito Brasileiro (art. 181, VIII, e art. 182, VI, respectivamente), sanção administrativa de multa para quem estacionar veículo no passeio (infração grave) e mesmo para quem nele simplesmente parar por minutos (infração leve) e, ao mesmo tempo, admitir a sua ocupação ilícita ou duradoura para fins comerciais (quiosques, trailers) ou com construções privadas, pouco importando a espécie.
R: De jeito nenhum!
O princípio da confiança NÃO socorre quem, em sã consciência ou assumindo os riscos de sua conduta, ocupa ou usa irregularmente bem público, irrelevante haja pagamento de tributos e outros encargos, pois prestação pecuniária não substitui licitação e licenciamento.
Em tais circunstâncias, o que se tem é (no extremo oposto da régua ético-jurídica) confiança na impunidade, confiança derivada da impunidade e confiança que fomenta a impunidade, exatamente a perversão da ordem democrática de direito.
O STJ assentou a impossibilidade da manutenção de quiosques e trailers sobre calçada (bem público de uso comum do povo) sem a necessária aprovação estatal, sob pena de desocupação e demolição (poder de polícia). O princípio da confiança é inaplicável ao caso.
RECURSO ESPECIAL
Os serviços de capatazia estão incluídos na composição do valor aduaneiro e integram a base de cálculo do imposto de importação.
REsp 1.799.306-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, Rel. Acd. Min. Francisco Falcão, Primeira Seção, por maioria, julgado em 11/03/2020, DJe 19/05/2020 (Tema 1014)
A controvérsia aqui é se se valor aduaneiro dos gastos relativos à carga, descarga e manuseio, associados ao transporte das mercadorias importadas até o porto ou local de importação devem ser ou não incluídos na base de cálculo do imposto de importação.
Isso porque alguns importadores afirmavam que a inclusão desses serviços na base de cálculo do imposto de importação teria sido inovação sem suporte legal (por portaria e decreto).
Parece complicado, mas é simples!
Capatazia nada mais é do que o serviço de carga, descarga e manuseio, no transporte das mercadorias importadas até o porto ou local de importação.
Conforme a Lei n. 12.815/2013 (art. 40) a capatazia é atividade de movimentação de mercadorias nas instalações do porto, compreendendo o recebimento, conferência, transporte interno, abertura de volumes para a conferência aduaneira, manipulação, arrumação e entrega, bem como o carregamento e descarga de embarcações, quando efetuados por aparelho portuário.
R: SIM.
O acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio (Gatt 1994), no art. VII, estabelece normas para determinação do “valor para fins alfandegários”, ou seja, “valor aduaneiro” na nomenclatura do nosso sistema normativo, sobre o qual incide o imposto de importação.
Para implementação do referido artigo e, de resto, dos objetivos do acordo Gatt 1994, o Decreto n. 2.498/1998, no art. 17, prevê a inclusão no valor aduaneiro dos gastos relativos à carga, descarga e manuseio, associados ao transporte das mercadorias importadas até o porto ou local de importação. Essa disposição é reproduzida no parágrafo 2º do art. 8º do AVA (Acordo de Valoração Aduaneira).
Com o objetivo de regulamentar o valor aduaneiro de mercadoria importada, a Secretaria da Receita Federal editou a Instrução Normativa SRF n. 327/2003, na qual ficou explicitado que a carga, descarga e manuseio das mercadorias importadas no território nacional estão incluídas na determinação do “valor aduaneiro” para incidência tributária da exação. Posteriormente foi editado o Decreto n. 6.759/2009, regulamentando as atividades aduaneiras, fiscalização, controle e tributação das importações, ocasião em que foi ratificada a regulamentação exarada pela SRF.
Ao interpretar as normas citadas, evidencia-se que os serviços de capatazia, conforme a definição acima referida, integram o conceito de valor aduaneiro, tendo em vista que tais atividades são realizadas dentro do porto ou ponto de fronteira alfandegado na entrada do território aduaneiro.
A Instrução Normativa n. 327/2003 encontra-se nos estreitos limites do ordenamento e de acordos internacionais, inocorrendo inovação no ordenamento jurídico pátrio. Na base de cálculo do imposto de importação estão incluídos os serviços de capatazia (compõem o valor aduaneiro), conforme a Instrução Normativa SRF n. 327/2003 e o Decreto n. 6.759/2009 (Tema 1014).
EMBARGOS em RECURSO ESPECIAL
Incide a contribuição previdenciária patronal sobre os valores pagos a título de Hora Repouso Alimentação – HRA
EREsp 1.619.117-BA, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, por maioria, julgado em 27/11/2019, DJe 08/05/2020.
Cinge-se a controvérsia à possibilidade de incidência da contribuição previdenciária patronal sobre os valores pagos a título de Hora Repouso Alimentação – HRA, prevista nos arts. 3º, II, da Lei n. 5.811/1972 e 71, § 4º, da CLT.
O acórdão embargado, da Primeira Turma, consignou que tal verba “[…] reveste natureza jurídica autenticamente indenizatória, pois seu escopo é recompor direito legítimo do empregado suprimido em virtude das vicissitudes da atividade laboral, assumindo perfil de genuína compensação, de verdadeira contrapartida a que o empregador está obrigado, por lei, a disponibilizar ao obreiro, em virtude da não fruição do direito ao intervalo para refeição e repouso que lhe é garantido, imprescindível ao restabelecimento do seu vigor físico e mental”. Partindo da premissa de que a Hora Repouso Alimentação – HRA possui natureza indenizatória, concluiu que sobre ela NÃO deve incidir a contribuição previdenciária patronal (art. 22, I, da Lei n. 8.212/1991).
Por sua vez, o julgado paradigma, da Segunda Turma, assentou: “a ‘Hora Repouso Alimentação – HRA’ […] é paga como única e direta retribuição pela hora em que o empregado fica à disposição do empregador”, configurando, assim, “retribuição pelo trabalho ou pelo tempo à disposição da empresa e se submete à contribuição previdenciária, nos termos do art. 28 da Lei n. 8.212/1991″.
Primeira Turma | Segunda Turma |
Natureza INDENIZATÓRIA: não fruição do direito ao intervalo para refeição e repouso que lhe é garantido. | Natureza de REMUNERAÇÃO: retribuição pela hora em que o empregado fica à disposição do empregador. |
NÃO incide contribuição previdenciária patronal | INCIDE contribuição previdenciária patronal |
R: INCIDE.
A Primeira Seção entendeu que a Segunda Turma tem razão.
Tem-se que a Hora Repouso Alimentação – HRA é paga como única e direta retribuição pela hora em que o empregado fica à disposição do empregador. Ou seja, o trabalhador recebe salário normal pelas oito horas regulares e HRA pela 9ª (nona) hora, em que ficou à disposição da empresa.
O empregado fica efetivamente 9 (nove) horas contínuas trabalhando ou à disposição da empresa e recebe exatamente por esse período, embora uma dessas horas seja paga em DOBRO, a título de HRA.
Trata-se de situação análoga à hora extra: remuneração pelo tempo efetivamente trabalhado ou à disposição do empregador e sujeita à contribuição previdenciária. Assim, a HRA possui nítida natureza remuneratória, submetendo-se à tributação pela contribuição previdenciária patronal, nos termos dos arts. 22, I, e 28 da Lei n. 8.212/1991.
A Hora Repouso Alimentação (HRA) possui natureza remuneratória. Logo, sobre ela incide contribuição previdenciária patronal.
RECURSO ESPECIAL
Inexistindo homologação judicial do pedido de renúncia, não se pode permitir a abertura do prazo decadencial de dois anos para propor ação rescisória antes que ocorra a indispensável intimação da parte interessada. Nesse contexto, deve ser contado o prazo decadencial da data da primeira intimação da recorrente, após o pedido de renúncia.
REsp 1.344.716-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 12/05/2020
Imagine que uma ação estava a tramitar e uma das partes protocolou um pedido de renúncia do direito de recorrer, abrindo mão do prazo recursal.
A parte contrária veio a tomar ciência desse pedido quando intimada pessoalmente (tempos depois) do acórdão proferido em um agravo regimental. Detalhe importante: NÃO houvera homologação pelo ministro relator da tal renúncia.
A grande questão é saber se se deve ou não reconhecer o trânsito em julgado na data do protocolo da renúncia do direito de recorrer.
Por que isso é importante? Porque é do trânsito em julgado que passa a contar o prazo decadencial para a ação rescisória (e a parte que não renunciou, se não ficou sabendo da renúncia, pode ver seu prazo desaparecer sem sequer ter conhecimento de que ele começou a correr).
Em regra, a desistência do recurso ou a renúncia ao prazo recursal constituem ato unilateral de vontade do recorrente que independe da aquiescência da parte contrária e produz efeitos imediatos, ensejando o trânsito em julgado, se for o caso, à luz dos arts. 158, caput, 501 e 502 do CPC/1973.
A desistência do recurso ou a renúncia ao prazo recursal determinam o trânsito em julgado da decisão impugnada, se não houver recurso pendente de julgamento da outra parte.
CONTUDO, os efeitos imediatos preconizados na lei processual civil ao pedido de renúncia, não havendo homologação judicial, o princípio do contraditório impede que o trânsito em julgado seja reconhecido antes da ciência da parte ex adversa. Não se pode permitir a abertura do prazo, no caso, decadencial de 2 (dois) anos, de que cuida o art. 495 do CPC/1973, antes que ocorra a indispensável intimação da parte interessada no fato processual que lhe dá origem.
Nesse contexto, deve ser contado o prazo decadencial da data da primeira intimação da recorrente, após o pedido de renúncia.
No caso de renúncia ao prazo recursal sem homologação judicial, o prazo decadencial da ação rescisória só passar a correr da intimação da parte interessada.
RECURSO ESPECIAL
O credor fiduciário regido pelo Decreto-Lei n. 911/1969, em caso de inadimplemento contratual, pode promover a inscrição dos nomes dos devedores solidários em bancos de dados de proteção ao crédito, independentemente de optar pela excussão da garantia ou pela ação de execução.
REsp 1.833.824-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 11/05/2020
João tomou valor emprestado e assinou Cédula de crédito bancário com alienação fiduciária em garantia. Para maior garantia do crédito, incluiu seu amigo José na bagunça (como fiador). João perdeu o emprego e deixou de quitar as prestações. O credor fiduciário (banco), antes mesmo de buscar a alienação da garantia real em leilão/praça, incluiu o nome de José nos cadastros de proteção ao crédito. José foi à loucura, alegando que primeiro tinha de vender o bem para satisfazer o crédito.
Assim, a controvérsia está em se o credor fiduciário, na hipótese de inadimplemento do contrato, é obrigado a promover a venda do bem alienado fiduciariamente, antes de proceder à inscrição dos nomes dos devedores em cadastros de proteção ao crédito.
CC/2002, art. 1.364. Vencida a dívida, e não paga, fica o credor obrigado a vender, judicial ou extrajudicialmente, a coisa a terceiros, a aplicar o preço no pagamento de seu crédito e das despesas de cobrança, e a entregar o saldo, se houver, ao devedor.
Decreto 911/1969, Art. 5º. Se o credor preferir recorrer à ação executiva, direta ou a convertida na forma do art. 4o, ou, se for o caso ao executivo fiscal, serão penhorados, a critério do autor da ação, bens do devedor quantos bastem para assegurar a execução.
Decreto 911/1969, Art. 6º. O avalista, fiador ou terceiro interessado que pagar a dívida do alienante ou devedor, se sub-rogará, de pleno direito no crédito e na garantia constituída pela alienação fiduciária.
R: Suja, suja, suja!
No ordenamento jurídico brasileiro, coexiste um duplo regime jurídico da propriedade fiduciária:
a) o regime jurídico geral do Código Civil, que disciplina a propriedade fiduciária sobre coisas móveis infungíveis, sendo o credor fiduciário qualquer pessoa natural ou jurídica; e
b) o regime jurídico especial, formado por um conjunto de normas extravagantes, dentre as quais o Decreto-Lei n. 911/1969, que trata da propriedade fiduciária sobre coisas móveis fungíveis e infungíveis, além da cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou de títulos de crédito, restrito o credor fiduciário à pessoa jurídica instituição financeira.
Assim, em se tratando de alienação fiduciária de coisa móvel infungível envolvendo instituição financeira, o regime jurídico aplicável é aquele do Decreto-Lei n. 911/1969, devendo as disposições gerais do Código Civil incidir apenas em caráter supletivo.
Essa aplicação supletiva do Código Civil, todavia, NÃO se faz necessária na espécie, haja vista que o DL n. 911/69 contém disposição expressa que faculta ao credor fiduciário, na hipótese de inadimplemento ou mora no cumprimento das obrigações contratuais pelo devedor, optar por recorrer diretamente à ação de execução, caso não prefira retomar a posse do bem e vendê-lo a terceiros.
De todo modo, independentemente da via eleita pelo credor, a inscrição dos nomes dos devedores solidários em bancos de dados de proteção ao crédito, em razão do incontroverso inadimplemento do contrato, NÃO se reveste de qualquer ilegalidade, tratando-se de exercício regular do direito de crédito.
Com efeito, a partir do inadimplemento das obrigações pactuadas pelo devedor, nasce para o credor uma série de prerrogativas, não apenas atreladas à satisfação do seu crédito em particular — do que é exemplo a excussão da garantia ou a cobrança da dívida —, mas também à proteção do crédito em geral no mercado de consumo.
No caso de inadimplemento Cédula de crédito bancário com alienação fiduciária em garantia o regime jurídico aplicável é o do Decreto-Lei n. 911/1969, permitindo-se a inscrição em órgãos de proteção ao crédito dos devedores solidários (exercício regular do direito de crédito).
RECURSO ESPECIAL
Após a entrada em vigor do CPC/2015, o juiz deve intimar o executado para apresentar impugnação ao cumprimento de sentença, caso tenha transcorrido o prazo para cumprimento espontâneo da obrigação na vigência do CPC/1973.
REsp 1.833.935-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 11/05/2020
Nos termos do art. 475-J do CPC/1973, o prazo para impugnação ao cumprimento de sentença somente era contado a partir da intimação do auto de penhora e avaliação. Só que aí veio o art. 525 do CPC/2015 e previu: “transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação”. Ou seja, agora é AUTOMÁTICO.
A controvérsia de direito intertemporal é acerca da norma processual aplicável à impugnação ao cumprimento de sentença, na hipótese em que o prazo para pagamento voluntário se findou na vigência do CPC/1973.
Isso é muito relevante.
No caso, apesar da entrada em vigor do novo CPC, o executado não apresentou impugnação, na expectativa de que o prazo fosse computado a partir da penhora, como era a regra durante a vigência do CPC/1973.
A penhora veio a ocorrer meses depois, por meio do bloqueio de depósitos em conta corrente (BacenJud), tendo o executado sido intimado em 11/11/2016, apenas para impugnar a ordem de indisponibilidade (não ainda da penhora), pois a intimação fez referência ao art. 854, § 2º e 3º, do CPC/2015.
Contudo, em 06/12/2016, o recorrente ofereceu impugnação ao cumprimento de sentença, a qual o Tribunal de origem julgou intempestiva, por considerar aplicável ao caso o CPC/2015, sendo, portanto, desnecessária a penhora para deflagração do prazo para impugnação, de modo que o prazo já estaria há muito tempo exaurido.
E aí???
R: SIM.
A questão se situa numa zona cinzenta de aplicação do direito intertemporal.
Deveras, por um lado, seria o caso de se aplicar a regra geral da aplicabilidade imediata da nova norma processual, por meio da técnica do isolamento dos atos processuais, ex vi do art. 14 c/c art. 1.046 do CPC/2015.
UNIDADE PROCESSUAL | FASES PROCESSUAIS | ISOLAMENTO DOS ATOS |
Embora se desdobre em uma série de atos distintos, o processo apresenta uma unidade = deve-se aplicar uma única lei a cada processo. | O processo é encadeado por fases (postulatória, ordinatória, instrutória, decisória, recursal) = mais de uma lei pode reger o processo, desde que respeitadas as fases. | A lei nova não atinge os atos processuais praticados sob a vigência da lei anterior, porém a lei será aplicável aos atos processuais que ainda não foram praticados, pouco importando a fase em que o processo estiver. |
Por outro lado, a aplicação do ultrativa CPC/1973 para reger a impugnação de sentença após a entrada em vigor do CPC/2015 não parece adequada, pois a impugnação, antes da entrada em vigor do CPC/2015, era evento futuro e incerto, na medida em que dependia da ocorrência de penhora, e, sendo fato futuro, seria o caso de aplicação da lei nova (tempus regit actum).
Ademais, a aplicação do CPC/1973 traria o inconveniente de deixar a lei antiga, em tese, com uma ultratividade indefinida no tempo, uma vez que não se sabe, de antemão, se nem quando ocorrerá a penhora.
Essa dificuldade de se aplicar a técnica de direito intertemporal do isolamento dos atos processuais decorre da CONEXIDADE existente entre a intimação para pagamento voluntário e a posterior impugnação ao cumprimento de sentença, na medida em que, tanto no CPC revogado como no vigente, o decurso do prazo para pagamento é condição para a impugnação ao cumprimento de sentença.
Desse modo, há necessidade de se buscar uma compatibilização entre as regras da lei nova e as da lei velha, na hipótese de conexidade entre atos processuais, pois a técnica do isolamento dos atos processuais NÃO é suficiente para resolver adequadamente o problema da lei processual aplicável.
Uma proposta compatibilização específica para o caso da impugnação ao cumprimento de sentença foi elaborada pelo Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC. Trata-se do Enunciado 530:
“Após a entrada em vigor do CPC-2015, o juiz deve INTIMAR o executado para apresentar impugnação ao cumprimento de sentença, em quinze dias, ainda que sem depósito, penhora ou caução, caso tenha transcorrido o prazo para cumprimento espontâneo da obrigação na vigência do CPC-1973 e não tenha àquele tempo garantido o juízo”.
Essa proposta, por um lado, elimina a possibilidade de aplicação retroativa do CPC/2015, na medida em que o prazo começa a ser contado de uma intimação a ser realizada na vigência do CPC/2015, não a partir do fim do prazo para pagamento voluntário, ocorrido na vigência do CPC/1973. Por outro lado, elimina também a já mencionada ultratividade indefinida do CPC/1973, caso se entendesse por aplicar o código revogado. Ou seja: MANDOU BEM!
Além disso, a exigência de uma intimação confere segurança jurídica às partes, evitando que seus interesses sejam prejudicados pelo simples fato de seu caso estar situado em uma zona cinzenta da aplicação do direito intertemporal.
Por fim, vale destacar que a intimação ora proposta somente é aplicável na transição do CPC/1973 para o CPC/2015, pois, para os casos integralmente regidos pelo CPC/2015, não há necessidade de sua aplicação em razão de previsão específica no novo código (cf. art. 525 do CPC/2015).
No cumprimento de sentença, o prazo para pagamento voluntário transcorrido sob a égide do CPC/1973, com impugnação oferecida na vigência do CPC/2015 (direito intertemporal) demanda a intimação específica do executado para impugnação ao cumprimento de sentença.
HABEAS CORPUS
Diante do iminente risco de contágio pelo Covid-19, bem como em razão dos esforços expendidos pelas autoridades públicas em reduzir o avanço da pandemia, é recomendável o cumprimento da prisão civil por dívida alimentar em prisão domiciliar.
HC 561.257-SP, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 08/05/2020
Arnaldo não pagou os três últimos meses da pensão alimentícia do seu filho. Sua justificativa é pífia. Seria o caso de decretar a prisão civil. Mas isso mesmo durante a crise do Covid-19?
CPC, art. 528 […]
§ 3º Se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial na forma do § 1º, decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses.
§ 4º A prisão será cumprida em regime fechado, devendo o preso ficar separado dos presos comuns.
R: Só se for em casa.
O contexto atual de gravíssima pandemia devido ao chamado coronavírus desaconselha a manutenção do devedor em ambiente fechado, insalubre e potencialmente perigoso, devendo ser observada a decisão proferida pelo ilustre Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, publicada em 30/03/2020, nos autos do Habeas Corpus nº 568.021/CE, no qual se ESTENDEU a TODOS os presos por dívidas alimentícias no país a liminar deferida no mencionado writ, no sentido de garantir prisão domiciliar, em razão da pandemia de Covid-19.
Durante a pandemia de Covid-19, em razão do risco de contágio, a prisão civil do devedor de pensão alimentícia deverá se dar na modalidade prisão domiciliar.
RECURSO ESPECIAL
O prazo para execução individual de sentença proferida contra planos de saúde em ação civil pública é de cinco anos.
AgInt no REsp 1.807.990-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 20/04/2020, DJe 24/04/2020
Foi promovida Ação Civil Pública buscando o reembolso dos usuários de plano de saúde que foram obrigados a custear lentes intraoculares para a realização de cirurgias de catarata (REsp 1473846/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 21/2/2017, DJe 24/2/2017). Qual o prazo individual para a execução da sentença no processo coletivo que determinou o reembolso?
Lei n. 4.717/1965), Art. 21. A ação prevista nesta lei prescreve em 5 (cinco) anos.
R: quinquenal.
Na falta de dispositivo legal específico para a ação civil pública, aplica-se, por analogia, o prazo de prescrição da ação popular, que é o quinquenal (art. 21 da Lei n. 4.717/1965), adotando-se também tal lapso na respectiva execução, a teor da Súmula 150 do STF:
“Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação”.
A lacuna da Lei n. 7.347/1985 é mais bem suprida com a aplicação de outra legislação também integrante do microssistema de proteção dos interesses transindividuais, como os coletivos e difusos, a afastar os prazos do Código Civil, mesmo na tutela de direitos individuais homogêneos.
Assim, a despeito da existência de recurso especial julgado sob o rito dos recursos repetitivos sobre a prescrição trienal para ações de cobrança contra plano de saúde, nota-se que esse versou sobre as ações ordinárias individuais, de modo que o entendimento referente à aplicação do prazo quinquenal às tutelas coletivas é específico e, consequentemente, prevalece nesses casos.
Em demanda coletiva (ação civil pública) a tratar de plano de saúde, a execução individual em prazo prescricional específico, sendo tal prazo quinquenal.
RECURSO ESPECIAL
A separação de fato por longo período afasta a regra de impedimento da fluência da prescrição entre cônjuges prevista no art. 197, I, do CC/2002 e viabiliza a efetivação da prescrição aquisitiva por usucapião.
REsp 1.693.732-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 11/05/2020
Noah e Maria eram casados. Noah um dia resolveu que iria sair de casa. Ele disse que iria comprar pão e nunca mais voltou. Depois de um tempo ele mandou uma mensagem por WhatsApp dizendo que o casamento já era e ele iria passear pelo mundo. Nunca houve o divórcio. Maria quer que seja declarada a usucapião no imóvel que era comum em seu favor.
Quando Noah ficou sabendo, voltou e disse que não havia usucapião coisa alguma. Que se Maria quiser que compre sua parte, uma vez que há causa impeditiva da fluência do prazo prescricional prevista no art. 197, I, do CC/2002 (entre pessoas casadas).
A controvérsia a definir se a separação de fato de um casal é suficiente para cessar a causa impeditiva e, assim, para deflagrar o cômputo do prazo para a prescrição aquisitiva do imóvel previsto no art. 1.240 do CC.
CC, Art. 197. Não corre a prescrição: I – entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal;
DUAS espécies distintas de prescrição são reguladas pelo CC/2002:
Desse modo, as causas impeditivas de fluência do prazo prescricional previstas no art. 197 do CC/2002, conquanto topologicamente inseridas no capítulo da prescrição extintiva, TAMBÉM SE APLICAM às prescrições aquisitivas, ou seja, à usucapião, na forma do art. 1.244 do CC.
R: CORRE.
Superada essa questão, é preciso examinar, ainda, se a “constância da sociedade conjugal“, exigida na regra que impede a fluência do prazo da prescrição aquisitiva entre cônjuges, cessa somente com a separação de fato, ou se é indispensável que tenha havido divórcio ou separação.
Nesse contexto, é bem verdade que a regra do art. 1.571, III e IV, do CC, prevê que a sociedade conjugal terminará pela separação judicial ou pelo divórcio, NÃO prevendo textualmente o término da sociedade conjugal somente pela separação de fato.
Nesse ponto, não se pode olvidar que a Terceira Turma, no julgamento do REsp 1.660.947/TO, reconheceu a possibilidade de afastar a regra de impedimento da fluência da prescrição entre cônjuges a partir da separação de fato.
Extrai-se da ratio decidendi do referido julgado que a regra do art. 197, I, do Código Civil, está assentada em RAZÕES de ordem moral e busca a preservação da confiança, do afeto, da harmonia e da estabilidade do vínculo conjugal, que seriam irremediavelmente abalados na hipótese de ajuizamento de ações judiciais de um cônjuge em face do outro ainda na constância da sociedade conjugal.
Ocorre que a separação de fato por longo período, como bem destaca o mencionado precedente, produz exatamente o mesmo efeito das formas textualmente previstas no CC/2002 para o término da sociedade conjugal, NÃO se podendo impor tratamento diferenciado para situações que se encontram umbilicalmente vinculadas.
Dessa forma, é correto afirmar que o requisito temporal quinquenal estabelecido no art. 1.240, caput, do CC/2002, pode ser cumprido no período da separação de fato.
A causa impeditiva da da fluência do prazo prescricional (aquisitivo), para fins de usucapião especial urbana, modalidade de aquisição da propriedade, cessa com a separação judicial, o divórcio e também com a separação de fato por longo período. Trata-se de tratamento isonômico para situações semelhantes.
Observação: qual será o marco para início do prazo? Caso a caso! :S
RECURSO ESPECIAL
O curto espaço de tempo entre o acidente e a assinatura do acordo e o desconhecimento da integralidade dos danos podem excepcionar a regra de que a quitação plena e geral desautoriza o ajuizamento de ação para ampliar a verba indenizatória aceita e recebida.
AgInt no REsp 1.833.847-RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 20/04/2020, DJe 24/04/2020
Armando atropelou Creosvaldo. Pouco tempo depois, firmaram um acordo extrajudicial, com ampla quitação (compromisso de não processar). Passado mais algum tempo, Armando disse ser surpreendido por uma ação pretendendo a ampliação da indenização. Ihhhh!!!!
R: Em geral, NÃO. Mas há exceções…
O Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que, em regra, a quitação ampla, geral e irrevogável efetivada em acordo extrajudicial deve ser presumida válida e eficaz, NÃO se autorizando o ingresso na via judicial para ampliar verbas indenizatórias anteriormente aceitas e recebidas.
Contudo, em determinadas situações particulares, a jurisprudência aponta para adoção de solução distinta, como nas hipóteses de acréscimo da incapacidade parcial apurada em laudo médico posterior, seguro obrigatório pago a menor e expurgos inflacionários não pagos em restituição de reserva de poupança.
No caso, o acordo foi celebrado em data muito próxima à do acidente, não havendo conhecimento da integralidade do prejuízo sofrido. Nota-se, portanto, situação excepcional que JUSTIFICA a restrição da plena validade do ato de quitação.
A quitação plena e geral de acordo extrajudicial para resolver responsabilidade civil em regra impede o ajuizamento posterior de ação para ampliar verba indenizatória. Contudo, em situações excepcionais (ex: curto espaço de tempo entre o acidente e a assinatura do acordo e o desconhecimento da integralidade do dano) abre uma excepcionalidade para autorizar a propositura da demanda.
RECURSO ESPECIAL
A destinação de parte do imóvel para fins comerciais não impede o reconhecimento da usucapião especial urbana sobre a totalidade da área.
REsp 1.777.404-TO, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 11/05/2020
Mario ingressou em imóvel e dele tomou posso sem causa jurídica anterior (aquisição originária). Passou a ali viver com posse mansa e pacífica e com animus domini. Em parte do imóvel ele abriu um pequeno negócio (bicicletaria operada pela família). Depois de 5 anos ele procurou um advogado e este promoveu uma ação de usucapião ESPECIAL URBANA para regular o domínio sobre TODA a área.
O tribunal de origem considerou impossível declarar a usucapião de área utilizada comercial, afirmando que apenas a porção do imóvel utilizada exclusivamente para moradia poderia ser adquirida pela modalidade pretendida de usucapião.
Cinge-se a discussão a determinar se a área de imóvel objeto de usucapião extraordinária deve ser usada somente para fins residenciais ou, ao contrário, se é possível usucapir imóvel que apenas em parte é destinado para fins comerciais.
CC, Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1 o O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2 o O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
R: TUDO.
A modalidade de usucapião de que estamos a tratar é mais conhecida como especial urbana, constitucional ou ainda pro habitatione, vem regulada na Constituição Federal de 1988, em seu art. 183, §§ 1º ao 3º e pelo Código Civil vigente, em seu art. 1.240, §§ 1º e 2º, sendo regulamentada, de forma mais detalhada pelo Estatuto da Cidade.
A usucapião especial urbana apresenta como requisitos:
Pois bem. O requisito da exclusividade no uso residencial NÃO está expressamente previsto em nenhum dos dispositivos legais e constitucionais que dispõem sobre a usucapião especial urbana.
Assim, o uso misto da área a ser adquirida por meio de usucapião especial urbana NÃO impede seu reconhecimento judicial, se a porção utilizada comercialmente é destinada à obtenção do sustento do usucapiente e de sua família.
Há, de fato, a necessidade de que a área pleiteada seja utilizada para a moradia do requerente ou de sua família, mas NÃO se exige que esta área não seja produtiva, especialmente quando é utilizada para o sustento do próprio recorrente.
É possível o reconhecimento da usucapião especial urbana no caso de imóvel de utilização mista (residencial e comercial) na ausência de objeção na legislação de regência.
RECURSO ESPECIAL
Instituição não financeira dedicada ao comércio varejista em geral não pode estipular, em suas vendas a crédito, pagas em prestações, juros remuneratórios superiores a 1% ao mês, ou a 12% ao ano.
REsp 1.720.656-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 28/04/2020, DJe 07/05/2020
Crementina foi na lujinha e comprou umas muambas. Resolveu fazer um crediário, aceitando pagar juros simples de 1,5% ao mês (18% ao ano). A pergunta é se o comércio varejista em geral pode cobrar juros superiores a 1% ao mês (12% ao ano)…
Súmula 596 do STF – As disposições do Decreto 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional.
R: NÃO pode.
A Lei n. 6.463/1977, que torna obrigatória a declaração de preço total nas vendas a prestação, foi editada justamente no esforço de combater a cobrança de juros remuneratórios extorsivos, oferecendo, à época, aos próprios consumidores, um meio de controle sobre a exigência de taxas usurárias e atribuindo os encargos da fiscalização e da regulação ao Ministério da Fazenda.
Contudo, a conversão do projeto de Lei n. 669/1963 na referida lei somente ocorreu em 1977, após a vigência da Lei n. 4.595/1964, que dispõe sobre a política monetária, dá competência ao Conselho Monetário Nacional para regulamentar o crédito em todas as suas modalidades, inclusive limitando as taxas de juros, não tendo havido atualização daquele projeto de lei quanto ao tema.
Assim, a previsão do art. 2º da Lei n. 6.463/1977 faz referência a um sistema obsoleto, em que a aquisição de mercadorias a prestação dependia da atuação do varejista como instituição financeira e no qual o controle dos juros estava sujeito ao escrutínio dos próprios consumidores e à regulação e fiscalização do Ministério da Fazenda.
Depois da Lei n. 4.595/1964, o referido art. 2º da Lei n. 6.463/1977 passou a não mais encontrar suporte fático apto a sua incidência, sendo, pois, ineficaz, NÃO podendo ser interpretado extensivamente para permitir a equiparação dos varejistas a instituições financeiras e NÃO autorizando a cobrança de encargos cuja exigibilidade a elas é restrita.
A cobrança de juros remuneratórios superiores aos limites estabelecidos pelo Código Civil (art. 406 c/c art. 591) é excepcional e deve ser interpretada restritivamente.
Ademais, apenas às INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS, submetidas à regulação, controle e fiscalização do Conselho Monetário Nacional, é permitido cobrar juros acima do teto legal, conforme entendimento consolidado na Súmula 596 do STF e precedente da 2ª Seção (AR 4.393/GO, Segunda Seção, DJe 14/04/2016).
Dessa forma, a Lei n. 6.463/1977 NÃO é capaz de ensejar cobrança de juros remuneratórios superiores aos limites de 1% ao mês ou 12% ao ano nos contratos de compra e venda de mercadorias à prestação, uma vez que a possibilidade de pactuação pelas taxas médias de mercado é limitada às instituições financeiras.
Na compra e venda a prazo, empresa do comércio varejista não pode praticar juros remuneratórios superiores a 1% ao mês, pois não é instituição não financeira (art. 2º da Lei n. 6.463/1977), sendo inviável qualquer pretensão de equiparação.
RECURSO ESPECIAL
O laboratório tem responsabilidade objetiva na ausência de prévia informação qualificada quanto aos possíveis efeitos colaterais da medicação, ainda que se trate do chamado risco de desenvolvimento.
REsp 1.774.372-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 18/05/2020
Um certo medicamento (fabricado e comercializado por um laboratório com exclusividade) teria causado ao paciente o quadro compulsivo e incontrolável conhecido como jogo patológico (vício em jogar[3]), o qual, por sua vez, acarretou-lhe a dilapidação de todo o seu patrimônio. O laboratório pode ser considerado responsável (reparação civil)?
Aplica-se à espécie o Código de Defesa do Consumidor, pois o caso revela, em princípio, típica hipótese de acidente de consumo, mais especificamente de fato do produto, considerando a alegação de que o medicamento fabricado pelo laboratório não teria oferecido a segurança que dele legitimamente se podia esperar, em virtude da falta de esclarecimentos sobre os riscos relacionados ao seu uso, em especial, sobre o jogo patológico.
O vício do produto é de adequação (direto, no próprio produto). Trata-se de dano interno (o vício NÃO ultrapassa a estrutura física do produto) protege a adequação do produto à finalidade pretendida, uma vez que o produto deve corresponder à justa expectativa do consumidor (qualidade). Exemplo: o produto não pode conter disparidades entre a indicação constante de embalagem, rótulo ou mensagem publicitária e a realidade (quantidade).
Já o fato do produto é o dano causado por vício de fabricação (produto defeituoso) ou prejuízo por falta de informação, ou seja, temos um acidente de consumo (o dano causado é maior que no caso de vício do produto ou serviço, uma vez que atinge a integridade física ou psíquica do consumidor). Trata-se de defeito de segurança, gerando dano extrapatrimonial e patrimonial indireto — dano externo (material ou moral). Tutela-se na espécie a segurança física, psíquica, patrimonial do consumidor.
FATO do produto ou serviço | VÍCIO do produto ou serviço |
+ acidente de consumo + produto/serviço defeituoso + preocupação com a integridade físico-psíquica do consumidor | + produto ou serviço inadequado aos fins a que se destina + maior preocupação com o patrimônio do consumidor |
REPARAÇÃO | SUBSTITUIÇÃO |
Segundo o STJ, não se desconhece que todo medicamento traz em si, em maior ou menor grau, riscos à saúde ou à segurança do consumidor, intrínsecos à sua essência, mas que são razoavelmente aceitos diante dos benefícios esperados.
Esse risco inerente ao produto comercializado impõe, em contrapartida, um dever de informar qualificado, exigindo o art. 9º do CDC que o fornecedor preste esclarecimentos ostensivos e adequados a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso.
A violação do dever de informar qualificado está prevista no § 1º, II, do art. 12 do CDC como hipótese de DEFEITO do produto, ensejando a responsabilidade OBJETIVA do fornecedor pelo evento danoso dele decorrente.
Assim, o fato de o uso de um medicamento causar efeitos colaterais ou reações adversas, por si só, NÃO configura defeito do produto, se o usuário foi prévia e devidamente informado e advertido sobre tais riscos inerentes, de modo a poder decidir, de forma livre, refletida e consciente, sobre o tratamento que lhe é prescrito, além de ter a possibilidade de mitigar eventuais danos que viessem a ocorrer em função dele.
Fala-se em o risco do desenvolvimento quando um risco associado ao produto NÃO podia ser conhecido ou evitado no momento em que o produto foi colocado em circulação, embora presente desde o momento da concepção do produto —não perceptível a priori. Trata-se de hipótese de fortuito interno.
Fortuito interno é o fato conectado com a atividade desenvolvida pelo fornecedor, ocorrido na fabricação do produto ou realização do serviço (antes da colocação do produto ou serviço no mercado). NÃO exclui responsabilidade, pois faz parte do risco do empreendimento.
Dessa forma, o desconhecimento quanto à possibilidade de desenvolvimento do jogo patológico como reação adversa ao uso do medicamento subtraiu do paciente a capacidade de relacionar, de imediato, o transtorno mental e comportamental de controle do impulso ao tratamento médico ao qual estava sendo submetido, sobretudo por se tratar de um efeito absolutamente anormal e imprevisível para o consumidor leigo e desinformado.
No caso de risco inerente ao medicamento, incide um dever de informar qualificado, inclusive no caso de risco do desenvolvimento (não conhecido ao tempo de ingresso do produto no mercado). Trata-se de defeito de concepção (fortuito interno), configurando-se a responsabilidade objetiva do fabricante.
RECURSO ESPECIAL
O erro sistêmico grosseiro no carregamento de preços e a rápida comunicação ao consumidor podem afastar a falha na prestação do serviço e o princípio da vinculação da oferta.
REsp 1.794.991-SE, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 11/05/2020.
Joãozinho e Mariazinha realizaram a reserva de bilhetes aéreos com destino internacional a preço muito aquém do praticado por outras empresas aéreas (ex: R$ 750,00 para ir e voltar de Paris). Só que não houve sequer a emissão dos bilhetes eletrônicos (e-tickets) que pudessem formalizar a compra e os valores não foram debitados do cartão de crédito. Em verdade, pouco após requerem a compra, Joãozinho e Mariazinha receberam e-mail informando a não conclusão da operação. Eles pretendiam forçar a aquisição das passagens pelo preço anunciado.
R: NÃOOO.
O Código de Defesa do Consumidor NÃO é somente um conjunto de artigos que protege o consumidor a qualquer custo. Antes de tudo, ele é um instrumento legal que pretende harmonizar as relações entre fornecedores e consumidores, sempre com base nos princípios da boa-fé e do equilíbrio contratual.
Isso quer dizer que referida legislação é PRINCIPIOLÓGICA, não sendo sua principal função resolver todos os problemas que afetam os consumidores, numa fúria disciplinadora. Nela, em verdade, fizeram-se constar princípios fundamentais básicos, como a harmonia entre consumidor e fornecedor, a boa-fé e o equilíbrio nas relações negociais, a interpretação mais favorável do contrato, dentre outros.
Nesse contexto, é INADMISSÍVEL que, diante de inegável erro sistêmico grosseiro no carregamento de preços, possa se reconhecer a falha da prestação dos serviços das empresas, que prontamente impediram o lançamento de valores na fatura do cartão de crédito utilizado, informando, ainda, com antecedência necessária ao voo, o cancelamento da operação.
Por conseguinte, NÃO há que se falar em violação do princípio da vinculação da oferta (art. 30 do CDC).
No caso de compra pela internet, havendo falha grosseira no sistema de carregamento de preços, com a oferta de produto por valor muito aquém do praticado por outras empresas, se não houver conclusão da transação e houver comunicação rápida ao consumidor, não há que falar em princípio da vinculação da oferta (art. 30 do CDC).
RECURSO ESPECIAL
Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor às relações entre acionistas investidores e a sociedade anônima de capital aberto com ações negociadas no mercado de valores mobiliários.
REsp 1.685.098-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. Acd. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/03/2020, DJe 07/05/2020
Pedro Pedregulho tornou-se investidor acionista em sociedade anônima, feliz em tentar lucrar uns trocados mediante a aquisição de ações no mercado mobiliário — os investimentos mais conservadores são pouco para um cara sofisticado como ele. Só que a relação acabou azedando e ele moveu ação judicial para discutir o pagamento de dividendos. Em sua demanda, buscou fazer uso das regras protetivas do direito do consumidor, mais especificamente a inversão do ônus da prova.
CDC, Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
CDC, Art. 6º São direitos básicos do consumidor: […] VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;
Enunciado n. 19 da I Jornada de Direito Comercial: Não se aplica o CDC às relações entre sócios e acionistas ou entre eles e a sociedade.
R: NEGATIVO!
A jurisprudência do STJ orienta-se pela teoria finalista ou subjetiva, segundo a qual releva, para efeitos de incidência das normas protetivas, a condição de destinatário final da pessoa física ou jurídica. Desse modo, destinatário final é aquele que ultima a atividade econômica, isto é, que retira de circulação do mercado o bem ou o serviço para consumi-lo, suprindo uma necessidade ou satisfação própria.
TEORIAS de consumidor: |
a) maximalista (objetiva) = destinatário fático do produto ou serviço à desde que tenha retirado o produto ou serviço de mercado do consumo, será consumidor. Conceito AMPLO: a pessoa jurídica é consumidora (consumidor profissional). |
b) finalista (subjetiva ou teleológica) = aquele que adquire produto ou serviço para o consumo próprio ou de sua família à destinatário fático, não econômico ou profissional. Conceito RESTRITO à a pessoa jurídica a rigor está fora do conceito, pois não é destinatária final = microempresário que contrai empréstimo bancário para dinamizar seu negócio NÃO é considerado consumidor final, mas intermediário (STJ, Ag 686.793). |
c) finalista ATENUADA (mitigada ou aprofundada – conceito híbrido) à destinatário final é o adquirente vulnerável (Cláudia Lima Marques) = a pessoa jurídica pode ser consumidora, desde que comprove a vulnerabilidade (STJ, REsp 476.428, REsp 716.877 e REsp 1.195.642/RJ). |
Em síntese, a característica distintiva da teoria finalista está no fato de o ato de consumo NÃO integrar a atividade negocial visando ao lucro. No caso, trata-se de aquisição de ações no mercado mobiliário, cujo OBJETIVO primordial é obviamente a obtenção de lucro, a afastar a condição de consumidor do investidor acionista.
Embora a Súmula n. 297 do STJ estabeleça que o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras, NÃO é possível identificar, na atividade de aquisição de ações, nenhuma prestação de serviço por parte da instituição financeira, mas relação de cunho puramente societário e empresarial.
A não adequação aos conceitos legais de consumidor e fornecedor descaracteriza a relação jurídica de consumo, afastando-a do âmbito de aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
Logo, afastada a relação de consumo do investidor, acionista minoritário de sociedade anônima, cabe a ele provar o fato constitutivo do seu direito, a teor do que dispõe o artigo 373 do Código de Processo Civil de 2015 (“O ônus da prova incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;”), sendo incabível a inversão do ônus da prova.
O Código de Defesa do Consumidor NÃO incide no caso de aquisição de ações negociadas no mercado de valores mobiliários, isto é, acionista minoritário de sociedade anônima de capital aberto (investidor). Trata-se de relação empresarial.
RECURSO ESPECIAL
Diante da divergência entre as expressões numérica e por extenso da data de vencimento de nota promissória, deve-se presumir que a efetiva vontade do emitente das notas era a de que o vencimento se desse após a emissão, prevalecendo, assim, a segunda e mais futura data de vencimento.
REsp 1.730.682-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 11/05/2020
Tadeu emitiu nota promissória e, desatendo, colocou duas datas de vencimento diversos (uma em expressão numérica e outra por escrito). A data por extenso era idêntica à própria data de emissão do crédito. A data expressa numericamente era futura. Tadeu jurava que ele quis colocar a nota a prazo, e não para pagamento imediato. Como que fica a questão?
LUG, art. 6º. Se na letra a indicação da quantia a satisfazer se achar feita por extenso e em algarismos, e houver divergência entre uma e outra, prevalece a que estiver feita por extenso.
Se na letra a indicação da quantia a satisfazer se achar feita por mais de uma vez, quer por extenso, quer em algarismos, e houver divergências entre as diversas indicações, prevalecerá a que se achar feita pela quantia inferior.
R: Yeap!
A controvérsia consiste em determinar se, diante da divergência entre as expressões numérica e por extenso da data de vencimento de nota promissória, deve prevalecer a data aposta por extenso, por aplicação analógica do art. 6º da Lei Uniforme de Genebra – LUG.
A norma do art. 6º, alínea 1ª, da LUG, considerou que divergências na expressão do valor da dívida deveriam dar ensejo à preservação da vontade presumida do emitente da cártula, estabelecida pela lei como a expressão por extenso ou a menos valiosa.
Assim, embora a LUG não tenha enfrentado a hipótese de divergência entre datas de vencimento da dívida, deve-se considerar que esse vício é um defeito suprível — haja vista que a data de vencimento NÃO é pressuposto essencial da nota promissória, segundo o art. 76, alínea 1ª, da LUG -—, cuja solução, decorrentes da disparidade entre a expressão numérica e a por extenso da data em que a dívida se torna exigível, deduzida da interpretação sistemática da norma, deve conduzir para a preservação da vontade presumida do emitente no momento da confecção do documento.
A nota promissória é um título de crédito próprio, e, como tal, se propõe à concessão de um prazo para o pagamento, distinto da data da emissão da cártula, de forma que não faz sentido a emissão de uma nota promissória com data de vencimento coincidente com a data de emissão.
Portanto, se a LUG não tem disposição expressa sobre a disparidade de expressões da data de vencimento da dívida, deve prevalecer a interpretação que empreste validade à manifestação de vontade cambial de uma promessa futura de pagamento, a qual, na nota promissória, envolve, necessariamente, a concessão de um prazo para a quitação da dívida.
Assim, se, entre duas datas de vencimento, uma coincide com a data de emissão do título (não existindo, assim, como se entrever uma operação de crédito), deve prevalecer a data mais posterior, ainda que expressa numericamente, já que, por ser futura, admite ser presumida como a efetiva manifestação de vontade do emitente.
No caso de nota promissória (ou outro título de crédito), havendo disparidade de datas de vencimento (defeito suprível), aplica-se por analogia a Lei Uniforme de Genebra – LUG, mais especificamente os arts. 6º, alínea 1ª e 76, alínea 1ª, com prevalência da data posterior, o que mais se adequa à presunção de vontade do emitente.
RECURSO ESPECIAL
A alienação de unidades produtivas isoladas prevista em plano de recuperação judicial aprovado apenas pode adotar outras modalidades de alienação em situações excepcionais, que devem estar explicitamente justificadas na proposta apresentadas aos credores, a despeito do que previsto no art. 60 e 142 da Lei n. 11.101/2005.
REsp 1.689.187-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 11/05/2020
Uma certa empresa em recuperação judicial fez constar em seu plano de recuperação a alienação de uma unidade produtiva isolada mediante modalidade diversa do leilão (pretende a alienação particular), sob fundamento de que o objeto da empresa é muito específico e o interesse é muito reduzido, sendo que a proposta apresentada é a melhor que se poderá conseguir. Pode isso?
Lei n. 11.101/2005, Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei.
Lei n. 11.101/2005, Art. 142. O juiz, ouvido o administrador judicial e atendendo à orientação do Comitê, se houver, ordenará que se proceda à alienação do ativo em uma das seguintes modalidades: I – leilão, por lances orais; II – propostas fechadas; III – pregão.
R: EXCEPCIONALMENTE, sim!
De acordo com o art. 60 da Lei n. 11.101/2005, no caso de o plano de recuperação judicial (aprovado) prever a alienação de unidade produtiva isolada, o juiz determinará sua realização em observância ao disposto no art. 142, que trata, em síntese, da alienação por hasta pública (leilão, propostas e pregão).
A despeito de a transparência e a concorrência estarem melhor garantidas com a realização de hasta pública para a alienação de unidades produtivas, sendo essa a regra que deve ser aplicada na maior parte dos casos, existem situações em que a flexibilização da forma de alienação, nos termos do art. 145 da LRF, é a única maneira de viabilizar a venda.
As condições do negócio, nessas circunstâncias, devem estar descritas minuciosamente no plano de recuperação judicial, de modo que os credores possam avaliar sua viabilidade e o juiz verificar a legalidade do procedimento. A votação deste ponto deve se dar de forma destacada e alcançar a aprovação de maioria substancial dos credores (art. 46 da LRF), garantindo a anuência específica à forma de negociação escolhida
Na recuperação judicial, é possível a alienação de unidade produtiva isolada por modalidade diversa das previstas pelo art. 142 da Lei n. 11.101/2005, por exceção, comprovada a necessidade.
RECURSO ESPECIAL
Os créditos lastreados em contratos de fiança bancária, firmados para garantia de obrigação contraída, não estão submetidos aos efeitos da recuperação judicial.
REsp 1.860.368-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 11/05/2020
A empresa Falindus S/A realizou um negócio a prazo e, para garantir a obrigação contraída perante o terceiro, firmou contrato de prestação fiança com uma instituição financeira. Logo depois, veio a protocolizar pedido de recuperação judicial.
A instituição financeira pagou o débito e buscou receber seu crédito diretamente da devedora. A Falindus S/A alegou que esse crédito deve ser habilitado na recuperação judicial. A financeira discordou, alegando que seu crédito não era existente ao tempo do pedido recuperação: o contrato (e débito) original não pode ser confundido com o gerado pelo pagamento da fiança.
Assim, cinge-se a controvérsia a definir se créditos lastreados em contratos de fiança bancária, firmados para garantia de obrigação contraída, submetem-se (podem ser habilitados) ou não aos efeitos da recuperação judicial requerida.
CC, Art. 818. Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra.
Lei n. 11.101/2005, Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.
A fiança é espécie de garantia pessoal por meio da qual alguém (fiador) garante, ao credor, a satisfação de uma obrigação assumida por terceiro (devedor-afiançado), na hipótese de este não a cumprir conforme acordado (art. 818 do CC/2002).
FIANÇA | AVAL |
+ ato de garantia civil (em contrato) + obrigação acessória + há benefício de ordem ao fiador + pode ser lançada no contrato ou em separado + fiador pode suscitar exceções pessoais do afiançado | + ato de garantia cambial (em título de crédito) + obrigação autônoma + inexiste benefício de ordem + deve constar do próprio título + não admite a arguição de exceções pessoais do avalizado |
CIVIL | CAMBIAL |
Por meio da fiança, contrato de natureza acessória, o sujeito passivo da relação jurídica (fiador) assume a responsabilidade pelo adimplemento de uma prestação a que se obrigou o devedor original.
Segundo a doutrina, “a responsabilidade é um estado potencial, cujos efeitos não se realizam imediatamente. Há um estado inicial de pendência, em que NÃO há constrição patrimonial, nem existe certeza de que haverá no futuro”.
O texto normativo do caput do art. 49 da Lei n. 11.105/2005 estabelece que se sujeitam à recuperação judicial do devedor todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.
A condição de credor somente pode ser atribuída a alguém a partir do momento em que seja titular de um crédito em face de outrem. Não existe credor se não existir crédito.
Tratando-se de contrato de fiança o fiador só se tornará credor do afiançado se e quando promover o pagamento de dívida não adimplida pelo devedor original da obrigação principal (objeto da garantia).
Transpondo-se essa situação para o caso dos autos, tem-se que a instituição financeira fiadora apenas passou a ostentar a condição de credora da afiançada (recuperanda) depois que honrou o débito por esta não pago, a seu tempo e modo, ao credor da obrigação afiançada.
A existência ou constituição do negócio jurídico (fiança) NÃO pode ser confundida com a existência ou constituição do crédito original.
Portanto, à data do pedido de recuperação judicial, o banco emitente das cartas-fiança NÃO era titular dos créditos contra a sociedade recuperanda.
Esse entendimento foi o que serviu de orientação para o STJ concluir que a submissão ao processo de soerguimento de crédito decorrente de responsabilidade civil condiciona-se ao evento danoso ter corrido em momento anterior à data do pedido de recuperação judicial (REsp 1.447.918/SP, Quarta Turma, Dje 16/5/2016).
Os créditos lastreados em contratos de fiança bancária, se não houve inadimplemento e pagamento antes do pedido recuperação, são inexistentes à época da formulação do pedido recuperacional (art. 49 da Lei n. 11.105/2015), portanto não se submetendo à recuperação judicial.
RECURSO ESPECIAL
O erro na concessão de licença ambiental não configura fato de terceiro capaz de interromper o nexo causal na reparação por lesão ao meio ambiente.
REsp 1.612.887-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 28/04/2020, DJe 07/05/2020.
Marcinho instalou um posto de combustível. Para tanto, ele obteve a licença ambiental. Ocorre que sua atividade geral dano ao meio ambiente (o local era inapropriado aos tanques instalados). Verificou-se que a instalação do posto do Marcinho somente ocorreu em razão de erro na concessão da licença. Foi o que ele alegou ao ser chamado para reparar o dano, dizendo que não podia ser condenado a pagar por fato de terceiro (erro capaz de interromper o nexo causal entre sua conduta e o dano provocado).
Marcinho tem razão? Hummmm, sei não…
Tema 438 do STJ: A alegação de culpa exclusiva de terceiro pelo acidente em causa, como excludente de responsabilidade, deve ser afastada, ante a incidência da teoria do risco integral e da responsabilidade objetiva ínsita ao dano ambiental (art. 225, § 3º, da CF e do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81), responsabilizando o degradador em decorrência do princípio do poluidor-pagador.
Tema 681 do STJ: A responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar a sua obrigação de indenizar.
Tema 707 do STJ: a) a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar; b) em decorrência do acidente, a empresa deve recompor os danos materiais e morais causados; c) na fixação da indenização por danos morais, recomendável que o arbitramento seja feito caso a caso e com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico do autor, e, ainda, ao porte da empresa, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de modo a que, de um lado, não haja enriquecimento sem causa de quem recebe a indenização e, de outro, haja efetiva compensação pelos danos morais experimentados por aquele que fora lesado.
R: De jeito NENHUM!
A exoneração da responsabilidade pela interrupção do nexo causal é admitida na responsabilidade subjetiva e em algumas teorias do risco que regem a responsabilidade objetiva, mas NÃO pode ser alegada quando se tratar de dano subordinado à teoria do risco integral.
“A responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar a sua obrigação de indenizar” (STJ, REsp 1.354.536/SE e REsp 1.114.398/PR): quem exerce uma atividade deve suportar tanto os bônus (consequências positivas) como os ônus (consequências negativas – externalidades).
Porém, fique atento, a responsabilidade em matéria ambiental pode ser CIVIL ou PENAL. Apenas a civil é objetiva (com risco integral); a penal é subjetiva.
Responsabilidade CIVIL | Responsabilidade PENAL |
A obrigação de indenizar independe da existência de dolo ou culpa. | depende da demonstração de conduta (dolosa ou culposa) + nexo + resultado. |
OBJETIVA | SUBJETIVA |
O que quer dizer que a responsabilidade é objetiva? Que dispensa-se o elemento subjetivo (dolo ou culpa).
Responsabilidade civil OBJETIVA: |
a) prescindibilidade da culpa = em regra, basta o nexo de causalidade. |
b) irrelevância da licitude da atividade |
c) irrelevância do caso fortuito ou força maior = teoria do risco integral |
d) irrelevância da cláusula de não indenizar |
Certo. E o que quer dizer que o risco é integral?
É que como os danos ambientais são regidos pela teoria do risco integral, coloca-se aquele que explora a atividade econômica na posição de garantidor da preservação ambiental, sendo sempre considerado responsável pelos danos vinculados à atividade, descabendo questionar a exclusão da responsabilidade pelo suposto rompimento do nexo causal (fato exclusivo de terceiro ou força maior).
Assim, o exercício da atividade (como o posto de combustíveis), é de responsabilidade do licenciado — com ou sem licença, é ele que gera o risco concretizado no dano ambiental, razão pela qual NÃO há possibilidade de eximir-se da obrigação de reparar a lesão verificada.
A concessão de licença ambiental não configura fato de terceiro capaz de interromper o nexo causal para fins de responsabilização no caso de dano ambiental.
RECURSO ESPECIAL
Em adequação ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, o inadimplemento da pena de multa obsta a extinção da punibilidade do apenado.
AgRg no REsp 1.850.903-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 28/04/2020, DJe 30/04/2020
A Terceira Seção do STJ, sob a égide dos recursos repetitivos, havia firmado posicionamento no sentido de que, uma vez extinta pelo cumprimento a pena privativa de liberdade ou a restritiva de direitos que a substituísse, o inadimplemento da pena de multa não obstava a extinção da punibilidade do apenado, porquanto, após a nova redação dada ao art. 51 do Código Penal, pela Lei n. 9.268/1996, a pena pecuniária passou a ser considerada dívida de valor, adquirindo caráter extrapenal.
Porém, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI n. 3.150/DF, declarou que, à luz do preceito estabelecido pelo inciso XLVI do art. 5º da Constituição Federal, a multa, ao lado da privação de liberdade e de outras restrições (perda de bens, prestação social alternativa e suspensão ou interdição de direitos), é espécie de pena aplicável em retribuição e em prevenção à prática de crimes, NÃO perdendo sua natureza de sanção penal. Ou seja: pisoteou o leniente entendimento do STJ. E agora?
R: NÃO.
As declarações de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade são dotadas de eficácia contra TODOS (erga omnes) e efeito VINCULANTE em relação aos órgãos do Poder Judiciário. Assim, NÃO se pode mais declarar a extinção da punibilidade pelo cumprimento integral da pena privativa de liberdade quando pendente o pagamento da multa criminal.
A multa fixada em sentença condenatória tem natureza de sanção penal, não se podendo declarar a extinção da punibilidade antes do seu pagamento, conforme entendimento fixado pelo STF na ADI n. 3.150/DF.
HABEAS CORPUS
Não incide a causa de aumento de pena prevista no inciso III do art. 40 da Lei n. 11.343/2006 em caso de tráfico de drogas cometido nas dependências ou nas imediações de igreja.
HC 528.851-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 12/05/2020
Geninho foi preso em flagrante praticando a venda de entorpecentes. Nas imediações onde ocorreram os fatos, havia duas IGREJAS. A pergunta é: tais estabelecimentos religiosos se enquadram em alguns dos locais previstos pelo legislador para fins de aumento de pena pelo tráfico de drogas?
Lei n. 11.343/2006, Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: […] III – a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos;
R: Nops.
Segundo a jurisprudência do STJ, para o reconhecimento da majorante prevista no inciso III do art. 40 da Lei de Drogas, NÃO é necessária a comprovação da efetiva mercancia nos locais elencados na lei, tampouco que a substância entorpecente atinja, diretamente, os trabalhadores, os estudantes, as pessoas hospitalizadas etc., sendo suficiente que a prática ilícita ocorra nas dependências, em locais próximos ou nas imediações de tais localidades.
Decerto, a razão de ser dessa causa especial de aumento de pena é a de punir, com maior rigor, aquele que, nas imediações ou nas dependências dos locais especificados no inciso III do art. 40 da Lei n. 11.343/2006, dada a maior aglomeração de pessoas, tem como mais ágil e facilitada a prática do tráfico de drogas (aqui incluídos quaisquer dos núcleos previstos no art. 33 da citada lei).
A razão por trás do aumento de pena é que em localidades tais, é mais fácil para o traficante: (a) passar DESPERCEBIDO à fiscalização policial, além de ser maior o (b) grau de VULNERABILIDADE das pessoas reunidas nesses lugares.
No entanto, segundo a doutrina, “em matéria penal, por força do princípio da reserva legal, NÃO é permitido, por semelhança, tipificar fatos que se localizam fora do raio de incidência da norma, elevando-os à categoria de delitos. No que tange às normas incriminadoras, as lacunas, porventura existentes, devem ser consideradas como expressões da vontade negativa da lei. E, por isso, INCABÍVEL se torna o processo analógico. Nestas hipóteses, portanto, NÃO se promove a integração da norma ao caso por ela não abrangido”.
Assim, caso o legislador quisesse punir de forma mais gravosa também o fato de o agente cometer o delito nas dependências ou nas imediações de igreja, o teria feito expressamente, assim como o fez em relação àquele que pratica o crime nas dependências ou nas imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos.
Ademais, no Direito Penal incriminador NÃO se admite a analogia in malam partem, não se deve inserir no rol das majorantes o fato de o agente haver cometido o delito nas dependências ou nas imediações de igreja.
O tráfico de drogas nas dependências ou imediações de igrejas não configura a causa de aumento de pena do art. 40, III, da Lei n. 11.343/2006.
AGRAVO em RECURSO ESPECIAL
Caracteriza ilícito penal o porte ilegal de arma de fogo (art. 14 da Lei n. 10.826/2003) ou de arma de fogo de uso restrito (art. 16 da Lei n. 10. 826/2003) com registro de cautela vencido.
AgRg no AREsp 885.281-ES, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 28/04/2020, DJe 08/05/2020
Genuíno estava com um fuzil (arma de uso restrito) em sua casa com registro vencido. Ele foi preso em flagrante por crime. Sua defesa alegou que se trata de mera infração administrativa, segundo a própria jurisprudência do STJ. E aí: é crime ou não?
R: Sim.
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu, no julgamento da Ação Penal n. 686/AP, que, uma vez realizado o registro da arma, o vencimento da autorização não caracteriza ilícito penal, mas mera irregularidade administrativa que autoriza a apreensão do artefato e aplicação de multa (APn n. 686/AP, relator Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe de 29/10/2015).
Tal entendimento, TODAVIA, é restrito ao delito de POSSE ilegal de arma de fogo de uso permitido (art. 12 da Lei n. 10.826/2003), NÃO se aplicando ao crime de PORTE ilegal de arma de fogo (art. 14 da Lei n. 10.826/2003), muito menos ao delito de porte ilegal de arma de fogo de uso RESTRITO (art. 16 da Lei n. 10.826/2003), cujas elementares são diversas e a reprovabilidade mais intensa.
A posse de arma de fogo de uso permitido com registro vencido ou o porte de arma de fogo de uso restrito não são meras irregularidades administrativas, mas crime. Ou seja, há tipicidade, não se aplicando o entendimento firmado no julgamento da Ação Penal n. 686/AP.
RECURSO ESPECIAL
Constatada situação de vulnerabilidade, aplica-se a Lei Maria da Penha no caso de violência do neto praticada contra a avó.
AgRg no AREsp 1.626.825-GO, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 13/05/2020
x
Lei 11.340/2006, Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
R: SIM.
A Lei Maria da Penha objetiva proteger a mulher da violência doméstica e familiar que, cometida no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto, cause-lhe morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, e dano moral ou patrimonial.
Estão no âmbito de ABRANGÊNCIA do delito de violência doméstica, podendo integrar o polo passivo da ação delituosa as esposas, as companheiras ou amantes, bem como a mãe, as filhas, as netas, a sogra, a avó, ou qualquer outra parente que mantenha vínculo familiar ou afetivo com o agressor.
Claro que é necessária a demonstração da motivação de gênero ou da situação de vulnerabilidade que caracterize a conjuntura da relação íntima do agressor com a vítima. Mas, por isso mesmo, se, no âmbito da unidade doméstica, a vítima encontrar-se em situação de VULNERABILIDADE decorrente de vínculo familiar, configura-se o contexto descrito no artigo 5º da Lei n. 11.340/2006.
Pode ser considerada violência doméstica e familiar contra mulher o delito praticado por neto contra avó, em situação de vulnerabilidade, para fins de aplicação da Lei n. 11.340/2006.
[1] De acordo com a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), 47% da população brasileira possui um automóvel. Ocorre que tal percentual é sobre TODA a população, contando os menores de 18 anos (que são legalmente impedidos de dirigir), pessoas com deficiência e os idosos, que naturalmente vão reduzindo a vontade de ter um automóvel ou mesmo deixando de dirigir.
[2] Se o ministro quis dizer moradores de rua (viver ao relento), segundo os últimos dados nacionais disponíveis (IPEA -2016), existem cerca de 101.854 pessoas vivendo em situação de rua no Brasil. Isso representa 0,05% da população.
[3] Comportamento de persistir em jogar recorrentemente apesar de consequências negativas ou do desejo de parar.
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