Informativo do STF COMENTADO é a nossa praia. E se você achou que iríamos parar no final do ano… ERROUUUU. Bora revisar o que de mais importante apareceu em 2023, iniciando por Direito Constitucional.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
É legítima — desde que observados os respectivos limites de controle externo, a precedência das disposições legais (princípio da legalidade) e as prerrogativas próprias conferidas aos órgãos do Poder Executivo — a edição de atos normativos por tribunais de contas estaduais com o objetivo de regulamentar procedimentalmente o exercício de suas competências constitucionais.
ADI 4.872/PR, relator Ministro Marco Aurélio, redator do acórdão Ministro Gilmar Mendes, julgamento finalizado em 15.2.2023 (Info 1083)
Na ADI 4872, o governo do Paraná sustentava que vários dispositivos da Resolução 28/2011 do TCE-PR e da Instrução Normativa 61/2011 do TCE-PR usurparam a competência do Legislativo e do Executivo, ao tratar de atividades e procedimentos de órgãos administrativos deste Poder. Entre os pontos questionados estavam exigências de formalização, documentação e acompanhamento dos expedientes administrativos que, por força da legislação, devem ser observados para a transferência desses recursos.
R: Yeaph!!!!
A inexistência de um poder normativo expressamente previsto na Constituição Federal serve como guia para a compreensão do papel que essa atribuição infraconstitucional dos tribunais de contas deve desempenhar, assim como o estabelecimento de seus limites.
Na espécie, verificou-se que o Tribunal de Contas do Estado do Paraná NÃO EXTRAPOLOU os limites de seu controle externo. As normas impugnadas — que, essencialmente, visam regulamentar as práticas de fiscalização e a prestação de contas de recursos públicos repassados a entidades privadas sem fins lucrativos, por meio do Sistema Integrado de Transferências (SIT) — não inovaram no ordenamento jurídico. O conteúdo delas é meramente EXPLETIVO ou DECLARATÓRIO e, muitas das vezes, representa simples desenvolvimentos de dispositivos constantes em atos normativos primários. Além disso, elas foram editadas em decorrência de exigências derivadas do próprio texto constitucional (CF/1988, art. 71, parágrafo único), cuja observância é OBRIGATÓRIA por parte dos estados-membros (CF/1988, art. 75).
Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, conheceu em parte da ação e, na parte conhecida, a julgou improcedente.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
1. A revogação ou modificação do ato normativo em que se fundou a edição de enunciado de súmula vinculante acarreta, em regra, a necessidade de sua revisão ou cancelamento pelo Supremo Tribunal Federal, conforme o caso. 2. É constitucional a previsão legislativa de perda dos dias remidos pelo condenado que comete falta grave no curso da execução penal.
RE 1.116.485/RS, relator Ministro Luiz Fux julgamento virtual finalizado em 28.2.2023 (Info 1084)
A Defensoria Pública do RS interpôs RE alegando a necessidade da revisão da Súmula Vinculante 9, em virtude da superveniência da Lei 12.433/2011, que, ao alterar o art. 127 da Lei de Execução Penal, permite ao juiz, nos casos de cometimento de falta grave, revogar até 1/3 do tempo remido, reiniciando-se a contagem a partir da data da infração disciplinar. Para tanto, o juiz deverá observar a natureza, os motivos, as circunstâncias e as consequências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão, conforme o art. 57 da LEP.
Lei 11.417/2006:
Art. 5º Revogada ou modificada a lei em que se fundou a edição de enunciado de súmula vinculante, o Supremo Tribunal Federal, de ofício ou por provocação, procederá à sua revisão ou cancelamento, conforme o caso.”
LEP/1984: “Art. 127. Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar
R: Até pode, mas aqui não é o caso…
Em regra, deve-se revisar ou cancelar enunciado de súmula vinculante quando ocorrer a revogação ou a alteração da legislação que lhe serviu de fundamento. Contudo, o STF pode concluir, com base nas circunstâncias do caso concreto, pela desnecessidade de tais medidas.
O papel de última instância decisória e a função de órgão soberano sobre a interpretação constitucional não foram conferidos constitucionalmente ao STF de forma isolada e absoluta. Em um ambiente democrático, não se deve atribuir a qualquer órgão, seja do Poder Judiciário, seja do Poder Legislativo, a faculdade de pronunciar a última palavra sobre o sentido da Constituição. Com efeito, visando promover o avanço e o aperfeiçoamento de soluções democráticas às questões de interesse público, a interpretação constitucional deve perpassar por um processo de construção plural entre os Poderes estatais — Legislativo, Executivo e Judiciário — e os diversos segmentos da sociedade civil organizada.
O Poder Legislativo possui a prerrogativa de superar entendimentos vinculantes firmados pela Corte, mas, a depender do instrumento normativo adotado pelo Congresso Nacional, o caso concreto pode demandar posturas distintas por parte do STF. Nesse contexto, o art. 5º da Lei 11.417/2006, que regulamentou o art. 103-A da CF/1988, ofereceu solução para as hipóteses em que haja modificação ou revogação do diploma legislativo em que a edição da Súmula Vinculante tenha se fundado.
Assim, na hipótese de manifesta dúvida sobre a constitucionalidade da lei superveniente de conteúdo divergente e da medida legislativa adotada, o Poder Judiciário, quando provocado, pode se debruçar novamente sobre a questão, de modo a estabelecer a prevalência ou não do conteúdo da Súmula Vinculante no caso concreto, com a manutenção de seus efeitos.
Tá, mas a perda dos dias remidos em razão de falta grave encontra amparo na CF?
Yeaph!!!
É constitucional a perda dos dias remidos pelo condenado que comete falta grave no curso da execução penal, nos termos previstos pelo art. 127 da Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal – LEP),na redação dada pela Lei de 12.433/2011.
“O instituto da remição deve pautar-se pelo disposto no art. 1º da LEP/1984 (…). Não pode, no entanto, ser interpretado de maneira a desprestigiar os apenados que cumprem regularmente sua pena, mesmo porque, segundo remansoso entendimento desta Corte, o benefício compreendido no aludido instituto constitui mera expectativa de direito. Assim, é perfeitamente legítima a sua perda, nos termos do art. 127 da LEP/1984, na hipótese de cometimento de falta grave, como ocorre no caso dos presentes autos. Não há que se falar, pois, em desproporção entre a falta e a sanção, nem em violação ao princípio da igualdade, mesmo porque o instituto em tela consubstancia determinada política criminal que visa, em última análise, à paulatina reinserção social do apenado”. [HC 90.107, Rel. min. Ricardo Lewandowski] |
Na espécie, não se vislumbra superação legislativa inconstitucional em relação aos mandamentos da Súmula Vinculante 9, mas um aperfeiçoamento de sua redação, diante da superveniência da Lei 12.433/2011, que alterou o art. 127 da LEP.
A súmula — sem pretender tecer considerações a respeito do conceito de falta grave ou da intensidade da perda dos dias remidos (se total ou proporcional à falta grave cometida) — teve como principal finalidade fixar a tese de que a previsão legislativa de perda dos dias remidos foi recepcionada pela nova ordem constitucional, de modo que não haveria direito adquirido aos dias remidos em razão de estarem submetidos a regras específicas. A alteração legislativa superveniente, por sua vez, apenas LIMITOU a 1/3 (um terço) o tempo remido suscetível de ser revogado pelo juiz ante o cometimento de falta grave pelo condenado. Só isso e nada mais. Portanto, a Súmula se mantém!
Com base nesses entendimentos, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 477 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário. Nos termos do art. 5º da Lei 11.417/2006, o Tribunal resolveu aguardar o julgamento das Propostas de Súmula Vinculante 60 e 64 para que se delibere quanto à oportunidade da revisão ou cancelamento da SV 9, via adequada para apreciação da questão.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
É inconstitucional — por violar a competência da União para dispor sobre a magistratura brasileira, tanto na justiça estadual como na justiça federal — norma estadual que permite a remoção entre juízes de direito vinculados a diferentes tribunais de justiça.
ADI 6.782/RN, relator Ministro Gilmar Mendes, julgamento virtual finalizado em 3.3.2023 (Info 1085)
O PGR ajuizou a ADI 6782 em face de dispositivos de legislação do Acre que permitia a remoção, por permuta, entre magistrados vinculados a Tribunais de Justiça de diferentes estados.
CF/1988: “Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios
R: Nooops!!!!
Até o advento da lei complementar de iniciativa do STF, o Estatuto da Magistratura continua a ser disciplinado pela Lei Complementar 35/1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN).
As disposições da LOMAN constituem um regime jurídico único dos magistrados do País. Assim, como o Poder Judiciário é nacional, os seus membros devem se submeter a regras uniformes, de modo que, para preservar a independência assegurada constitucionalmente ao Poder Judiciário, as normas da LOMAN vinculam o legislador e o judiciário estaduais.
Mas isso não quer dizer que pode permuta, por que o Poder é nacional. Ao contrário! Não se pode admitir que este ou aquele estado admitam tal modalidade de remoção. Logo, passou em um concurso de magistratura estadual, fica naquela estado. Se quiser ir para outro, faz concurso de novo!
Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade do trecho “permitindo-se a remoção entre juízes vinculados a Tribunais de Justiça distintos, por resolução própria do Tribunal com a definição dos requisitos mínimos”, constante do art. 76, caput, da Lei Complementar 643/2018 do Estado do Rio Grande do Norte.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
É inconstitucional norma estadual que confere à Defensoria Pública o poder de requisição para instaurar inquérito policial.
ADI 4.346/MG, relator Ministro Roberto Barroso, redator do acórdão Ministro Alexandre de Moraes, julgamento virtual finalizado em 10.3.2023 (Info 1086)
A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) ajuizou no STF a ADI nº 4346, impugnando dispositivos de lei mineira que torna privativa da Defensoria Pública a assistência jurídica aos necessitados e inclui entre as atribuições da Defensoria a requisição e instauração de inquérito policial.
A Conamp alega que os dispositivos impugnados ofendem os artigos 5º, incisos LV e LXXIV; o artigo 22, I; o caput do artigo 127 e os incisos I, III e VI do artigo 129, todos da CF.
CPP/1941: “Art. 5º Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado: I – de ofício; II – mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.
R: Nooops!!!!
Não pode ser estendida à requisição de instauração de inquérito policial o raciocínio inerente ao reconhecimento da constitucionalidade do poder concedido à Defensoria Pública de requisitar, de qualquer autoridade e de seus agentes, certidões, exames, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e demais providências necessárias ao exercício de suas atribuições. |
O poder de requisitar a instauração de inquérito policial está intrinsecamente ligado à persecução penal no País, o que exige uma disciplina uniforme em todo o território nacional. Nesse contexto, o Código de Processo Penal — norma editada no exercício da competência privativa da União para legislar sobre direito processual (CF/1988, art. 22, I) — já delimitou essa atribuição, conferindo-a SOMENTE à autoridade judiciária ou ao Ministério Público.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, conheceu em parte da ação e, nessa extensão, por maioria, a julgou parcialmente procedente apenas para declarar a inconstitucionalidade da expressão “a instauração de inquérito policial”, constante do art. 45, XXI, da Lei Complementar 65/2003 do Estado de Minas Gerais.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
A vinculação entre os subsídios dos membros do Ministério Público, ou de função essencial à Justiça, e a remuneração da magistratura é vedada pelo art. 37, XIII, da Constituição Federal de 1988.
ADI 570/PE, relator Ministro Roberto Barroso, julgamento virtual finalizado em 10.3.2023 (Info 1086)
A Associação dos Magistrados Brasileiros-AMB ajuizou a ADI 570 por meio da qual requer a declaração da inconstitucionalidade dos dispositivos das Leis estaduais nº 10.437 e nº 10.438, ambas do estado de Pernambuco, por violarem o artigo 37, incisos IX, XI e XIII, da CF, pois concediam gratificações aos membros do Ministério Público e equiparavam seus vencimentos aos dos magistrados daquele estado em caso de reajuste. Além disso, faziam o mesmo com diversos cargos de procuradores, auditores etc., para que tivessem equiparação aos membros da magistratura e do MP.
CF/1988:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…) XIII – é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)”
R: Nooops!!!!
Tanto a disciplina constitucional originária quanto a nova redação trazida pela EC 19/1998 vedam a vinculação remuneratória entre cargos públicos cujas atribuições sejam distintas, como é o caso de magistrados e membros do Ministério Público.
Por outro lado, é possível estabelecer gratificação por exercício de função essencial à Justiça, em favor de membro do Ministério Público com base no mesmo percentual e na mesma forma da gratificação dada ao magistrado, uma vez que o percentual incide sobre o vencimento base de cada qual e constitui apenas um parâmetro de cálculo.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, (i) julgou parcialmente procedente a ação para declarar inconstitucionais o art. 3º da Lei 10.437/1990 e o caput do art. 3º da Lei 10.438/1990, ambas do Estado de Pernambuco; e (ii) julgou improcedente a ação com relação à parte final do art. 2º dos referidos diplomas legais.
AGRAVO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO
No caso de vítima atingida por projétil de arma de fogo durante uma operação policial, é dever do Estado, em decorrência de sua responsabilidade civil objetiva, provar a exclusão do nexo causal entre o ato e o dano, pois ele é presumido.
ARE 1.382.159 AgR/RJ, relator Ministro Nunes Marques, redator do acórdão Ministro Gilmar Mendes (Info 1089)
Um menino dormia em sua casa quando foi atingido na cabeça por uma bala perdida. A situação ocorreu durante uma operação na favela carioca. A família ajuizou ação em face do estado carioca requerendo indenização. Ocorre que, de alguma forma, o projétil não foi encontrado, razão pela qual o RJ sustenta que seria impossível atribuir a responsabilidade da morte ao estado, já que não haveria como provar que o tiro teria sido efetuado por policiais.
CPC/2015: “Art. 373. O ônus da prova incumbe: (…) II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
R: Yeaph!!!!
No contexto de incursões policiais, comprovado o confronto armado entre agentes estatais e criminosos (ação), e a lesão ou morte de cidadão (dano) por disparo de arma de fogo (nexo), o Estado deve comprovar a ocorrência de hipóteses interruptivas da relação de causalidade.
A ação de agentes estatais — munidos de armamento letal, em área urbana densamente povoada, deflagrando ou reagindo a confronto com criminosos — impõe ao ente estatal a demonstração da conformidade da intervenção das forças de segurança pública, visto que possui condições de elucidar as causas e circunstâncias do evento danoso.
A atribuição desse ônus probatório é decorrência lógica do monopólio estatal do uso da força e dos meios de investigação. O Estado possui os meios para tanto — como câmeras corporais e peritos oficiais —, cabendo-lhe averiguar as externalidades negativas de sua ação armada, coligindo evidências e elaborando os laudos que permitam a identificação das reais circunstâncias da morte de civis desarmados dentro de sua própria residência.
Na espécie, a perícia foi inconclusiva sobre a origem do disparo. A vítima foi alvejada por projétil de arma de fogo dentro de sua própria casa, enquanto deitado na cama com sua mãe, quando ocorria incursão de agentes estatais armados, com disparos de armas de fogo. Assim, ausente a comprovação pelo Estado de caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro ou outra circunstância interruptiva do nexo causal, mostra-se inafastável o dever de indenizar.
Com base nesse entendimento, a Segunda Turma, por maioria, deu provimento ao agravo interno e ao recurso extraordinário com agravo para julgar procedentes, em parte, os pedidos e condenar o Estado do Rio de Janeiro ao pagamento de compensação por danos morais a parentes da vítima.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
É constitucional a instituição de órgãos, funções ou carreiras especiais voltadas à consultoria e assessoramento jurídicos dos Poderes Judiciário e Legislativo estaduais, admitindo-se a representação judicial extraordinária exclusivamente nos casos em que os referidos entes despersonalizados necessitem praticar em juízo, em nome próprio, atos processuais na defesa de sua autonomia, prerrogativas e independência face aos demais Poderes, desde que a atividade desempenhada pelos referidos órgãos, funções e carreiras especiais remanesça devidamente apartada da atividade-fim do Poder estadual a que se encontram vinculados.
ADI 6.433/PR, relator Ministro Gilmar Mendes, julgamento virtual finalizado em 31.3.2023 (Info 1089)
A Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (Anape) ajuizou no STF a ADI 6433 em que contesta dispositivos da Emenda Constitucional 44/2019 do Estado do Paraná, que trata da atuação da Procuradoria da Assembleia Legislativa e da Consultoria Jurídica do Tribunal de Justiça local.
Segundo a associação, a emenda amplia as atribuições do procurador-geral da Assembleia Legislativa, ao incluir sua atuação no processo judicial que versar sobre ato praticado pelo Poder Legislativo ou por sua administração. A entidade alega que isso usurpa as atribuições das carreiras exclusivas dos procuradores dos estados (artigo 132 da CF). Argumenta ainda que a criação de atribuições da Consultoria Jurídica do TJ não poderia ser feita por iniciativa parlamentar, mas do próprio Tribunal, conforme previsão constitucional.
R: Yeaph!!!!
É constitucional a instituição de órgãos, funções ou carreiras especiais para consultoria e assessoramento jurídicos do Poder Legislativo ou do Poder Judiciário estaduais, admitindo-se a representação judicial extraordinária apenas nos casos em que o Poder estadual correspondente precise defender em juízo, em nome próprio, sua autonomia, prerrogativas e independência em face dos demais Poderes.
O STF reconhece a validade da estruturação de órgãos e carreiras especiais voltados à consultoria e ao assessoramento jurídicos de assembleias legislativas e tribunais de justiça estaduais, bem assim a possibilidade de instituição de carreiras especiais para a representação judicial dos aludidos entes despersonalizados nas situações em que precisem praticar em juízo, em nome próprio, atos processuais na defesa de sua autonomia, prerrogativas e independência em face dos demais Poderes.
Nas hipóteses em que admitida, a atividade de representação judicial extraordinária a ser desempenhada pelos órgãos, funções ou carreiras especiais deve permanecer devidamente apartada da atividade-fim do Poder estadual ao qual vinculados.
A constitucionalidade da prática pressupõe o atendimento de normas de procedimento destinadas a garantir a efetiva observância do regramento constitucional da advocacia pública, sobretudo o princípio da moralidade administrativa (CF/1988, art. 37) e as normas que regem o exercício da advocacia de Estado (CF/1988, arts. 131 a 133).
Nesse sentido, para evitar potenciais conflitos de interesse incompatíveis com a administração da Justiça, os estados devem observar a diretriz do art. 28, IV, da Lei 8.906/1994 (Estatuto da OAB), segundo a qual a advocacia é incompatível com as atividades desenvolvidas pelos ocupantes de cargos ou funções vinculadas à atividade jurisdicional do Poder Judiciário.
Não ofende o princípio do concurso público a mudança da denominação do cargo público efetivo de assessor jurídico para a de consultor jurídico, quando ausente efetiva transformação ou transposição de um cargo no outro.
É constitucional a mera alteração de nomenclatura de cargo público. Para que a reestruturação de cargos seja considerada adequada diante do princípio do concurso público (CF/1988, art. 37, II), é necessária a presença simultânea de três requisitos fundamentais: (i) a similitude entre as atribuições dos cargos envolvidos; (ii) a identidade dos requisitos de escolaridade entre os cargos e; (iii) a equivalência salarial entre eles.
Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou parcialmente procedente a ação para: (i) declarar a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do art. 124-A da Constituição do Estado do Paraná, apenas para conferir-lhe interpretação conforme a Constituição Federal, a fim de limitar a atuação dos procuradores da Assembleia Legislativa aos casos em que atuem em nome do Poder Legislativo para a defesa de sua autonomia, de suas prerrogativas e de sua independência frente aos demais Poderes e; (ii) declarar a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do art. 243-B da Constituição do Estado do Paraná, para conferir-lhe interpretação conforme a Constituição Federal, a fim de estabelecer que: (i) apenas os Consultores Jurídicos do Poder Judiciário do Paraná encarregados das funções de defesa institucional devem desempenhar a representação extraordinária prevista pelo constituinte estadual, atividade a ser desempenhada mediante a manutenção de inscrição profissional junto ao Conselho Seccional da OAB/PR e em regime de dedicação exclusiva e integral, vedado o exercício de outra atividade que tenha relação, direta ou indireta, com o assessoramento da atividade jurisdicional do Poder Judiciário; e (ii) os demais Consultores Jurídicos do Poder Judiciário do Paraná que exerçam outras funções, em especial funções relacionadas ao assessoramento da atividade jurisdicional daquela Corte, devem permanecer apartados das atividades de representação judicial extraordinária do Poder Judiciário estadual, com inscrição profissional junto ao Conselho Seccional da OAB/PR inativa, sendo-lhes vedado o exercício da referida atividade.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
É inconstitucional — por violar a competência da União para dispor sobre a magistratura brasileira — norma estadual que cria nova vantagem remuneratória (benefício de permanência em atividade) para os magistrados do Poder Judiciário local.
ADI 2.952/RJ, relator Ministro Gilmar Mendes, julgamento virtual finalizado em 31.3.2023 (Info 1089)
Na ADI 2952, a PGR questiona a Lei 1.856/91, também do estado do Rio de Janeiro, por contrariar o artigo 93, caput, da CF. A Lei instituiu o “benefício de permanência em atividade” aos magistrados estaduais, que deverá incidir no percentual anual de 5% por ano que exceder os trinta anos de serviço.
Segundo a PGR, a concessão de benefícios a magistrados é disciplina sujeita à lei complementar e, de acordo com a Constituição, compete ao Supremo Tribunal Federal a iniciativa para elaborar lei complementar que cuide da questão.
CF/1988: “Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
R: Já era!!!
Até o advento de lei complementar de iniciativa do STF, o Estatuto da Magistratura continua a ser disciplinado pela Lei Complementar 35/1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN).
As disposições da LOMAN constituem um regime jurídico único dos magistrados do País. Assim, como o Poder Judiciário é nacional, os seus membros devem se submeter a regras uniformes, de modo que, para preservar a independência assegurada constitucionalmente ao Poder Judiciário, as normas da LOMAN vinculam o Legislativo e o Judiciário estaduais.
Nesse contexto, a natureza TAXATIVA do rol de direitos e vantagens dos magistrados (LOMAN, art. 65) impede o legislador ordinário, federal ou estadual, bem como os tribunais, quando da confecção do regimento interno, de suprimir ou instituir novos benefícios a seus membros.
A alternativa de caracterização das normas da LOMAN como meramente programáticas ou não vinculantes abriria uma via perigosa para a concessão ilimitada de privilégios, propiciando um quadro instável de “troca institucional de boas vontades” entre os poderes locais, circunstância INCOMPATÍVEL com a independência constitucional do Poder Judiciário.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da Lei 1.856/1991 do Estado do Rio de Janeiro.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
O Conselho Federal e os Conselhos Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil não estão obrigados a prestar contas ao Tribunal de Contas da União nem a qualquer outra entidade externa.
RE 1.182.189/BA, relator Ministro Marco Aurélio, redator do acórdão Ministro Edson Fachin, julgamento virtual finalizado em 24.4.2023 (Info 1091)
O MPF interpôs RE para questionar acórdão do TRF-1 que, com fundamento no decidido pelo Supremo na ADI 3026 – na qual a Corte atribuiu à OAB natureza jurídica diferenciada em razão do reconhecimento de sua autonomia e de sua finalidade institucional –, afastou a obrigação da entidade de prestar contas ao TCU. O TRF-1 assentou que a natureza das finalidades institucionais exige gestão isenta da ingerência do Poder Público.
No RE, o MPF sustenta que a decisão do TRF-1 ofende o artigo 70, parágrafo único, da Constituição Federal, segundo o qual “prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária”. Argumenta que, no julgamento da ADI 3026, a análise do STF se restringiu ao tema da vinculação da OAB à realização de concurso público para contratação de pessoal, sem afastar a incidência do regime administrativo em relação aos demais aspectos, como o dever de prestar contas.
CF/1988: “Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder. Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.”
Lei 8.906/1994: “Art. 44. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade: I – defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas; II – promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil. § 1º A OAB não mantém com órgãos da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou hierárquico.
R: Nooops!!!! E nem a outra entidade externa!!!
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) não se sujeita à prestação de contas perante o Tribunal de Contas da União (TCU) e a ausência dessa obrigatoriedade não representa ofensa ao art. 70, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988, já que inexiste previsão expressa em sentido diverso.
O STF já afastou a sujeição da OAB aos ditames impostos à Administração Pública direta e indireta, dada a sua categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas, na medida em que é uma instituição com natureza jurídica própria e dotada de autonomia e independência.
Nesse contexto, considerada a sua função institucional, a OAB exerce serviço público independente, que não se confunde com serviço estatal, e cujo controle pode ser realizado por vias diversas da do TCU. Assim, é necessário conferir o mais alto grau de liberdade para que a OAB tenha condições de cumprir suas funções constitucionalmente privilegiadas, tendo em vista que os advogados são indispensáveis à administração da Justiça (CF/1988, art. 133).
Ademais, a Ordem gere recursos privados arrecadados de seus associados, distinguindo-se dos demais conselhos de fiscalização profissional, os quais recolhem contribuição de natureza tributária, que advém da movimentação financeira do Estado. Por essa razão, suas finanças não se submetem ao controle estatal, tampouco se enquadram no conceito jurídico de Fazenda Pública, cujo controle se sujeita às regras da Lei 4.320/1964.
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 1.054 da repercussão geral, desproveu o recurso extraordinário, de modo a manter o acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
É constitucional – formal e materialmente – lei municipal que proíbe a soltura de fogos de artifício e artefatos pirotécnicos produtores de estampidos.
RE 1.210.727/SP, relator Ministro Luiz Fux, julgamento virtual finalizado em 8.5.2023 (Info 1093)
O município de Itapetinga aprovou lei que proíbe a soltura de fogos de artifício e artefatos pirotécnicos produtores de estampidos. O Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo questiona decisão do TJ local que declarou a validade da lei, por entender que a lei contraria tese de repercussão geral fixada pelo Supremo. No julgamento do RE 586224, o STF assentou que o município é competente para legislar sobre o meio ambiente com a União e o Estado, no limite do seu interesse local e desde que tal regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados. O PGJ alega que a total proibição do uso de fogos de artifício em toda a extensão municipal é medida desproporcional ao fim a que se destina.
R: É por aí…
É constitucional— por dispor sobre a proteção do meio ambiente e a proteção e defesa da saúde, matérias de competência legislativa CONCORRENTE entre a União, estados e DF (CF/1988, art. 24, VI e XII), e estabelecer restrição necessária, adequada e proporcional no âmbito de sua competência SUPLEMENTAR e nos limites de seu interesse local (CF/1988, art. 30, I e II) — lei municipal que veda a soltura de fogos de artifício e artefatos pirotécnicos produtores de estampidos.
A lei municipal que confere regulamentação mais protetiva, considerados os impactos negativos à saúde e ao meio ambiente advindos dos efeitos ruidosos causados com a queima de fogos de artifício e outros artefatos similares, atua nos limites do regular exercício de sua competência legislativa.
Na espécie, a proibição imposta pela Lei 6.212/2017 do Município de Itapetininga/SP observa a disciplina normativa estabelecida no âmbito federal. Nesse sentido, a Resolução CONAMA 02/1990 — que dispõe sobre o Programa Nacional de Educação e Controle da Poluição Sonora — expressamente autoriza a fixação, a níveis estadual e municipal, de limites de emissão de ruídos em valores mais rígidos.
Nesse contexto, o legislador itapetingano privilegiou o princípio da proteção à saúde e ao meio ambiente equilibrado, em regulamentação da máxima fruição da liberdade jurídica dos particulares e da livre exploração de atividades econômicas. Ademais, a restrição é justificável em razão de premissas empíricas, motivo pelo qual, diante da realidade fática local, inexiste ofensa aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, ao apreciar o Tema 1.056 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário.
AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE
A denúncia pelo Presidente da República de tratados internacionais aprovados pelo Congresso Nacional, para que produza efeitos no ordenamento jurídico interno, não prescinde da sua aprovação pelo Congresso.
ADC 39/DF, relator Ministro Dias Toffoli, julgamento virtual finalizado em 16.6.2023 (Info 1099)
A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) ajuizou no STF a ADC 39, que tem por objeto o Decreto 2.100/1996, no qual o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, comunicou a renúncia do Brasil ao cumprimento da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Já a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag) sustenta que o Decreto viola o artigo 49, inciso I da Constituição da República.
A contenda é que a norma da OIT disciplina relações de direito privado entre empregadores e empregados, enquanto o artigo 49, inciso I, da CF define a competência exclusiva do Congresso Nacional para resolver definitivamente sobre tratados e convenções internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.
CF/1988: “Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional; (…) Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (…) VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;
R: Nooops!!!
Em decorrência do próprio Estado Democrático de Direito e de seu corolário, o princípio da legalidade, é necessária a manifestação de vontade do Congresso Nacional para que a denúncia de um tratado internacional produza efeitos no direito doméstico, razão pela qual é inconstitucional a denúncia unilateral pelo Presidente da República. Contudo, esse entendimento deve ser aplicado somente a partir da publicação da ata do presente julgamento, mantendo-se a eficácia das denúncias realizadas até esse marco temporal.
A exclusão das normas incorporadas ao ordenamento jurídico interno não pode ocorrer de forma automática, por vontade exclusiva do Presidente da República, sob pena de vulnerar o princípio democrático, a separação de Poderes, o sistema de freios e contrapesos e a própria soberania popular. Assim, uma vez ingressado no ordenamento jurídico pátrio mediante referendo do Congresso Nacional, a supressão do tratado internacional pressupõe também a chancela popular por meio de seus representantes eleitos.
Essa participação do Poder Legislativo ganha importância ainda mais elevada quando se tem em perspectiva normas de proteção aos direitos humanos. Na espécie, trata-se de denúncia da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, cujo intuito é proteger os trabalhadores contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa (direito social previsto no art. 7º, I, da CF/1988).
Em homenagem ao princípio da segurança jurídica, deve ser mantida a validade do Decreto 2.100/1996, por meio do qual o Presidente da República tornou pública a denúncia da Convenção 158 da OIT.
Embora, à luz do ordenamento constitucional, a denúncia de tratados internacionais dependa de anuência do Congresso Nacional para surtir efeitos internamente, a prática institucional resultou em uma aceitação tácita da denúncia unilateral por reiteradas vezes e em períodos variados da história nacional, de modo que se consubstanciou em costume consolidado pelo tempo e que vinha sendo adotado de boa-fé e com justa expectativa de legitimidade, eis que, até então, não foi formalmente invalidado.
Com base nesses entendimentos, o Plenário, por maioria, julgou procedente a ação para manter a validade do Decreto 2.100/1996 e formular apelo ao legislador “para que elabore disciplina acerca da denúncia dos tratados internacionais, a qual preveja a chancela do Congresso Nacional como condição para a produção de efeitos na ordem jurídica interna, por se tratar de um imperativo democrático e de uma exigência do princípio da legalidade”.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
“É constitucional a disposição do Conselho Nacional de Justiça que prevê a facultatividade de representação por advogado ou defensor público nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs).”
ADI 6.324/DF, relator Ministro Roberto Barroso, julgamento virtual finalizado em 21.8.2023 (Info 1104)
O Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizou a ADI 6324 no STF para questionar a validade do artigo 11 da Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que dispõe sobre a atuação de advogados e defensores públicos nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs).
A entidade argumenta que a expressão “poderão atuar”, contida na norma, permite a interpretação de que a presença dos advogados e dos defensores públicos nos centros é meramente facultativa, independentemente do contexto ou da fase em que se dê o acesso por parte do jurisdicionado. A questão da facultatividade ou da obrigatoriedade da assistência por advogado, segundo a OAB, seria matéria que ultrapassaria a competência constitucional conferida ao CNJ, pois não diz respeito ao controle administrativo, financeiro e disciplinar da magistratura, mas ao exercício da função jurisdicional.
CF/1988: “Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze) membros com mandato de 2 (dois) anos, admitida 1 (uma) recondução, sendo: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 61, de 2009) (…) § 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) I – zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”
R: Com certeza!!!
É constitucional o art. 11 da Resolução 125/2010 do CNJ, que permite a atuação de membros do Ministério Público, defensores públicos, procuradores e advogados nos Centros Judiciários de Solução de Conflito e Cidadania. Assim, fica facultada a representação por advogado ou defensor público, medida que se revela incentivadora para uma atuação mais eficiente e menos burocratizada do Poder Judiciário para assegurar direitos.
A matéria tratada se insere na competência do CNJ relativa ao controle da atuação administrativa dos tribunais (CF/1988, art. 103-B, § 4º, I), a qual é interpretada de forma ampliativa por esta Corte, de modo a fortalecer a atuação do Conselho na gestão eficiente dos órgãos do Poder Judiciário.
Na espécie, a facultatividade da atuação do advogado ou do defensor público, na fase pré-processual ou em procedimentos jurisdicionais específicos e simplificados, não viola o contraditório, a ampla defesa (CF/1988, art. 5º, LV), o acesso à justiça (CF/1988, art. 5º, XXXV) ou a garantia da defesa técnica (CF/1988, arts. 133 e 134). Isso porque a mencionada Resolução não afasta a necessidade da presença de advogados nos casos em que a lei processual a impõe. Essa opção ocorre somente em procedimentos judiciais em que, por força de lei, é desnecessária a atuação do procurador (Lei 13.140/2015, art. 26), como nos juizados e nos atos de resolução consensual em momento pré-processual ou de mera informação sobre direitos.
A previsão constitucional de indispensabilidade do advogado à administração da Justiça (CF/1988, art. 133) não implica a assistência ou representação por um profissional da área jurídica para todo ato de negociação ou de disposição de direitos de uma pessoa maior e capaz.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, julgou improcedente a ação, a fim de assentar a constitucionalidade do art. 11 da Resolução 125/2010 do CNJ.
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL
As guardas municipais são reconhecidamente órgãos de segurança pública e aquelas devidamente criadas e instituídas integram o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP).
ADPF 995/DF, relator Ministro Alexandre de Moraes, julgamento virtual finalizado em 25.8.2023 (Info 1105)
Na ADPF 995, a Associação das Guardas Municipais do Brasil (AGMB) defende que as guardas municipais se inserem no sistema de segurança pública, mas diversas decisões judiciais não reconhecem essa situação, o que afetaria o exercício das atribuições do órgão e comprometeria a segurança jurídica.
Lei 13.022/2014: “Art. 4º É competência geral das guardas municipais a proteção de bens, serviços, logradouros públicos municipais e instalações do Município. Parágrafo único. Os bens mencionados no caput abrangem os de uso comum, os de uso especial e os dominiais.”
Lei 13.675/2018: “Art. 9º É instituído o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), que tem como órgão central o Ministério Extraordinário da Segurança Pública e é integrado pelos órgãos de que trata o art. 144 da Constituição Federal, pelos agentes penitenciários, pelas guardas municipais e pelos demais integrantes estratégicos e operacionais, que atuarão nos limites de suas competências, de forma cooperativa, sistêmica e harmônica. § 1º São integrantes estratégicos do Susp: I – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por intermédio dos respectivos Poderes Executivos; II – os Conselhos de Segurança Pública e Defesa Social dos três entes federados. § 2º São integrantes operacionais do Susp: I – polícia federal; II – polícia rodoviária federal; III – (VETADO); IV – polícias civis; V – polícias militares; VI – corpos de bombeiros militares; VII – guardas municipais; VIII – órgãos do sistema penitenciário; IX – (VETADO); X – institutos oficiais de criminalística, medicina legal e identificação; XI – Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp); XII – secretarias estaduais de segurança pública ou congêneres; XIII – Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sedec); XIV – Secretaria Nacional de Política Sobre Drogas (Senad); XV – agentes de trânsito; XVI – guarda portuária. XVII – polícia legislativa, prevista no § 3º do art. 27, no inciso IV do caput do art. 51 e no inciso XIII do caput do art. 52 da Constituição Federal. (Incluído pela Lei nº 14.531, de 2023) § 3º (VETADO). § 4º Os sistemas estaduais, distrital e municipais serão responsáveis pela implementação dos respectivos programas, ações e projetos de segurança pública, com liberdade de organização e funcionamento, respeitado o disposto nesta Lei.
R: Sim sinhô!!
O deslocamento topográfico da disciplina das guardas municipais no texto constitucional não implica a sua desconfiguração como agentes de segurança pública, de modo que não prevalece o argumento acerca de sua simples ausência em pretenso rol taxativo do art. 144 da CF/1988.
Nos termos da jurisprudência do STF, as guardas municipais, sob o aspecto material, exercem atividade típica de segurança pública, consubstanciada na proteção de bens, serviços e instalações municipais (CF/1988, art. 144, § 8º), e que se afigura essencial ao atendimento de necessidades inadiáveis da comunidade (CF/1988, art. 9º, § 1º).
Ademais, o Congresso Nacional, no exercício de sua legítima competência legislativa (CF/1988, art. 144, § 7º), editou a Lei 13.675/2018 e colocou as guardas municipais como integrantes operacionais do SUSP (art. 9º, § 1º, inciso VII). Já a Lei 13.022/2014, que dispõe sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais, prevê diversas atribuições que são inerentes a agentes de segurança pública.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, converteu o julgamento da medida cautelar em julgamento definitivo de mérito e julgou procedente a arguição para , nos termos do artigo 144, § 8º, da CF/1988, conceder interpretação conforme a Constituição ao artigo 4º da Lei 13.022/2014 e ao artigo 9º da Lei 13.675/2013 , de modo a declarar inconstitucionais todas as interpretações judiciais que excluem as guardas municipais, devidamente criadas e instituídas, como integrantes do Sistema de Segurança Pública.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Em respeito à autonomia federativa, não viola o art. 37, V, da Constituição a lei estadual que considera as promoções entre entrâncias para o escalonamento dos subsídios da carreira da magistratura.
ADI 4.216/TO, relator Ministro Roberto Barroso, julgamento virtual finalizado em 1º.9.2023 (Info 1106)
A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) ajuizou no STF a ADI contra dispositivo de lei estadual que não teria observado a diferença salarial máxima de 10% entre entrâncias da magistratura.
Em todos os pedidos, a AMB alega que normas estaduais violam o inciso V do artigo 93 da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional 19/98, ao não observarem a estrutura judiciária nacional para estabelecer o valor dos subsídios da magistratura local.
A ação proposta pela AMB é a ADI 4248, que pede a declaração de inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 81 da Lei paranaense 7.297/80. Segundo a entidade, a lei estabelece quatro níveis abaixo do cargo de desembargador para a magistratura estadual, com diferença de 10% entre eles.
CF/1988: “Art. 93 Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: (…) V – o subsídio dos Ministros dos Tribunais Superiores corresponderá a noventa e cinco por cento do subsídio mensal fixado para os Ministros do Supremo Tribunal Federal e os subsídios dos demais magistrados serão fixados em lei e escalonados, em nível federal e estadual, conforme as respectivas categorias da estrutura judiciária nacional, não podendo a diferença entre uma e outra ser superior a dez por cento ou inferior a cinco por cento, nem exceder a noventa e cinco por cento do subsídio mensal dos Ministros dos Tribunais Superiores, obedecido, em qualquer caso, o disposto nos arts. 37, XI, e 39, § 4º. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
R: Yeap!!!!
É constitucional lei estadual que considera as promoções entre entrâncias para o escalonamento dos subsídios da carreira da magistratura.
O texto constitucional veda apenas a fixação de tetos remuneratórios distintos em relação a magistrados federais e estaduais, sem impedir a diferenciação dos valores dos subsídios.
A expressão “conforme as categorias da estrutura judiciária nacional” (CF/1988, art. 93, V) deve ser interpretada de modo a prestigiar decisões políticas regionais que considerem as peculiaridades dos estados-membros, pois compete a eles, mediante leis de iniciativa dos respectivos tribunais de justiça, organizar o Poder Judiciário local, definir o número de entrâncias e fixar os subsídios de seus magistrados (CF/1988, art. 125, § 1º).
Ademais, a promoção de magistrados de “entrância para entrância, alternadamente, por antiguidade e merecimento” (CF/1988, art. 93, II) está em consonância com o princípio da eficiência (CF/1988, art. 37, caput), na medida em que permite que o sistema remuneratório sirva de estímulo aos que desejam ser promovidos por merecimento.
Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou improcedente a ação, para declarar a constitucionalidade do art. 1º, parágrafo único, da Lei 1.631/2005 do Estado do Tocantins.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
É inconstitucional — por ferir o princípio federativo e a autonomia dos estados (CF/1988, arts. 1º; 25 e 60, § 4º, I), bem como por ofender a autonomia e a independência do Ministério Público (CF/1988, arts. 128, § 5º e 129, § 4º) — norma estadual que autoriza a remoção por permuta, em âmbito nacional, entre membros dos Ministérios Públicos dos estados e do Distrito Federal e Territórios.
ADI 6.780/RN, relator Ministro Nunes Marques, julgamento virtual finalizado em 1º.9.2023 (Info 1106)
A PGR ajuizou a ADI 6780 em face de norma do Estado do Rio Grande do Norte que autorizava a remoção por permuta, em âmbito nacional, entre membros dos Ministérios Públicos dos estados e do Distrito Federal e Territórios.
R: Claro que SIM!!!!
A investidura no cargo de membro do Parquetexige prévia aprovação em certame de provas e títulos (CF/1988, art. 129, § 3º). Assim, a migração entre quadros, mediante permuta, constitui forma de ingresso em cargo diverso daquele para o qual o servidor foi aprovado, em inobservância ao princípio do concurso público (CF/1988, art. 37, II).
Nesse contexto, o STF já entendeu pela inexistência de uma carreira única, que seja comum a todos os Ministérios Públicos estaduais e ao Ministério Público da União.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, julgou procedente a ação, para declarar a inconstitucionalidade da Lei Complementar 653/2019 do Estado do Rio Grande do Norte.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
É constitucional — por não violar as regras do sistema constitucional de repartição de competências — lei estadual que fixa limite de tempo proporcional e razoável para o atendimento de consumidores em estabelecimentos públicos e privados, bem como prevê a cominação de sanções progressivas na hipótese de descumprimento.
ADI 2.879/SC, relator Ministro Nunes Marques, julgamento virtual finalizado em 15.9.2023 (Info 1108)
O então governador de Santa Catarina, Luiz Henrique, ajuizou no STF a ADI 2879 contra a Lei Estadual nº 12.465/02, que dispõe sobre o limite de tempo para atendimento de consumidores em estabelecimentos públicos e particulares que prestam serviços de qualquer natureza.
A lei determina que os consumidores sejam atendidos no prazo de 15 minutos em dias úteis normais e de, no máximo, trinta minutos em dias que antecedem a feriados prolongados e nos imediatamente seguintes a eles.
Além de estipular limite de tempo, a lei prevê sanções que vão da advertência à aplicação de multas que variam de R$ 425,64 a R$ 1.276,92, conforme a gravidade da infração.
R: Sim sinhô!!!
Na espécie, não há usurpação da competência privativa da União para legislar sobre direito civil (CF/1988, art. 22, I), pois inexiste interferência no regime de exploração, na estrutura remuneratória da prestação dos serviços ou no equilíbrio dos contratos administrativos. Diferente disso, a limitação temporal imposta pela lei estadual impugnada configura um mecanismo potencializador de proteção do consumidor, cuja competência legislativa é concorrente (CF/1988, art. 24, VIII).
Ademais, os princípios da livre concorrência e da liberdade de exercício de atividades econômicas não são absolutos nem podem negar concretude ou esvaziar o princípio da defesa do consumidor (CF/1988, art. 170, caput e V), de modo que a imposição legal de limites de tempo predeterminados para o atendimento de consumidores revela-se proporcional e razoável.
Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou improcedente a ação para assentar a constitucionalidade da Lei 12.465/2002 do Estado de Santa Catarina.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
I – A demarcação consiste em procedimento declaratório do direito originário territorial à posse das terras ocupadas tradicionalmente por comunidade indígena; II – A posse tradicional indígena é distinta da posse civil, consistindo na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos indígenas, nas utilizadas para suas atividades produtivas, nas imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e nas necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, nos termos do § 1º do artigo 231 do texto constitucional; III – A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição; IV – Existindo ocupação tradicional indígena ou renitente esbulho contemporâneo à promulgação da Constituição Federal, aplica-se o regime indenizatório relativo às benfeitorias úteis e necessárias, previsto no § 6º do art. 231 da CF/88; V – Ausente ocupação tradicional indígena ao tempo da promulgação da Constituição Federal ou renitente esbulho na data da promulgação da Constituição, são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos, os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada relativos a justo título ou posse de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena, assistindo ao particular direito à justa e prévia indenização das benfeitorias necessárias e úteis, pela União; e, quando inviável o reassentamento dos particulares, caberá a eles indenização pela União (com direito de regresso em face do ente federativo que titulou a área) correspondente ao valor da terra nua, paga em dinheiro ou em títulos da dívida agrária, se for do interesse do beneficiário, e processada em autos apartados do procedimento de demarcação, com pagamento imediato da parte incontroversa, garantido o direito de retenção até o pagamento do valor incontroverso, permitidos a autocomposição e o regime do § 6º do art. 37 da CF; VI – Descabe indenização em casos já pacificados, decorrentes de terras indígenas já reconhecidas e declaradas em procedimento demarcatório, ressalvados os casos judicializados e em andamento; VII – É dever da União efetivar o procedimento demarcatório das terras indígenas, sendo admitida a formação de áreas reservadas somente diante da absoluta impossibilidade de concretização da ordem constitucional de demarcação, devendo ser ouvida, em todo caso, a comunidade indígena, buscando-se, se necessário, a autocomposição entre os respectivos entes federativos para a identificação das terras necessárias à formação das áreas reservadas, tendo sempre em vista a busca do interesse público e a paz social, bem como a proporcional compensação às comunidades indígenas (art. 16.4 da Convenção 169 OIT); VIII – A instauração de procedimento de redimensionamento de terra indígena não é vedada em caso de descumprimento dos elementos contidos no artigo 231 da Constituição da República, por meio de pedido de revisão do procedimento demarcatório apresentado até o prazo de cinco anos da demarcação anterior, sendo necessário comprovar grave e insanável erro na condução do procedimento administrativo ou na definição dos limites da terra indígena, ressalvadas as ações judiciais em curso e os pedidos de revisão já instaurados até a data de conclusão deste julgamento; IX – O laudo antropológico realizado nos termos do Decreto nº 1.775/1996 é um dos elementos fundamentais para a demonstração da tradicionalidade da ocupação de comunidade indígena determinada, de acordo com seus usos, costumes e tradições, na forma do instrumento normativo citado; X – As terras de ocupação tradicional indígena são de posse permanente da comunidade, cabendo aos indígenas o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nelas existentes; XI – As terras de ocupação tradicional indígena, na qualidade de terras públicas, são inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis; XII – A ocupação tradicional das terras indígenas é compatível com a tutela constitucional do meio ambiente, sendo assegurado o exercício das atividades tradicionais dos povos indígenas; XIII – Os povos indígenas possuem capacidade civil e postulatória, sendo partes legítimas nos processos em que discutidos seus interesses, sem prejuízo, nos termos da lei, da legitimidade concorrente da FUNAI e da intervenção do Ministério Público como fiscal da lei.
RE 1.017.365/SC, relator Ministro Edson Fachin, julgamento finalizado em 27.9.2023 (Info 1110)
O Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) ajuizou reintegração de posse de uma área localizada em parte da Reserva Biológica do Sassafrás (SC), declarada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) como de tradicional ocupação indígena.
O TRF-4 deu razão ao IMA, ao fundamento de não foi demonstrado que as terras seriam tradicionalmente ocupadas pelos indígenas — as áreas não estavam ocupadas por indígenas ao tempo da promulgação da Constituição Federal.
CF/1988: “Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. § 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. § 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. § 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei. § 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. § 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ‘ad referendum’ do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco. § 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé. § 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º
R: Nooopss!!!!
O reconhecimento do direito às terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas não se sujeita ao marco temporal da promulgação da Constituição Federal (5/10/1988) nem à presença de conflito físico ou controvérsia judicial existentes nessa mesma data.
Em mudança de posicionamento jurisprudencial, o STF concluiu pela inaplicabilidade da teoria do fato indígena e pela prevalência da teoria do indigenato, segundo a qual a posse dos indígenas sobre as terras configura um direito próprio dos povos originários e cuja tradicionalidade da ocupação deve ser considerada conforme os parâmetros expressamente previstos no texto constitucional (CF/1988, art. 231, §§ 1º e 2º).
Se houver ocupação tradicional indígena ou renitente esbulho contemporâneo à data de promulgação da Constituição Federal de 1988, são assegurados aos não índios o direito à indenização pelas benfeitorias úteis e necessárias (CF/1988, art. 231, § 6º). Porém, na hipótese de inexistir quaisquer dessas situações, consideram-se válidos e eficazes os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada relativos a justo título ou posse de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena. Neste caso, o particular tem direito a ser previamente indenizado pela União ao valor correspondente às benfeitorias necessárias e úteis, ou, quando inviável o seu reassentamento, ao valor da terra nua.
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 1.031 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário para anular o acórdão recorrido e reformar a sentença de primeiro grau, julgando, por conseguinte, improcedentes os pedidos deduzidos na petição inicial.
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE DIREITO FUNDAMENTAL
1. Há um estado de coisas inconstitucional no sistema carcerário brasileiro, responsável pela violação massiva de direitos fundamentais dos presos. Tal estado de coisas demanda a atuação cooperativa das diversas autoridades, instituições e comunidade para a construção de uma solução satisfatória. 2. Diante disso, União, Estados e Distrito Federal, em conjunto com o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Conselho Nacional de Justiça (DMF/CNJ), deverão elaborar planos a serem submetidos à homologação do Supremo Tribunal Federal, nos prazos e observadas as diretrizes e finalidades expostas no presente voto, especialmente voltados para o controle da superlotação carcerária, da má qualidade das vagas existentes e da entrada e saída dos presos. 3. O CNJ realizará estudo e regulará a criação de número de varas de execução penal proporcional ao número de varas criminais e ao quantitativo de presos.
ADPF 347/DF, relator Ministro Marco Aurélio, redator do acórdão Ministro Luís Roberto Barroso, (Info 1111)
O PSOL ajuizou a ADPF 347 por meio da qual pede o reconhecimento do “estado de coisas inconstitucional” do sistema prisional, além de medidas para interromper a violação generalizada de direitos humanos nos presídios e proteger a dignidade, a vida e a saúde das pessoas encarceradas.
R: Previsível…
A situação de grave violação em massa de direitos fundamentais dos presos enseja o reconhecimento de um estado de coisas inconstitucional do sistema prisional brasileiro. A superação desse problema de natureza estrutural exige do Poder Público a elaboração de um plano nacional e de planos locais que prevejam um conjunto de medidas e a participação de diversas autoridades e entidades da sociedade.
A proteção dos direitos fundamentais é inerente à condição humana. Nesse contexto, as normas constitucionais e os tratados internacionais de direitos humanos de que o Brasil é parte proíbem a existência de penas cruéis, garantem ao preso o respeito à sua integridade física e moral, bem como preveem que a pena será cumprida em estabelecimentos distintos de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado.
No âmbito infraconstitucional, a Lei de Execução Penal assegura a assistência material, jurídica, educacional, social, religiosa, além do acesso à saúde, aos alojamentos com ocupação e dimensões adequadas, ao trabalho e ao estudo (Lei 7.210/1984, arts. 40, 41 e 126).
Esse cenário normativo, em conjunto com as sistemáticas violações desses direitos, AFASTA eventuais contornos políticos ou de discricionariedade administrativa, tornando o problema do sistema carcerário brasileiro essencialmente jurídico, motivo pelo qual o estrito cumprimento das normas acima citadas deve ser assegurado pelo STF.
A superlotação dos presídios, o descontrole na entrada e as condições da saída do sistema prisional, e a má qualidade das vagas disponibilizadas impedem a prestação de serviços e bens essenciais que integram o MÍNIMO EXISTENCIAL Essas circunstâncias comprometem a capacidade do sistema em cumprir seus fins de ressocialização e de funcionar a favor da segurança pública.
Com base nesses e outros entendimentos, o Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente a ADPF para:
(a) reconhecer o estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário brasileiro;
(b) determinar que juízes e tribunais:
(b.1) realizem audiências de custódia, preferencialmente de forma presencial, de modo a viabilizar o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária em até 24 horas contadas do momento da prisão;
(b.2) fundamentem a não aplicação de medidas cautelares e penas alternativas à prisão, sempre que possíveis, tendo em conta o quadro dramático do sistema carcerário;
(c) ordenar a liberação e o não contingenciamento dos recursos do FUNPEN;
(d) determinar a elaboração de plano nacional e de planos estaduais e distrital para a superação do estado de coisas inconstitucional, com indicadores que permitam acompanhar sua implementação;
(e) estabelecer que o prazo para apresentação do plano nacional será de até 6 (seis) meses, a contar da publicação desta decisão, e de até 3 anos, contados da homologação, para a sua implementação, conforme cronograma de execução a ser indicado no próprio plano;
(f) estabelecer que o prazo para apresentação dos planos estaduais e distrital será de 6 meses, a contar da publicação da decisão de homologação do plano nacional pelo STF, e implementado em até 3 anos, conforme cronograma de execução a ser indicado no próprio plano local;
(g) prever que a elaboração do plano nacional deverá ser efetuada, conjuntamente, pelo DMF/CNJ e pela União, em diálogo com instituições e órgãos competentes e entidades da sociedade civil, nos termos explicitados acima e observada a importância de não alongar excessivamente o feito;
(h) explicitar que a elaboração dos planos estaduais e distrital se dará pelas respectivas unidades da federação, em respeito à sua autonomia, observado, todavia, o diálogo com o DMF, a União, instituições e órgãos competentes e entidades da sociedade civil, nos moldes e em simetria ao diálogo estabelecido no plano nacional;
(i) prever que, em caso de impasse ou divergência na elaboração dos planos, a matéria será submetida ao STF para decisão complementar;
(j) estabelecer que todos os planos deverão ser levados à homologação do Supremo Tribunal Federal, de forma a que se possa assegurar o respeito à sua decisão de mérito;
(l) determinar que o monitoramento da execução dos planos seja efetuado pelo DMF/CNJ, com a supervisão necessária do STF, cabendo ao órgão provocar o tribunal, em caso de descumprimento ou de obstáculos institucionais insuperáveis que demandem decisões específicas de sua parte; e
(m) estipular que os planos devem prever, entre outras, as medidas examinadas neste voto, observadas as diretrizes gerais dele constantes, sendo exequíveis aquelas que vierem a ser objeto de homologação final pelo STF em segunda etapa.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
É constitucional lei estadual que garante a precedência da remoção sobre a promoção por antiguidade na carreira da magistratura local.
ADI 6.609/MG, relator Ministro Ricardo Lewandowski, redator do acórdão Ministro Gilmar Mendes, julgamento finalizado em 19.10.2023 (Info 1113)
O então procurador-geral da República, Augusto Aras, ajuizou a ADI 6609 contra o artigo 178, parágrafo único, da Lei Complementar estadual 59/2001, de Minas Gerais, que permite a remoção de magistrados para outra vara da mesma comarca “mesmo em se tratando de vaga a ser provida por antiguidade”.
Aras argumenta que o artigo 81 da Lei Complementar 35/1979, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), prevê a precedência da remoção apenas sobre o provimento inicial e a promoção por merecimento, e não sobre a promoção por antiguidade, que tem prioridade. Por esse motivo, o dispositivo questionado violaria o artigo 93, caput, da Constituição Federal, que estabelece a competência privativa da União para dispor, em lei complementar de iniciativa do STF, sobre normas gerais do regime da magistratura nacional.
CF/1988: “Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: (…) II – promoção de entrância para entrância, alternadamente, por antiguidade e merecimento, atendidas as seguintes normas: a) é obrigatória a promoção do juiz que figure por três vezes consecutivas ou cinco alternadas em lista de merecimento; b) a promoção por merecimento pressupõe dois anos de exercício na respectiva entrância e integrar o juiz a primeira quinta parte da lista de antiguidade desta, salvo se não houver com tais requisitos quem aceite o lugar vago; c) aferição do merecimento conforme o desempenho e pelos critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela frequência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento; (…) e) não será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal, não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão; (…) VIII-A – a remoção a pedido ou a permuta de magistrados de comarca de igual entrância atenderá, no que couber, ao disposto nas alíneas a, b, c e e do inciso II. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
R: Segue o jogo!!!!
É constitucional lei estadual que garante a precedência da remoção sobre a promoção por antiguidade na carreira da magistratura local.
Com o advento da EC 45/2004, que acrescentou o inciso VIII-A ao art. 93 da Constituição Federal de 1988, a remoção sempre precederá à promoção por antiguidade ou merecimento, seja na carreira da magistratura federal, seja na da estadual. Isso porque essa alteração constitucional impactou nas normas da Lei Complementar 35/1979 (Lei Orgânica da Magistratura – LOMAN) que tratam de promoção e remoção (arts. 80 e 81).
A fim de evitar a preterição de magistrado mais antigo, os juízes que se encontram em uma determinada entrância têm prioridade de escolha no preenchimento de vaga existente nessa mesma entrância (por meio de remoção) sobre a promoção dos juízes de entrância inferior.
Nesse contexto, o critério para aferição de antiguidade é o efetivo exercício no cargo correspondente da magistratura na entrância e não entre todas as entrâncias.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou improcedente a ação para declarar a constitucionalidade do art. 178 da Lei Complementar 59/2001 do Estado de Minas Gerais.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
É inconstitucional — por violar a garantia de tratamento igualitário a todos os cidadãos brasileiros, que veda a criação de distinções ou preferências entre si (CF/1988, art. 19, III) — lei estadual que assegura, de forma infundada e/ou desproporcional, percentual das vagas oferecidas para a universidade pública local a candidatos que cursaram integralmente o ensino médio em instituições públicas ou privadas da mesma unidade federativa.
RE 614.873/AM, relator Ministro Marco Aurélio, redator do acórdão Ministro Alexandre de Moraes, julgamento finalizado em 19.10.2023 (Info 1113)
A Universidade do Estado do Amazonas (UEA) interpôs recurso contra decisão do Tribunal de Justiça local (TJ-AM) que manteve sentença assegurando vaga na instituição a um aluno que, mesmo alcançando nota suficiente para ingressar no curso de engenharia, havia cursado apenas o 3º ano do ensino médio no estado. Segundo a UEA, a política se justificaria porque os alunos do estado estariam em desvantagem em relação a estudantes de grandes centros urbanos e que sua implementação estaria no âmbito da autonomia do ente federado e da universidade.
A questão passa pela constitucionalidade de lei do Amazonas que reserva 80% das vagas do vestibular da universidade estadual para estudantes que tivessem cursado o ensino médio integralmente em escolas, públicas ou privadas, no estado.
CF/1988: “Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…) III – criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.
R: Obviamente!!!!
Na espécie, a lei estadual impugnada destinou 80% das vagas aos candidatos que se enquadrassem na situação acima, de modo que a reserva de apenas 20% para aqueles que concluíram o ensino médio ou equivalente em ente federativo diverso restringe excessivamente o acesso de outras pessoas e, consequentemente, reduz a diversidade entre os alunos.
Nesse contexto, em que pese a nobre possibilidade de se corrigirem distorções socioeconômicas, como ocorre com a implementação da política de reserva de vagas (cotas) para alunos egressos de escolas localizadas no próprio estado, não pode o ente federativo criar discriminações regionais infundadas e desproporcionais com a finalidade de favorecer apenas os residentes em determinada região.
Com base nesse e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, em preliminar suscitada por questão de ordem, cancelou o Tema 474 da repercussão geral, e, no mérito, por maioria, negou provimento ao recuso extraordinário para julgar inconstitucional a Lei 2.894/2004 do Estado do Amazonas.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
É incompatível com a Constituição Federal de 1988 interpretação que extraia do art. 20 da Lei 8.935/1994 a possibilidade de que prepostos, indicados pelo titular de cartório ou mesmo pelos tribunais de justiça, possam exercer substituições ininterruptas por períodos superiores a seis meses, em caso de vacância da serventia. Nessa hipótese, o substituto não concursado se encontra na interinidade do cartório, de modo que age em nome próprio e por conta própria.
ADI 1.183 ED/DF, relator Ministro Nunes Marques, julgamento finalizado em 19.10.2023 (Info 1113)
Na ADI 1183, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) questionava dispositivos da Lei dos Cartórios (Lei 8.935/1994). No julgamento, ocorrido de forma virtual em junho de 2021, entre outros pontos, o Plenário havia reafirmado a regra de prévio concurso público para ingresso na carreira sobre qualquer outra norma e excluído a possibilidade de prepostos não concursados, indicados pelo titular ou pelos Tribunais locais, exercerem a substituição por mais de seis meses. A decisão foi objeto de embargos declaratórios.
Lei 8.935/1994: “Art. 20. Os notários e os oficiais de registro poderão, para o desempenho de suas funções, contratar escreventes, dentre eles escolhendo os substitutos, e auxiliares como empregados, com remuneração livremente ajustada e sob o regime da legislação do trabalho. § 1º Em cada serviço notarial ou de registro haverá tantos substitutos, escreventes e auxiliares quantos forem necessários, a critério de cada notário ou oficial de registro. § 2º Os notários e os oficiais de registro encaminharão ao juízo competente os nomes dos substitutos. § 3º Os escreventes poderão praticar somente os atos que o notário ou o oficial de registro autorizar. § 4º Os substitutos poderão, simultaneamente com o notário ou o oficial de registro, praticar todos os atos que lhe sejam próprios exceto, nos tabelionatos de notas, lavrar testamentos. § 5º Dentre os substitutos, um deles será designado pelo notário ou oficial de registro para responder pelo respectivo serviço nas ausências e nos impedimentos do titular.
R: É por aí…
Quando as substituições ultrapassem os seis meses decorrentes de vacância da serventia, a solução constitucionalmente válida é a indicação, como substituto, de outro notário ou registrador, observadas as leis locais de organização do serviço notarial e registral.
Fica ressalvada a possibilidade de os tribunais de justiça indicarem substitutos ad hoc quando não houver, entre os titulares concursados, interessado que aceite a substituição, sem prejuízo da imediata abertura de concurso público para preenchimento das vagas, e respeitado, em qualquer caso, o teto constitucional na remuneração do interino (CF/1988, art. 37, XI).
Nesse contexto, diante do longo período no qual o dispositivo citado vem sendo aplicado com interpretação diversa, a progressiva troca dos substitutos não concursados então em exercício por titulares de serventia extrajudicial devidamente aprovados em concurso público (CF/1988, arts. 37, II, e 236, § 3º) deve ser efetivada em até seis meses, contados da conclusão deste julgamento. Ademais, por questão de segurança jurídica, e de modo a preservar os direitos dos cidadãos que utilizaram os serviços cartorários de boa-fé, deve ser ressalvada, em qualquer caso, a validade dos atos praticados por aqueles nomeados pelo tribunal de justiça, conforme as regras e interpretações vigentes na ocasião.
Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, conheceu dos embargos de declaração e os proveu parcialmente, para retificar trecho da parte dispositiva do acórdão embargado, bem como para esclarecer e integrar os pontos supracitados (vide Informativo 1020).
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE DIREITO FUNDAMENTAL
É inconstitucional a omissão do poder público em ofertar, nas zonas urbanas em dias de eleições, transporte público coletivo de forma gratuita e em frequência compatível com aquela praticada em dias úteis.
ADPF 1.013/DF, relator Ministro Luís Roberto Barroso, julgamento finalizado em 18.10.2023 (Info 1113)
O partido Rede Sustentabilidade ajuizou, no STF, ação em que pede que a Corte determine aos municípios que garantam, nos dias das eleições, serviço de transporte público urbano coletivo de passageiros gratuito em frequência maior ou igual à dos dias úteis.
Na ADPF 1013, o partido argumenta que grande parcela das milhões de pessoas que terão de se deslocar para cumprir o dever de votar não tem meios próprios de locomoção e dependem do transporte público, que, nos fins de semana, tem frequência reduzida.
Segundo a legenda, há, por parte de alguns municípios, uma política inconstitucional de não prover adequadamente transporte público e em frequência razoável para os eleitores.
R: É mais ou menos por aí…
Configura omissão inconstitucional do Poder Público a falta de oferta, com a mesma frequência e regularidade dos dias úteis, de transporte público coletivo gratuito nas zonas urbanas em dia de eleições.
O fornecimento desse serviço já é previsto para os eleitores residentes em zonas rurais (Lei 6.091/1974 e Resolução TSE 23.669/2021). Assim, a falha em assegurar o exercício do direito ao voto a todos os cidadãos representa violação ao texto constitucional (CF/1988, art. 14), na medida em que é dever do Estado adotar medidas capazes de concretizar os direitos previstos na Constituição Federal, no caso, que todos tenham plenas condições de participar do processo eleitoral.
A ausência de política pública com essa finalidade tem o potencial de criar, na prática, um novo tipo de voto censitário, que retira dos mais pobres a possibilidade de participação no processo eleitoral, tendo em vista a extrema desigualdade social existente no Brasil. Ademais, a medida promove o combate à ilegalidade, evitando que o transporte seja utilizado estrategicamente em localidades específicas e sirva como instrumento de interferência no resultado eleitoral.
Nesse contexto, a ausência de normatização da matéria compromete a plena efetividade dos direitos políticos, de modo que é legítima a atuação do STF para garantir o cumprimento do texto constitucional e, ao mesmo tempo, reconhecer a preferência do Congresso Nacional em instituir a providência.
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou parcialmente procedente a ação para: (i) confirmar, no mérito, a medida cautelar concedida; (ii) fazer apelo ao Congresso Nacional para que edite lei regulamentadora da política de gratuidade de transporte público nas zonas urbanas em dias de eleições, com frequência compatível com aquela praticada em dias úteis; e, (iii) caso não editada a lei referida no item anterior, determinar ao Poder Público que, a partir das eleições municipais de 2024, oferte, nas zonas urbanas em dias de eleições, transporte coletivo municipal e intermunicipal, inclusive o metropolitano.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
1. A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia. Admite-se a possibilidade posterior de análise e responsabilização, inclusive com remoção de conteúdo, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais. Isso porque os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas. 2. Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (i) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (ii) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios.
RE 1.075.412/PE, relator Ministro Marco Aurélio, redator do acórdão Ministro Edson Fachin, julgamento finalizado em 29.11.2023 (Info 1120)
O ex-deputado federal Ricardo Zarattini Filho ajuizou ação contra o Diário de Pernambuco, pedindo indenização por danos morais em razão de conteúdo de entrevista veiculada no jornal que teria violado a honra do ex-parlamentar por imputar a ele conduta ilícita. A primeira instância julgou o pedido procedente, ao reconhecer que a publicação jornalística teria imputado a prática de ato ilícito ao político.
A decisão foi reformada pelo TJ-PE. Com base na interpretação dos artigos 5º, inciso IX, e 220 da Constituição Federal, o colegiado assentou a ausência do dever de indenizar por parte da empresa, ao entender que a publicação tratava de entrevista de terceiro e que o meio de comunicação não se manifestar diretamente sobre o conteúdo. O TJ frisou que a atuação do jornal estava coberta pelo princípio da liberdade de imprensa e que não houve violação à honra.
Por sua vez, a Terceira Turma do STJ deu provimento ao REsp, julgando procedente o pedido de indenização. Para aquela Corte, os direitos à informação e à livre manifestação do pensamento não possuem caráter absoluto, encontrando limites em outros direitos e garantias constitucionais que visam à concretização da dignidade da pessoa humana.
Os ministros do STJ entenderam que, no desempenho da função jornalística, as empresas de comunicação não podem descurar de seu compromisso com a veracidade dos fatos ou assumir uma postura displicente ao divulgar fatos que possam macular a integridade moral de terceiros. Salientaram que a jurisprudência do Tribunal é no sentido de que as empresas jornalísticas são responsáveis pela divulgação de matérias ofensivas, “sem exigir a prova inequívoca da má-fé da publicação. Dessa decisão, o jornal interpôs o recurso extraordinário ao STF.
R: SIM, se o meio de comunicação dormir no ponto e se mostrar displicente!
Não viola o direito à liberdade de imprensa (CF/1988, art. 220) a condenação de veículo de comunicação ao pagamento de indenização por dano moral que decorra da publicação de entrevista em que veiculada informação falsa. Essa medida EXCEPCIONAL é aplicável quando existir intenção deliberada, má-fé ou grave negligência por parte do canal de imprensa, isto é, quando, mesmo presentes indícios concretos acerca da inveracidade da acusação, ele se abstém do estrito cumprimento de seu dever de cuidado, consistente em oportunizar a manifestação da pessoa atingida e em adotar providências e cautelas que objetivem uma análise mais apurada da genuinidade das informações.
O regime jurídico de proteção da liberdade de expressão garante, por um lado, a impossibilidade de censura prévia, e, por outro, a possibilidade de que os direitos da personalidade se façam respeitar, a posteriori, por meio de responsabilização civil e penal.
A liberdade de imprensa goza de um regime de prevalência, sendo exigidas condições excepcionais para seu afastamento quando em conflito com outros princípios constitucionais. Para além da configuração de culpa ou dolo do agente, é necessário também que as circunstâncias fáticas indiquem uma incomum necessidade de salvaguarda dos direitos da personalidade.
Não se pode tolerar a extrapolação no exercício da atividade jornalística que menospreze direitos de personalidade de outrem, motivo pelo qual, nas circunstâncias acima citadas, é admissível a responsabilização dos culpados.
Na espécie, estão presentes requisitos dessa natureza, pois, além de a empresa jornalística recorrente não ter feito as ressalvas devidas quanto à honra do recorrido e dado a ele a oportunidade de apresentar sua versão dos fatos, a entrevista publicada não examinou o potencial lesivo da informação divulgada nem empregou os mecanismos razoáveis de aferição de sua veracidade. Ademais, sequer foi provado nos autos que o entrevistado, responsável pelas alegações que atribuíam ao recorrido a prática de fato tipificado como crime, havia promovido, de fato, essa imputação.
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 995 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário e, em continuidade de julgamento, fixou a tese supracitada.
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