Com a publicação do Informativo STJ 618, selecionei para análise a Súmula 601. Aqui você vai poder conhecer mais detalhes acerca do conteúdo teórico sobre o qual esta súmula, editada em fevereiro de 2017, versa.
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Segundo art. 11, VI, Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça:
Art. 11. Compete à Corte Especial processar e julgar:
VII – sumular a jurisprudência uniforme comum às Seções e deliberar sobre a alteração e o cancelamento de suas súmulas;
No exercício dessa atividade, a Corte Especial do STJ, no dia 07/02/2018, editou a súmula nº 601, que resume o entendimento já consolidado em seus julgamentos:
Súmula 601, STJ: O Ministério Público tem legitimidade ativa para atuar na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores, ainda que decorrentes da prestação de serviço público.
A súmula foi uma concretização do pensamento já assente nos Tribunais no sentido de que o Ministério Público tem legitimidade ativa para intentar ação civil pública para defesa de:
a) qualquer direito difuso:
b) qualquer direito coletivo stricto sensu;
c) direitos individuais homogêneos desde que:
i- sejam direitos indisponíveis OU
ii- sejam direitos disponíveis de interesse social (aqui incluída a parte final da súmula “DIH dos consumidores, ainda que decorrentes da prestação de serviço público”, como é o caso de ação que discute a legalidade da tarifa de transporte público – STJ, 1ª Turma, REsp nº 929.792/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, d.j. 18/02/2016)
Vamos por partes!
Em nossas aulas, vemos que o Processo Civil passou por 4 fases, quais sejam, Imanentismo; Autonomismo; Instrumentalismo/Acesso à Justiça e Neoprocessualismo.
Na terceira fase (Instrumentalismo/Acesso à Justiça), como livro representativo desse momento pós 2ª Guerra Mundial, tivemos a obra “Acesso à Justiça”, do italiano Mauro Cappelletti e do norte-americano Bryant Garth (esse tema já caiu em prova), em que os autores analisam as deficiências de alguns sistemas jurídicos do ocidente e propõem uma reformulação do Processo pela adoção de 3 ondas renovatórias, quais sejam:
i) luta pela assistência judiciária (justiça aos pobres);
ii) representação dos interesses difusos (coletivização do processo);
iii) novo enfoque de acesso à justiça (efetividade do processo).
Analisando mais de perto a segunda onda renovatória, percebeu-se que a coletivização do processo era uma medida imprescindível.
Na sociedade de risco, o avanço técnico-econômico promoveu o acesso de grande parte da população aos bens de consumo, mas também fez com que riscos sociais, políticos, econômicos e industriais tomassem proporções cada vez maiores. Os problemas se tornaram cada vez mais massificados, abrangentes, bem como se tornaram importantes os direitos de titularidade indeterminada (ex: direito ambiental, direito do consumidor etc.).
O processo, antes voltado para demandas atomizadas, individualizadas, necessitava de soluções únicas para demandas molecularizadas, coletivas, em que se resolveriam vários problemas de uma única vez.
Como exemplo de implantação dessa segunda onda renovatória no Direito Brasileiro, poderíamos citar todo o microssistema da Tutela Coletiva, formada, em seu núcleo duro, pela Lei de Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85) e pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.072/90), e, em seu derredor, por diversas outras leis, tais como Lei n. 4717/65 – ação popular; Lei n. 6938/81 – política nacional do meio ambiente; Lei 7.513/86 – investidores dos mercados de valores mobiliários; Lei n. 7853/89 – pessoas portadoras de deficiência; Lei n. 8069/90 – ECA; Lei n. 8492/92 – improbidade administrativa; Lei n. 10471/03 – estatuto do idoso; Lei n. 10671/03 – estatuto do torcedor (equiparado a consumidor); Lei n. 12016 – MS, Lei n. 12846/13 – anticorrupção; Lei n. 13.300/16 – mandado de injunção.
Sabendo como chegamos a essa microssistema atualmente existente, devemos entender que a Tutela Coletiva é um conjunto de normas que servem de instrumento para proteção de direitos materiais específicos.
E quais são esses direitos? São os direitos transindividuais, de titularidade coletiva.
Esses direitos são organizados em um gênero direitos coletivos lato sensu, cujas espécies são os direitos difusos, direitos coletivos stricto sensu e direitos individuais homogêneos.
Os conceitos estão no art. 81, parágrafo único, CDC:
Art. 81. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
Exs: direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, CRFB), moralidade administrativa, publicidade enganosa etc.
II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
Exs: interesses ligados a membros de um sindicato, associação, partido, conselho, a exemplo da OAB.
III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.
Exs: causas previdenciárias, planos econômicos, pílula anticoncepcional de farinha. Só terá direito quem comprovar que se enquadra nesses casos.
Mas Professor, não entendi. Você não disse que a Tutela Coletiva é para proteger direitos transindividuais? Então, o art. 81, parágrafo único, III, CDC diz que o direito individual homogêneo envolve direitos individuais…
De fato, trata-se de uma reunião de direitos individuais que são abordados coletivamente, por opção política. Tanto é que Barbosa Moreira os chamava de “direitos acidentalmente coletivos”.
Feita a introdução, já sabemos um pouco mais sobre Tutela Coletiva e os direitos por ela protegidos.
Agora, voltemos à legitimidade do Ministério Público para a Tutela Coletiva.
Acerca de tal temática, temos diversos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, mas as correntes mais importantes são as duas abaixo arroladas.
1ª corrente: O MP tem legitimidade ativa para defesa de qualquer direito difuso, coletivo e individual homogêneo, com base nas fórmulas abertas do art. 129, III, CRFB; art. 1º, IV c/c art. 5º, LACP; art. 25, IV, “a”, LONMP; art. 6º, VII, “d”, LOMPU.
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011).
IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo. (Incluído pela Lei nº 8.078 de 1990)
Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:
IV – promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos;
Art. 6º Compete ao Ministério Público da União:
d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos;
Referida corrente argumenta que o art. 129, III, CRFB/88 e art. 1º, IV, LACP/85 não fizeram menção aos direito individuais homogêneos, porquanto o CDC foi promulgado apenas em 1990, criando a previsão, no art. 81, parágrafo único, III, acerca dos direitos individuais homogêneos como espécie dos direitos coletivos lato sensu.
Tanto é assim que as leis posteriores, como a LONMP/93 e a LOMPU (LC75/93), já englobaram os direitos individuais homogêneos como hipóteses em que o MP é legitimado ativo.
2ª corrente (STJ): A despeito de algumas regras não exigirem a pertinência temática, é necessário verificar se a defesa dos direitos é compatível com o perfil constitucional do Ministério Público.
Assim, conforme ar. 129, III, CRFB, ele estaria legitimado de maneira genérica apenas à defesa de direitos difusos e coletivos.
Quanto aos direitos individuais homogêneos, teríamos de nos deter no art. 127, CRFB, que diz:
Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Desse modo, o MP teria legitimidade para defender em juízo qualquer direito difuso, qualquer direito coletivo stricto sensu, mas, quanto aos direitos individuais homogêneos, apenas teria legitimidade em duas hipóteses, quais sejam, a) desde que sejam indisponíveis OU; b) sendo disponíveis, que tenham interesse social.
Exemplos de direitos individuais indisponíveis:
Ex1: pedido de concessão de medicamento, internação para uma criança;
Ex2: pedido de concessão de alimentos para um idoso em face dos filhos (art. 229, CRFB).
Exemplos de direitos individuais disponíveis, mas de relevância social:
Diz o STJ (Resp 347.752/SP) que “a relevância social pode ser objetiva (decorrente da própria natureza dos valores e bens em questão, como a dignidade da pessoa humana, meio ambiente, saúde, educação) ou subjetiva (aflorada pela qualidade especial dos sujeitos – grupo de idosos, crianças – ou pela repercussão massificada da demanda).
Ex1: em caso de loteamentos irregulares ou clandestinos, inclusive para que haja pagamento de indenização aos adquirentes (REsp 743678);
Ex2: na defesa de mutuários do Sistema Financeiro de Habitação (STF AI 637853 AgR);
Ex3: defesa do direito dos consumidores de não serem incluídos indevidamente nos cadastros de inadimplentes (REsp 1.148.179-MG);
Ex4: MP pode questionar edital de concurso público para diversas categorias profissionais de determinada Prefeitura, em que se previa que a pontuação adotada privilegiaria candidatos que já integrariam o quadro da Administração Pública municipal (STF RE 216443);
Ex5: ação coletiva em defesa dos direitos individuais homogêneos dos beneficiários do seguro DPVAT, tendo em vista a relevância social (entendimento este exarado pelo STF – RE 631.111 – que fez com que o STJ cancelasse a súmula 470, STJ).
Agora vem a pergunta: O MP é legitimado ativo para defender direitos individuais homogêneos dos consumidores?
O STJ, no REsp 929.792/SP (18/02/2016) entendeu que o Ministério Público possui legitimidade para promover ação civil pública para tutelar não apenas direitos difusos ou coletivos de consumidores, mas também direitos individuais homogêneos, inclusive quando decorrentes da prestação de serviços públicos, como é o caso da ação que discute a legalidade de fixação da tarifa de transporte público.
Justificou o entendimento com base nos artigos 129, III e 127, ambos da CRFB, bem como com o art. 82, I, do próprio CDC, que diz:
Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)
I – o Ministério Público,
Como o art. 81, parágrafo único, CDC engloba as três espécies de direito, também haveria legitimidade do MP para a defesa dos direitos individuais homogêneos dos consumidores.
Além disso, a defesa dos consumidores possui relevância social, o que legitima o MP a agir inclusive para defesa de direitos individuais homogêneos disponíveis dos consumidores.
A tutela efetiva de consumidores possui relevância social que emana da própria Constituição Federal (arts. 5º, XXXII, e 170, V). (STJ. 3ª Turma. REsp 1254428/MG, d.j 02/06/2016).
O Ministério Público tem legitimidade ativa para a propositura de ação civil pública destinada à defesa de direitos individuais homogêneos de consumidores, ainda que disponíveis, pois se está diante de legitimação voltada à promoção de valores e objetivos definidos pelo próprio Estado (STJ. 3ª Turma. REsp 1254428/MG, julgado em 02/06/2016)
Sendo assim, fechando o ciclo, voltamos ao nosso esquema e à súmula.
Súmula 601, STJ: O Ministério Público tem legitimidade ativa para atuar na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores, ainda que decorrentes da prestação de serviço público.
O Ministério Público detém legitimidade para postular, em juízo, direitos individuais homogêneos quando estes se enquadrem como subespécie de direitos coletivos indisponíveis e desde que haja relevância social.
A alternativa está correta. O MP tem legitimidade para defender direito individual homogêneo desde que seja indisponível OU, em sendo disponível, que haja relevância social.
O Ministério Público tem legitimidade para defender os direitos e interesses dos consumidores em juízo, a título coletivo,
a) Somente quando se tratar de interesses ou direitos difusos e individuais homogêneos.
b) somente quando se tratar de interesses ou direitos difusos e coletivos.
c) quando se tratar de interesses ou direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos.
d) somente quando se tratar de interesses ou direitos difusos.
e) somente quando se tratar de interesses ou direitos coletivos.
A alternativa C está correta. Conforme destacado em nossos comentários, a defesa dos interesses dos consumidores em juízo possui relevância social, de modo que o MP teria legitimidade para a defesa não só dos direitos difusos ou coletivos stricto sensu, mas também dos direitos individuais homogêneos.Parte inferior do formulário.
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Professor Rodrigo Vaslin
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Excelente texto, ajudou muito nos meu estudos! Obrigada!
Excelente Artigo!!
Professor Rodrigo, tenho uma dúvida. Eu caso de enchente em residência, é necessário o chamamento do Ministério Público para ação de Obrigação de Fazer c.c. Indenização por danos contra Prefeitura?
Obrigado.