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Informativo STJ 665 Comentado

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Sumário

DIREITO TRIBUTÁRIO… 3

1.      Compensação do IRPJ com o lucro distribuído aos acionistas domiciliados no exterior em exercícios diferentes. 3

1.1.        Situação FÁTICA. 3

1.2.        Análise ESTRATÉGICA. 4

DIREITO CIVIL. 6

2.      (Im)possibilidade do condomínio sofrer dano moral 6

2.1.        Situação FÁTICA. 6

2.2.        Análise ESTRATÉGICA. 7

3.      Arrendamento e responsabilidade do pagamento das despesas em reintegração de posse. 8

3.1.        Situação FÁTICA. 8

3.2.        Análise ESTRATÉGICA. 9

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. 10

4.      Usucapião extrajudicial como condição da ação de usucapião.. 10

4.1.        Situação FÁTICA. 10

4.2.        Análise ESTRATÉGICA. 11

5.      Exceção do bem de família e penhora de imóvel sem débitos tributários. 13

5.1.        Situação FÁTICA. 13

5.2.        Análise ESTRATÉGICA. 14

6.      Alienação fiduciária e o valor do débito na execução.. 15

6.1.        Situação FÁTICA. 15

6.2.        Análise ESTRATÉGICA. 16

7.      Limitação de espectro na ação rescisória. 17

7.1.        Situação FÁTICA. 17

7.2.        Análise ESTRATÉGICA. 18

8.      Recurso especial, feriado e tempestividade. 19

8.1.        Situação FÁTICA. 19

8.2.        Análise ESTRATÉGICA. 20

9.      Abrangência dos honorários advocatícios na ausência de pagamento voluntário da dívida. 21

9.1.        Situação FÁTICA. 21

9.2.        Análise ESTRATÉGICA. 22

10.         Extinção total do feito por descumprimento de apresentação de um dos títulos originais. 24

10.1.     Situação FÁTICA. 24

10.2.     Análise ESTRATÉGICA. 25

DIREITO DO CONSUMIDOR.. 26

11.         Abusividade da cláusula de não renovação do seguro de vida coletivo.. 26

11.1.     Situação FÁTICA. 26

11.2.     Análise ESTRATÉGICA. 27

12.         Rol de eventos cobertos da ANS e taxatividade. 28

12.1.     Situação FÁTICA. 28

12.2.     Análise ESTRATÉGICA. 29

13.         CDC e redirecionamento da condenação da matriz à filial 30

13.1.     Situação FÁTICA. 30

13.2.     Análise ESTRATÉGICA. 31

14.         Possibilidade de flexibilização da súmula 385/STJ. 32

14.1.     Situação FÁTICA. 33

14.2.     Análise ESTRATÉGICA. 33

15.         Substituição da associação autora em Ação Civil Pública. 35

15.1.     Situação FÁTICA. 35

15.2.     Análise ESTRATÉGICA. 35

16.         CDI como base referencial dos encargos do contrato de abertura de crédito.. 37

16.1.     Situação FÁTICA. 37

16.2.     Análise ESTRATÉGICA. 37

DIREITO EMPRESARIAL. 39

17.         Recuperação judicial e crédito do não repasse dos prêmios em representação de seguro.. 39

17.1.     Situação FÁTICA. 39

17.2.     Análise ESTRATÉGICA. 40

18.         Prestação de serviços contábeis e sujeição à recuperação judicial 42

18.1.     Situação FÁTICA. 42

18.2.     Análise ESTRATÉGICA. 43

DIREITO PENAL. 45

19.         Qualificadora no crime de furto e princípio da insignificância. 45

19.1.     Situação FÁTICA. 45

19.2.     Análise ESTRATÉGICA. 46

20.         Compatibilidade do meio cruel com dolo eventual 46

20.1.     Situação FÁTICA. 47

20.2.     Análise ESTRATÉGICA. 47

PARA TESTAR SEU CONHECIMENTO… 48

21.        QUESTÕES. 48

21.1.     Questões objetivas: CERTO ou ERRADO. 48

21.2.     Gabarito. 49

DIREITO TRIBUTÁRIO

1.  Compensação do IRPJ com o lucro distribuído aos acionistas domiciliados no exterior em exercícios diferentes

RECURSO ESPECIAL

É ilegal o art. 4º, I, da IN SRF n. 139/1989, que, ao suprimir a comunicação entre exercícios diferentes, traz inovação limitadora não prevista no Decreto-lei n. 1.790/1980.

REsp 1.628.374-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, Rel. Acd. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, por maioria, julgado em 04/02/2020, DJe 14/02/2020

1.1. Situação FÁTICA.

AutoLatino LTDA, empresa do ramo de comércio automotivo, ajuizou ação contra a Fazenda Nacional  “para o fim de ser declarada a inexistência de relação jurídica que tenha por objeto o direito de a Ré cobrar o valor de NCz$ 344.802.058,58 (padrão monetário de fev/1990) retido pela Ford Brasil S.A. sobre lucros apurados em balanço encerrado em 31.12.1988 e que foi compensado, em fevereiro de 1990, com o IR Fonte relativo a ‘lucros da Autora, apurados em balanço encerrado em 31.12.1989 e por ela distribuídos às suas quotistas sediadas no Exterior, reconhecendo-se, em consequência, seu direito a compensação efetuada”.

O juízo de primeiro grau julgou improcedente o pedido e fundamento a impossibilidade para tanto na IN-139/89. Tal normativo teria acabado com a possibilidade, até então existente, da comunicação de exercícios. Inconformada, a empresa interpôs apelação, a qual foi negado provimento. O acórdão fundamentou a manutenção da decisão na vigência da IN-139/89 e ausência de direito adquirido do autor.

O cerne da questão controvertida é a possibilidade (ou não) de compensação do imposto de renda recolhido sobre os lucros distribuídos às empresas domiciliadas no País com aquele incidente sobre lucros distribuídos a acionistas domiciliados no exterior, considerando que a apuração de ambos os tributos se deu em balanços encerrados em exercícios diferentes        

1.2. Análise ESTRATÉGICA.

1.2.1.  Questão JURÍDICA.

Decreto-Lei n. 1790/1980:

Art. 2º Os dividendos, bonificações em dinheiro, lucros e outros interesses, distribuídos pelas pessoas jurídicas e pelas empresas individuais a outras pessoas jurídicas ou empresas individuais, domiciliadas no País, ficam sujeitos ao desconto de imposto de renda na fonte à alíquota de 15% (quinze por cento).  […] § 2º O imposto descontado na fonte poderá ser compensado com o que a pessoa jurídica beneficiária tiver de reter na distribuição, a pessoas físicas ou jurídicas, de dividendos, bonificações em dinheiro, lucros e outros interesses

IN/SRF 139/1989:

O SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL, no uso da competência que lhe foi delegada pela Portaria MF nº 371, de 29 de julho de 1985, RESOLVE: O imposto de renda na fonte incidente sobre o lucro líquido das pessoas jurídicas, previsto nos arts. 35 a 39 da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988, será calculado e recolhido segundo o disposto nesta Instrução Normativa.

TRATAMENTO TRIBUTÁRIO DO IMPOSTO

4. O imposto sobre o lucro líquido terá o seguinte tratamento: I – poderá ser compensado com o imposto incidente na fonte sobre a parcela dos lucros apurados pela pessoa jurídica, que corresponder à participação de beneficiário pessoa física ou jurídica, residente ou domiciliado no exterior;

1.2.2.             Tem razão o autor?

R: SIM.

Discute-se a possibilidade de se compensar o valor do Imposto de Renda recolhido sobre os lucros distribuídos às empresas estabelecidas no país com aquele incidente sobre lucros compartilhados com acionistas domiciliados no exterior, considerando que a apuração de ambos os tributos se deu em balanços encerrados em exercícios diversos.

Debate-se, em particular, se a Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal n. 139/1989, ao alterar a transposição de calendários e deixar de prever a compensação tributária de valores apurados em exercícios distintos, teria contrariado o regramento do art. 2º, § 2º, do Decreto-lei n. 1.790/1980.

A par da já existente autorização para compensar o Imposto sobre a Renda Retido na Fonte com aquele a ser descontado no momento da distribuição de lucros, previsto no Decreto-lei n. 1.790/1980, a Lei n. 7.713/1988 somou a possibilidade de serem compensados valores calculados com base, também, no lucro líquido apurado pela pessoa jurídica e enviados ao exterior, com incidência no encerramento do respectivo período-base.

Registre-se que a lei é o único veículo normativo capaz de criar e estabelecer a configuração do direito à compensação tributária, vale dizer, de fixar os requisitos materiais e formais à sua fruição, e somente por intermédio dela é que se poderá impor limitações ao seu exercício, em observância à LEGALIDADE prevista no art. 5º, II, da Constituição da República.

Nesse contexto, verifica-se que o Decreto-lei n. 1.790/1980 não estabeleceu restrição à compensação entre períodos diversos, isto é, não impôs nenhuma limitação temporal ao exercício de tal direito.

Ademais, a possibilidade de compensar o Imposto sobre a Renda originalmente retido na fonte, em calendários diferentes, é DIREITO que se extrai, primariamente, do próprio texto legal.

Isso porque, dentre os requisitos legais para a compensação, previstos no art. 2º, § 2º, do Decreto-lei n. 1.790/1980, não se verifica a condicionante de prazo, a evidenciar que a IN SRF n. 87/1980 limitou-se a explicitar o conteúdo da norma legal, reconhecendo a viabilidade da transposição de períodos, cuja opção era facultada ao contribuinte.

O art. 35, § 4º, c, da Lei n. 7.713/1988, não exibe nenhuma proibição de compensar entre exercícios diferentes, como também não se verifica previsão de regulamentação de tal dispositivo por ato infralegal, diversamente da IN SRF n. 87/1980, cuja edição foi expressamente autorizada pelo art. 6º do Decreto-lei n. 1.790/1980.

Noutro vértice, não se pode olvidar que os atos regulamentares devem observar não apenas o ato normativo do qual extraem validade imediata, mas também devem guardar conformidade com o arcabouço legal sobrejacente.

 Logo, a IN SRF n. 139/1989, embora editada para regulamentar a Lei n. 7.713/1988, criou, no que concerne à compensação entre exercícios diversos, limitação conflitante com o Decreto-lei n. 1.790/1980, invadindo o plano exclusivo da lei. Portanto, o art. 4º, I, da IN SRF n. 139/1989, ao suprimir a comunicação entre exercícios diferentes, trouxe inovação limitadora não prevista na lei de regência, incorrendo, no ponto, em ilegalidade.

1.2.3.  Resultado final.

É ilegal o art. 4º, I, da IN SRF n. 139/1989, que, ao suprimir a comunicação entre exercícios diferentes, traz inovação limitadora não prevista no Decreto-lei n. 1.790/1980.

DIREITO CIVIL

2.  (Im)possibilidade do condomínio sofrer dano moral

RECURSO ESPECIAL

O condomínio, por ser uma massa patrimonial, não possui honra objetiva apta a sofrer dano moral.

REsp 1.736.593-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 11/02/2020, DJe 13/02/2020

2.1. Situação FÁTICA.

O Condomínio Jardim Florido ajuizou ação de indenização por danos morais em face de Roberta. A ação foi motivada em virtude de Roberta ter realizado uma festa em desacordo com as normas da convenção do  condomínio (mais de 200 pessoas, som alto, nudez, danos ao patrimônio comum, tendas, banheiros químicos) e ainda em desobediência à ordem judicial que havia proibido a realização da mencionada festa sob pena de multa ( R$ 50.000,00).

O juízo de primeiro grau julgou procedente o pedido do condomínio e condenou Roberta ao pagamento de R$ 2.839,15 a título de danos materiais e R$ 249.610,00 a título de compensação do dano moral coletivo do condomínio. Inconformada, Roberta interpôs apelação a qual não foi provida.

A defesa de Roberta interpôs então recurso especial e sustentou a ilegitimidade do condomínio para pleitear danos morais. Defendeu que caberia a cada condômino prejudicado o ajuizamento da demanda indenizatória.

2.2. Análise ESTRATÉGICA.

2.2.1.             Condomínio pode sofrer dano moral?

R: NÃO.

Os condomínios são entes despersonalizados, pois não são titulares das unidades autônomas, tampouco das partes comuns, além de não haver, entre os condôminos, a affectio societatis, tendo em vista a AUSÊNCIA de intenção dos condôminos de estabelecerem, entre si, uma relação jurídica, sendo o vínculo entre eles decorrente do direito exercido sobre a coisa e que é necessário à administração da propriedade comum.

Com efeito, caracterizado o condomínio como uma massa patrimonial, não há como reconhecer que seja ele próprio dotado de honra objetiva, senão admitir que qualquer ofensa ao conceito que possui perante a comunidade representa, em verdade, uma ofensa individualmente dirigida a cada um dos condôminos, pois quem goza de reputação são os condôminos e não o condomínio, ainda que o ato lesivo seja a este endereçado.

Isso porque, concretamente, essa pretensão compensatória deduzida em juízo limita-se subjetivamente aos condôminos que se sentiram realmente ofendidos, não refletindo, por óbvio, pretensão do condomínio, enquanto complexo jurídico de interesses de toda coletividade e que se faz representar pelo síndico.

Assim, diferentemente do que ocorre com as pessoas jurídicas, qualquer repercussão econômica negativa será suportada pelos próprios condôminos, a quem incumbe contribuir para todas as despesas condominiais, e/ou pelos respectivos proprietários, no caso de eventual desvalorização dos imóveis no mercado imobiliário.

2.2.2.  Resultado final.

O condomínio, por ser uma massa patrimonial, não possui honra objetiva apta a sofrer dano moral.

3.  Arrendamento e responsabilidade do pagamento das despesas em reintegração de posse

RECURSO ESPECIAL

O arrendante é o responsável final pelo pagamento das despesas, junto a pátio privado, com a remoção e a estadia do automóvel apreendido em ação de reintegração de posse.

REsp 1.828.147-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/02/2020, DJe 26/02/2020

3.1. Situação FÁTICA.

Cleiton contratou financiamento junto ao Banco Safira para adquirir um veículo. O citado veículo restou alienado fiduciariamente ao banco até a quitação do contrato. Depois de algum tempo, Cleiton deixou de honrar os pagamentos e o banco ajuizou busca e apreensão do veículo.

O veículo foi localizado e depositado junto à empresa Autogaragem Ltda e lá permaneceu por algum tempo. Ocorre que, mesmo ao final da ação em que se discutia a posse do veículo, nem arrendante nem arrendatário quiseram pagar os valores da remoção e estadia do veículo.

Indisposta a ficar no prejuízo, Autogaragem ajuizou ação de cobrança cumulada com danos materiais e danos morais em face do Banco Safira. A sentença julgou parcialmente procedente e condenou o banco ao pagamento de R$ 88.145,82. Inconformado, o banco interpôs apelação à qual foi provida. O Tribunal de Justiça local entendeu que, independentemente de infração contratual ou administrativa, tal responsabilidade é do arrendatário.

Cinge-se a controvérsia a definir se o arrendante é responsável pelo pagamento das despesas de remoção e estadia de veículo em pátio de propriedade privada quando a apreensão do bem deu-se, por ordem judicial, no bojo de ação de reintegração de posse por ele ajuizada em desfavor do arrendatário, dado o inadimplemento contratual

3.2. Análise ESTRATÉGICA.

3.2.1.             Quem paga a conta (do pátio)?

R: O ARRENDANTE (banco)

No que concerne à propriedade do bem objeto de contrato de arrendamento mercantil, tem-se que, enquanto perdurar o arrendamento mercantil, o arrendante é o seu proprietário para efeitos financeiros (REsp 1.725.404/SP, Segunda Turma, DJe 23/05/2018).

Sobre o tema, vale lembrar que as despesas decorrentes do depósito do veículo em pátio privado referem-se ao próprio bem, ou seja, constituem obrigações propter rem. Essa espécie de obrigação provém “da existência de um direito real, impondo-se a seu titular”, de maneira que independe da manifestação expressa ou tácita da vontade do devedor.

Na espécie, isso equivale a dizer que as despesas com a remoção e a guarda dos veículos objeto de contrato de arrendamento mercantil estão vinculadas ao bem e a seu proprietário, ou seja, ao arrendante. Este é, inclusive, o mesmo entendimento adotado por este STJ quando se trata de veículo alienado fiduciariamente.

Sendo hipótese diversa, frise-se a inaplicabilidade do entendimento firmado no REsp 1.114.406/SP, julgado sob a sistemática dos recursos especiais repetitivos, uma vez que tal precedente amolda-se às hipóteses em que a busca e apreensão do veículo decorre do cometimento de infrações administrativas de trânsito, situação em que as despesas relativas à remoção, guarda e conservação do veículo arrendado não serão de responsabilidade da empresa arrendante, mas sim do arrendatário, que, nos termos da Resolução n. 149/2003 do Contran, se equipara ao proprietário enquanto em vigor o contrato de arrendamento.

BUSCA E APREENSÃOAPREENSÃO
INADIMPLEMENTOINFRAÇÃO ADMINISTRATIVA
ARRENDANTEARRENDATÁRIO

Por fim, é importante ter em vista, ainda, que os referidos gastos foram presumivelmente destinados à devida conservação do automóvel, cuja propriedade é do próprio arrendante, como já consignado. Portanto, não se tratando de apreensão de veículo em razão do cometimento de infração de trânsito, deve-se manter o entendimento de que a RESPONSABILIDADE pelo pagamento das despesas de remoção e estadia do veículo em pátio privado é da empresa arrendante.

3.2.2.  Resultado final.

O arrendante é o responsável final pelo pagamento das despesas, junto a pátio privado, com a remoção e a estadia do automóvel apreendido em ação de reintegração de posse.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

4.  Usucapião extrajudicial como condição da ação de usucapião

RECURSO ESPECIAL

O interesse jurídico no ajuizamento direto de ação de usucapião independe de prévio pedido na via extrajudicial.

REsp 1.824.133-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 11/02/2020, DJe 14/02/2020

4.1. Situação FÁTICA.

Júnior entendeu presentes os requisitos da usucapião de um certo bem imóvel, a qual ajuizou. No entanto, o juízo de primeiro grau extinguiu a ação sem julgamento do mérito, fundamentando tal decisão na suposta obrigatoriedade de as partes primeiramente tentar a usucapião na forma extrajudicial.

Inconformado, Júnior interpôs apelação à qual foi negado provimento. O acórdão do Tribunal de Justiça local foi fundamentado na premissa de que “A ação de usucapião é cabível somente quando houver óbice à pretensão na esfera extrajudicial.”

Inconformado, Júnior interpôs recurso especial no qual sustentou a facultatividade do procedimento extrajudicial de usucapião.

A controvérsia diz respeito ao interesse processual para ajuizamento direto de ação de usucapião ante a recente ampliação das possibilidades de reconhecimento extrajudicial da usucapião.

4.2. Análise ESTRATÉGICA.

4.2.1.  Questão JURÍDICA.

Lei n. 6.015/1973:

Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com:

I – ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias;

II – planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes;

III – certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente;

IV – justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel.

§ 1º O pedido será autuado pelo registrador, prorrogando-se o prazo da prenotação até o acolhimento ou a rejeição do pedido.

§ 2º Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, esse será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar seu consentimento expresso em 15 (quinze) dias, interpretado o seu silêncio como discordância.

§ 3º O oficial de registro de imóveis dará ciência à União, ao Estado, ao Distrito Federal e ao Município, pessoalmente, por intermédio do oficial de registro de títulos e documentos, ou pelo correio com aviso de recebimento, para que se manifestem, em 15 (quinze) dias, sobre o pedido.

§ 4º O oficial de registro de imóveis promoverá a publicação de edital em jornal de grande circulação, onde houver, para a ciência de terceiros eventualmente interessados, que poderão se manifestar em 15 (quinze) dias.

§ 5º Para a elucidação de qualquer ponto de dúvida, poderão ser solicitadas ou realizadas diligências pelo oficial de registro de imóveis.

§ 6º Transcorrido o prazo de que trata o § 4º deste artigo, sem pendência de diligências na forma do § 5º deste artigo e achando-se em ordem a documentação, com inclusão da concordância expressa dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, o oficial de registro de imóveis registrará a aquisição do imóvel com as descrições apresentadas, sendo permitida a abertura de matrícula, se for o caso.

§ 7º Em qualquer caso, é lícito ao interessado suscitar o procedimento de dúvida, nos termos desta Lei.

§ 8º Ao final das diligências, se a documentação não estiver em ordem, o oficial de registro de imóveis rejeitará o pedido.

§ 9º A rejeição do pedido extrajudicial não impede o ajuizamento de ação de usucapião.

§ 10. Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, apresentada por qualquer um dos titulares de direito reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, por algum dos entes públicos ou por algum terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis remeterá os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum.”

4.2.2.             A tentativa de usucapião extrajudicial é de condição para ajuizamento da ação de usucapião?

R: NÃO.

O reconhecimento extrajudicial da usucapião foi previsto, inicialmente, no art. 60 da Lei do Programa “Minha Casa, Minha Vida” (Lei n. 11.977/2009), com aplicação restrita ao contexto da regularização fundiária.

Com o advento do CPC/2015, a usucapião extrajudicial passou a contar com uma norma geral, não ficando mais restrita apenas ao contexto de regularização fundiária. Nos termos do art. 216-A da Lei n. 6.015/1973 (incluído pelo art. 1.071 do CPC/2015 e alterado pela Lei n. 13.465/2017): “Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo […]”.

Assim, a existência de interesse jurídico no ajuizamento direto de ação de usucapião, independe de prévio pedido na via extrajudicial, ante a expressa ressalva quanto ao cabimento direto da via jurisdicional. A doutrina elucida que “Não é um dever da parte eleger a via administrativa, podendo optar pela ação judicial, ainda que preenchidos os requisitos da usucapião extrajudicial”.

 Ademais, como a propriedade é um direito real, oponível erga omnes o simples fato de o possuidor pretender se tornar proprietário já faz presumir a existência de conflito de interesses entre este o atual titular da propriedade, de modo que não seria possível afastar de antemão o interesse processual do possuidor.

4.2.3.  Resultado final.

O interesse jurídico no ajuizamento direto de ação de usucapião independe de prévio pedido na via extrajudicial.

5.  Exceção do bem de família e penhora de imóvel sem débitos tributários

RECURSO ESPECIAL

Para a aplicação da exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no art. 3º, IV, da Lei n. 8.009/1990 é preciso que o débito de natureza tributária seja proveniente do próprio imóvel que se pretende penhorar.

REsp 1.332.071-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 18/02/2020, DJe 20/02/2020

5.1. Situação FÁTICA.

José e Vanderlei celebraram um contrato particular de permuta de imóveis urbanos, em que seria transmitida uma casa residencial em troca de um lote de terreno. Por ocasião da celebração do referido contrato, pactuou-se que cada parte assumiria os tributos e taxas que viessem a incidir sobre os imóveis permutados, responsabilizando-se pela existência de débitos pendentes.

Após a concretização da permuta e transferência da posse, constatou-se que o imóvel cedido José possuía débitos de IPTU relacionados a anos anteriores à celebração do contrato. Assim, Vanderlei quitou os débitos fiscais junto à Municipalidade e ajuizou ação de cobrança contra José buscando o reembolso dos valores pagos, a qual foi julgada procedente pelas instâncias ordinárias.

Na fase de cumprimento de sentença, o imóvel transferido a José (tal imóvel não possuía débitos tributários), foi penhorado para garantia da dívida objeto da referida ação de cobrança, com base no art. 3º, IV, da Lei n. 8.009/1990.

Cinge-se a controvérsia a definir se é possível a penhora de imóvel, no bojo de ação de cobrança em fase de cumprimento de sentença, em razão da exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no art. 3º, IV, da Lei n. 8.009/1990.

5.2. Análise ESTRATÉGICA.

5.2.1.  Questão JURÍDICA.

Lei n. 8009/1990: Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: […] IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;

5.2.2.             Cabe a penhora do bem de família nesse caso?

R: NÃO.

Para a aplicação da exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no aludido na Lei 8009/1990 é preciso que o débito de natureza tributária seja proveniente do próprio imóvel que se pretende penhorar. Em outras palavras, é preciso que os débitos de IPTU sejam do próprio imóvel penhorado.

 Na hipótese, contudo, o imóvel penhorado NÃO tinha qualquer débito tributário. Ademais, o débito referente ao IPTU do imóvel repassado pelo recorrente foi integralmente quitado pela outra parte, razão pela qual não se está cobrando “impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas”, mas, sim, o reembolso dos valores pagos pelos autores em função do não cumprimento de cláusula contratual pelo recorrente, a qual estabelecia que a permuta dos imóveis deveria ser efetivada sem qualquer pendência fiscal.

Com efeito, por se tratar de norma de exceção à ampla proteção legal conferida ao bem de família, a interpretação do art. 3º, inciso IV, da Lei n. 8.009/1990, deve se dar de maneira RESTRITIVA, não podendo ser ampliada a ponto de alcançar outras situações não previstas pelo legislador.

5.2.3.  Resultado final.

Para a aplicação da exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no art. 3º, IV, da Lei n. 8.009/1990 é preciso que o débito de natureza tributária seja proveniente do próprio imóvel que se pretende penhorar.

6.  Alienação fiduciária e o valor do débito na execução

RECURSO ESPECIAL

Nos contratos de financiamento com cláusula de alienação fiduciária, quando houver a conversão da ação de busca e apreensão em ação de execução nos moldes do art. 4º do Decreto-Lei n. 911/1969, o débito exequendo deve representar o valor da integralidade da dívida (soma das parcelas vencidas e vincendas do contrato).

REsp 1.814.200-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 18/02/2020, DJe 20/02/2020

6.1. Situação FÁTICA.

Rubens financiou um veículo junto ao Banco Volks S.A. A contratação ocorreu com cédula de crédito bancário firmada entre as partes e com cláusula de alienação fiduciária na qual constava o veículo como garantia. Depois de algum tempo Rubens deixou de honrar as prestações do financiamento.

O Banco ajuizou ação de busca e apreensão, porém o veículo nunca foi localizado. A ação de busca e apreensão foi convertida em execução, na qual o Banco passou a cobrar de Rubens o valor de R$ 104.958,95, incluídas as parcelas vencidas e vincendas.

Rubens então ajuizou ação de embargos à execução na qual alegou excesso de execução. Conforme a defesa de Rubens, o valor devido não deve tomar por parâmetro o valor do contrato, e sim o valor atual do veículo segundo a tabela FIPE (R$ 21.280,00).

A sentença acolheu os embargos à execução e fixou o valor da execução no valor atual do veículo. Inconformado, o banco interpôs apelação à qual foi negado provimento pelo Tribunal de Justiça Local. Conforme o acórdão, o valor buscado pelo Banco se demonstra excessivo (quase cinco vezes maior) e o valor da FIPE seria o melhor critério a ser aplicado no caso.

6.2. Análise ESTRATÉGICA.

6.2.1.  Questão JURÍDICA.

Decreto-lei n. 911/1969:

Art. 3o O proprietário fiduciário ou credor poderá, desde que comprovada a mora, na forma estabelecida pelo § 2o do art. 2o, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, podendo ser apreciada em plantão judiciário

Art. 4o Se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar na posse do devedor, fica facultado ao credor requerer, nos mesmos autos, a conversão do pedido de busca e apreensão em ação executiva, na forma prevista no Capítulo II do Livro II da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil

Art. 5o Se o credor preferir recorrer à ação executiva, direta ou a convertida na forma do art. 4o, ou, se for o caso ao executivo fiscal, serão penhorados, a critério do autor da ação, bens do devedor quantos bastem para assegurar a execução.

6.2.2.             Qual o valor a ser COBRADO?

R: O do contrato!

A conversão da ação de busca e apreensão em ação de execução é inovação trazida pela Lei n. 13.043/2014 – que alterou a redação dada ao art. 4º do Decreto-Lei n. 911/1969 -, uma vez que, anteriormente, tal conversão somente poderia dar-se em ação de depósito.

Anteriormente à promulgação da Lei n. 13.043/2014, o Superior Tribunal de Justiça entendia que o prosseguimento com a cobrança da dívida dava-se com relação ao menor valor entre o valor de mercado do bem oferecido em garantia e o valor do débito apurado. Contudo, após a alteração legislativa, tem-se que a manutenção deste entendimento não parece se amoldar ao real escopo da legislação que rege a matéria atinente à alienação fiduciária.

Isso porque, não realizada a busca e apreensão e a consequente venda extrajudicial do bem, REMANESCE a existência de título executivo hábil a dar ensejo à busca pela satisfação integral do crédito. O próprio art. 5º do DL n. 911/1969 dispõe que, se o credor preferir recorrer à ação executiva, direta ou a convertida na forma do art. 4º, serão penhorados, a critério do autor da ação, bens do devedor quantos bastem para assegurar a execução, o que denota a intenção de conferir proteção ao valor estampado no próprio título executivo.

Ademais, registra-se que o art. 3º do DL n. 911/1969 prevê que, após cumprida a liminar de busca e apreensão, o bem só poderá ser restituído livre de ônus ao devedor fiduciante, na hipótese de este pagar a integralidade da dívida pendente.

Sob esse aspecto, inviável admitir que a conversão da ação de busca e apreensão em ação de execução represente apenas a busca pelo valor do “equivalente em dinheiro” do bem – o que, no caso, representaria o valor do veículo na Tabela FIPE -, impondo ao credor que ajuíze outra ação para o recebimento de saldo remanescente. Ao revés, deve-se reconhecer que o valor executado se refere, de fato, às parcelas vencidas e vincendas do contrato de financiamento, representado pela cédula de crédito bancário.         

6.2.3.  Resultado final.

Nos contratos de financiamento com cláusula de alienação fiduciária, quando houver a conversão da ação de busca e apreensão em ação de execução nos moldes do art. 4º do Decreto-Lei n. 911/1969, o débito exequendo deve representar o valor da integralidade da dívida (soma das parcelas vencidas e vincendas do contrato).

7.  Limitação de espectro na ação rescisória

RECURSO ESPECIAL

Na ação rescisória fundada em literal violação de lei, não cabe o reexame de toda a decisão rescindenda, para verificar se nela haveria outras violações à lei não alegadas pelo demandante, mesmo que se trate de questão de ordem pública.

REsp 1.663.326-RN, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 11/02/2020, DJe 13/02/2020

7.1. Situação FÁTICA.

Ivan e Imobiliária Martinho Ltda celebraram contrato de compra e venda de bem imóvel. Pactuaram o preço e as demais condições para tanto. Ocorre que, apesar de Ivan ter pago valor combinado, a imobiliária não outorgou a escritura do bem. Ivan então ajuizou ação de adjudicação compulsória, a qual foi julgada procedente e transitou em julgado.

Algum tempo depois, a imobiliária ajuizou ação rescisória contra a decisão de adjudicação compulsória por entender que a negativa do pedido de produção de provas quanto a uma suposta simulação de compra e venda do imóvel justificaria a rescisão da sentença. Fundamentou a ação na suposta violação dos arts. 332, 382 e 397 do CPC/1973.

O Tribunal de Justiça local julgou o pedido procedente, desconstituiu a sentença e determinou o prosseguimento da ação de adjudicação para discutir a eventual simulação de compra e venda, garantida a produção de provas. Fundamentou a decisão com base no art. 303 do CPC/1973.

Cinge-se a controvérsia em saber se o exame da ação rescisória pode se estender além dos dispositivos legais supostamente violados apontados pelo autor.

7.2. Análise ESTRATÉGICA.

7.2.1.  Questão JURÍDICA.

CPC/15: Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: […] V – violar manifestamente norma jurídica;

7.2.2.             A análise da ação rescisória está LIMITADA à violação apontada na inicial?

R: SIM.

É certo que diante da possibilidade de que decisões judiciais de mérito que contenham vícios graves sejam revestidas pela autoridade da coisa julgada, o sistema processual previu o remédio da ação rescisória, que visa reparar essas sérias imperfeições, superando a imutabilidade de uma determinada decisão judicial de mérito.

Porém, na ação rescisória fundada no art. 485, V, do CPC/1973 ( art. 966, V, do CPC/2015), a indicação de violação literal de disposição de lei é ônus do requerente, haja vista constituir a sua causa de pedir, VINCULANDO, assim, o exercício da jurisdição pelo órgão competente para sua apreciação.

Segundo a doutrina, “NÃO compete ao tribunal, a pretexto da iniciativa do autor, reexaminar toda a decisão rescindenda, para verificar se nela haveria outras violações a literal disposição de lei não alegadas pelo demandante, nem mesmo ao argumento de se tratar de matéria da ordem pública”.

Dessa forma, o juízo rescindente do Tribunal se encontra vinculado aos dispositivos de lei apontados pelo autor como literalmente violados, não podendo haver exame de matéria estranha à apontada na inicial, mesmo que o tema possua a natureza de questão de ordem pública, sob pena de transformar a ação rescisória em mero sucedâneo recursal.

7.2.3.  Resultado final.

Na ação rescisória fundada em literal violação de lei, não cabe o reexame de toda a decisão rescindenda, para verificar se nela haveria outras violações à lei não alegadas pelo demandante, mesmo que se trate de questão de ordem pública.

8.  Recurso especial, feriado e tempestividade

RECURSO ESPECIAL

A simples referência à existência de feriado local previsto em Regimento Interno e em Código de Organização Judiciária Estadual não é suficiente para a comprovação de tempestividade do recurso especial nos moldes do art. 1.003, §6º, do CPC/2015.

REsp 1.763.167-GO, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 18/02/2020, DJe 26/02/2020

8.1. Situação FÁTICA.

Mariazinha ajuizou ação de indenização por danos materiais e morais contra Banco Bamerindus, sucedidos pelo Banco System no curso da demanda, sob a alegação de que referidas instituições financeiras teriam efetuado inúmeras operações irregulares em suas contas bancárias, gerando-lhes, assim, graves prejuízos.

Os pedidos foram julgados parcialmente procedentes para condenar o os bancos ao pagamento de lucros cessantes (a serem apurados em liquidação), danos emergentes no importe de R$ 3.759.185,66 (três milhões, setecentos e cinquenta e nove mil, cento e oitenta e cinco reais e sessenta e seis centavos) e danos morais no valor de R$ 30.000,00.

O processo continuou com as partes, questionando principalmente os valores, até que ambas interpuseram recurso especial. O agravo em recurso especial do banco não foi admitido sob a fundamentação de intempestividade. Conforme a decisão monocrática do Ministro do STJ: ”Os dias que precedem a sexta-feira da paixão e, também, o dia de Corpus Christi, não são feriados forenses, previstos em lei federal, para os tribunais de justiça estaduais. Caso essas datas sejam feriados locais deve ser colacionado o ato normativo local com essa previsão, por meio de documento idôneo, no momento de interposição do recurso”.

O Bamerindus então apresentou agravo interno no qual sustentou que a ocorrência do feriado estava devidamente comprovada pela simples referência feita nas razões do recurso especial, bem como na previsão existente no Código de Organização Judiciária e Regimento Interno do TJGO. Tais normativos definiram como feriados os dias entre a quarta-feira de cinzas e domingo de páscoa.

8.2. Análise ESTRATÉGICA.

8.2.1.  Questão JURÍDICA.

CPC/2015: Art. 1.003. O prazo para interposição de recurso conta-se da data em que os advogados, a sociedade de advogados, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública ou o Ministério Público são intimados da decisão. […] § 6º O recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso.

8.2.2.             Bamerindus tem razão?

R: NÃO.

A comprovação da existência de feriado local que dilate o prazo para interposição de recursos dirigidos ao STJ deverá ser realizada por meio de documentação IDÔNEA, não sendo suficiente a simples menção ou referência nas razões recursais.

Para fins de incidência da regra do art. 1.003, §6º, do CPC/2015, é irrelevante que o alegado feriado local tenha previsão em Regimento Interno ou em Código de Organização Judiciária do Estado, pois esses normativos, juntamente com os provimentos, os informativos, as portarias, os atos normativos e afins, são apenas espécies do gênero normativo local expressamente abrangido pela regra processual.

A regra do art. 376 do CPC/2015 (antigo art. 337 do CPC/1973), segundo a qual a parte que alega direito local somente lhe provará teor, vigência e conteúdo se houver determinação judicial, situa-se no âmbito da teoria geral da prova e serve às instâncias ordinárias na atividade instrutória da causa, não se aplicando, todavia, ao juízo de admissibilidade de recurso dirigido ao Superior Tribunal de Justiça, que possui regra ESPECÍFICA.

8.2.3.  Resultado final.

A simples referência à existência de feriado local previsto em Regimento Interno e em Código de Organização Judiciária Estadual não é suficiente para a comprovação de tempestividade do recurso especial nos moldes do art. 1.003, §6º, do CPC/2015.

9.   Abrangência dos honorários advocatícios na ausência de pagamento voluntário da dívida

RECURSO ESPECIAL

No cálculo dos honorários advocatícios devidos na fase de cumprimento de sentença, após escoado o prazo legal para o pagamento voluntário da obrigação, não devem ser incluídas as parcelas vincendas da dívida.

REsp 1.837.146-MS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 11/02/2020, DJe 20/02/2020

9.1. Situação FÁTICA.

A empresa ABC foi condenada ao pagamento de pensão mensal em favor de Ricardo até a plena recuperação deste. Ocorre que, mesmo intimada para tanto em cumprimento de sentença, deixou escoar o prazo e não efetuou os pagamentos.

O juízo de primeiro grau então ordenou a penhora eletrônica via Bacenjud e fixou a verba honorária em 15% (quinze por cento) sobre o TOTAL do débito (vencidas e vincendas), o que acarretou valor significativo à dívida da empresa.

Inconformada, ABC interpôs recurso que foi parcialmente provido pelo Tribunal de Justiça local. Conforme o acórdão, ações de indenização por ato ilícito contra pessoa, o percentual de honorários deverá ser computado sobre a soma das prestações vencidas e, ainda, de doze das parcelas a se vencer.

Cinge-se a controvérsia a definir se, na base de cálculo dos honorários advocatícios devidos na fase de cumprimento de sentença, após escoado o prazo legal para pagamento voluntário da obrigação (art. 523 do CPC/2015), devem ser incluídas as parcelas vincendas da dívida.

9.2. Análise ESTRATÉGICA.

9.2.1.  Questão JURÍDICA.

CPC/2015:

Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. […] § 9º Na ação de indenização por ato ilícito contra pessoa, o percentual de honorários incidirá sobre a soma das prestações vencidas acrescida de 12 (doze) prestações vincendas.

Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver.[…]§ 1º Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput , o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento.

9.2.2.             Qual a base de cálculo aplicável?

R: DEPENDE.

A jurisprudência do STJ firmou o entendimento de que, na fase de CONHECIMENTO, o percentual da verba honorária advocatícia sucumbencial, quando decorrente da condenação em ação indenizatória com vistas à percepção de pensão mensal, deve incidir sobre o somatório das parcelas vencidas, acrescidas de uma anualidade das prestações.

O Código de Processo Civil de 2015, no art. 85, § 9º, incorporou o referido entendimento jurisprudencial ao preceituar que, “na ação de indenização por ato ilícito contra pessoa, o percentual de honorários incidirá sobre a soma das prestações vencidas acrescida de 12 (doze) prestações vincendas”.

Todavia, em relação à fase do cumprimento de sentença, o caput do art. 523 do CPC/2015 estabelece que, “no caso de condenação em quantia certa, (…) o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver”.

Não ocorrendo o pagamento voluntário dentro do prazo legal, o débito será acrescido em 10% (dez por cento) a título de honorários, além da multa (art. 523, § 1º, do CPC/2015). Pela expressão débito, para fins de honorários, deve-se compreender apenas as parcelas vencidas da pensão mensal, visto que, em cumprimento de sentença, o devedor/executado é intimado para adimplir os valores exigíveis naquele momento.

Não pode o executado ser compelido a realizar o pagamento de prestações futuras que ainda não atingiram o prazo de vencimento.

O título executivo, para ser objeto de execução forçada, deve ser exigível, tanto que os arts. 514 e 798, I, “c”, do CPC/2015 determinam que o credor comprove, se for o caso, a ocorrência do termo (vencimento) da obrigação de pagar determinada quantia.

Portanto, a regra inserida no art. 85, § 9º, do CPC/2015, acerca da inclusão de 12 (doze) prestações vincendas na base de cálculos dos honorários advocatícios, é aplicável somente na fase de conhecimento da ação indenizatória. No CUMPRIMENTO DE SENTENÇA, a verba honorária, quando devida, é calculada exclusivamente sobre as parcelas vencidas da pensão mensal.

Fase de CONHECIMENTOCUMPRIMENTO de sentença
Parcelas vencidas + 12 vincendasApenas parcelas VENCIDAS
CPC, art. 85, § 9ºCPC, art. 523, § 1º

Nesse cenário, os honorários devem obedecer as seguintes regras: (i) na fase de conhecimento, havendo condenação em pensão mensal, os honorários advocatícios incidem sobre as parcelas vencidas, acrescidas de 12 (doze) prestações vincendas, de acordo com art. 85, § 9º, do CPC/2015; (ii) iniciado o cumprimento de sentença, caberá ao credor/exequente instruir o requerimento com o valor da dívida e com a verba honorária calculada conforme o item anterior, isto é, vencidas + 12 vincendas (art. 523, caput, do CPC/2015); (iii) escoado o prazo legal de cumprimento voluntário da obrigação (art. 523, caput e § 1º, do CPC/2015), os NOVOS honorários são calculados sobre o valor do débito (vencidas), excluído o montante das parcelas vincendas da pensão.

9.2.3.  Resultado final.

No cálculo dos honorários advocatícios devidos na fase de cumprimento de sentença, após escoado o prazo legal para o pagamento voluntário da obrigação, não devem ser incluídas as parcelas vincendas da dívida.

10.      Extinção total do feito por descumprimento de apresentação de um dos títulos originais

RECURSO ESPECIAL

Descumprida a determinação de emenda a inicial com relação à apresentação do original de uma das cártulas que embasou a monitória, não é juridicamente possível se falar em extinção total da demanda.

REsp 1.837.301-SC, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 18/02/2020, DJe 20/02/2020

10.1.             Situação FÁTICA.

Cobratudo Ltda ajuizou ação monitória em face de Pagonada & Cia Ltda embasada em 04 notas promissórias cujo valor total soma U$ 4.236.383,56. Ocorre que uma das quatro notas citadas foi juntada somente em cópia, razão pela qual o juízo determinou a emenda para que fosse juntado aos autos o título original, sob pena de extinção.

Como a Cobratudo não juntou o título original de todas as promissórias, o juízo quis nem saber e extinguiu o feito sem resolução de mérito, com base nos arts. 267, I e 284 do CPC/1973. As partes apelaram e o Tribunal de Justiça local deu parcial provimento ao recurso do autor para determinar a reforma da sentença em relação às três notas promissórias efetivamente juntadas aos autos.

Pagonada então interpôs recurso especial no qual fundamentou que não seria possível afastar o indeferimento da inicial com relação as notas promissórias efetivamente juntadas aos autos, uma vez que, descumprida a ordem judicial para que ela fosse emendada, não seria possível o seu indeferimento parcial.

10.2.             Análise ESTRATÉGICA.

10.2.1.                Questão JURÍDICA.

CPC/1973:

Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito:

I – quando o juiz indeferir a petição inicial

Art. 284. Verificando o juiz que a petição inicial não preenche os requisitos exigidos nos arts. 282 e 283, ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor a emende, ou a complete, no prazo de 10 (dez) dias. Parágrafo único. Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial.

10.2.2.         Correta a extinção do feito?

R: NÃO.

No caso, o processo foi extinto com fundamento no art. 284, parágrafo único, combinado com o art. 267, I, ambos do CPC/1973, tendo em vista o descumprimento do autor de proceder a emenda à petição inicial para que fosse juntado aos autos documento original de nota promissória.

Na análise do recurso de apelação, reconheceu-se a correção da sentença de extinção com relação aos títulos juntados, concluindo por sua reforma no tocante às demais notas promissórias, por terem sido apresentados os respectivos originais.

Tal entendimento se coaduna com os princípios da celeridade e da economia processual, uma vez que a monitória foi embasada em quatro notas promissórias, das quais somente uma foi apresentada por cópia.

Assim, o descumprimento da ordem judicial para trazer aos autos o original da referida cártula não pode macular o pedido inicial na parte em que o processo foi instruído CORRETAMENTE, nos termos do art. 283 do CPC/1973.

10.2.3.                Resultado final.

Descumprida a determinação de emenda a inicial com relação à apresentação do original de uma das cártulas que embasou a monitória, não é juridicamente possível se falar em extinção total da demanda.

DIREITO DO CONSUMIDOR

11.      Abusividade da cláusula de não renovação do seguro de vida coletivo

RECURSO ESPECIAL

No seguro de vida em grupo, não há abusividade na cláusula que permite a não renovação do contrato ou a renovação condicionada a reajuste por faixa etária.

REsp 1.769.111-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 10/12/2019, DJe 20/02/2020

11.1.             Situação FÁTICA.

Valdir Santos e outros ajuizaram ação em face da Seguradora Aliança visando a declaração de nulidade dos reajustes implementados pela faixa etária dos autores. Pleitearam ainda o reestabelecimento das condições do contrato anteriores ao aumento.

Conforme os autores, no momento da adesão do contrato, ficou previsto e pactuado que o valor do seguro seria repactuado pelo IGPM, mas a seguradora teria realizado alteração unilateral para incluir fator variável baseado na faixa etária. Entendem os autores que tal conduta configura abusividade, má-fé, além de inviabilizar a continuidade da contratação.

A sentença julgou procedente o pedido dos autores, porém foi reformada pelo Tribunal de Justiça local. Conforme o acórdão, não se configura conduta abusiva da seguradora o aumento da prestação vinculado à faixa etária dos segurados.

Cinge-se a controvérsia em saber se há ou não abusividade no reajuste por implemento de idade do contrato de seguro de vida em grupo, quando da formalização da nova apólice.

11.2.             Análise ESTRATÉGICA.

11.2.1.                Questão JURÍDICA.

Lei n. 9.656/1998: Art. 13.  Os contratos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei têm renovação automática a partir do vencimento do prazo inicial de vigência, não cabendo a cobrança de taxas ou qualquer outro valor no ato da renovação.

11.2.2.         A cláusula de não renovação é abusiva?

R: NÃO.

Os contratos de seguros e planos de saúde são pactos cativos por força de lei, por isso renovados automaticamente (art. 13, caput, da Lei n. 9.656/1998), não cabendo, assim, a analogia para a análise da validade das cláusulas dos seguros de vida em grupo. A função econômica do seguro de vida é socializar riscos entre os segurados e, nessa linha, o prêmio exigido pela seguradora por cada segurado é calculado de acordo com a probabilidade de ocorrência do evento danoso. Em contrapartida, na hipótese de ocorrência do sinistro, será pago ao segurado, ou a terceiros beneficiários, certa prestação pecuniária.

Em se tratando de seguros de pessoas, nos contratos individuais, vitalícios ou plurianuais, haverá formação de reserva matemática vinculada a cada participante. Na modalidade coletiva, o regime financeiro é o de repartição simples, não se relacionando ao regime de capitalização.

Assim, é legal a cláusula de não renovação dos seguros de vida em grupo, contratos não vitalícios por natureza, uma vez que a cobertura do sinistro se dá em contraprestação ao pagamento do prêmio pelo segurado, no período determinado de vigência da apólice, não ocorrente, na espécie, a constituição de poupança ou plano de previdência privada.

Dessa forma, a permissão para não renovação dos seguros de vida em grupo ou a renovação condicionada a reajuste que considere a faixa etária do segurado, quando evidenciado o aumento do risco do sinistro, é compatível com o regime de repartição simples, ao qual aqueles pactos são submetidos e contribui para a viabilidade de sua existência, prevenindo, a médio e longo prazos, indesejável onerosidade ao conjunto de segurados.

A cláusula de não renovação do seguro de vida, quando constituiu faculdade conferida a ambas as partes do contrato, assim como a de reajuste do prêmio com base na faixa etária do segurado, mediante prévia notificação, não configuram abusividade e não exigem comprovação do desequilíbrio atuarial-financeiro.

11.2.3.                Resultado final.

No seguro de vida em grupo, não há abusividade na cláusula que permite a não renovação do contrato ou a renovação condicionada a reajuste por faixa etária.

12.      Rol de eventos cobertos da ANS e taxatividade

RECURSO ESPECIAL

O rol de procedimentos e eventos em saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS não é meramente exemplificativo.

REsp 1.733.013-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 10/12/2019, DJe 20/02/2020

12.1.             Situação FÁTICA.

Victor foi acometido por doença que ocasiona desgaste entre as vértebras. Conforme prescrição médica, o melhor tratamento para tanto seria procedimento cirúrgico, porém a operadora do plano de saúde negou tal tratamento por entender que o referido procedimento não é previsto no rol de coberturas obrigatórias da Agência Nacional de Saúde.

A operadora se propôs a custear outro tratamento (mais barato), porém, conforme o autor, tal tratamento seria defasado e poderia implicar em complicações, enquanto o tratamento prescrito pelo médico de Victor seria minimamente invasivo.

O juízo de primeiro grau julgou parcialmente procedente o pedido de Victor e determinou a realização do procedimento indicado pelo médico assistente do autor. Em apelação, o Tribunal de Justiça local afastou a condenação por entender que a prática do plano de saúde configura exercício regular de direito.

Victor então interpôs recurso especial no qual sustentou que o rol de procedimentos obrigatórios previstos pela ANS seria exemplificativo e não taxativo. Também afirmou que o contrato pactuado com a operadora não previa exclusão do procedimento.

12.2.             Análise ESTRATÉGICA.

12.2.1.                Questão JURÍDICA.

Lei n. 9.656/1998: Art. 10.  É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto: […]§ 4o  A amplitude das coberturas, inclusive de transplantes e de procedimentos de alta complexidade, será definida por normas editadas pela ANS

12.2.2.         O rol da ANS é exemplificativo ou taxativo?

R: Exemplificativo!

A Lei n. 9.961/2000 criou a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, que tem por finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde. Extrai-se do art. 10, § 4º, da Lei n. 9.656/1998 c/c o art. 4º, III, da Lei n. 9.961/2000, a atribuição dessa Autarquia de elaborar a lista de procedimentos e eventos em saúde que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei dos Planos e Seguros de Saúde.

Em vista dessa incumbência legal, o art. 2º da Resolução Normativa n. 439/2018 da ANS, que atualmente regulamenta o processo de elaboração do rol, em harmonia com o determinado pelo caput do art. 10 da Lei n. 9.656/1998, esclarece que o rol garante a prevenção, o diagnóstico, o tratamento, a recuperação e a reabilitação de todas as enfermidades que compõem a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde – CID da Organização Mundial da Saúde.

A elaboração do rol, em linha com o que se deduz do Direito Comparado, apresenta diretrizes técnicas relevantes, de inegável e peculiar complexidade, como: utilização dos princípios da Avaliação de Tecnologias em Saúde – ATS; observância aos preceitos da Saúde Baseada em Evidências – SBE; e resguardo da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do setor.

O rol mínimo e obrigatório de procedimentos e eventos em saúde constitui relevante garantia do consumidor para propiciar direito à saúde, com preços acessíveis, contemplando a camada mais ampla e vulnerável da população. Por conseguinte, em revisitação ao exame detido e aprofundado do tema, conclui-se que é inviável o entendimento de que o rol é meramente EXEMPLIFICATIVO e de que a cobertura mínima, paradoxalmente, não tem limitações definidas.

Esse raciocínio tem o condão de encarecer e efetivamente padronizar os planos de saúde, obrigando-lhes, tacitamente, a fornecer qualquer tratamento prescrito, restringindo a livre concorrência e negando vigência aos dispositivos legais que estabelecem o plano-referência de assistência à saúde (plano básico) e a possibilidade de definição contratual de outras coberturas.

Assim, o rol da ANS é solução concebida pelo legislador para harmonização da relação contratual, elaborado de acordo com aferição de segurança, efetividade e impacto econômico. A uníssona doutrina especializada alerta para a necessidade de não se inviabilizar a saúde suplementar.

A disciplina contratual exige uma adequada divisão de ônus e benefícios dos sujeitos como parte de uma mesma comunidade de interesses, objetivos e padrões. Isso tem de ser observado tanto em relação à transferência e distribuição adequada dos riscos quanto à identificação de deveres específicos do fornecedor para assegurar a sustentabilidade, gerindo custos de forma racional e prudente.

12.2.3.                Resultado final.

O rol de procedimentos e eventos em saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS não é meramente exemplificativo.

13.      CDC e redirecionamento da condenação da matriz à filial

RECURSO ESPECIAL

É possível o redirecionamento da condenação de veicular contrapropaganda imposta a posto de gasolina matriz à sua filial.

REsp 1.655.796-MT, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 11/02/2020, DJe 20/02/2020

13.1.             Situação FÁTICA.

O Ministério Público Estadual ajuizou Ação Civil Pública contra o posto Autogás Ltda pela prática de propaganda enganosa por ter comercializado marca de combustível diversa da sua bandeira (Texaco).

O juízo de primeira instância condenou a empresa a exibir na fachada do prédio comercial pelo período de treze meses a seguinte mensagem:” Esta empresa foi condenada judicialmente, em ação proposta pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso, por ter comercializado combustíveis de marcas diversas da bandeira que ostentava entre os anos de 2003 e 2004, o que caracteriza PUBLICIDADE ENGANOSA”.

Ocorre que a Autogás era a empresa matriz e já havia realizado pedido de recuperação judicial. Posteriormente ainda, a empresa matriz encerrou suas atividades. O juízo então determinou que a contrapropaganda fosse realizada por uma das filiais da Autogás.

Inconformada, Autogás questionou tal decisão. Alegou que a filial não teria participado da ação original, além de possuir outra bandeira de combustível (Petrobrás). O Tribunal de Justiça local manteve a decisão do juízo de primeira instância por entender hígida e cabível tal determinação.

Cinge-se a controvérsia a definir a possibilidade de redirecionamento da condenação pela prática de propaganda enganosa (arts. 56, XII, e 60 do Código de Defesa do Consumidor) imposta a posto de gasolina matriz à sua filial, que restou obrigada a veicular a contrapropaganda.

13.2.             Análise ESTRATÉGICA.

13.2.1.                Questão JURÍDICA.

Código de Defesa do Consumidor:

Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas:[…] XII – imposição de contrapropaganda.

Art. 60. A imposição de contrapropaganda será cominada quando o fornecedor incorrer na prática de publicidade enganosa ou abusiva, nos termos do art. 36 e seus parágrafos, sempre às expensas do infrator.[…] § 1º A contrapropaganda será divulgada pelo responsável da mesma forma, freqüência e dimensão e, preferencialmente no mesmo veículo, local, espaço e horário, de forma capaz de desfazer o malefício da publicidade enganosa ou abusiva.

13.2.2.         Cabe o redirecionamento?

R: SIM.

 No caso, a empresa matriz foi condenada pela prática de propaganda enganosa por ter comercializado marca de combustível diversa da sua bandeira, restando condenada a veicular contrapropaganda, cujo cumprimento da ordem foi redirecionado à empresa filial.

Nesse sentido, salienta-se que embora possuam CNPJ diversos e autonomia administrativa e operacional, as filiais são um desdobramento da matriz por integrar a pessoa jurídica como um todo. Assim, eventual decisão contrária à matriz por atos prejudiciais a consumidores é extensível às filiais.

Sob a ótica consumerista é INDIFERENTE qual a empresa infratora, incidindo à hipótese a teoria da aparência. O consumidor ao buscar os produtos ofertados, desconhece os meandros empresariais, que não lhe dizem respeito.

“Os integrantes da cadeia de consumo, em ação indenizatória consumerista, também são responsáveis pelo danos gerados ao consumidor, não cabendo a alegação de que o dano foi gerado por culpa exclusiva de um dos seus integrantes” (AgRg no AREsp 207.708/SP, Relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe 3/10/2013).

Ademais, a contrapropaganda é a sanção prevista para a prática de propaganda enganosa ou abusiva, tendo como um dos seus intuitos evitar a nocividade causada ao mercado consumidor desse tipo de conduta comercial. Desse modo, a filial deve cumprir o comando judicial, de modo a evitar que novas ofensas ao direito consumerista sejam reiteradas.

A circunstância de a matriz ter encerrado suas atividades em determinada cidade e sido transferida para outro município, onde supostamente ainda penderia de construção um novo posto de combustível, com outra bandeira, não obstaculiza a observância da medida pela filial em prol dos consumidores, seja por inexistência de impedimento para tanto, seja pela importância de se evitar práticas similares.

13.2.3.                Resultado final.

É possível o redirecionamento da condenação de veicular contrapropaganda imposta a posto de gasolina matriz à sua filial.

14.      Possibilidade de flexibilização da súmula 385/STJ

RECURSO ESPECIAL

Admite-se a flexibilização da orientação contida na súmula 385/STJ para reconhecer o dano moral decorrente da inscrição indevida do nome do consumidor em cadastro restritivo, ainda que não tenha havido o trânsito em julgado das outras demandas em que se apontava a irregularidade das anotações preexistentes, desde que haja nos autos elementos aptos a demonstrar a verossimilhança das alegações.

REsp 1.704.002-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 11/02/2020, DJe 13/02/2020

14.1.             Situação FÁTICA.

Vizeu ajuizou ação declaratória da inexistência de débito cumulada com pedido de danos morais em face do Banco Brazuca Cartões S.A., devido à inscrição de seu nome em órgãos de restrição ao crédito. O juízo de primeiro grau deferiu o pedido para declarar a inexistência do débito, mas negou a compensação dos danos morais em razão da preexistência de anotações em nome de Vizeu.

Em recurso, o Tribunal de Justiça local manteve a sentença com base na súmula 385 do STJ. Conforme o acórdão, a preexistência de inscrição impede a configuração de danos morais no caso examinado.

Vizeu então interpôs recurso especial e sustentou a inaplicabilidade da citada súmula. Argumentou que as outras inscrições preexistentes em seu nome também seriam indevidas e estariam sendo questionadas judicialmente.

Cinge-se a controvérsia a decidir se a anotação indevida do nome do consumidor em órgão de restrição ao crédito, quando preexistentes outras inscrições cuja regularidade é questionada judicialmente, configura dano moral a ser compensado

14.2.             Análise ESTRATÉGICA.

14.2.1.                Questão JURÍDICA.

Súmula 385/STJ: Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento.

14.2.2.         É possível a flexibilização mencionada por Vizeu?

R: SIM.

Consoante a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, não cabe indenização por dano moral por inscrição irregular em órgãos de proteção ao crédito quando preexistem anotações legítimas, nos termos da Súmula 385/STJ, aplicável também às instituições credoras.

Igualmente, mostra-se acertado o entendimento do Tribunal de origem no sentido de que, até o reconhecimento judicial definitivo acerca da inexigibilidade do débito, deve ser presumida como legítima a anotação realizada pelo credor junto aos cadastros restritivos. E essa presunção, em regra, não é ilidida pela simples juntada de extratos comprovando o ajuizamento de ações com a finalidade de contestar as demais anotações.

Nada obstante, tal raciocínio, em determinadas hipóteses, pode colocar o consumidor em situação excessivamente desfavorável e de complexa solução, especialmente quando as ações forem ajuizadas concomitantemente – como na espécie – ou em curto espaço de tempo, na medida em que ele se vê numa espécie de “CÍRCULO VICIOSO“, porquanto o reconhecimento do dano moral em cada um dos processos ajuizados estaria, em tese, condicionado ao trânsito em julgado dos demais, nos quais, por sua vez, não se concederia a respectiva indenização devido à pendência das outras demandas em que a regularidade dos mesmos registros está sendo discutida.

Certo é que não se pode admitir que seja dificultada a defesa dos direitos do consumidor em juízo, exigindo-se, como regra absoluta, o trânsito em julgado de todas as sentenças que declararam a inexigibilidade de todos os débitos e, consequentemente, a irregularidade de todas as anotações anteriores em cadastro de inadimplentes para, só então, reconhecer o dano moral.

Atenta a esse aspecto, a Terceira Turma, ao julgar o REsp 1.647.795/RO admitiu a flexibilização da orientação contida na Súmula 385/STJ para reconhecer o dano moral decorrente da inscrição indevida do nome da consumidora em cadastro restritivo, ainda que não tenha havido o trânsito em julgado das outras demandas em que se apontava a irregularidade das anotações preexistentes (julgado em 05/10/2017, DJe 13/10/2017).

Portanto, a fim de que se possa FLEXIBILIZAR a aplicação da Súmula 385/STJ há de haver nos autos elementos aptos a demonstrar a verossimilhança das alegações do consumidor quanto à irregularidade das anotações preexistentes.

14.2.3.                Resultado final.

Admite-se a flexibilização da orientação contida na súmula 385/STJ para reconhecer o dano moral decorrente da inscrição indevida do nome do consumidor em cadastro restritivo, ainda que não tenha havido o trânsito em julgado das outras demandas em que se apontava a irregularidade das anotações preexistentes, desde que haja nos autos elementos aptos a demonstrar a verossimilhança das alegações.

15.      Substituição da associação autora em Ação Civil Pública

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL

Em ação civil pública, é possível a substituição da associação autora por outra associação caso a primeira venha a ser dissolvida.

EDcl no REsp 1.405.697-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/09/2019, DJe 17/09/2019

15.1.             Situação FÁTICA.

A Associação Nacional dos Consumidores ajuizou certa ação coletiva contra o Banco Safira. No tramitar do processo, o Instituto Estadual de Defesa do Consumidor informou que a autora original foi dissolvida e requereu sua integração no feito na qualidade de demandante, em substituição à autora original.

O banco não concordou com o pedido e requereu a extinção do feito sem julgamento do mérito, no entanto, o Tribunal de Justiça local manteve a decisão que deferiu o pedido de substituição processual.

Cinge-se a controvérsia em saber se há possibilidade de outra associação assumir a titularidade de processo coletivo já em andamento.

15.2.             Análise ESTRATÉGICA.

15.2.1.         Cabe substituição?

R: SIM.

Esclareça-se, de início, que o acórdão embargado parte, de modo expresso, da premissa de que o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário n. 573.232/SC, com a repercussão geral a ele inerente, e sob o rito do art. 543-B, do CPC, cuja tese deve ser observada pelos demais órgãos integrantes do Poder Judiciário, teria reconhecido, para a correta delimitação da legitimação de associação para promover ação coletiva, a necessidade de expressa autorização dos associados para a defesa de seus direitos em juízo, seja individualmente, seja por deliberação assemblear, não bastando, para tanto, a previsão genérica no respectivo estatuto.

Desse modo, o acórdão embargado propôs o alinhamento ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, consignando-se que, para a correta delimitação da legitimação da associação para promover ação coletiva, em representação aos seus associados, haveria que se estar presente, necessariamente, a expressa autorização destes para tal fim, seja individualmente, seja por deliberação assemblear, afigurando-se insuficiente a previsão genérica no respectivo estatuto.

Ocorre que a própria Suprema Corte, posteriormente, acolheu os embargos de declaração no RE n. 612.043/PR para esclarecer que o entendimento nele firmado alcança tão somente as ações coletivas submetidas ao rito ordinário, pois são direitos meramente individuais, no qual o autor se limita a representar os titulares do direito material, atuando na defesa de interesses alheios e em nome alheio, o que não ocorre nas ações civis públicas.

Constatada, assim, a inaplicabilidade do entendimento adotado pelo STF à hipótese dos autos, tal como posteriormente esclarecido pela própria Excelsa Corte, é de se reconhecer, pois, a insubsistência da premissa levada a efeito pelo acórdão embargado, assim como a fundamentação ali deduzida, a ensejar, uma vez superado o erro de premissa ora reconhecido, o rejulgamento do recurso.

Na hipótese dos autos, Associação Nacional dos Consumidores de Crédito – ANDEC, entidade originariamente autora da presente ação coletiva, foi dissolvida, razão pela qual Polisdec – Instituto Mineiro de Políticas Sociais e de Defesa do Consumidor -, constituído há mais de um 1 (ano) e com a mesma finalidade temática, requereu sua integração no feito na qualidade de demandante, em substituição à Andec.

Tal pretensão, de fato, é plenamente possível, haja vista que o microssistema de defesa dos interesses coletivos privilegia o aproveitamento do processo coletivo, possibilitando a sucessão da parte autora pelo Ministério Público ou por algum outro colegitimado, mormente em decorrência da importância dos interesses envolvidos em demandas coletivas.

15.2.2.                Resultado final.

Em ação civil pública, é possível a substituição da associação autora por outra associação caso a primeira venha a ser dissolvida.

16.      CDI como base referencial dos encargos do contrato de abertura de crédito

RECURSO ESPECIAL

É admissível a estipulação dos encargos financeiros de contrato de abertura de crédito em percentual sobre a taxa média aplicável aos Certificados de Depósitos Interbancários (CDIs).

REsp 1.781.959-SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 11/02/2020, DJe 20/02/2020

16.1.             Situação FÁTICA.

Plast Ltda., indústria de embalagens plásticas, ajuizou ação revisional em face de Banco Brasileiro S.A. na qual requereu a revisão do contrato de abertura de crédito para capital de giro e desconto de cheques e duplicatas. Conforme o autor da ação, os contratos foram celebrados com cláusula prevendo a taxa média dos Certificados de Depósitos Interbancários (CDIs), o que configuraria abusividade.

O pedido foi parcialmente acolhido pelo Tribunal de Justiça local que entendeu inaplicável o CDI como encargo financeiro, uma vez que “não pode ser utilizado como encargo remuneratório do contrato, conforme a orientação contida na súmula n. 176 do Superior Tribunal de Justiça: ‘É nula a cláusula contratual que sujeita o devedor a taxa de juros divulgada pela ANBID/CETIP”.

O Banco Brasileiro interpôs recurso especial no qual defendeu que o ordenamento jurídico pátrio permite a permite a utilização do CDI como parâmetro para remunerar o capital emprestado (juros remuneratórios), especialmente em contratos de crédito fixo.

16.2.             Análise ESTRATÉGICA.

16.2.1.                Questão JURÍDICA.

Súmula 176 STJ: É nula a cláusula contratual que sujeita o devedor a taxa de juros divulgada pela ANBID/CETIP.

16.2.2.         Válido o CDI como base dos encargos?

R: SIM.

De acordo com as normas aplicáveis às operações ativas e passivas de que trata a Resolução n. 1.143/1986, do Conselho Monetário Nacional, não há óbice em se adotar as taxas de juros praticadas nas operações de depósitos interfinanceiros como base para o reajuste periódico das taxas flutuantes, desde que calculadas com regularidade e amplamente divulgadas ao público.

O depósito interfinanceiro (DI) é o instrumento por meio do qual ocorre a troca de recursos exclusivamente entre instituições financeiras, de forma a conferir maior liquidez ao mercado bancário e permitir que as instituições que têm recursos sobrando possam emprestar àquelas que estão em posição deficitária.

Nos depósitos interbancários, como em qualquer outro tipo de empréstimo, a instituição tomadora paga juros à instituição emitente. A denominada Taxa CDI, ou simplesmente DI, é calculada com base nas taxas aplicadas em tais operações, refletindo, portanto, o custo de captação de moeda suportado pelos bancos.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que é potestativa a cláusula que deixa ao arbítrio das instituições financeiras, ou associação de classe que as representa, o cálculo dos encargos cobrados nos contratos bancários.

No entanto, não é potestativa a cláusula que estipula os encargos financeiros de contrato de abertura de crédito em percentual sobre a taxa média aplicável aos Certificados de Depósitos Interbancários (CDIs), visto que tal indexador é definido pelo mercado, a partir das oscilações econômico-financeiras, não se sujeitando a manipulações que possam atender aos interesses das instituições financeiras.

 Por fim, pontua-se a inaplicabilidade da Súmula n. 176/STJ (É nula a cláusula contratual que sujeita o devedor a taxa de juros divulgada pela ANBID/CETIP) ao caso, considerando que a Taxa DI não se confunde com a Taxa ANBID.

Conclui-se, portanto, que não é abusiva, por si só, a adoção da taxa média aplicável aos Certificados de Depósitos Interbancários (CDIs) como parâmetro para a estipulação dos encargos financeiros em contrato de abertura de crédito, podendo eventual abusividade ser verificada no julgamento do caso concreto em função do percentual fixado pela instituição financeira, comparado às taxas médias de mercado regularmente divulgadas pelo Banco Central do Brasil para as operações da mesma espécie.

16.2.3.                Resultado final.

É admissível a estipulação dos encargos financeiros de contrato de abertura de crédito em percentual sobre a taxa média aplicável aos Certificados de Depósitos Interbancários (CDIs).

DIREITO EMPRESARIAL

17.      Recuperação judicial e crédito do não repasse dos prêmios em representação de seguro

RECURSO ESPECIAL

O crédito titularizado pela sociedade de seguros, decorrente do não repasse dos prêmios em contrato de representação de seguro, submete-se à recuperação judicial da empresa representante.

REsp 1.559.595-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/12/2019, DJe 13/12/2019

17.1.             Situação FÁTICA.

Conexão Celulares Ltda e Maia Eletrônicos firmaram contrato de representação de seguros com a seguradora Cobretudo S.A. em novembro de 2011. Conforme tal contrato, as duas empresas ofereciam aos clientes a possibilidade de contratação da “garantia estendida” aos aparelhos telefônicos vendidos.

Na prática, deveria funcionar da seguinte forma: “os prêmios de seguro eram pagos pelos segurados, no ato do pagamento do valor correspondente à aquisição dos bens comercializados pelas Conexão e a Maia”. Também ficou pactuado que valor global dos prêmios arrecadados devia ser mensalmente repassado, em única parcela, à Cobretudo S.A.

Ocorre que as contratantes tiveram algumas dificuldades financeiras e além de não repassar os valores devidos à seguradora (R$ 662.483,69 e R$ 495.119,53), ainda requereram recuperação judicial. A seguradora ajuizou ação de cobrança, na qual defendeu que os valores que lhe eram devidos não deveriam se submeter à recuperação judicial, uma vez que o dinheiro pertenceria à seguradora, faltando apenas o mero repasse por parte das rés.

O juízo recuperacional não acolheu tal pedido por entender que haveria um misto entre as obrigações de mandato e depósito, aplicando-se então as regras do mútuo. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça local pelos mesmos motivos.

A controvérsia centra-se em saber se o crédito titularizado pela sociedade de seguros – decorrente do descumprimento do contrato de representação de seguro, no ramo garantia estendida, pelo não repasse dos prêmios, por parte das empresas que figuraram como representante de seguros – submete-se ou não aos efeitos da superveniente recuperação judicial destas últimas.

17.2.             Análise ESTRATÉGICA.

17.2.1.                Questão JURÍDICA.

Código Civil de 2002:

Art. 587. Este empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição.

Art. 627. Pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel, para guardar, até que o depositante o reclame.

Art. 645. O depósito de coisas fungíveis, em que o depositário se obrigue a restituir objetos do mesmo gênero, qualidade e quantidade, regular-se-á pelo disposto acerca do mútuo.

Art. 710. Pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada. Parágrafo único. O proponente pode conferir poderes ao agente para que este o represente na conclusão dos contratos.

17.2.2.         A seguradora tem razão?

R: NÃO.

O contrato de representação de seguro é espécie do chamado “contrato de agência”, previsto nos arts. 710 e seguintes do Código Civil, voltado especificamente à realização de determinados tipos de seguro, em geral, os microsseguros, em que o agente/representante toma para si a obrigação de realizar, em nome da seguradora representada, mediante a retribuição, a contratação de determinados tipos de seguros, diretamente com terceiros interessados.

O crédito em comento advém do vínculo contratual estabelecido entre as partes, sendo que, uma vez realizado, pelo agente de seguros, o contrato de garantia estendida com terceiros, com o recebimento dos correlatos prêmios (com retenção de sua remuneração), em nome da sociedade de seguros, esta passa a ser credora do representante, o qual deve proceder à sua contraprestação (de repassar/restituir/entregar os prêmios), no prazo estipulado.

O que realmente é relevante para definir se o aludido crédito se submete ou não à recuperação judicial é aferir a que título a representante de seguros recebe os valores dos prêmios e a que título estes permanecem em seu poder, até que, nos termos ajustados contratualmente, deva proceder ao repasse à seguradora.

No particular, o agente de seguros recebe os prêmios, consistentes em determinada soma de dinheiro – bem móvel fungível por excelência -, na condição de mandatário da sociedade de seguros, conservando-os em seu poder até o prazo estipulado, termo a partir do qual haveria de repassá-los à sociedade de seguros.

O representante de seguro, ao ter em sua guarda determinada soma de dinheiro, em caráter provisório e com a incumbência de entregar tal valor ao mandante (afinal, o recebeu em nome da sociedade seguradora), assim o faz na condição de DEPOSITÁRIO, devendo-se, pois, observar o respectivo regramento legal. Afinal, tal como se dá na espécie, no depósito, o depositário recebe um objeto móvel, para guardar, até que o depositante o reclame (art. 627 do CC).

A esse propósito, dispõe o art. 645 do Código Civil que “o depósito de coisas fungíveis, em que o depositário se obriga a restituir objetos do mesmo gênero, qualidade e quantidade, regular-se-á pelo disposto acerca do mútuo”. E, de acordo com o tratamento legal ofertado ao mútuo (empréstimo de coisa fungível), dá-se a transferência de domínio da coisa “depositada” [emprestada] ao “depositário” [mutuário], “por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição” (art. 587 do Código Civil).

Conclui-se, assim, que o representante de seguro, ao ter em sua guarda determinada soma de dinheiro, em caráter provisório e com a incumbência de entregá-la à sociedade de seguros, assim o faz na condição de depositário, cujo tratamento legal, em se tratando de bem móvel fungível, como é a pecúnia, determina a transferência de propriedade, a ensejar, por consequência, a submissão de seu credor ao concurso recuperacional necessariamente. 

17.2.3.                Resultado final.

O crédito titularizado pela sociedade de seguros, decorrente do não repasse dos prêmios em contrato de representação de seguro, submete-se à recuperação judicial da empresa representante.

18.      Prestação de serviços contábeis e sujeição à recuperação judicial

RECURSO ESPECIAL

Os créditos decorrentes da prestação de serviços contábeis e afins, mesmo que titularizados por sociedade simples, são equiparados aos créditos trabalhistas para efeitos de sujeição ao processo de recuperação judicial.

REsp 1.851.770-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 18/02/2020, DJe 20/02/2020

18.1.             Situação FÁTICA.

Guerra e Paz Auditores Independentes S/S é uma sociedade simples formada por dois contadores especializados em auditoria para redução de tributos. A empresa Tranpor Ltda contratou os serviços da Guerra e Paz, porém não pagou os honorários pactuados e requereu recuperação judicial.

Após o deferimento da recuperação judicial, Guerra e Paz habilitou seu crédito junto ao juízo recuperacional e requereu que tal quantia fosse classificada como crédito trabalhista. O pedido foi negado por se tratar de sociedade simples, o que impediria o enquadramento do crédito como trabalhista.

Guerra e Paz, indisposta a ficar no prejuízo, interpôs recurso o qual foi provido pelo Tribunal de Justiça local. Conforme o acórdão, os honorários devidos à sociedade simples possuem natureza alimentar e, portanto, a eles deve se estender a preferência do crédito trabalhista.

A transportadora então interpôs recurso especial por entender que apenas os créditos derivados da legislação do trabalho podem integrar a “classe I – trabalhistas”, no Quadro Geral de Credores. Alegou ainda que o contrato pactuado reflete nada mais que uma prestação de serviços pactuada entre duas pessoas jurídicas, a qual, por óbvio, não é regida pela legislação trabalhista.

Cinge-se a controvérsia em definir se créditos decorrentes da prestação de serviços contábeis e afins podem ser equiparados aos trabalhistas para efeitos de sujeição ao processo de recuperação judicial da devedora.

18.2.             Análise ESTRATÉGICA.

18.2.1.                Questão JURÍDICA.

Lei n. 4.886/1965:

Art. 1º Exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de emprêgo, que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para, transmití-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios. Parágrafo único. Quando a representação comercial incluir podêres atinentes ao mandato mercantil, serão aplicáveis, quanto ao exercício dêste, os preceitos próprios da legislação comercial.

Art. 44. No caso de falência do representado as importâncias por ele devidas ao representante comercial, relacionadas com a representação, inclusive comissões vencidas e vincendas, indenização e aviso prévio, serão considerados créditos da mesma natureza dos créditos trabalhistas. Parágrafo único. Prescreve em cinco anos a ação do representante comercial para pleitear a retribuição que lhe é devida e os demais direitos que lhe são garantidos por esta lei.

18.2.2.         Os contadores terão preferência no recebimento dos honorários?

R: SIM.

Segundo a definição encontrada em dicionários técnico-jurídicos, o termo honorários alude à compensação pecuniária devida em razão de serviços prestados por profissionais liberais, como advogados, médicos, contadores, engenheiros etc.

O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE 146.318 (Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ 04/04/1997), manifestou entendimento no sentido de que verbas honorárias possuem natureza ALIMENTAR, tendo consignado, nessa assentada, que, “embora a honorária não tenha a natureza jurídica do salário, dele não se distingue em sua finalidade, que é a mesma.

A honorária é, em suma, um salário ad honorem pela nobreza do serviço prestado. Tem, portanto, caráter alimentar, porque os profissionais liberais dele se utilizam para sua mantença e de seu escritório ou consultório”. É certo, igualmente, que o STJ, ao se deparar com a questão atinente à ordem de classificação dos créditos em processos de execução concursal, tem conferido a esses honorários tratamento análogo àquele dispensado aos créditos TRABALHISTAS.

Essa posição da jurisprudência decorre do reconhecimento de que tanto a verba honorária quanto créditos de origem trabalhista constituem rubricas que ostentam a mesma natureza alimentar. Como consequência dessa afinidade ontológica, impõe-se dispensar-lhes tratamento ISONÔMICO, de modo que aqueles devem seguir os ditames aplicáveis às quantias devidas em virtude da relação de emprego. Há, todavia, na hipótese, outra especificidade que precisa ser considerada: o fato de a verba honorária ora discutida ser devida a uma sociedade simples, formada por contadores.

Em primeiro lugar, NÃO é de todo inusitado que seja reconhecida às receitas auferidas por uma pessoa jurídica natureza alimentar, do que é exemplo a remuneração recebida por representantes comerciais, equiparada, para fins falimentares, aos créditos trabalhistas (art. 44 da Lei n. 4.886/1965), muito embora os representantes comerciais possam se organizar em torno de uma sociedade (art. 1º da mesma lei).

Em segundo lugar, uma sociedade simples, como a da hipótese, é um tipo de sociedade NÃO empresária, constituída sobretudo para a exploração da atividade de prestação de serviços decorrentes da atividade intelectual correspondente à especialização profissional de seus membros (no particular, a atividade é estritamente ligada à contabilidade).

Portanto, as sociedades simples constituem sociedades nas quais o caráter PESSOAL é que predomina – cujo único objeto possível, no particular, é o exercício da atividade de contabilidade.

Nesse panorama, considerando que as receitas auferidas pela sociedade são provenientes de uma única atividade – assessoria contábil – cuja remuneração é considerada de caráter alimentar, inexiste motivo para classificar os créditos por ela titularizados, no processo de recuperação judicial da devedora, de maneira diversa daquela que seriam classificados aqueles devidos às pessoas físicas no desempenho das mesmas atividades.

18.2.3.                Resultado final.

Os créditos decorrentes da prestação de serviços contábeis e afins, mesmo que titularizados por sociedade simples, são equiparados aos créditos trabalhistas para efeitos de sujeição ao processo de recuperação judicial.

DIREITO PENAL

19.      Qualificadora no crime de furto e princípio da insignificância

HABEAS CORPUS

A despeito da presença de qualificadora no crime de furto possa, à primeira vista, impedir o reconhecimento da atipicidade material da conduta, a análise conjunta das circunstâncias pode demonstrar a ausência de lesividade do fato imputado, recomendando a aplicação do princípio da insignificância.

HC 553.872-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 11/02/2020, DJe 17/02/2020

19.1.             Situação FÁTICA.

Vilma e Rosana foram denunciadas pelo delito de furto (em concurso de pessoas) de produtos alimentícios (dois pacotes de linguiça, um litro de vinho, uma lata de refrigerante e quatro salgados, avaliados em R$ 69,23) ocorrido no dia 26/04/2019 em supermercado. A denúncia foi inicialmente rejeitada pelo juízo de primeiro grau que reconheceu a excludente do estado de necessidade, além da atipicidade da conduta.

Inconformado, o Ministério Público apresentou recurso em sentido estrito o qual foi provido pelo Tribunal de Justiça local, que determinou o prosseguimento da ação.

 A Defensoria Pública então impetrou Habeas Corpus por entender que a conduta se configura atípica, dada a natureza alimentícia dos bens e o baixo valor destes (inferior a 10% do salário mínimo vigente à época). Sustentou ainda que os bens foram restituídos ao supermercado de onde foram subtraídos, o que configura ausência de prejuízo à vítima.

19.2.             Análise ESTRATÉGICA.

19.2.1.         Cabe aplicação do princípio da bagatela mesmo com a qualificadora do CONCURSO de agentes?

R: SIM.

A admissão da ocorrência de um crime de bagatela reflete o entendimento de que o Direito Penal deve intervir somente nos casos em que a conduta ocasionar lesão jurídica de certa gravidade, devendo ser reconhecida a atipicidade material de perturbações jurídicas mínimas ou leves, estas consideradas não só no seu sentido econômico, mas também em função do grau de afetação da ordem social que ocasionem.

 O referido princípio deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal, no sentido de excluir ou afastar a própria tipicidade penal, observando-se a presença de “certos vetores, como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada” (HC n. 98.152/MG, Rel. Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 5/6/2009).

Na hipótese analisada, verifica-se que os fatos autorizam a incidência EXCEPCIONAL do princípio da insignificância, haja vista as circunstâncias em que o delito ocorreu. Muito embora esteja presente uma circunstância qualificadora – o concurso de agentes – os demais elementos descritos nos autos permitem concluir que, neste caso, a conduta perpetrada não apresenta grau de lesividade suficiente para atrair a incidência da norma penal, considerando a natureza dos bens subtraídos (gêneros alimentícios) e seu valor reduzido.

19.2.2.                Resultado final.

A despeito da presença de qualificadora no crime de furto possa, à primeira vista, impedir o reconhecimento da atipicidade material da conduta, a análise conjunta das circunstâncias pode demonstrar a ausência de lesividade do fato imputado, recomendando a aplicação do princípio da insignificância.

20.      Compatibilidade do meio cruel com dolo eventual

RECURSO ESPECIAL

A qualificadora do meio cruel é compatível com o dolo eventual.

REsp 1.829.601-PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 04/02/2020, DJe 12/02/2020

20.1.             Situação FÁTICA.

Marcinho estava conduzindo caminhonete sem habilitação, sendo que ao realizar certa manobra, desrespeitou a preferência de passagem do pedestre, vindo a atropelar a Vanderlei, sendo que apesar dos gritos, buzinas e avisos dos populares que presenciaram a cena, ainda assim fugiu do local em alta velocidade, com a vítima presa nas ferragens da caminhonete, arrastando-a por mais de 500 metros, sendo que o ofendido somente se desprendeu quando o réu teria passado sobre uma lombada.

A investigação policial concluiu que Marcinho tinha conhecimento do atropelamento, uma vez que ocorreu de manhã, em plena luz do dia, com vidros abertos e inúmeras testemunhas gritando e sinalizando para que parasse o veículo.

Em primeiro grau, afastou-se a incidência de meio cruel por entender que por servir de fundamento para a configuração do dolo eventual, os fatos que a princípio ensejariam a crueldade do meio não poderiam ser utilizados para qualificar o crime.

Em recurso, o Tribunal de Justiça local decidiu que o réu deveria ser encaminhado a julgamento pelo Tribunal do Júri pela prática do crime de homicídio simples, na modalidade de dolo eventual. Tal decisão foi fundamentada na dupla valoração do fato de a vítima ter sido arrastada por 500 metros (dolo eventual e meio cruel), o que implicaria em bis in idem.

Inconformado, o parquet interpôs recurso especial e sustentou que a dupla avaliação de um mesmo fato, em subcategorias jurídicas diversas, não implica “bis in idem“.

20.2.             Análise ESTRATÉGICA.

20.2.1.                Questão JURÍDICA.

Código Penal: Art. 121. Matar alguém: […] § 2° Se o homicídio é cometido: […] III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

20.2.2.         O meio cruel é compatível com dolo EVENTUAL?

R: SIM.

No caso concreto, o acórdão, mantendo a sentença de pronúncia no que se refere à materialidade, à autoria e ao elemento subjetivo do agente (dolo eventual), afastou a qualificadora do meio cruel, ao entendimento de que, por servir de fundamento para a configuração do dolo eventual, os fatos que a princípio ensejariam a crueldade do meio não poderiam ser utilizados para qualificar o crime.

Tal entendimento não se harmoniza com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual não há falar em incompatibilidade entre o dolo eventual e a qualificadora do meio cruel (art. 121, § 2º, III, do CP). O dolo do agente, seja direto ou indireto, não exclui a possibilidade de o homicídio ter sido praticado com o emprego de meio mais reprovável, tais quais aqueles descritos no tipo penal relativo à mencionada qualificadora.

20.2.3.                Resultado final.

A qualificadora do meio cruel é compatível com o dolo eventual.

Jean Vilbert

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