E vamos nós para mais um informativo do Superior Tribunal de Justiça. Aqui no Estratégia Carreiras Jurídicas você já sabe: você NÃO perde nada (só GANHA!). Informativo 667 do STJ COMENTADO na área!
Sumário
1. Ciência no processo administrativo eletrônico. 3
2. Restrição ao porte de arma nos fóruns 5
3. Expulsão de estrangeiro publicada antes da causa impeditiva. 6
4. Impressão digital como assinatura do testamento particular 8
5. Prazo decadencial em simulação para acobertar venda de ascendente para descendente. 11
6. Desconto de pensão alimentícia nas parcelas indenizatórias 13
7. Acordo de alimentos sem prefixação de termo inicial 14
8. Fertilização in vitro e plano-referência. 16
9. Prescrição de dívida e usucapião. 18
10. Competência para julgamento de ação contra plano de saúde empresarial 20
11. Competência da demanda entre trabalhador e plano de saúde empresarial 22
12. Competência em virtude da situação do trabalhador ou dependente. 24
13. (I)Legitimidade do espólio na ação de ressarcimento de proventos percebidos após o óbito. 25
14. Competência para exclusão de verba do salário de contribuição contra a CEF. 26
15. Restituição de valores recebidos indevidamente antes do fisco 28
16. Sistemática na venda de bens de empresa em recuperação judicial 30
17. Patente de marca e reconvenção na Justiça Estadual 33
18. Isenção de IRPJ e CIDE nos contratos de interconexão das redes de telefonia. 34
19. Retroatividade do conceito de licitação internacional 37
20. Bis in idem na multa cobrada por Município e União. 40
21. Crime ambiental de natureza permanente e prescrição. 42
22. Competência para julgamento de homicídio de militar por outro militar fora de serviço. 45
23. Pagamento de remuneração pelo prefeito a funcionário fantasma e crime de responsabilidade. 47
25. Cabimento mandado de segurança contra decisão que desbloqueou valores 51
PARA TESTAR SEU CONHECIMENTO.. 52
26.1. Questões objetivas: CERTO ou ERRADO. 52
MANDADO DE SEGURANÇA
O cadastro e o peticionamento no Sistema Eletrônico de Informações denotam a ciência de que o processo administrativo tramitará de forma eletrônica.
MS 24.567-DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 11/03/2020, DJe 16/03/2020
Rádio Apilha Ltda, empresa do ramo de comunicações, participou regularmente de processo seletivo para outorga do Serviço de Radiodifusão Sonora em certo município. Na seleção, obteve o primeiro lugar e o resultado foi devidamente homologado.
Após a homologação e enquanto a empresa realizava os trâmites para a instalação dos equipamentos necessários, o processo administrativo passou a tramitar eletronicamente. Em determinado momento, não foram cumpridas as determinações expedidas e cientificadas por meio eletrônico, razão pela qual houve revogação da homologação e o objeto do processo seletivo foi outorgado ao segundo colocado.
Inconformada, a Rádio impetrou mandado de segurança com pedido de liminar para que o ato fosse anulado. Fundamentou o pedido sob as alegações de que não teria sido cientificada que o processo passou a tramitar na forma eletrônica e, portanto, as intimações ocorridas desta forma seriam inválidas.
Lei 9.784/1999, Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o processo administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a efetivação de diligências. […] § 3o A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado.
R: SIM.
No ato do peticionamento no sistema eletrônico na Administração Pública, foi necessário que o representante legal da impetrante realizasse o preenchimento e aceitação de cadastramento com os “dados para a comunicação oficial”. Assim, NÃO há falar em falta de intimação para efetuar regularizações no processo administrativo, tendo a parte ciência de que o processo e suas respectivas intimações prosseguiriam da forma eletrônica.
Ressalta-se que a comunicação eletrônica atende plenamente à exigência de assegurar a certeza da ciência pelo interessado, como exige a Lei n. 9.784/1999 (art. 26, §3º), que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.
O cadastro e o peticionamento no Sistema Eletrônico de Informações denotam a ciência de que o processo administrativo tramitará de forma eletrônica.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA
Inexiste ilegalidade em portaria editada pelo Juiz Diretor do Foro que restringiu o ingresso de pessoas portando arma de fogo nas dependências do Fórum.
RMS 38.090-MS, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 10/03/2020, DJe 16/03/2020
Dr. Creison, Juiz Diretor do Foro de certa unidade jurisdicional, editou portaria que restringiu o acesso de pessoas armadas nas dependências do fórum daquela Comarca.
Inconformada, a Associação dos Delegados de Polícia local impetrou mandado de segurança por entender que a portaria contraria o Estatuto do Desarmamento.
O Tribunal de Justiça local denegou a segurança sob o fundamento de que o Conselho Nacional de Justiça recomenda aos tribunais a restrição da circulação de pessoas armadas em suas dependências.
Lei 12.694/2012, Art. 3º Os tribunais, no âmbito de suas competências, são autorizados a tomar medidas para reforçar a segurança dos prédios da Justiça, especialmente: I – controle de acesso, com identificação, aos seus prédios, especialmente aqueles com varas criminais, ou às áreas dos prédios com varas criminais; II – instalação de câmeras de vigilância nos seus prédios, especialmente nas varas criminais e áreas adjacentes; III – instalação de aparelhos detectores de metais, aos quais se devem submeter todos que queiram ter acesso aos seus prédios, especialmente às varas criminais ou às respectivas salas de audiência, ainda que exerçam qualquer cargo ou função pública, ressalvados os integrantes de missão policial, a escolta de presos e os agentes ou inspetores de segurança próprios.
R: Segundo o STJ, NÃO.
A Constituição Federal/1988, em seus arts. 96 e 99, assegura ao Poder Judiciário AUTONOMIA administrativa e competência privativa para a organização do funcionamento dos seus prédios. Por seu turno, o art. 3º da Lei n. 12.694/2012, autoriza a adoção pelos tribunais de providências destinadas à segurança dos seus prédios.
O Conselho Nacional de Justiça, alegadamente exercendo a atribuição que lhe foi outorgada pelo art. 103-B, § 4º, da CF/1988, recomendou a edição de normas, pelos Tribunais, restringindo o ingresso de pessoas armadas em suas instalações, o que ensejou a edição da Resolução n. 104/2010 – CNJ (alterada pela Resolução n. 291/2019 – CNJ).
Com base nesse panorama, o STJ posiciona-se pela legalidade de portaria editada pelo Juiz Diretor do Foro de Comarca que restringe o ingresso de pessoas armadas com arma de fogo nas dependências do Fórum, mormente quando ali ficarem ressalvadas as exceções (hipóteses de permissão de ingresso de pessoas portando arma de fogo).
Por fim, vale ressaltar que inexiste qualquer incompatibilidade do ato em destaque com a Lei n. 10.826/2003, uma vez que as áreas afetas ao Fórum são controladas por sua própria administração, a quem incumbe o exercício do poder de polícia e a garantia da segurança local.
Inexiste ilegalidade em portaria editada pelo Juiz Diretor do Foro da Comarca de Sete Quedas que restringiu o ingresso de pessoas portando arma de fogo nas dependências do Fórum.
HABEAS CORPUS
Para a configuração das hipóteses legais de inexpulsabilidade não é exigível a contemporaneidade dessas mesmas causas em relação aos fatos que deram ensejo ao ato expulsório.
HC 452.975-DF, Rel. Min. Og Fernandes, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 12/02/2020, DJe 10/03/2020
Pablo, argentino residente no Brasil, foi condenado pelo crime de tráfico de drogas a uma pena de 07 anos de prisão. A condenação transitou em julgado e logo após se iniciou o processo administrativo visando sua expulsão. A portaria de sua expulsão foi publicada em 21/06/2017.
Pablo então impetrou Habeas Corpus com pedido de liminar para que fosse anulada a portaria de expulsão, sob a alegação de que já fora enquadrado como refugiado político, o que lhe garantiria a permanência no país. A liminar foi indeferida pela ausência de provas da condição de refugiado.
A Defensoria Pública da União então pediu a reconsideração da decisão, uma vez que durante o trâmite da ação Pablo constituiu união estável com Jurema, brasileira nata. Do relacionamento nasceu um filho brasileiro nato em 03/02/2019.
Cinge-se a controvérsia em saber se a posterioridade dos motivos não expulsantes justificam a permanência de Pablo no país.
Lei 13.445/2017, Art. 55. Não se procederá à expulsão quando:
II – o expulsando:
a) tiver filho brasileiro que esteja sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva ou tiver pessoa brasileira sob sua tutela;
b) tiver cônjuge ou companheiro residente no Brasil, sem discriminação alguma, reconhecido judicial ou legalmente;
R: NADA (aqui é Brasil, poh). Fica Pablo!
A expulsão é ato DISCRICIONÁRIO praticado pelo Poder Executivo, ao qual incumbe a análise da conveniência, necessidade, utilidade e oportunidade da permanência de estrangeiro que cometa crime em território nacional, caracterizando verdadeiro poder inerente à soberania do Estado.
Contudo, a matéria poderá ser submetida à apreciação do Poder Judiciário, que ficará limitado ao exame do cumprimento formal dos requisitos e à inexistência de entraves à expulsão.
Nos termos do art. 55, II, a e b, da Lei n. 13.445/2017, não se realizará a expulsão quando o estrangeiro tiver filho brasileiro que esteja sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva, assim como quando tiver cônjuge ou companheiro residente no Brasil.
No caso, o STJ assenta que Pablo possui filho brasileiro, nascido em 3/2/2019, o qual se encontra sob sua guarda, dependência econômica e socioafetiva e convive em regime de união estável com pessoa residente no Brasil.
Apesar de a portaria de expulsão ter sido editada em 21/6/2017, anteriormente, portanto, à formação de família pelo paciente, no Brasil, certo é que, para o STJ (uma verdadeira mãe), NÃO se pode exigir, para a configuração das hipóteses legais de inexpulsabilidade, a contemporaneidade dessas mesmas causas em relação aos fatos que deram ensejo ao ato expulsório.
Além disso, deve-se aplicar o princípio da prioridade absoluta ao atendimento dos direitos e interesses da criança e do adolescente, previsto no art. 227 da CF/1988, em cujo rol se encontra o direito à convivência familiar, o que justifica, no caso, uma solução que privilegie a permanência da genitora em território brasileiro, em consonância com a doutrina da proteção integral insculpida no art. 1º do ECA.
Para a configuração das hipóteses legais de inexpulsabilidade não é exigível a contemporaneidade dessas mesmas causas em relação aos fatos que deram ensejo ao ato expulsório.
RECURSO ESPECIAL
É válido o testamento particular que, a despeito de não ter sido assinado de próprio punho pela testadora, contou com a sua impressão digital.
REsp 1.633.254-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Segunda Seção, por maioria, julgado em 11/03/2020, DJe 18/03/2020
Carminha encontrava-se hospitalizada (“nas últimas”…) quando resolveu deixar um testamento. O testamento particular foi elaborado por meio mecânico, lido e assinado por três testemunhas, no entanto não foi assinado por Carminha devido às limitações físicas que sofria.
Para suprir a falta da assinatura, Carminha apôs sua impressão digital no documento. Após o óbito de Carminha, uma das herdeiras ajuizou ação de cumprimento de testamento particular. Houve oposição dos herdeiros “menos favorecidos” pela deixa, que impugnaram a ausência de assinatura e consequentemente a validade do documento.
O juízo de primeira instância julgou procedente o pedido de cumprimento do testamento por entendê-lo válido. No entanto, em sede de recurso, o Tribunal de Justiça reformou a sentença por entender a assinatura da testadora essencial à forma do documento.
R: SIM.
Em se tratando de sucessão testamentária, o objetivo a ser alcançado é a preservação da manifestação de última VONTADE do falecido, devendo as formalidades previstas em lei serem examinadas à luz dessa diretriz máxima, sopesando-se, sempre casuisticamente, se a ausência de uma delas é suficiente para comprometer a validade do testamento em confronto com os demais elementos de prova produzidos, sob pena de ser frustrado o real desejo do testador.
Conquanto a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça permita, sempre excepcionalmente, a relativização de apenas algumas das formalidades exigidas pelo Código Civil e somente em determinadas hipóteses, o critério segundo o qual se estipulam, previamente, quais vícios são sanáveis e quais são insanáveis é nitidamente insuficiente, devendo a questão ser verificada sob diferente prisma, examinando-se se da ausência da formalidade exigida em lei efetivamente resulta alguma dúvida quanto à vontade do testador.
Em uma sociedade que é comprovadamente menos formalista, na qual as pessoas não mais se individualizam por sua assinatura de próprio punho, mas, sim, por seus tokens, chaves, logins e senhas, ID’s, certificações digitais, reconhecimentos faciais, digitais, oculares e, até mesmo, pelos seus hábitos profissionais, de consumo e de vida, captados a partir da reiterada e diária coleta de seus dados pessoais, e na qual se admite a celebração de negócios jurídicos complexos e vultosos até mesmo por redes sociais ou por meros cliques, o papel e a caneta esferográfica perdem diariamente o seu valor e a sua relevância, devendo ser examinados em conjunto com os demais elementos que permitam aferir ser aquela a real vontade do contratante.
A regra segundo a qual a assinatura de próprio punho é requisito de validade do testamento particular, pois, traz consigo a presunção de que aquela é a real vontade do testador, tratando-se, todavia, de uma presunção juris tantum, admitindo-se, ainda que excepcionalmente, a prova de que, se porventura ausente a assinatura nos moldes exigidos pela lei, ainda assim era aquela a real vontade do testador.
É preciso, pois, repensar o direito civil codificado à luz da nossa atual realidade social, sob pena de se conferirem soluções jurídicas inexequíveis, inviáveis ou simplesmente ultrapassadas pelos problemas trazidos pela sociedade contemporânea.
No caso, a despeito da ausência de assinatura de próprio punho do testador e de o testamento ter sido lavrado a rogo e apenas com a aposição de sua impressão digital, NÃO havia dúvida acerca da manifestação de última vontade da testadora que, embora sofrendo com limitações físicas, não possuía nenhuma restrição cognitiva.
É válido o testamento particular que, a despeito de não ter sido assinado de próprio punho pela testadora, contou com a sua impressão digital.
RECURSO ESPECIAL
A venda de bem entre ascendente e descendente, por meio de interposta pessoa, é ato jurídico anulável, aplicando-se o prazo decadencial de 2 (dois) anos previsto no art. 179 do CC/2002.
REsp 1.679.501-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/03/2020, DJe 13/03/2020
Guilherme é pai de quatro filhos e dono de uma significativa área de terras (65 hectares). Guilherme gostaria de vender a área ao seu filho mais novo, mas para tanto precisaria da concordância dos demais filhos.
Malandramente, para contornar a restrição legal, Guilherme vendeu a propriedade a um amigo do filho que, posteriormente, a revendeu (ao caçula) em 27/02/2003. Em 09/02/2006, os demais irmãos ficaram sabendo da artimanha e ajuizaram ação para declarar nula a compra e venda do referido bem.
A sentença de primeiro grau acolheu o pedido dos irmãos prejudicados e anulou a venda. Em segundo grau, o Tribunal de Justiça manteve a sentença por entender verificada a simulação do negócio jurídico. Inconformado, Guilherme interpôs recurso especial sob a alegação de que o negócio seria meramente anulável e já transcorrido o prazo de dois anos da ação anulatória.
O propósito recursal é definir se a venda de bem entre ascendente e descendente, por meio de interposta pessoa, é ato jurídico nulo ou anulável, bem como se está fulminada pela decadência a pretensão de desconstituição do referido ato.
CC/02, Art. 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato.
R: NÃO.
O STJ, ao interpretar a norma inserta no artigo 496 do CC/2002, assentou o entendimento de que a alienação de bens de ascendente a descendente, sem o consentimento dos demais, é ato jurídico ANULÁVEL, cujo reconhecimento reclama: (i) a iniciativa da parte interessada; (ii) a ocorrência do fato jurídico, qual seja, a venda inquinada de inválida; (iii) a existência de relação de ascendência e descendência entre vendedor e comprador; (iv) a falta de consentimento de outros descendentes; e (v) a comprovação de simulação com o objetivo de dissimular doação ou pagamento de preço inferior ao valor de mercado.
Quando ocorrida a venda DIRETA, não pairam dúvidas acerca do prazo para pleitear a desconstituição do ato, pois o CC/2002 declara expressamente a natureza do vício da venda – qual seja, o de anulabilidade (art. 496) -, bem como o prazo decadencial para providenciar a sua anulação – 2 (dois) anos, a contar da data da conclusão do ato (art. 179).
Nas hipóteses de venda direta de ascendente a descendente, a comprovação da SIMULAÇÃO é exigida, de forma que, caso comprovado que a venda tenha sido real, e não simulada para mascarar doação – isto é, evidenciado que o preço foi realmente pago pelo descendente, consentâneo com o valor de mercado do bem objeto da venda, ou que não tenha havido prejuízo à legítima dos demais herdeiros -, a venda poderá ser mantida.
Considerando que a venda por interposta pessoa não é outra coisa que não a tentativa reprovável de contornar-se a exigência da concordância dos demais descendentes, bem como do cônjuge, para que seja hígida a venda de ascendente a descendente, deverá receber o MESMO TRATAMENTO conferido à venda direta que se faça sem tal aquiescência. Assim, considerando igualmente anulável a venda, será aplicável o art. 179 do CC/2002, que prevê o prazo decadencial de 2 (dois) anos para a anulação do negócio.
Destaca-se que a causa real de anulabilidade do negócio jurídico não é propriamente a simulação em si, mas a infringência taxativa ao preceito legal contido no art. 496 do CC/2002. Por esta razão, não há se falar na aplicabilidade dos arts. 167, § 1º, I, e 169 do CC/2002.
A venda de bem entre ascendente e descendente, por meio de interposta pessoa, é ato jurídico anulável, aplicando-se o prazo decadencial de 2 (dois) anos previsto no art. 179 do CC/2002.
RECURSO ESPECIAL
Não incide desconto de pensão alimentícia sobre as parcelas denominadas diárias de viagem e tempo de espera indenizado.
REsp 1.747.540-SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/03/2020, DJe 13/03/2020
Em ação de guarda, Josefa requereu a fixação de alimentos equivalentes a um terço dos rendimentos líquidos de Tadeu. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido e fixou a obrigação em 25% dos rendimentos de Tadeu, deduzidos os gastos obrigatórios e plano de saúde.
Tadeu, motorista, interpôs apelação sob a fundamentação de que os valores indenizatórios não deveriam ser utilizados na base de cálculo, ali inclusos diárias de viagem e tempo de espera indenizado. Sustentou ainda que tais verbas são destinadas às suas necessidades nutricionais.
O Tribunal de Justiça local manteve a sentença por entender que as verbas citadas são recorrentes e mensais, razão pela qual deveriam ser inclusas na base de cálculo da obrigação. Inconformado, Tadeu interpôs recurso especial.
R: NÃO.
Os alimentos incidem sobre verbas pagas em caráter habitual, não se aplicando a quaisquer daquelas que não ostentem caráter usual ou que sejam equiparadas a indenização.
A verba alimentar apenas incide sobre vencimentos, salários ou proventos auferidos pelo devedor no desempenho de sua função ou de suas atividades empregatícias, decorrentes dos rendimentos ordinários do devedor, motivo pelo qual se excluem as parcelas indenizatórias e os descontos obrigatórios da sua base de cálculo.
Nesse contexto, corroborando doutrina sobre o tema, a jurisprudência do STJ exclui da base de cálculo da obrigação alimentar as parcelas indenizatórias. Assim, sendo as diárias de viagem e tempo de espera indenizado verbas de natureza manifestamente indenizatórias, não há incidência da pensão alimentícia sobre tais valores.
Não incide desconto de pensão alimentícia sobre as parcelas denominadas diárias de viagem e tempo de espera indenizado.
RECURSO ESPECIAL
Na ausência de expressa previsão no acordo de alimentos a respeito do seu termo inicial, deve prevalecer o disposto no § 2º do art. 13 da Lei n. 5.478/1968 (Lei de Alimentos), segundo o qual, em qualquer caso, os alimentos fixados retroagem à data da citação.
REsp 1.821.107-ES, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/03/2020, DJe 12/03/2020
John e Lennon, irmãos, ajuizaram em 16/08/2014 ação de investigação de paternidade contra Geremias. Pleitearam também o acréscimo do sobrenome e pensão alimentícia.
Em audiência realizada em 13/09/2016, após o resultado confirmatório do exame de DNA, Geremias reconheceu a paternidade e realizou acordo em relação ao valor da pensão alimentícia. A ação foi extinta com resolução do mérito em razão da homologação do acordo.
Os irmãos opuseram embargos de declaração sustentando que houve omissão na sentença em relação aos alimentos devidos entre a citação de Geremias e o reconhecimento da paternidade. A juíza entendeu que em razão da ausência de menção expressa no acordo, os alimentos seriam devidos somente a partir da homologação do acordo.
Indispostos a ficar “no prejuízo”, os irmãos interpuseram apelação a qual não foi provida pelo Tribunal de Justiça local. O acórdão manteve a decisão de primeiro grau por entender que os alimentos somente seriam devidos a partir do acordo.
O cerne da controvérsia consiste em saber, diante da omissão do acordo de alimentos celebrado entre as partes na ação investigatória de paternidade, qual o termo inicial da obrigação alimentar pretérita, ou seja, a data da homologação do ajuste ou da citação do investigado/alimentante.
Lei 5.748/1968, Art. 13 O disposto nesta lei aplica-se igualmente, no que couber, às ações ordinárias de desquite, nulidade e anulação de casamento, à revisão de sentenças proferidas em pedidos de alimentos e respectivas execuções. […] § 2º. Em qualquer caso, os alimentos fixados retroagem à data da citação.
R: SIM.
O § 2º do art. 13 da Lei de Alimentos é suficientemente claro ao determinar que, em qualquer caso, os alimentos fixados retroagem à data da citação. E se a lei diz expressamente que em qualquer caso eles retroagem, não cabe ao intérprete fazer restrições onde o legislador não as fez, de modo que não há justificativa para que os alimentos fixados em acordo celebrado em ação investigatória de paternidade não recebam o mesmo tratamento, sob o singelo argumento de que o ajuste foi omisso a respeito do seu termo inicial.
Para excepcionar tal norma, que é a regra, o acordo celebrado entre os litigantes a respeito dos alimentos deveria EXPRESSAMENTE ter previsto que tal verba alimentar seria devida somente a partir da sua homologação judicial, o que não ocorreu. Com efeito, não é razoável deduzir que, diante da omissão a respeito do termo inicial dos alimentos, as prestações devidas entre a citação e a fixação dos alimentos não foram objeto do ajuste e, por isso, não são devidas, pois implicaria aceitar renúncia de crédito alimentar de menores, o que não é permitido pelo nosso ordenamento jurídico (????)
CUIDADO. A vedação legal à renúncia ao direito aos alimentos decorre da natureza protetiva do instituto dos alimentos. Contudo, a irrenunciabilidade atinge tão somente o DIREITO, e não o seu EXERCÍCIO. Logo, não se aceita renúncia ao direito de obter alimentos, sendo plenamente possível a renúncia dos valores pretéritos. Nesse sentido vide: STJ, REsp 1.529.532-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 09/06/2020, DJe 16/06/2020 (Info 673).
De toda forma, nessa decisão se estabeleceu que deve prevalecer o entendimento de que o termo inicial da pensão alimentícia, ainda que decorrente de acordo homologado judicialmente que não o previu, é a data da citação, ainda mais diante da natureza declaratória da sentença que julga procedente pedido investigatório de paternidade, reconhecendo uma situação pré-existente, lembrando que seus efeitos operam ex tunc, até mesmo sobre a parcela de natureza alimentar.
Na ausência de expressa previsão no acordo de alimentos a respeito do seu termo inicial, deve prevalecer o disposto no § 2º do art. 13 da Lei n. 5.478/1968 (Lei de Alimentos), segundo o qual, em qualquer caso, os alimentos fixados retroagem à data da citação.
RECURSO ESPECIAL
O art. 10, III, da Lei n. 9.656/1998, ao excluir a inseminação artificial do plano-referência de assistência à saúde, também excluiu a técnica de fertilização in vitro.
REsp 1.794.629-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 18/02/2020, DJe 10/03/2020
João e Cleide ajuizaram ação de obrigação de fazer com pedido de tutela antecipada contra a operadora de plano de saúde Pagonada Assistência Médica. A pretensão do casal era que o plano custeasse o procedimento médico da fertilização in vitro. O casal justificou a medida no diagnóstico de doença (endometriose) que impediria Cleide de engravidar.
O juízo de primeiro grau indeferiu o pedido, porém o Tribunal de Justiça local deu provimento à apelação do casal por entender que não há exclusão legal ou contratual para o procedimento. A decisão observou também que a ciência avança mais rápido que o direito, não podendo o consumidor ficar refém de uma eventual decisão do órgão regulador para atualizar a lista de tratamentos.
O propósito recursal consiste em dizer, em relação ao art. 10, III, da Lei n. 9.656/1998, se ao excluir a inseminação artificial do plano-referência também deve ser compreendida, ou não, a exclusão da técnica de fertilização in vitro.
Lei 9.656/1998, Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto: […] III – inseminação artificial;
R: NÃO.
É conhecida a distinção conceitual de diversos métodos de reprodução assistida. Todavia, referida diversificação de técnicas NÃO importa redução do núcleo interpretativo do disposto no art. 10, III, da Lei dos Planos de Saúde, ao autorizar a exclusão do plano-referência da inseminação artificial.
A própria Lei que estabelece quando a interpretação de seus comandos deve se utilizar das definições da medicina ou outras áreas do conhecimento, como bem revela o art. 10, IX, da Lei n. 9.656/1998 (tratamentos ilícitos ou antiéticos, assim definidos sob o aspecto médico, ou não reconhecidos pelas autoridades competentes). Não foi esta a opção legislativa ao excluir a inseminação artificial (art. 10, III) intencionalmente, sem mencionar quais as especificidades da medicina na sua operacionalização. E não parece que, ao fixar a “inseminação artificial”, o legislador tenha limitado exclusivamente a este procedimento, excluindo os outros métodos artificiais, levando em conta a frágil distinção entre se a fecundação ocorre intracorpórea ou extracorpórea.
Por outro lado, se a inseminação artificial for vedada e a fertilização in vitro autorizada, quais seriam as razões para os beneficiários de plano de saúde se utilizarem de um procedimento e não de outro, diante do fim último esperado de ambas técnicas científicas (gravidez/fertilidade)? Sem ignorar as peculiaridades casuísticas a serem resolvidas pela indicação do profissional médico assistente, quer parecer que o próprio conteúdo da norma estaria esvaziado pelo excesso da restrição interpretativa.
A pretexto de se interpretar restritivamente o rol taxativo, o resultado desta exegese seria o próprio estrangulamento da norma ante a HIPERESPECIFICAÇÃO da sua hipótese de incidência.
Ademais, ao exercer o poder regulamentar acerca das exclusões do plano-referência (Resolução Normativa 387/2015), a Agência Nacional de Saúde Suplementar atuou nos exatos termos do disposto no art. 10, § 1º, da Lei n. 9.656/1998, não havendo, portanto, inovação da ordem jurídica nem ampliação do rol taxativo, mas a sua materialização na linha do disposto e autorizado expressamente pela lei de regência.
O art. 10, III, da Lei n. 9.656/1998, ao excluir a inseminação artificial do plano-referência de assistência à saúde, também excluiu a técnica de fertilização in vitro.
RECURSO ESPECIAL
A existência de contrato de arrendamento mercantil do bem móvel impede a aquisição de sua propriedade pela usucapião, contudo, verificada a prescrição da dívida, inexiste óbice legal para prescrição aquisitiva.
REsp 1.528.626-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Acd. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, por maioria, julgado em 17/12/2019, DJe 16/03/2020
Vanderlei ajuizou ação de usucapião de bem móvel em face da concessionária Roldana Veículos e da Companhia de Arrendamento Mercantil. Sustentou que adquiriu veículo (VW/GOL 1994) da empresa Roldana em novembro de 1994, porém este já se encontrava arrendado à Cia de Arrendamento Mercantil.
Afirmou que devido a existência de cláusulas abusivas, foi ajuizada ação revisional julgada procedente, porém não foi regularizada a situação do veículo até a propositura da ação… Sim, quase dezessete anos depois ainda consta a restrição de arrendamento mercantil em favor da Cia de Arrendamento Mercantil.
O juízo de primeiro julgou improcedente a ação por considerar inexistentes os requisitos legais necessários à usucapião de bem móvel. Em acórdão, o Tribunal de Justiça local reformou a sentença por entender prescrita a dívida e configurada a posse mansa, pacífica e ininterrupta do bem pelo prazo superior a 05 anos.
CC/02, Art. 1.261. Se a posse da coisa móvel se prolongar por cinco anos, produzirá usucapião, independentemente de título ou boa-fé.
R: SIM.
A princípio, a existência de contrato de arrendamento mercantil do bem móvel impede a aquisição de sua propriedade pela usucapião, em vista da precariedade da posse exercida pelo devedor arrendatário.
Porém, se, apesar do contrato de arrendamento, que torna possível o manejo da ação para a cobrança das prestações em atraso e ensejava, concomitantemente, a reintegração de posse, permanece inerte o credor arrendante, a coisa pode mudar de figura…
Após o transcurso do prazo de cinco anos, no qual se verifica a prescrição do direito do credor arrendante, se o devedor arrendatário permanece com a posse do veículo, por mais de cinco anos, tem-se, sim senhor, a ocorrência da prescrição aquisitiva.
Destaca-se que a usucapião, nesses casos, independe de justo título ou de boa-fé, nos termos do art. 1.261 do Código Civil. Logo, os vícios que inicialmente maculavam a posse, após o decurso de cinco anos, qualificados pela inação do titular do direito de propriedade, entidade arrendante, desapareceram. Assim, a lei torna irrelevantes aqueles vícios inicialmente ocorrentes e passa a proteger a posse e legitimar a propositura da ação de usucapião do bem móvel.
A existência de contrato de arrendamento mercantil do bem móvel impede a aquisição de sua propriedade pela usucapião, contudo, verificada a prescrição da dívida, inexiste óbice legal para prescrição aquisitiva.
CONFLITO DE COMPETÊNCIAS
Compete à Justiça comum o julgamento das demandas entre usuário e operadora de plano de saúde, exceto quando o plano é organizado na modalidade autogestão empresarial, sendo operado pela própria empresa contratante do trabalhador, hipótese em que a competência é da Justiça do Trabalho.
CC 165.863-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 11/03/2020, DJe 17/03/2020
Vanderlei, ex-empregado aposentado do Banco Safira, ajuizou ação cominatória contra a entidade operadora do plano de saúde coletivo de autogestão. O intento de Vanderlei é garantir a manutenção do plano mesmo após o fim do vínculo empregatício.
Após o ajuizamento da ação na Justiça Estadual, o Tribunal de Justiça local entendeu que a competência para julgamento da demanda seria do Juízo Trabalhista.
R: Justiça Comum.
Na falta de uma norma constitucional análoga à regra do art. 202, § 2º, da Constituição, versando sobre saúde suplementar, não parece viável excepcionar as regras de competência enunciadas no art. 114 da Constituição. A solução, portanto, é buscar um outro critério objetivo.
Deveras, nessa modalidade de organização da assistência à saúde, a figura do empregador (ou do contratante da mão de obra) se confunde com a do operador do plano de saúde, de modo que, sob a ótica do trabalhador, ou de seus dependentes, o plano de saúde é oriundo da relação de trabalho, atraindo, portanto, a competência da Justiça do Trabalho, por força do enunciado do art. 114, inciso I, da Constituição.
Relembre-se que a cognição da Justiça do Trabalho NÃO é limitada à aplicação da legislação trabalhista, podendo abranger também a aplicação da legislação comum (inclusive as normas de regulação), desde que a demanda seja oriunda ou decorrente da relação de trabalho.
O fato de a assistência à saúde não integrar o “salário” NÃO IMPLICA, necessariamente, que ela não integre o “contrato de trabalho”, pois o objeto deste não se limita à mera fixação do salário do trabalhador. Ainda assim, primando-se pela segurança jurídica na definição da competência, não se encaixando a causa com exatidão na competência da Justiça do Trabalho (relação de direito do trabalho ou verba trabalhista), a competência da Justiça comum se estabelece naturalmente a contrario sensu, por se tratar de competência residual.
Compete à Justiça comum o julgamento das demandas entre usuário e operadora de plano de saúde, exceto quando o plano é organizado na modalidade autogestão empresarial, sendo operado pela própria empresa contratante do trabalhador, hipótese em que a competência é da Justiça do Trabalho.
CONFLITO DE COMPETÊNCIAS
Compete à Justiça comum o julgamento das demandas entre usuário e operadora de plano de saúde, sendo irrelevante a existência de norma acerca da assistência à saúde em contrato de trabalho, acordo ou convenção coletiva.
CC 165.863-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 11/03/2020, DJe 17/03/2020
Belinha, bancária, teve procedimento médico negado pelo plano de saúde ao qual aderiu. Inconformada, ajuizou ação de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos morais contra a operadora do plano de saúde. Optou por incluir o banco empregador no polo passivo por entender que há responsabilidade deste na negativa do procedimento.
Após o ajuizamento da ação, foi suscitado o conflito negativo de competência pelo Juízo Trabalhista em face do Juízo Federal da localidade competente.
R: JUSTIÇA COMUM.
A jurisprudência do STJ, até pouco tempo, seguia o entendimento de que a competência para julgamento de demandas entre usuário e operadora de plano de saúde seria da Justiça do Trabalho tão somente quando a própria empresa operava o plano de saúde.
Recentemente, porém, o STJ, com fundamento na AUTONOMIA do contrato de plano de saúde em relação ao contrato de trabalho, passou a manifestar o entendimento de que a competência seria da Justiça comum, mesmo na hipótese de “autogestão empresarial”.
Nesse contexto, a ÚNICA hipótese em que a competência foi mantida na Justiça do Trabalho passou a ser situação em que o plano de saúde seja da modalidade AUTOGESTÃO empresarial e, cumulativamente, as regras do plano estejam PREVISTAS em contrato de trabalho, acordo ou convenção coletiva.
Para afirmar que compete à Justiça comum o julgamento das demandas entre usuário e operadora plano de saúde, é irrelevante a mera existência de norma acerca da assistência à saúde em contrato de trabalho, acordo ou convenção coletiva.
Compete à Justiça comum o julgamento das demandas entre usuário e operadora de plano de saúde, sendo irrelevante a existência de norma acerca da assistência à saúde em contrato de trabalho, acordo ou convenção coletiva.
CONFLITO DE COMPETÊNCIAS
Para a definição da competência do julgamento das demandas entre usuário e operadora de plano de saúde, é irrelevante a distinção entre trabalhador ativo, aposentado ou dependente do trabalhador.
CC 165.863-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 11/03/2020, DJe 17/03/2020
Juraci, bancária aposentada por invalidez, teve procedimento médico negado pelo plano de saúde empresarial ao qual aderiu. Inconformada, ajuizou ação versando sobre o direito da manutenção no plano de saúde após a aposentadoria por invalidez.
Após o ajuizamento da ação, foi suscitado o conflito negativo de competência pelo Juízo Trabalhista em face do Juízo Estadual da localidade competente.
R: NÃO.
Na formação da jurisprudência do STJ acerca da competência para julgar demandas envolvendo plano de saúde de trabalhadores, NÃO se tem feito distinção quanto ao fato de figurar na demanda trabalhador ativo, inativo, ou, até mesmo, dependente do trabalhador.
Essa distinção não se afigura necessária, pois a demanda do trabalhador inativo e a do dependente do trabalhador, embora não sejam oriundas diretamente da relação de trabalho, são mera decorrência desta, fixando-se portanto a competência com base na norma do inciso VI ou do inciso IX do art. 114 da CF.
Portanto, compete à Justiça comum o julgamento das demandas entre usuário e operadora plano de saúde, inclusive nas demandas em que figure como parte o trabalhador aposentado ou dependente do trabalho, exceto quando o plano é organizado na modalidade autogestão empresarial, hipótese em que competência é da Justiça do Trabalho.
Para a definição da competência do julgamento das demandas entre usuário e operadora de plano de saúde, é irrelevante a distinção entre trabalhador ativo, aposentado ou dependente do trabalhador.
RECURSO ESPECIAL
O espólio não possui legitimidade passiva ad causam na ação de ressarcimento de remuneração indevidamente paga após a morte de ex-servidor e recebida por seus herdeiros.
REsp 1.805.473-DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 03/03/2020, DJe 09/03/2020
Josefina, ex-servidora pública estadual faleceu. Acontece que mesmo após o óbito, a fonte pagadora continuou a depositar o valor dos proventos na conta da falecida, inclusive acrescidos da gratificação natalina.
Algum tempo depois foi constatado o equívoco e houve o ajuizamento de ação de ressarcimento contra o espólio de Josefina. O juízo local julgou extinta a ação por ilegitimidade passiva ad causum do espólio. Também fundamentou que o valor percebido pela ex-servidora, e sacado pelas suas herdeiras, não integra o conjunto de bens do espólio.
No segundo grau, o Tribunal de Justiça local reformou a sentença por entender que uma vez inexistente a abertura de inventário, o Espólio é parte legítima para constar no polo passivo da ação de ressarcimento ao erário.
CPC/15, Art. 17. Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade.
R: Quem cometeu o ato ilícito (sacou o dinheiro após o óbito).
Configura ato ilícito o saque de dinheiro disponibilizado, a título de remuneração para servidora falecida, por seus herdeiros. Como essa remuneração não tem razão de ser, o pagamento é indevido, gera o enriquecimento de quem não era titular da quantia e o dever de restituição. Pessoas naturais possuem personalidade jurídica entre seu nascimento com vida e o momento de sua morte.
Com efeito, o ex-servidor público não tinha mais personalidade jurídica quando o ente federativo depositou a quantia ora pleiteada. Assim, para que se possa ser titular de direitos e obrigações (deveres), necessita-se de personalidade jurídica. Se o de cujus não tinha mais personalidade, não poderia se tornar titular de deveres.
Ademais, o falecimento é causa de vacância do cargo público, de modo a não existir mais vínculo jurídico-administrativo entre a Administração Pública e o servidor, após o falecimento deste.
Nesse contexto, o espólio responde pelas dívidas do FALECIDO, mas não deve responder pelo enriquecimento sem causa dos HERDEIROS que não é atribuível ao falecido.
Logo, se o espólio NÃO pode ser vinculado, nem mesmo abstratamente, ao dever de restituir, também não pode ser considerado parte legítima na ação nos termos do art. 17 do CPC/2015.
O espólio não possui legitimidade passiva ad causam na ação de ressarcimento de remuneração indevidamente paga após a morte de ex-servidor e recebida por seus herdeiros.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Ação que pleiteia exclusão da parcela do Complemento Temporário Variável de Ajuste ao Piso de Mercado – CTVA do salário de contribuição compete ao primeiro juízo em que for ajuizada, trabalhista ou federal, nos limites da sua jurisdição.
CC 158.327-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 11/03/2020, DJe 13/03/2020
Joaquim, empregado da Caixa Econômica Federal, ajuizou ação contra sua empregadora e também contra o FUNCEF (Fundação dos Economiários Federais). O homi pleiteou a integração no valor mensal de sua complementação de aposentadoria da parcela denominada Complemento Temporário Variável de Ajuste ao Piso de Mercado (CTVA), a qual afirmou ter natureza salarial e que vinha lhe sendo paga enquanto em atividade.
A ação foi proposta inicialmente ante o Juízo Federal, que declinou da competência para a Justiça do Trabalho. Ao receber autos, o Juízo Laboral suscitou o conflito de competências por entender que cabe à justiça comum julgar causas decorrentes de previdência complementar privada.
Cinge-se a controvérsia em saber qual juízo é competente para julgar ação proposta por Joaquim.
R: Ao juízo que primeiro avaliar a questão caberá decidir as matérias de sua competência.
A causa de pedir da contenda tem origem na exclusão da parcela denominada Complemento Temporário Variável de Ajuste ao Piso de Mercado – CTVA do salário de contribuição do autor, fato que terá repercussão financeira em sua aposentadoria futura, cuja solução, contudo, não se restringe à interpretação das regras da previdência complementar.
Destarte, a discussão não envolve a simples interpretação de regras estatutárias, sendo necessário definir, previamente, se a parcela do CTVA tem ou não natureza salarial e, por conseguinte, se poderia, na espécie, ter sido excluída do salário de contribuição do autor, tendo em vista que esse fato teve reflexo no valor de suplementação de sua aposentadoria.
Considerando que a matéria em discussão é afeta à relação de emprego estabelecida com a Caixa Econômica Federal, ainda que haja reflexos no valor dos benefícios de responsabilidade da entidade de previdência privada, a Fundação dos Economiários Federais – FUNCEF, aplica-se ao caso, com as devidas adaptações, o comando da Súmula 170/STJ:
“Compete ao juízo onde primeiro for intentada a ação envolvendo acumulação de pedidos, trabalhista e estatutário, decidi-la nos limites da sua jurisdição, sem prejuízo de nova causa, com pedido remanescente, no juízo próprio”.
A salientar que tal hipótese que NÃO se enquadra no entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 586.453/SE, sob o regime de repercussão geral, no qual foi reconhecida a competência da Justiça comum para o processamento, em regra, de demandas ajuizadas contra entidades privadas de previdência, nas quais se busca o complemento de aposentadoria.
Ação que pleiteia exclusão da parcela do Complemento Temporário Variável de Ajuste ao Piso de Mercado – CTVA do salário de contribuição compete ao primeiro juízo em que for ajuizada, trabalhista ou federal, nos limites da sua jurisdição.
RECURSO ESPECIAL
Ainda que perfectibilizada a arrematação do bem objeto de penhora na execução civil, os valores levantados devem ser restituídos ao juízo, quando, coexistindo execução fiscal, ausente a prévia intimação da Fazenda Pública.
REsp 1.661.481-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/03/2020, DJe 12/03/2020
O Banco Safira ajuizou execução de título extrajudicial em face de empresa Bonsai Ltda. Em determinado momento do processo foi alienado um imóvel da empresa Bonsai e o valor da arrematação (R$ 34.198,56) foi sacado pelo Banco Safira por meio de alvará.
Ocorre que a Bonsai também devia à União, que, inclusive, já havia realizado constrição do bem imóvel em momento anterior ao da avaliação do bem. Ao ficar sabendo da situação, a União se manifestou requerendo que o valor fosse transferido para a satisfação do crédito executivo fiscal. O pedido foi deferido.
O banco se insurgiu contra a decisão e alegou que a União teria deixado transcorrer o prazo para instalação do concurso de credores. O Tribunal de Justiça local manteve a decisão do juízo de primeiro grau, mas limitou a devolução ao valor do crédito tributário perseguido pela Fazenda Nacional.
O propósito recursal é definir se os valores levantados devem ser restituídos ao juízo da execução em virtude da existência de crédito preferencial, cujo titular manifestou-se nos autos depois de perfectibilizada a arrematação do bem objeto da penhora.
R: SIM.
O entendimento do STJ aponta no sentido de que, coexistindo execução fiscal e execução civil, contra o mesmo devedor, com pluralidade de penhoras recaindo sobre o mesmo bem, o produto da venda judicial, por força de lei, deve satisfazer o crédito fiscal em primeiro lugar.
Ademais, NÃO há de se cogitar da ocorrência de preclusão. Isso porque, de um lado, não há prazo específico estipulado em lei a estabelecer marco final para que o titular de crédito preferencial reclame participação no produto da arrematação levada a cabo em processo diverso.
Poderá haver alguma controvérsia se: (1) houver determinação expressa do juízo estipulando limite temporal para que a Fazenda Pública apresente sua manifestação; (2) a Fazenda Pública praticar algum ato que possa ser considerado incompatível com seu interesse em receber o produto da arrematação.
Na realidade, no caso a decisão que deferiu o pedido de levantamento do produto da arrematação em benefício do credor particular não foi antecedida da NECESSÁRIA intimação da Fazenda Pública – titular de crédito preferencial perseguido em execução fiscal garantida por penhora sobre o bem arrematado.
A ausência de manifestação do ente federativo, em momento antecedente ao levantamento do produto da arrematação, portanto, não pode ser vista como desídia, de modo que não se afigura razoável – sobretudo diante do interesse público subjacente à persecução do crédito tributário – obstaculizar a satisfação de sua pretensão em razão de circunstância a que não deu causa.
Ainda que perfectibilizada a arrematação do bem objeto de penhora na execução civil, os valores levantados devem ser restituídos ao juízo, quando, coexistindo execução fiscal, ausente a prévia intimação da Fazenda Pública.
RECURSO ESPECIAL
A sistemática prevista no art. 142 da Lei n. 11.101/2005 não é aplicável quando reconhecida a utilidade e a urgência na alienação de bens integrantes do ativo permanente de empresa em recuperação judicial.
REsp 1.819.057-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/03/2020, DJe 12/03/2020
Quebradeira Ltda, ajuizou ação de recuperação judicial em razão da situação delicada pela qual passava. Durante o trâmite do processo, a empresa requereu com urgência autorização judicial para efetuar a venda de bens integrantes do seu ativo permanente. A urgência e necessidade da venda foram justificadas no pedido.
Não houve manifestação contrária do administrador judicial e tampouco do Ministério Público. O juízo de primeiro grau acolheu o pedido e autorizou a venda conforme proposta previamente recebida pelo bem.
Ocorre que um dos credores ficou sabendo da situação e interpôs recurso por entender que não foi seguido o procedimento previsto no art.142 da Lei de Falências e Recuperação Judicial. Dentre os requisitos faltantes mencionados, destaca-se a necessidade de publicação em edital da venda pelo prazo de 15 dias.
O Tribunal de Justiça local manteve a decisão que autorizou a venda. Inconformada, a credora interpôs recurso especial por entender que, mesmo se tratando de venda de utilidade e urgente, deveriam ser observados tais requisitos citados anteriormente.
Lei 11.101/2005, Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei. Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no § 1º do art. 141 desta Lei.
Lei 11.101/2005, Art. 142. O juiz, ouvido o administrador judicial e atendendo à orientação do Comitê, se houver, ordenará que se proceda à alienação do ativo em uma das seguintes modalidades:
I – leilão, por lances orais;
II – propostas fechadas;
III – pregão.
§ 1º A realização da alienação em quaisquer das modalidades de que trata este artigo será antecedida por publicação de anúncio em jornal de ampla circulação, com 15 (quinze) dias de antecedência, em se tratando de bens móveis, e com 30 (trinta) dias na alienação da empresa ou de bens imóveis, facultada a divulgação por outros meios que contribuam para o amplo conhecimento da venda.
§ 2º A alienação dar-se-á pelo maior valor oferecido, ainda que seja inferior ao valor de avaliação.
§ 3º No leilão por lances orais, aplicam-se, no que couber, as regras da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil.
§ 4º A alienação por propostas fechadas ocorrerá mediante a entrega, em cartório e sob recibo, de envelopes lacrados, a serem abertos pelo juiz, no dia, hora e local designados no edital, lavrando o escrivão o auto respectivo, assinado pelos presentes, e juntando as propostas aos autos da falência.
§ 5º A venda por pregão constitui modalidade híbrida das anteriores, comportando 2 (duas) fases:
I – recebimento de propostas, na forma do § 3º deste artigo;
II – leilão por lances orais, de que participarão somente aqueles que apresentarem propostas não inferiores a 90% (noventa por cento) da maior proposta ofertada, na forma do § 2º deste artigo.
§ 6º A venda por pregão respeitará as seguintes regras:
I – recebidas e abertas as propostas na forma do § 5º deste artigo, o juiz ordenará a notificação dos ofertantes, cujas propostas atendam ao requisito de seu inciso II, para comparecer ao leilão;
II – o valor de abertura do leilão será o da proposta recebida do maior ofertante presente, considerando-se esse valor como lance, ao qual ele fica obrigado;
III – caso não compareça ao leilão o ofertante da maior proposta e não seja dado lance igual ou superior ao valor por ele ofertado, fica obrigado a prestar a diferença verificada, constituindo a respectiva certidão do juízo título executivo para a cobrança dos valores pelo administrador judicial.
§ 7º Em qualquer modalidade de alienação, o Ministério Público será intimado pessoalmente, sob pena de nulidade
R: NÃO.
O texto do caput do art. 60 da LFR estabelece que, caso o plano de recuperação judicial envolva a alienação de filiais ou de unidades produtivas isoladas da recuperanda, o juiz deve ordenar sua realização observando o que dispõe o art. 142 da mesma Lei.
O art. 870 do CPC/15, por sua vez, estipula que, nas hipóteses de execução por quantia certa, a avaliação dos bens a serem excutidos deve ser levada a efeito por oficial de justiça, exceto se a natureza do bem exigir o domínio de conhecimento especializado, hipótese em que o juiz deverá nomear um avaliador com expertise na área.
No entanto, a circunstância analisada na presente controvérsia versa sobre alienação de bens que integram o ativo permanente da sociedade empresária em recuperação judicial, situação que possui regramento próprio (art. 66 da LFR)
Destaque-se que o art. 142 da LFR cuida de matéria afeta, exclusivamente, a processos de falência, regulando de que forma será efetuada a realização do ativo da sociedade falida. Já no que concerne ao art. 60 do diploma falimentar, muito embora contenha determinação ao juiz condutor do processo no sentido de que seja observado o disposto na norma supracitada (art. 142), verifica-se que suas hipóteses de incidência são bastante restritas, versando tão somente sobre planos de soerguimento que envolvam alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor.
Em suma, a Lei n. 11.101/2005, cuidando-se da situação prevista em seu art. 66, NÃO EXIGE qualquer formalidade específica para avaliação dos ativos a serem alienados, incumbindo ao juiz verificar as circunstâncias específicas de cada caso e adotar as providências que entender cabíveis para alcançar o melhor resultado, tanto para a empresa quanto para os credores e demais interessados.
A sistemática prevista no art. 142 da Lei n. 11.101/2005 não é aplicável quando reconhecida a utilidade e a urgência na alienação de bens integrantes do ativo permanente de empresa em recuperação judicial.
RECURSO ESPECIAL
Não compete à Justiça estadual, em sede de reconvenção proposta na ação de abstenção de uso de marca, afastar o pedido da proprietária da marca, declarando a nulidade do registro ou irregularidade da marca.
REsp 1.393.123-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 18/02/2020, DJe 06/03/2020
Escola de Ensino Infantil Poliedro ajuizou ação de abstenção de uso de marca contra Poliedro Vestibulares. A ré na ação de abstenção apresentou reconvenção, alegando ser proprietária do registro da marca perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI. Na reconvenção, requereu que a autora da ação deixasse de utilizar a marca “Poliedro”.
Em primeiro grau, teve seu pedido afastado em razão da incompetência e da existência de lide pendente na Justiça Federal. O Tribunal estadual, onde tramita a ação, adentrou na análise da própria concessão da marca à ré-reconvinte, para afirmar que o registro concedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial não lhe garantiria o uso exclusivo.
R: Até então NINGUÉM, uma vez que a Justiça Estadual não tem competência para julgar a matéria.
A questão em debate diz respeito à exclusividade do uso de marca. Ocorre que a apreciação da matéria atrai a competência da Justiça Federal, com necessária intervenção do Instituto Nacional da Propriedade Industrial. A Corte local, de jurisdição Estadual, SEQUER tem competência para adentrar a referida matéria e desconstituir a marca, ou mesmo qualquer de seus atributos.
Assim, reconhecido no acórdão que a ré é detentora da marca junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial, inviável pronunciamento jurisdicional que a desconstitua nessa sede, devendo ser reconhecido o pedido constante da reconvenção, para que a autora-reconvinda se abstenha de utilizar a marca de propriedade da ré-reconvinte.
Não compete à Justiça estadual, em sede de reconvenção proposta na ação de abstenção de uso de marca, afastar o pedido da proprietária da marca, declarando a nulidade do registro ou irregularidade da marca
RECURSO ESPECIAL
O Regulamento das Telecomunicações Internacionais – RTI só alcança os tributos incidentes sobre serviços importados, não determinando a exclusão de outros tributos sobre a remessa do pagamento, como o IRPJ e a CIDE.
REsp 1.772.678-DF, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 05/03/2020, DJe 12/03/2020
A companhia telefônica TELEplug ajuizou ação em maio de 2005 com o intento de que fosse judicialmente declarado o “direito à não retenção do IRRF e ao não recolhimento da CIDE sobre as remessas efetuadas a título de pagamento por serviços internacionais de comunicações”. Fundamentou o pedido na em regra exonerativa prevista no Regulamento das Telecomunicações Internacionais.
Na inicial, esclareceu que a pessoa jurídica localizada no Brasil, para finalizar a prestação do serviço a usuário interno que faz ligação para outro país, utiliza as redes de prestadoras do serviço localizadas no exterior; é o que se denomina de “tráfego sainte”, ou seja, a prestadora do serviço, no Brasil, importa o serviço da pessoa estrangeira para finalizar sua prestação de serviços no mercado consumidor interno.
Invocando norma de tratado internacional, defende ter direito à isenção de imposto de renda e contribuição de intervenção no domínio econômico sobre os valores que remetem ao exterior em razão dos contratos de interconexão das redes de telefonia (o consumidor brasileiro liga para o exterior).
O juízo de primeiro grau julgou improcedente o pedido por entender que as normas exoneratórias alegadas não teriam sido legitimamente incorporadas ao ordenamento jurídico brasileiro. Foi interposta apelação, a qual não foi provida pelo Tribunal Regional Federal competente sob o fundamento da inaplicabilidade da regra fiscal exoneratória. Segundo o acórdão, tal regra somente se aplicaria à hipótese de tributos incidentes sobre serviços.
R: NÃO.
O Regulamento das Telecomunicações Internacionais – RTI foi incorporado ao ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto Legislativo n. 67/1998 e pelo Decreto n. 2.962/1999, juntamente com a Constituição e a Convenção da União Internacional de Telecomunicações – UTI.
O art. 7º da Lei n. 9.779/1999, por sua vez, estabelece a retenção, na fonte, do imposto de renda incidente sobre a remessa de dinheiro ao exterior para o pagamento de serviços, enquanto o art. 2º, §§ 2º e 3º, da Lei n. 10.168/2000 institui a contribuição de intervenção no domínio econômico sobre o referido pagamento.
Acontece que o RTI, no item 6.1.3, dispõe que o tributo a incidir sobre o preço do serviço internacional deve considerar apenas aqueles serviços faturados aos clientes. Dessa forma, se houver previsão de incidência de tributo sobre a tarifa cobrada do usuário (taxes de perception / taxa de percepção / tarifa usuário) pela importação do serviço de telecomunicação internacional, esse tributo deve ser recolhido somente sobre o que for cobrado do consumidor. O referido item do RTI trata, assim, da tributação de importação do serviço internacional de telecomunicações e da base de cálculo a ser considerada.
Com relação à prestação do serviço, o art. 155, § 3º, da Constituição Federal dispõe que, “à exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo [ICMS] e o art. 153, I e II [impostos de importação e exportação], nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País”, e o art. 149, § 2º, II, da CF que, “as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços”.
Pelo contexto, revela-se inequívoco que a regra do tratado internacional só alcança os tributos incidentes sobre SERVIÇOS importados, NÃO determinando a exclusão de outros tributos sobre a remessa do pagamento – fato submetido a outras hipóteses de incidência, como o IRPJ e a CIDE, nos termos do art. 7º da Lei n. 9.779/1999 e do art. 2º da Lei n. 10.168/2000.
O Regulamento das Telecomunicações Internacionais – RTI só alcança os tributos incidentes sobre serviços importados, não determinando a exclusão de outros tributos sobre a remessa do pagamento, como o IRPJ e a CIDE.
RECURSO ESPECIAL
Em razão do seu caráter interpretativo, o conceito abrangente de licitação internacional, revelado pelo art. 3º da Lei n. 11.732/2008, retroage às situações anteriores a sua entrada em vigor.
REsp 1.715.820-RJ, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 10/03/2020, DJe 12/03/2020
A petroleira Petrolândia convocou licitação internacional no ano de 2007 para a construção de obra necessária à suas atividades. O Consórcio Andrômeda venceu a licitação e ainda foi beneficiado com ato concessório de “Drawback”. Todo o trâmite ocorreu no ano de 2007.
Algum tempo depois, o Ministério Público Federal requisitou que fosse instaurado processo administrativo no Ministério concessor do “Drawback”. A requisição foi baseada no fundamento de que a licitação teria sido realizada por pessoa jurídica de direito privado, o que contraria o conceito de licitação previsto na Lei 8.666/1993.
O ato concessório do “Drawback” foi anulado administrativamente. O Consórcio então ajuizou ação contra a anulação do ato, o que foi deferido pelo juízo de primeiro grau. A União recorreu, sem sucesso. O tribunal manteve a sentença por entender que o conceito de licitação internacional previsto no art. 3º da Lei 11.732/2008 tem eficácia retroativa.
Lei 11.732/2008, Art. 3º. Para efeito de interpretação do art. 5o da Lei no 8.032, de 12 de abril de 1990, licitação internacional é aquela promovida tanto por pessoas jurídicas de direito público como por pessoas jurídicas de direito privado do setor público e do setor privado.
Lei 8.032/1990, Art. 5º. O regime aduaneiro especial de que trata o inciso II do art. 78 do Decreto-Lei no 37, de 18 de novembro de 1966, poderá ser aplicado à importação de matérias-primas, produtos intermediários e componentes destinados à fabricação, no País, de máquinas e equipamentos a serem fornecidos no mercado interno, em decorrência de licitação internacional, contra pagamento em moeda conversível proveniente de financiamento concedido por instituição financeira internacional, da qual o Brasil participe, ou por entidade governamental estrangeira ou, ainda, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, com recursos captados no exterior.
O drawback constitui um regime aduaneiro especial, nas modalidades previstas nos incisos do art. 78 do Decreto-lei n. 37/1966 – isenção, suspensão e restituição de tributos, podendo ser conceituado como INCENTIVO à exportação mediante a desoneração do processo de produção, com vista a tornar a mercadoria nacional mais competitiva no mercado global.
A Lei n. 8.032/1990, que dispõe sobre a isenção e redução de impostos em importação, disciplinou a aplicação do regime de drawback-suspensão (art. 78, II, do Decreto-Lei n. 37/1966) especificamente às operações que envolvam o fornecimento de máquinas e equipamentos para o mercado interno.
De outra parte, a Lei n. 11.732/2008 revela o conceito de “licitação internacional” nos seguintes termos: “Art. 3º Para efeito de interpretação do art. 5º da Lei nº 8.032, de 12 de abril de 1990, licitação internacional é aquela promovida tanto por pessoas jurídicas de direito público com o por pessoas jurídicas de direito privado do setor público e do setor privado.
À vista disso, observa-se que o legislador optou por conceito subjetivamente mais ABRANGENTE do que aquele constante do art. 42 da Lei n. 8.666/1993, a qual, como cediço, regulamenta o art. 37, XXI, da Constituição da República, encampando, além das licitações realizadas no âmbito da Administração Pública, os certames promovidos pelo setor privado, o que prestigia e reforça a própria finalidade do benefício fiscal em tela.
R: SEM dúvidas!
A definição de licitação internacional amoldável ao regime aduaneiro do drawback incidente no fornecimento de bens voltado ao mercado interno é aquela estampada no art. 3º da Lei n. 11.732/2008, por expressa previsão legal, refutando-se a regência pela Lei n. 8.666/1993.
A adoção de conclusão diversa aviltaria, inclusive, o comando constitucional da paridade entre as empresas estatais e os agentes econômicos particulares, segundo o qual “as empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado” (art. 173, § 2º, da Constituição da República).
Caso o regime fiscal especial do art. 5º da Lei n. 8.032/1990 se limitasse ao âmbito das licitações públicas, estar-se-ia concedendo benefício exclusivo ao Estado enquanto agente econômico.
R: Sim.
O padrão em nosso ordenamento jurídico é o de que as leis projetem seus efeitos para o futuro. Não obstante, o art. 106 do CTN estatui as excepcionais hipóteses nas quais a lei tributária aplica-se ao passado, dentre elas, quando a lei for expressamente interpretativa.
Com efeito, o preceito constante do art. 3º da Lei n. 11.732/2008 ostenta indiscutível caráter interpretativo, limitando-se a elucidar o sentido e o alcance de expressão constante de outra – art. 5º da Lei n. 8.032/1990, sem impor nenhuma inovação ou modificação no regime especial de tributação nela disciplinado, razão pela qual é perfeitamente aplicável às situações anteriores a sua vigência.
Em razão do seu caráter interpretativo, o conceito abrangente de licitação internacional, revelado pelo art. 3º da Lei n. 11.732/2008, abrange o setor privado e retroage às situações anteriores a sua entrada em vigor.
RECURSO ESPECIAL
A cobrança por Município de multa relativa a danos ambientais já paga à União anteriormente, pelo mesmo fato, não configura bis in idem.
REsp 1.132.682-RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 13/12/2016, DJe 12/03/2020
A empresa petrolífera Petrolândia causou dano ambiental consistente em derramamento de petróleo e derivados na baía de certo município. O fato ocorreu em 2002. Houve auto de infração ambiental e a aplicação da multa pela União no valor de R$ 150.000,00. Quitada a multa da União, eis que o município prejudicado pelo vazamento também resolveu multar a Petrolândia, porém, no valor de R$ 10.000.000,00.
A petrolífera não concordou com a aplicação da multa e ajuizou ação anulatória alegando ocorrência de bis in idem. O juízo de primeiro grau acolheu o pedido e decretou a nulidade do ato administrativo que impôs a multa. O município recorreu, mas a sentença foi mantida no segundo grau por seus próprios fundamentos.
Cinge-se a controvérsia em saber se o pagamento de multa ambiental imposta pela União isenta eventual multa aplicada por outros entes federativos.
Lei 9.605/1998, Art. 76. O pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou Territórios substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência.
R: Para o STJ (pasmem), NÃO.
Segundo a Corte Superior, a Carta Magna atribui aos diversos entes da federação – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – competência COMUM para proteção e preservação do meio ambiente.
O dever-poder de zelar e proteger o meio ambiente – comum entre todos os entes federativos – emerge da própria Constituição Federal e da legislação infraconstitucional, especialmente da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/1981) e da Lei dos Crimes e Ilícitos Administrativos contra o Meio Ambiente (Lei n. 9.605/1998), que fixam normas gerais sobre a matéria.
O art. 76 da Lei n. 9.605/1998 reproduz, com pequena diferença, preceito contido no art. 14, I, da Lei n. 6.938/1981. A norma mais recente prescreve que o pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência, ao passo que a anterior vedava a cobrança da sanção pecuniária pela União, se já houve sido aplicada pelos demais entes federativos. Como se percebe, o critério adotado pelo legislador é de que prevalece a multa lavrada pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios, em detrimento da constituída pela União.
Embora passível de questionamento, sobretudo se considerado o regime de cooperação entre os entes federativos em matéria de proteção do meio ambiente e de combate à poluição (art. 23, VI e VII, da CF), o fato é que, no âmbito infraconstitucional, houve uniforme e expressa opção de que, em relação ao mesmo fato, a sanção imposta por Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios PREDOMINA sobre a multa de natureza federal.
Se o pagamento da multa imposta pela União também afastasse a possibilidade de cobrança por Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios, a lei teria afirmado simplesmente que o adimplemento de sanção aplicada por ente federativo afastaria a exigência de pena pecuniária por quaisquer dos outros.
Dessa forma, NÃO há margem para interpretação de que a multa paga à União impossibilita a cobrança daquela aplicada pelo Município, sob pena de bis in idem, uma vez que a atuação conjunta dos poderes públicos, de forma cooperada. na tutela do meio ambiente, é dever imposto pela Constituição Federal.
Humilde NOTA do analista: Mas cooperação exige entendimento, atuação conjunta… aqui cada ente está atuando independentemente, cada um por cima do outro, de maneira desorganizada…
A cobrança por Município de multa relativa a danos ambientais já paga à União anteriormente, pelo mesmo fato, não configura bis in idem.
Resta saber como ficará a posição da jurisprudência à luz da LC 140/2011. Os fatos analisados neste julgamento são anteriores à vigência da referida Lei, a qual previu que prevalece o auto de infração ambiental do órgão que detenha a atribuição de licenciamento (art. 17, § 3º). Acontece que os fundamentos alinhavados pelo STJ vão na contramão do que estabelece a lei… Enfim, tema espinhoso e que se deve tomar cuidado redobrado em prova. Uma definição mais precisa virá com a análise caso coberto pela nova lei…
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL
As condutas delituosas previstas nos artigos 54, § 1º, I, II, III e IV e § 3º e 56, § 1º, I e II, c/c 58, I, da Lei n. 9.605/1998, que se resumem na ação de causar poluição ambiental que provoque danos à população e ao próprio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas na legislação de proteção, e na omissão em adotar medidas de precaução nos casos de risco de dano grave ou irreversível ao ecossistema, são de natureza permanente, para fins de aferição da prescrição.
AgRg no REsp 1.847.097-PA, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 05/03/2020, DJe 13/03/2020
A empresa Sujismundus Ltda armazenou seu lixo industrial em certo município. A conduta resultou em grave poluição da área degradada, porém não houve reparação do dano por parte da empresa.
Sujismundus foi então condenada pelo juízo de primeiro grau pelos delitos previstos na Lei de Crimes Ambientais (arts. 54, § 2º, I, II, III e IV e § 3º e 56, § 1º, I e II, c/c 58, I, da Lei n. 9.605/98). A defesa sustenta que houve prescrição, enquanto o Ministério Público defende que as condutas citadas se enquadram no conceito de crime permanente.
A controvérsia cinge-se a estabelecer se os delitos pelos quais a empresa foi condenada – poluição, na sua modalidade qualificada (arts. 54, § 2º, I, II, III e IV e § 3º e 56, § 1º, I e II, c/c 58, I, da Lei n. 9.605/98), considerado o momento de sua consumação, são de natureza permanente ou instantânea de efeitos permanentes, para fins de reconhecimento de prescrição.
Lei 9.605/1998, Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
§ 2º Se o crime:
I – tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana;
II – causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das áreas afetadas, ou que cause danos diretos à saúde da população;
III – causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade;
IV – dificultar ou impedir o uso público das praias;
§ 3º Incorre nas mesmas penas previstas no parágrafo anterior quem deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível.
Lei 9.605/1998, Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos:
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:
I – abandona os produtos ou substâncias referidos no caput ou os utiliza em desacordo com as normas ambientais ou de segurança;
II – manipula, acondiciona, armazena, coleta, transporta, reutiliza, recicla ou dá destinação final a resíduos perigosos de forma diversa da estabelecida em lei ou regulamento.
Lei 9.605/1998, Art. 58. Nos crimes dolosos previstos nesta Seção, as penas serão aumentadas:
I – de um sexto a um terço, se resulta dano irreversível à flora ou ao meio ambiente em geral;
R: SIM.
As condutas delituosas previstas nos artigos 54, § 1º, I, II, III e IV e § 3º e 56, § 1º, I e II, c/c 58, I, da Lei n. 9.605/1998, se resumem na ação de causar poluição ambiental que provoque danos à população e ao próprio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas na legislação de proteção, e na omissão em adotar medidas de precaução nos casos de risco de dano grave ou irreversível ao ecossistema.
Percebe-se a dificuldade de classificação do tipo legal quanto ao momento de sua consumação, na medida em que podemos visualizar uma conduta inicial definida – causar poluição – que pode restar configurada simplesmente na primeira ação ou omissão do autor, ou perdurar no tempo.
Recorre-se à doutrina, que em comentários à Lei n. 9.605/1998, salienta que: “A CONSUMAÇÃO do crime ocorre quando há descumprimento de medidas determinadas pelo Órgão competente. Trata-se de crime permanente, que se protrai no tempo enquanto durar a desobediência à ordem administrativa. Entretanto, se essa ordem se consubstanciar em um ato instantâneo, o crime vai se configurar no exato momento em que o ato agressor da determinação administrativa é praticado”.
Na espécie, a conduta criminosa ULTRAPASSOU a ação inicial, ou seja, os efeitos decorrentes da poluição permaneceram diante da própria omissão da empresa recorrente em corrigir ou diminuir os efeitos geradores da conduta inaugural.
Esse posicionamento vem tomando força e deve ser a linha de orientação a ser seguida, considerado o bem jurídico-constitucional de elevado valor a que a lei faz referência – direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado – que legitima a intervenção do Estado no controle das ações praticadas a seu desfavor, devendo ser promovida a efetiva aplicação das normas penais.
As condutas delituosas previstas nos artigos 54, § 1º, I, II, III e IV e § 3º e 56, § 1º, I e II, c/c 58, I, da Lei n. 9.605/1998, que se resumem na ação de causar poluição ambiental que provoque danos à população e ao próprio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas na legislação de proteção, e na omissão em adotar medidas de precaução nos casos de risco de dano grave ou irreversível ao ecossistema, são de natureza permanente, para fins de aferição da prescrição.
CONFLITO DE COMPETÊNCIAS
Compete à Justiça comum (Tribunal do Júri) o julgamento de homicídio praticado por militar contra outro quando ambos estejam fora do serviço ou da função no momento do crime.
CC 170.201-PI, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 11/03/2020, DJe 17/03/2020
Chico era soldado da polícia militar do Estado do Maranhão. Determinado dia, estava passeando de férias por Teresina-PI quando foi abordado por Bino, cabo da policial militar do Estado do Piauí. Bino, mesmo de folga, abordou Chico em razão de este estar armado. Iniciou-se a discussão que terminou com Bino alvejando Chico com três tiros. Chico faleceu em razão de tais ferimentos.
Foi instaurado inquérito policial militar para apuração dos fatos e este foi enviado para a Promotoria estadual do Piauí. O promotor competente manifestou-se pela competência do Juízo Militar do Maranhão por entender que caberia o julgamento à Justiça Castrense do estado de origem do militar.
O Juízo de Direito de Teresina-PI acolheu a manifestação ministerial e declinou da competência. Por sua vez, o Juízo Auditor da Justiça Militar do Estado do Maranhão suscitou conflito de competência.
Código Penal Militar, Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados: a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;
R: Ao Tribunal do Júri.
Nos termos da orientação sedimentada na Terceira Seção do STJ, só é crime militar, na forma do art. 9º, II, a, do Código Penal Militar, o delito perpetrado por militar da ativa, em serviço, ou quando tenha se prevalecido de sua função para a prática do crime.
COMPETÊNCIA da Justiça Militar: |
1. Militar na Ativa |
1.a) Em serviço |
1.b) Quando se prevalecer da função para praticar o delito |
Em se tratando de crimes dolosos contra a vida, deve ser observado, ainda, o disposto no art. 9º, § 1º, do Código Penal Militar, de modo que tais delitos, quando perpetrados por policial militar contra civil, mesmo que no exercício da função, serão da competência da Justiça comum (Tribunal do Júri).
No caso em apreço, a vítima e o réu – ambos policiais militares à época dos fatos – estavam FORA de serviço quando iniciaram uma discussão no trânsito, tendo ela sido motivada por uma dúvida da vítima acerca da identificação do réu como policial militar. Nos momentos que antecederam aos disparos, NÃO há nenhum indício de que o réu tenha atuado como policial militar. Há elementos, inclusive, que sugerem comportamento anormal àquele esperado para a função, já que supostamente teria resistido à investida da vítima, no sentido de conduzi-lo à autoridade administrativa.
O fato não se amolda à hipótese prevista no art. 9º, II, a, do CPM, notadamente porque o evento tido como delituoso envolveu policiais militares fora de serviço, sendo que o agente ativo não agiu, mesmo com o transcorrer dos acontecimentos, como um policial militar em serviço.
Inviável, também, concluir pela prática de crime militar com base no art. 9º, III, d, do CPM, ou seja, mediante equiparação do réu (fora de serviço) a um civil, pois, ainda que a vítima, antes dos disparos, tenha dado voz de prisão ao réu, ela não foi requisitada para esse fim nem agiu em obediência à ordem de superior hierárquico, circunstância que rechaça a existência de crime militar nos termos do referido preceito normativo.
Compete à Justiça comum (Tribunal do Júri) o julgamento de homicídio praticado por militar contra outro quando ambos estejam fora do serviço ou da função no momento do crime.
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
O pagamento de remuneração a funcionários fantasmas não configura apropriação ou desvio de verba pública, previstos pelo art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei n. 201/1967.
AgRg no AREsp 1.162.086-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 05/03/2020, DJe 09/03/2020
Valdomiro, prefeito da cidade de São Judas, nomeou a própria irmã, Cleusa, como Diretora de Vigilância Epidemiológica do município. Como Cleusa não contava com a qualificação necessária ao cargo, Valdomiro providenciou que outros servidores efetivamente realizassem os trabalhos.
A situação perdurou por 35 meses, até que o Ministério Público ficou sabendo e instaurou inquérito civil. Na apuração, foi verificado que Cleusa raramente comparecia ao local de trabalho, ou seja, tratava-se de “funcionário fantasma”. Porém, a remuneração de Cleusa era creditada normalmente…
O órgão ministerial denunciou Valdomiro pela prática, em tese, de crime de responsabilidade previsto no art.1º, I, do Decreto-Lei 201/1967.
Decreto-lei 201/1967, Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: I – apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio;
R: (ria se quiser)… para o STJ, NÃO!
Nossa Corte Superior observa que nos termos do art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei n. 201/1967, constitui crime de responsabilidade dos prefeitos apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio.
Ocorre que pagar ao servidor públicoNÃO constitui desvio ou apropriação da renda pública, tratando-se, pois, de OBRIGAÇÃO LEGAL. Ademais, a forma de provimento, direcionada ou não, em fraude ou não, é questão diversa, passível inclusive de sanções administrativas ou civis, mas não de sanção penal. De outro lado, a não prestação de serviços por servidor tampouco configura o crime discutido, também sendo passível de responsabilização funcional e até demissão.
Nesse contexto, verifica-se que a conduta em análise não se subsume à norma em questão. Dessa forma, o pagamento de salário NÃO configura apropriação ou desvio de verba pública, previstos pelo art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei n. 201/1967, pois a remuneração é devida, ainda que questionável a contratação de parentes do Prefeito.
O pagamento de remuneração a funcionários fantasmas não configura apropriação ou desvio de verba pública, previstos pelo art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei n. 201/1967.
HABEAS CORPUS
Compete à Justiça Federal julgar crimes relacionados à oferta pública de contrato de investimento coletivo em criptomoedas.
HC 530.563-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 05/03/2020, DJe 12/03/2020
O Ministério Público denunciou 18 pessoas por diversos crimes financeiros, dentre os quais a emissão de títulos e valores mobiliários sem o prévio registro da autoridade competente. Conforme a denúncia, entre o período de agosto de 2017 a maio de 2019, os acusados fizeram funcionar instituição financeira sem autorização legal e se apropriaram dos valores de que tinham a posse.
A defesa de alguns dos acusados suscitou a incompetência da Justiça Federal por entender que os “bons moços” deveriam ser julgados pela Justiça Estadual. O juízo de primeiro grau e o Tribunal Regional Federal rechaçaram o argumento.
Súmula 122 STJ – Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, “a”, do Código de Processo Penal.
R: À Justiça Federal.
No julgamento do CC 161.123/SP, a Terceira Seção do STJ decidiu que a operação envolvendo compra ou venda de criptomoedas não encontra regulação no ordenamento jurídico pátrio, pois as moedas virtuais não são tidas pelo Banco Central do Brasil (BCB) como moeda, nem são consideradas como valor mobiliário pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), não caracterizando sua negociação, por si só, os crimes tipificados nos arts. 7º, II, e 11, ambos da Lei n. 7.492/1986, nem mesmo o delito previsto no art. 27-E da Lei n. 6.385/1976.
Cumpre destacar que, naquele caso, não havia denúncia formalizada e a competência da Justiça estadual foi declarada exclusivamente considerando os indícios colhidos até a deflagração do incidente, bem como o dissenso verificado entre os Juízes envolvidos, sendo que nenhum deles, naquele incidente, cogitou que o contrato celebrado entre o investigado e as vítimas consubstanciaria um contrato de investimento coletivo.
O presente caso, no entanto, ostenta contornos distintos, pois já há denúncia ofertada, na qual foi descrita e devidamente delineada a conduta do paciente e dos demais corréus no sentido de oferecer contrato de investimento coletivo, sem prévio registro de emissão na autoridade competente.
Considerando que a denúncia imputa a efetiva OFERTA PÚBLICA de contrato de investimento coletivo, não há dúvida de que incidem as disposições contidas na Lei n. 7.492/1986, notadamente porque tal espécie de contrato consubstancia valor mobiliário, nos termos do art. 2º, IX, da Lei n. 6.385/1976.
Assim, considerando os fatos narrados na denúncia, especificamente os crimes tipificados nos arts. 4º, 5º, 7º, II, e 16, todos da Lei n. 7.492/1986, é competente o Juízo Federal para processar a ação penal (art. 26 da Lei n. 7.492/1986), inclusive no que se refere às infrações conexas, por força do entendimento firmado no Enunciado Sumular n. 122/STJ.
Ausentes os elementos que revelem ter havido evasão de divisas ou lavagem de dinheiro em detrimento de interesses da União, compete à Justiça Estadual processar e julgar crimes relacionados a PIRÂMIDE FINANCEIRA em investimento de grupo em criptomoeda. | Compete à Justiça Federal julgar crimes relacionados à OFERTA PÚBLICA de contrato de investimento coletivo em criptomoedas, notadamente porque tal espécie de contrato consubstancia valor mobiliário, nos termos do art. 2º, IX, da Lei n. 6.385/1976. |
CC 170.392-SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 10/06/2020, DJe 16/06/2020 (Info 673) | HC 530.563-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 05/03/2020, DJe 12/03/2020 (Info 677) |
ESTADUAL | FEDERAL |
Compete à Justiça Federal julgar crimes relacionados à oferta pública de contrato de investimento coletivo em criptomoedas.
RECURSO ESPECIAL
Não é admissível a impetração de mandado de segurança contra ato jurisdicional que defere o desbloqueio de bens e valores.
REsp 1.787.449-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 10/03/2020, DJe 13/03/2020
Foi instaurado inquérito para apuração de crime contra o sistema financeiro nacional. O juízo de primeiro grau determinou o sequestro/arresto de valores recebidos por terceiros, oriundos da suposta prática dos crimes.
Posteriormente, determinou-se o desbloqueio dos valores, ao fundamento de que inadmissível que os bens de terceiras pessoas, sem indícios suficientes de autoria delitiva, permaneçam constritos por mais de três anos, sem previsão de solução das investigações e, muito menos, da ação penal.
Inconformado, o Ministério Público impetrou mandado de segurança e o tribunal de origem concedeu a segurança para manter o bloqueio dos valores.
Lei 12.016/2009, Art. 5. Não se concederá mandado de segurança quando se tratar:
II – de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo;
Código de Processo Penal, Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: […] II – das decisões definitivas, ou com força de definitivas, proferidas por juiz singular nos casos não previstos no Capítulo anterior;
R: NÃO.
A decisão de segundo grau diverge da jurisprudência do STJ no sentido de que o mandado de segurança não pode constituir-se em SUCEDÂNEO recursal, sob pena de se desnaturar a sua finalidade.
O recurso adequado contra a decisão que julga o pedido de restituição de bens é a apelação. Assim, mostra-se INCABÍVEL o manejo do mandamus quando há recurso próprio previsto na legislação processual, apto a resguardar a pretensão do Ministério Público, consoante o art. 5º, II, da Lei n. 12.016/2009 c/c art. 593, II, do CPP.
Nesse sentido, a Súmula n. 267/STF dispõe que não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição.
Não é admissível a impetração de mandado de segurança contra ato jurisdicional que defere o desbloqueio de bens e valores.
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