Galera, bora analisar o Informativo nº 985 do STF COMENTADO. Várias decisões IMPORTANTES!
Sumário
1. Covid-19 e povos indígenas. 2
2. Conflito Federativo: corte de benefício do Bolsa Família e isonomia. 7
3. Defensoria Pública: autonomia orçamentária e repasse de duodécimos. 9
4. Teto remuneratório e incidência sobre somatório de remuneração ou provento e pensão.. 11
5. Indeferimento de ingresso de “amicus curiae” e recorribilidade. 13
6. Aproveitamento de servidores da extinta Minas Caixa e princípio do concurso público.. 15
7. “Habeas corpus” e desentranhamento de termo de colaboração de corréu. 17
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL
Diante dos princípios da precaução e da prevenção, no que respeita à proteção à vida e à saúde; da necessidade de diálogo institucional entre o Judiciário e o Poder Executivo, em matéria de políticas públicas decorrentes da Constituição Federal (CF); e da imprescindibilidade de diálogo intercultural, em toda questão que envolva os direitos de povos indígenas, cabe o deferimento de liminar para determinar medidas ao Poder Público relacionadas ao combate à pandemia por Covid-19, considerando o alto risco de contágio e de extermínio de diversos povos indígenas.
ADPF 709 Ref-MC/DF, Plenário, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 3 e 5.8.2020.
Segundo o autor da ADPF, há indícios de expansão acelerada do contágio pelo Covid-19 nas comunidades indígenas e a insuficiência das ações promovidas pela União para sua contenção.
Questionou, por meio da ação, um conjunto de atos comissivos e omissivos do Poder Público Federal, relacionados ao combate à pandemia e que implicariam alto risco de contágio e de extermínio de diversos povos indígenas.
R: Segundo o STF, sim.
O relator salientou as TRÊS diretrizes a embasar a decisão:
1) os princípios da precaução e da prevenção, no que respeita à proteção à vida e à saúde;
2) a necessidade de diálogo institucional entre o Judiciário e o Poder Executivo, em matéria de políticas públicas decorrentes da Constituição Federal (CF); e
3) a imprescindibilidade de diálogo intercultural, em toda questão que envolva os direitos de povos indígenas.
Quanto aos princípios precaução e da prevenção, a preocupação concernente ao risco de extinção de etnias se a doença se espalhar de forma descontrolada. O objetivo é o de salvar o maior número de vidas possível e de preservar essas etnias.
No que se refere à necessidade de diálogo institucional (que na prática significa colocar a tripartição das funções estatais no moedor de carne), o STF afirmou que a concretização das políticas públicas necessárias implicam a mobilização de múltiplas instituições e agentes, com expertise técnica e experiência em suas respectivas áreas de atuação.
Ademais, demandam a tomada de posição sobre temas a respeito dos quais as capacidades institucionais do Supremo Tribunal Federal podem ser limitadas. Portanto, é imprescindível que se estabeleça uma INTERLOCUÇÃO entre os distintos órgãos do Poder Executivo e o Poder Judiciário, para que se busque, tanto quanto possível, uma solução consensual para o problema sob exame.
Relativamente à imprescindibilidade de diálogo intercultural, observou-se que cada comunidade possui particularidades, circunstâncias e cultura próprias. É preciso permitir que esses povos expressem suas necessidades e auxiliar o Estado na busca de soluções cabíveis. Por essa razão, toda e qualquer decisão que envolva povos indígenas deve assegurar também um diálogo intercultural.
Existe, inclusive, tratado de direito internacional ratificado e internalizado pelo Brasil que determina que decisões acerca da proteção da vida, da saúde e do meio ambiente que envolvam povos indígenas devem necessariamente ser tomadas com a sua participação (Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho – OIT).
Pois bem. Na ação, foram formulados pedidos específicos em relação (1) aos povos indígenas em isolamento ou de contato recente, bem como pedidos que se destinam aos (2) povos indígenas em geral.
No que respeita ao pedido de criação de barreiras sanitárias formulado em favor dos povos indígenas em isolamento ou de contato recente, considerou que a opção pelo não contato decorre de direito desses povos à autodeterminação e constitui uma forma de preservar a sua identidade cultural e as suas próprias organizações, usos, costumes e tradições.
Por isso, o ingresso de qualquer membro exógeno à comunidade, sem a sua autorização, constitui um ilícito. Tais povos têm direito ao isolamento e o Estado tem o dever de assegurá-lo. Ademais, na atual situação, com uma pandemia em curso, os povos em isolamento e de contato recente são os mais expostos ao risco de contágio e de extinção. Isso decorre das condições de vulnerabilidade imunológica e sociocultural.
De acordo com diretrizes internacionais da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), a medida protetiva mais eficaz a ser tomada em favor de tais povos é assegurar-lhes o isolamento da sociedade envolvente, por meio de barreiras ou cordões sanitários que impeçam — inclusive com o uso da FORÇA, se necessário — o acesso de estranhos às suas terras.
Com base nos princípios da precaução e da prevenção, reconheceu-se o direito à criação de uma Sala de Situação, prevista em norma federal expedida pelo Ministério da Saúde (Portaria Conjunta 4.094/2018, do Ministério da Saúde e da Fundação Nacional do Índio – FUNAI).
A sala de situação é um espaço físico e virtual em que a informação de certa matéria (no caso a pandemia) é analisada sistematicamente por uma equipe técnica, para caracterizar a situação com relação ao tema.
Portanto, para o STF, NÃO há que se falar em interferência do Judiciário sobre Políticas Públicas, mas em mera implementação judicial de norma federal que não está sendo observada pelo Poder Executivo. Isso sem falar do respaldo pela Convenção 169 da OIT.
O Poder Público deve assegurar os meios necessários para que as instituições responsáveis pela administração de programas no interesse das comunidades indígenas funcionem adequadamente. Essa norma acolhe o pleito de participação da Defensoria Pública da União e do Ministério Público Federal, que poderão apoiar os representantes dos povos indígenas. A Defensoria por seu papel na defesa dos necessitados (CF, art. 134) e o Ministério Público por seu papel de defesa dos direitos e interesses das populações indígenas (CF, art. 129, V).
No que tange ao pedido dirigido aos povos indígenas em geral, de retirada de invasores das terras indígenas, a presença desses grupos em terras indígenas constitui violação do direito de tais povos ao seu território, à sua cultura e ameaça à sua vida e saúde.
Essas invasões se deram para o cometimento de crimes, como o desmatamento, a extração ilegal de madeira e o garimpo ilegal. A remoção, portanto, é medida imperativa, imprescindível e dever da União, sendo inaceitável a inação do governo federal em relação a esse fato.
No entanto, a situação NÃO é nova e não guarda relação com a pandemia. Trata-se de problema social gravíssimo, que ocorre em diversas terras indígenas e unidades de conservação, de difícil resolução, dado o grande contingente de pessoas (mais de 20.000 invasores em apenas uma das áreas) e o elevado risco de conflito armado. Não há como equacionar e solucionar esse problema nos limites de uma medida cautelar.
Além disso, há considerável periculum in mora inverso na determinação da retirada como postulada, já que implicaria o ingresso de forças militares e policiais em terra indígena, com risco de conflito armado durante a pandemia e, por conseguinte, poderia agravar a ameaça já existente à vida de tais povos. Recomendável que se considere, por ora, medida emergencial de contenção e isolamento dos invasores em relação às comunidades indígenas ou providência alternativa apta a evitar o contato.
A União deve se organizar para enfrentar o problema, que só faz crescer, e formular um plano de desintrusão.
É de se estender ainda o Subsistema de Saúde Indígena também aos indígenas URBANOS (não aldeados) e aos indígenas aldeados, residentes em terras indígenas, cuja demarcação e homologação ainda não foram concluídas pelo Poder Público.
Entretanto, tendo em conta que o subsistema precisará passar por uma considerável readequação, que tende a absorver parte significativa da sua capacidade institucional ao passar a atender, de imediato, os indígenas aldeados localizados em terras não homologadas, que não eram alcançados por seus serviços, o relator entendeu haver perigo na demora inverso no deferimento imediato da cautelar em face da eventual sobrecarga do subsistema. Por essa razão, determinou-se a extensão dos serviços do subsistema aos povos indígenas não aldeados, por ora, quando verificada barreira de acesso ao SUS geral.
O ministro Roberto Barroso (quase um Presidente da República) CONCLUIU pela necessidade da elaboração e do monitoramento de um plano de enfrentamento da pandemia para os povos indígenas brasileiros com a participação dos representantes dessas comunidades. Salientou que, a fim de assegurar o diálogo institucional e intercultural, por um lado, e de observar os princípios da precaução e da prevenção de outro, cabe à União a formulação do referido plano, com a participação do Conselho de Direitos Humanos, dos representantes dos povos indígenas e demais consultores ad hoc.
Vencidos, parcialmente, o ministro Edson Fachin, que deferia a liminar em MAIOR amplitude, e o ministro Ricardo Lewandowski, que acompanhava o relator, mas estabelecia prazos.
O Plenário, por maioria, referendou cautelar deferida parcialmente em ação de descumprimento de preceito fundamental na qual se questiona um conjunto de atos comissivos e omissivos do Poder Público, relacionados ao combate à pandemia por Covid-19, que implicariam alto risco de contágio e de extermínio de diversos povos indígenas.
AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA
Não se pode conceber comportamento discriminatório da União em virtude do local de residência de brasileiros em idêntica condição.
ACO 3359 Ref-MC/DF, Plenário, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 5.8.2020
Os autores (Estados do Nordeste) ajuizaram ação cível originária, com pedido de tutela provisória, para que (a) a União seja compelida a apresentar dados que justifiquem a concentração, na Região Nordeste, de cortes de novos benefícios do Programa Bolsa Família, e (b) seja conferido tratamento isonômico aos entes da Federação.
CF: “Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…) III – criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.”
Lei 10.836/2004: “Art. 2º Constituem benefícios financeiros do Programa, observado o disposto em regulamento: I – o benefício básico, destinado a unidades familiares que se encontrem em situação de extrema pobreza; II – o benefício variável, destinado a unidades familiares que se encontrem em situação de pobreza e extrema pobreza e que tenham em sua composição gestantes, nutrizes, crianças entre 0 (zero) e 12 (doze) anos ou adolescentes até 15 (quinze) anos, sendo pago até o limite de 5 (cinco) benefícios por família; III – o benefício variável, vinculado ao adolescente, destinado a unidades familiares que se encontrem em situação de pobreza ou extrema pobreza e que tenham em sua composição adolescentes com idade entre 16 (dezesseis) e 17 (dezessete) anos, sendo pago até o limite de 2 (dois) benefícios por família. IV – o benefício para superação da extrema pobreza, no limite de um por família, destinado às unidades familiares beneficiárias do Programa Bolsa Família e que, cumulativamente: a) tenham em sua composição crianças e adolescentes de 0 (zero) a 15 (quinze) anos de idade; e b) apresentem soma da renda familiar mensal e dos benefícios financeiros previstos nos incisos I a III igual ou inferior a R$ 70,00 (setenta reais) per capita.”
CF: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (…) II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;”
R: Uhum!
O ministro Marco Aurélio (relator), ao deferir a medida cautelar, reconheceu a competência do Supremo Tribunal Federal (STF) para julgamento da ação, ante a presença da União e dos estados em polos opostos da lide e, a par disso, de conflito apto a causar risco à estabilidade do pacto federativo.
R: Ao que parece…
O Programa Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda, voltado a famílias de todo o País, de modo a fazer frente a situação de pobreza e vulnerabilidade. O benefício está previsto no art. 2º, I a IV, da Lei 10.836/2004 e, por lógico, NÃO apresenta qualquer restrição atinente a região ou estado.
E não se valora a extrema pobreza conforme a unidade da Federação, devendo haver ISONOMIA no tratamento, tendo em conta o objetivo constitucional de erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais, a teor dos arts. 3º, II e III (3), 19, III, 203 e 204 da CF, bem como da Lei 10.836/2004.
Não se pode conceber comportamento discriminatório da União em virtude do local de residência de brasileiros em idêntica condição. A diferença numérica aludida pelos autores sinaliza desequilíbrio tanto na concessão de novos benefícios quanto na liberação dos recursos para aqueles já inscritos na Região Nordeste.
O Plenário referendou medida cautelar em ação cível originária para DETERMINAR que a União disponibilize dados que justifiquem a concentração de cortes de benefícios do Programa Bolsa Família na Região Nordeste, bem assim que, em consonância com o art. 19, III, da Constituição Federal, dispense aos inscritos nos estados autores tratamento isonômico em relação aos beneficiários dos demais entes da Federação.
Além disso, referendou medida para DETERMINAR a suspensão de cortes no Programa, enquanto perdurar o estado de calamidade pública, e assentar que a liberação de recursos para novas inscrições seja uniforme considerados os estados da Federação.
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL
A omissão do Poder Executivo estadual em realizar o repasse de dotação orçamentária da Defensoria Pública na forma de duodécimos afronta os arts. 134, § 2º, e 168 da Constituição Federal.
ADPF 384 Ref-MC/MG, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 6.8.2020
O governo de Minas Gerais, muito esperto, não vinha enviando integralmente os valores que a LDO destinava à Defensoria Pública do Estado. Sabe como é, sempre com a desculpa de falta de verbas… Aí chegou uma hora que os defensores não toleraram mais os cortes no orçamento e reclamaram que o repasse se desse de forma integral, consoante o artigo 168 da CF. A questão foi parar no STF.
CF: “Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição. (…) § 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º.”
CF: “Art. 168. Os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos, na forma da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º.”
R: Com certeza!
A omissão do Poder Executivo estadual em realizar o repasse de dotação orçamentária da Defensoria Pública na forma de duodécimos afronta os arts. 134, § 2º, e 168 da Constituição Federal
Vencidos os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Dias Toffoli, que julgaram parcialmente procedente o pedido formulado na ADPF, para determinar que, no caso de frustação de receitas líquidas pelo estado, deve-se seguir, a partir da data deste julgamento, os critérios previstos na respectiva LDO para fins de contingenciamento de receitas.
Nas situações em que a LDO preveja critérios a serem utilizados para fins de contingenciamento em casos de frustação de receita, o corte deve ser realizado pelo Poder Executivo de forma objetiva, sempre na hipótese de haver impasse institucional e depois da omissão do Poder ou órgão com autonomia constitucional.
O Plenário, por maioria, julgou procedente pedido formulado em arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) para determinar ao Governador do estado de Minas Gerais que proceda ao repasse, sob a forma de duodécimos e até o dia 20 de cada mês, da integralidade dos recursos orçamentários destinados à Defensoria Pública estadual pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para o exercício financeiro de 2016, inclusive quanto às parcelas já vencidas, assim também em relação a eventuais créditos adicionais destinados à instituição.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Ocorrida a morte do instituidor da pensão em momento posterior ao da Emenda Constitucional 19/1998, o teto constitucional previsto no inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal (CF) incide sobre o somatório de remuneração ou provento e pensão percebida por servidor.
RE 602584/DF, Plenário, em repercussão geral, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 6.8.2020
Josefina era casada com Romualdo, ambos servidores públicos. Romualdo, infelizmente, bateu as botas. Josefina ficou triste, mas estava ao menos feliz que receberia a pensão por morte + seu salário. Ela entristeceu de vez quando foi informada de que essa soma seria picotada (achatada) pelo teto constitucional — CF, art. 37, XI: a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos […] NÃO poderão exceder…
Após muita discussão, o tribunal de origem fez Josefina feliz ao assentar a NÃO incidência do teto constitucional remuneratório sobre a soma dos valores recebidos, por servidora, a título de pensão por morte e os vencimentos alusivos à remuneração do seu cargo público efetivo.
Mas a discussão continua…
CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…) XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;”
R: INCIDE!
Para ser curto e grosso (como diríamos no meu amado sul do Brasil): cabível considerar, para efeito de teto, previsto no art. 37, XI, da CF, o somatório de valores percebidos a título de remuneração, proventos e pensão!
Vencidos os ministros Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli (presidente) que negaram provimento ao recurso, ao fundamento de que, por se tratar de direitos decorrentes de fatos geradores distintos, o teto remuneratório deveria incidir isoladamente sobre cada uma das verbas.
O Plenário fixou a tese de repercussão geral (Tema 359), ao dar provimento, por maioria, a recurso extraordinário e indeferir ordem de mandado de segurança: ocorrida a morte do instituidor da pensão em momento posterior ao da Emenda Constitucional (EC) 19/1998, o teto constitucional previsto no inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal incide sobre o somatório de remuneração ou provento e pensão percebida por servidor.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Ainda que se admita recurso de decisão que indeferiu o ingresso de amicus curiae, é inaplicável o art. 138 do Código de Processo Civil de 2015 aos processos do controle concentrado de constitucionalidade, de modo que pessoa física não tem representatividade adequada para intervir na qualidade de amigo da Corte em ação direta.
ADI 3396 AgR/DF, Plenário, rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 6.8.2020.
Trata-se de agravo regimental interposto, por procurador da fazenda nacional, contra decisão que, em sede de ação direta de inconstitucionalidade, indeferiu seu pedido de ingresso nos autos como amicus curiae.
CPC/2015: “Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação. § 1º A intervenção de que trata o caput não implica alteração de competência nem autoriza a interposição de recursos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e a hipótese do § 3º. § 2º Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os poderes do amicus curiae. § 3º O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas.”
R: Sim.
Você sabe, mas não custa lembrar, que amicus curiae é o amigo da Corte, aquele que entra no processo para contribuir com sua voz e representatividade.
Como refere Peter Haberle, em sua CONSTITUIÇÃO ABERTA (sociedade aberta dos intérpretes), tem-se na espécie uma perspectiva pluralística e democrática (fruto de processo cultural) de que NÃO cabe apenas ao Estado (Corte Constitucional) a interpretação da Constituição, mas a toda a sociedade.
Pois bem. o STF, por maioria, conheceu do recurso com fundamento em decisões da Corte que permitem a impugnação recursal por parte de terceiro, quando DENEGADA sua participação na qualidade de amicus curiae.
INDEFERIMENTO ingresso como amicus curiae | DEFERIMENTO ingresso como amicus curiae |
RECORRÍVEL | IRRECORRÍVEL |
O ministro Celso de Mello advertiu que atualmente o Plenário do Supremo Tribunal Federal tem compreendido ser IRRECORRÍVEL a decisão do relator que admite, ou não, o ingresso de amicus curiae em processos de controle concentrado (ADI 5.774 ED, ADI 5.591 ED-AgR, ADI 3.460 ED).
De igual modo, que o colegiado tem considerado INAPLICÁVEL o art. 138 do Código de Processo Civil de 2015 aos processos do controle concentrado de constitucionalidade (ADI 4.389 ED-AgR, ADI 3.931 ED).
Vencidos os ministros Luiz Fux, Dias Toffoli, Ayres Britto, Edson Fachin e Cármen Lúcia, que não conheceram do agravo, por entenderem ser irrecorrível o pronunciamento.
No MÉRITO, o Plenário se reportou à jurisprudência do STF no sentido de que a pessoa física NÃO tem representatividade adequada para intervir na qualidade de amigo da Corte em ação direta.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
É inconstitucional, por afrontar o artigo 37, II, da CF, lei que preveja a integração de pessoa que não prestou concurso público ao quadro de pessoal de órgão público.
ADI 1251/MG, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 6.8.2020
Lei do Estado de Minas Gerais previu que o servidor público estadual à disposição do Tribunal de Contas em 30 de novembro de 1994 poderia requerer sua integração ao Quadro Especial de Pessoal do referido Tribunal, no prazo de 30 dias contados da data da publicação da lei. Pode isso?
Lei 11.816/1995: “Art. 3º O servidor público estadual à disposição do Tribunal de Contas em 30 de novembro de 1994 poderá requerer sua integração ao Quadro Especial de Pessoal do referido Tribunal, no prazo de 30 (trinta) dias contados da data da publicação desta lei.”
CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…) II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;”
R: Negativo!
O Plenário julgou procedente a pretensão, haja vista o dispositivo em exame afrontar o princípio do concurso público previsto na Constituição Federal (art. 37, II).
A decisão foi modulada com efeitos ex nunc. A declaração de inconstitucionalidade do preceito impugnado retroagiu à data do deferimento da medida cautelar, em 30.6.1995, placitadas as situações jurídicas dos funcionários que ingressaram no quadro do Tribunal de Contas antes de ser concedida a medida.
O colegiado rejeitou preliminar de inadmissibilidade da ação, aduzida em face de ter sido ajuizada após decorrido o prazo previsto na lei para os servidores públicos estaduais à disposição do Tribunal de Contas mineiro requererem a integração ao Quadro Especial de Pessoal daquela Corte de Contas.
Assinalou NÃO ter ocorrido o pleno exaurimento da eficácia da norma impugnada que resultasse na inadmissibilidade da ação direta. Trata-se de lei que fixa prazo para o exercício de um direito. Entretanto, é uma lei de efeitos PERMANENTES. Ao mesmo tempo em que estabelece o prazo de trinta dias para o requerimento dos servidores, reconhece a eles, quando atendidos os requisitos estabelecidos, o direito de integrar o quadro do Tribunal de Contas.
Está em discussão exatamente a hipótese de integração de servidores público àquele quadro sem a realização de concurso público. Portanto, persiste a natureza abstrata da norma, apta a desafiar, ainda hoje, sua análise em sede de controle concentrado de constitucionalidade.
Em situação análoga, o Supremo Tribunal Federal superou questão de ordem para conhecer da ação. Na oportunidade, não reconheceu a existência de norma impregnada de eficácia temporária, sujeitando-a ao controle abstrato de constitucionalidade (ADI 2.986 QO).
Em conclusão de julgamento, o Plenário assentou a procedência de pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei 11.816/1995 do estado de Minas Gerais. Ademais, em votação majoritária, MODULOU os efeitos da decisão para que a declaração de inconstitucionalidade da norma retroaja à data do deferimento da medida cautelar (Informativo 524).
HABEAS CORPUS
No sistema acusatório não há possibilidade de assegurar ao magistrado poderes instrutórios autônomos, especialmente quando o ato instrutório é tomado para constranger e macular a posição jurídica do réu, o que atrai a incidência do art. 157 do CPP, que preleciona a inadmissibilidade das provas ilícitas.
HC 163943 AgR/PR, 2ª Turma, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 4.8.2020
Às vésperas do primeiro turno da eleição presidencial e após o encerramento da instrução processual, o então magistrado ordenou o levantamento do sigilo e o translado, para os autos do mencionado processo criminal, de parte dos depoimentos prestados por corréu em acordo de colaboração premiada.
A defesa alega que o tal ex-juiz aguardou mais de três meses da homologação da delação para, na semana do primeiro turno, determinar, sem prévio requerimento do órgão acusatório, a efetiva juntada à ação penal.
Haveria, assim, prova ilícita, requerendo-se o desentranhamento do mencionado acordo de colaboração premiada.
Súmula 691/STF: “Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar.”
CPP: “Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.”
R: Diz o STF que sim.
Ao se manifestar pelo conhecimento do writ, o ministro Ricardo Lewandowski reportou-se à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) segundo a qual, quando a liberdade de alguém estiver direta ou indiretamente ameaçada, CABE habeas corpus ainda que para solucionar questões de natureza processual.
De igual modo, o ministro Gilmar Mendes acrescentou que, se houver ilegalidade manifesta a ser corrigida pelo STF, não se verifica óbice ao afastamento da incidência do Verbete 691 da Súmula do STF.
Vencido no ponto o ministro Edson Fachin (relator), que enfatizou que a ação constitucional em apreço, sobretudo em hipóteses nas quais se verifica supressão de instância, consubstancia garantia processual vocacionada exclusivamente à tutela do direito de locomoção. Portanto, NÃO se presta a tutelar a regularidade de atos processuais que não se mostrem, sequer potencial e remotamente, aptos a interferir na liberdade ambulatorial do cidadão.
R: Diz o STF que SIM.
A Turma considerou demonstrado constrangimento ilegal imposto ao paciente e acolheu o pedido formulado, com esteio no art. 157 do Código de Processo Penal, que impõe a exclusão de provas ilícitas, assim entendidas aquelas obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
O ministro Ricardo Lewandowski aduziu que, apesar de ter consignado a necessidade da medida para instrução dos autos, o aludido magistrado assentou, de modo EXTRAVAGANTE, que levaria em consideração, quanto aos coacusados, apenas o depoimento prestado pelo corréu colaborador sob contraditório naquele processo penal.
A seu ver, com essas e outras atitudes que haverão de ser verticalmente analisadas no âmbito do HC 164.493, aquele juiz violou o sistema acusatório, bem como as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, além de influenciar de forma direta e relevante o resultado da disputa eleitoral, conforme asseveram inúmeros analistas políticos, desvelando comportamento, no mínimo, heterodoxo no julgamento dos processos criminais instaurados contra o paciente. A determinação da juntada nesses moldes consubstancia, quando menos, inequívoca quebra da imparcialidade.
Sobre o art. 156 do CPP, REJEITOU a possibilidade de se alegar que ele assegura ao magistrado poderes instrutórios autônomos. Avaliou que a dicção do referido dispositivo, de duvidosa constitucionalidade, está restrita às hipóteses específicas contempladas pelo legislador. De sorte que, por corolário, descabe qualquer compreensão hermenêutica que amplie o sentido e o alcance do preceito, especialmente para fins ELEITORAIS, sob pena de violação do sistema constitucional acusatório.
Concluiu que a juntada de ofício após o encerramento da fase de instrução, com o intuito de, aparentemente, gerar fato político, revela-se em descompasso com o ordenamento constitucional vigente.
Por seu turno, o ministro Gilmar Mendes chamou a atenção para as circunstâncias que permearam a juntada nos autos do acordo de colaboração.
Em primeiro lugar, ele foi juntado quando a fase de instrução processual havia sido encerrada, a sugerir que os termos do acordo sequer estariam aptos a fundamentar a prolação da sentença.
Em segundo, aconteceu cerca de três meses após a decisão judicial que o homologara. A seu ver, essa demora parece ter sido cuidadosamente planejada para gerar verdadeiro fato político na semana que antecedia o primeiro turno das eleições presidenciais. Ato contínuo à juntada foi determinado o imediato levantamento do sigilo, com clara finalidade de que fosse dada publicidade às imputações dirigidas ao réu, sem que as circunstâncias narradas no ajuste fossem relevantes para a ação penal em andamento.
Em terceiro, o fato de a juntada e o levantamento do sigilo terem ocorrido por iniciativa do próprio juiz, isto é, sem qualquer provocação do órgão acusatório.
Para o ministro, essas circunstâncias, quando examinadas de forma holística, são vetores possivelmente indicativos da quebra da imparcialidade por parte do magistrado. Sob o prisma da avaliação estrita da licitude, compreendeu estar claro que as circunstâncias não deixam dúvidas de que o ato se encontra acoimado de grave e irreparável ilicitude.
Ponderou que a juntada do acordão não parece ter tido outro propósito a não ser o de constranger e macular a posição jurídica do réu, hipótese a atrair a incidência do art. 157 do CPP, que preleciona a inadmissibilidade das provas ilícitas.
Vencido, de novo, o ministro Edson Fachin (relator), que negou provimento ao agravo regimental.
Na percepção do relator, o CPP atribui ao juiz poderes instrutórios, ainda que de forma residual (art. 156). Nada obstante, NÃO se demonstra que a atividade processual teve como norte a inclinação por determinada hipótese acusatória, mas, tão somente, possibilitar, em sede de sentença, o adequado enfrentamento da matéria afeta à atividade colaborativa.
Sumário
1. Covid-19 e povos indígenas. 2
2. Conflito Federativo: corte de benefício do Bolsa Família e isonomia. 7
3. Defensoria Pública: autonomia orçamentária e repasse de duodécimos. 9
4. Teto remuneratório e incidência sobre somatório de remuneração ou provento e pensão.. 11
5. Indeferimento de ingresso de “amicus curiae” e recorribilidade. 13
6. Aproveitamento de servidores da extinta Minas Caixa e princípio do concurso público.. 15
7. “Habeas corpus” e desentranhamento de termo de colaboração de corréu. 17
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL
Diante dos princípios da precaução e da prevenção, no que respeita à proteção à vida e à saúde; da necessidade de diálogo institucional entre o Judiciário e o Poder Executivo, em matéria de políticas públicas decorrentes da Constituição Federal (CF); e da imprescindibilidade de diálogo intercultural, em toda questão que envolva os direitos de povos indígenas, cabe o deferimento de liminar para determinar medidas ao Poder Público relacionadas ao combate à pandemia por Covid-19, considerando o alto risco de contágio e de extermínio de diversos povos indígenas.
ADPF 709 Ref-MC/DF, Plenário, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 3 e 5.8.2020.
Segundo o autor da ADPF, há indícios de expansão acelerada do contágio pelo Covid-19 nas comunidades indígenas e a insuficiência das ações promovidas pela União para sua contenção.
Questionou, por meio da ação, um conjunto de atos comissivos e omissivos do Poder Público Federal, relacionados ao combate à pandemia e que implicariam alto risco de contágio e de extermínio de diversos povos indígenas.
R: Segundo o STF, sim.
O relator salientou as TRÊS diretrizes a embasar a decisão:
1) os princípios da precaução e da prevenção, no que respeita à proteção à vida e à saúde;
2) a necessidade de diálogo institucional entre o Judiciário e o Poder Executivo, em matéria de políticas públicas decorrentes da Constituição Federal (CF); e
3) a imprescindibilidade de diálogo intercultural, em toda questão que envolva os direitos de povos indígenas.
Quanto aos princípios precaução e da prevenção, a preocupação concernente ao risco de extinção de etnias se a doença se espalhar de forma descontrolada. O objetivo é o de salvar o maior número de vidas possível e de preservar essas etnias.
No que se refere à necessidade de diálogo institucional (que na prática significa colocar a tripartição das funções estatais no moedor de carne), o STF afirmou que a concretização das políticas públicas necessárias implicam a mobilização de múltiplas instituições e agentes, com expertise técnica e experiência em suas respectivas áreas de atuação.
Ademais, demandam a tomada de posição sobre temas a respeito dos quais as capacidades institucionais do Supremo Tribunal Federal podem ser limitadas. Portanto, é imprescindível que se estabeleça uma INTERLOCUÇÃO entre os distintos órgãos do Poder Executivo e o Poder Judiciário, para que se busque, tanto quanto possível, uma solução consensual para o problema sob exame.
Relativamente à imprescindibilidade de diálogo intercultural, observou-se que cada comunidade possui particularidades, circunstâncias e cultura próprias. É preciso permitir que esses povos expressem suas necessidades e auxiliar o Estado na busca de soluções cabíveis. Por essa razão, toda e qualquer decisão que envolva povos indígenas deve assegurar também um diálogo intercultural.
Existe, inclusive, tratado de direito internacional ratificado e internalizado pelo Brasil que determina que decisões acerca da proteção da vida, da saúde e do meio ambiente que envolvam povos indígenas devem necessariamente ser tomadas com a sua participação (Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho – OIT).
Pois bem. Na ação, foram formulados pedidos específicos em relação (1) aos povos indígenas em isolamento ou de contato recente, bem como pedidos que se destinam aos (2) povos indígenas em geral.
No que respeita ao pedido de criação de barreiras sanitárias formulado em favor dos povos indígenas em isolamento ou de contato recente, considerou que a opção pelo não contato decorre de direito desses povos à autodeterminação e constitui uma forma de preservar a sua identidade cultural e as suas próprias organizações, usos, costumes e tradições.
Por isso, o ingresso de qualquer membro exógeno à comunidade, sem a sua autorização, constitui um ilícito. Tais povos têm direito ao isolamento e o Estado tem o dever de assegurá-lo. Ademais, na atual situação, com uma pandemia em curso, os povos em isolamento e de contato recente são os mais expostos ao risco de contágio e de extinção. Isso decorre das condições de vulnerabilidade imunológica e sociocultural.
De acordo com diretrizes internacionais da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), a medida protetiva mais eficaz a ser tomada em favor de tais povos é assegurar-lhes o isolamento da sociedade envolvente, por meio de barreiras ou cordões sanitários que impeçam — inclusive com o uso da FORÇA, se necessário — o acesso de estranhos às suas terras.
Com base nos princípios da precaução e da prevenção, reconheceu-se o direito à criação de uma Sala de Situação, prevista em norma federal expedida pelo Ministério da Saúde (Portaria Conjunta 4.094/2018, do Ministério da Saúde e da Fundação Nacional do Índio – FUNAI).
A sala de situação é um espaço físico e virtual em que a informação de certa matéria (no caso a pandemia) é analisada sistematicamente por uma equipe técnica, para caracterizar a situação com relação ao tema.
Portanto, para o STF, NÃO há que se falar em interferência do Judiciário sobre Políticas Públicas, mas em mera implementação judicial de norma federal que não está sendo observada pelo Poder Executivo. Isso sem falar do respaldo pela Convenção 169 da OIT.
O Poder Público deve assegurar os meios necessários para que as instituições responsáveis pela administração de programas no interesse das comunidades indígenas funcionem adequadamente. Essa norma acolhe o pleito de participação da Defensoria Pública da União e do Ministério Público Federal, que poderão apoiar os representantes dos povos indígenas. A Defensoria por seu papel na defesa dos necessitados (CF, art. 134) e o Ministério Público por seu papel de defesa dos direitos e interesses das populações indígenas (CF, art. 129, V).
No que tange ao pedido dirigido aos povos indígenas em geral, de retirada de invasores das terras indígenas, a presença desses grupos em terras indígenas constitui violação do direito de tais povos ao seu território, à sua cultura e ameaça à sua vida e saúde.
Essas invasões se deram para o cometimento de crimes, como o desmatamento, a extração ilegal de madeira e o garimpo ilegal. A remoção, portanto, é medida imperativa, imprescindível e dever da União, sendo inaceitável a inação do governo federal em relação a esse fato.
No entanto, a situação NÃO é nova e não guarda relação com a pandemia. Trata-se de problema social gravíssimo, que ocorre em diversas terras indígenas e unidades de conservação, de difícil resolução, dado o grande contingente de pessoas (mais de 20.000 invasores em apenas uma das áreas) e o elevado risco de conflito armado. Não há como equacionar e solucionar esse problema nos limites de uma medida cautelar.
Além disso, há considerável periculum in mora inverso na determinação da retirada como postulada, já que implicaria o ingresso de forças militares e policiais em terra indígena, com risco de conflito armado durante a pandemia e, por conseguinte, poderia agravar a ameaça já existente à vida de tais povos. Recomendável que se considere, por ora, medida emergencial de contenção e isolamento dos invasores em relação às comunidades indígenas ou providência alternativa apta a evitar o contato.
A União deve se organizar para enfrentar o problema, que só faz crescer, e formular um plano de desintrusão.
É de se estender ainda o Subsistema de Saúde Indígena também aos indígenas URBANOS (não aldeados) e aos indígenas aldeados, residentes em terras indígenas, cuja demarcação e homologação ainda não foram concluídas pelo Poder Público.
Entretanto, tendo em conta que o subsistema precisará passar por uma considerável readequação, que tende a absorver parte significativa da sua capacidade institucional ao passar a atender, de imediato, os indígenas aldeados localizados em terras não homologadas, que não eram alcançados por seus serviços, o relator entendeu haver perigo na demora inverso no deferimento imediato da cautelar em face da eventual sobrecarga do subsistema. Por essa razão, determinou-se a extensão dos serviços do subsistema aos povos indígenas não aldeados, por ora, quando verificada barreira de acesso ao SUS geral.
O ministro Roberto Barroso (quase um Presidente da República) CONCLUIU pela necessidade da elaboração e do monitoramento de um plano de enfrentamento da pandemia para os povos indígenas brasileiros com a participação dos representantes dessas comunidades. Salientou que, a fim de assegurar o diálogo institucional e intercultural, por um lado, e de observar os princípios da precaução e da prevenção de outro, cabe à União a formulação do referido plano, com a participação do Conselho de Direitos Humanos, dos representantes dos povos indígenas e demais consultores ad hoc.
Vencidos, parcialmente, o ministro Edson Fachin, que deferia a liminar em MAIOR amplitude, e o ministro Ricardo Lewandowski, que acompanhava o relator, mas estabelecia prazos.
O Plenário, por maioria, referendou cautelar deferida parcialmente em ação de descumprimento de preceito fundamental na qual se questiona um conjunto de atos comissivos e omissivos do Poder Público, relacionados ao combate à pandemia por Covid-19, que implicariam alto risco de contágio e de extermínio de diversos povos indígenas.
AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA
Não se pode conceber comportamento discriminatório da União em virtude do local de residência de brasileiros em idêntica condição.
ACO 3359 Ref-MC/DF, Plenário, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 5.8.2020
Os autores (Estados do Nordeste) ajuizaram ação cível originária, com pedido de tutela provisória, para que (a) a União seja compelida a apresentar dados que justifiquem a concentração, na Região Nordeste, de cortes de novos benefícios do Programa Bolsa Família, e (b) seja conferido tratamento isonômico aos entes da Federação.
CF: “Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…) III – criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.”
Lei 10.836/2004: “Art. 2º Constituem benefícios financeiros do Programa, observado o disposto em regulamento: I – o benefício básico, destinado a unidades familiares que se encontrem em situação de extrema pobreza; II – o benefício variável, destinado a unidades familiares que se encontrem em situação de pobreza e extrema pobreza e que tenham em sua composição gestantes, nutrizes, crianças entre 0 (zero) e 12 (doze) anos ou adolescentes até 15 (quinze) anos, sendo pago até o limite de 5 (cinco) benefícios por família; III – o benefício variável, vinculado ao adolescente, destinado a unidades familiares que se encontrem em situação de pobreza ou extrema pobreza e que tenham em sua composição adolescentes com idade entre 16 (dezesseis) e 17 (dezessete) anos, sendo pago até o limite de 2 (dois) benefícios por família. IV – o benefício para superação da extrema pobreza, no limite de um por família, destinado às unidades familiares beneficiárias do Programa Bolsa Família e que, cumulativamente: a) tenham em sua composição crianças e adolescentes de 0 (zero) a 15 (quinze) anos de idade; e b) apresentem soma da renda familiar mensal e dos benefícios financeiros previstos nos incisos I a III igual ou inferior a R$ 70,00 (setenta reais) per capita.”
CF: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (…) II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;”
R: Uhum!
O ministro Marco Aurélio (relator), ao deferir a medida cautelar, reconheceu a competência do Supremo Tribunal Federal (STF) para julgamento da ação, ante a presença da União e dos estados em polos opostos da lide e, a par disso, de conflito apto a causar risco à estabilidade do pacto federativo.
R: Ao que parece…
O Programa Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda, voltado a famílias de todo o País, de modo a fazer frente a situação de pobreza e vulnerabilidade. O benefício está previsto no art. 2º, I a IV, da Lei 10.836/2004 e, por lógico, NÃO apresenta qualquer restrição atinente a região ou estado.
E não se valora a extrema pobreza conforme a unidade da Federação, devendo haver ISONOMIA no tratamento, tendo em conta o objetivo constitucional de erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais, a teor dos arts. 3º, II e III (3), 19, III, 203 e 204 da CF, bem como da Lei 10.836/2004.
Não se pode conceber comportamento discriminatório da União em virtude do local de residência de brasileiros em idêntica condição. A diferença numérica aludida pelos autores sinaliza desequilíbrio tanto na concessão de novos benefícios quanto na liberação dos recursos para aqueles já inscritos na Região Nordeste.
O Plenário referendou medida cautelar em ação cível originária para DETERMINAR que a União disponibilize dados que justifiquem a concentração de cortes de benefícios do Programa Bolsa Família na Região Nordeste, bem assim que, em consonância com o art. 19, III, da Constituição Federal, dispense aos inscritos nos estados autores tratamento isonômico em relação aos beneficiários dos demais entes da Federação.
Além disso, referendou medida para DETERMINAR a suspensão de cortes no Programa, enquanto perdurar o estado de calamidade pública, e assentar que a liberação de recursos para novas inscrições seja uniforme considerados os estados da Federação.
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL
A omissão do Poder Executivo estadual em realizar o repasse de dotação orçamentária da Defensoria Pública na forma de duodécimos afronta os arts. 134, § 2º, e 168 da Constituição Federal.
ADPF 384 Ref-MC/MG, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 6.8.2020
O governo de Minas Gerais, muito esperto, não vinha enviando integralmente os valores que a LDO destinava à Defensoria Pública do Estado. Sabe como é, sempre com a desculpa de falta de verbas… Aí chegou uma hora que os defensores não toleraram mais os cortes no orçamento e reclamaram que o repasse se desse de forma integral, consoante o artigo 168 da CF. A questão foi parar no STF.
CF: “Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição. (…) § 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º.”
CF: “Art. 168. Os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos, na forma da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º.”
R: Com certeza!
A omissão do Poder Executivo estadual em realizar o repasse de dotação orçamentária da Defensoria Pública na forma de duodécimos afronta os arts. 134, § 2º, e 168 da Constituição Federal
Vencidos os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Dias Toffoli, que julgaram parcialmente procedente o pedido formulado na ADPF, para determinar que, no caso de frustação de receitas líquidas pelo estado, deve-se seguir, a partir da data deste julgamento, os critérios previstos na respectiva LDO para fins de contingenciamento de receitas.
Nas situações em que a LDO preveja critérios a serem utilizados para fins de contingenciamento em casos de frustação de receita, o corte deve ser realizado pelo Poder Executivo de forma objetiva, sempre na hipótese de haver impasse institucional e depois da omissão do Poder ou órgão com autonomia constitucional.
O Plenário, por maioria, julgou procedente pedido formulado em arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) para determinar ao Governador do estado de Minas Gerais que proceda ao repasse, sob a forma de duodécimos e até o dia 20 de cada mês, da integralidade dos recursos orçamentários destinados à Defensoria Pública estadual pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para o exercício financeiro de 2016, inclusive quanto às parcelas já vencidas, assim também em relação a eventuais créditos adicionais destinados à instituição.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Ocorrida a morte do instituidor da pensão em momento posterior ao da Emenda Constitucional 19/1998, o teto constitucional previsto no inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal (CF) incide sobre o somatório de remuneração ou provento e pensão percebida por servidor.
RE 602584/DF, Plenário, em repercussão geral, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 6.8.2020
Josefina era casada com Romualdo, ambos servidores públicos. Romualdo, infelizmente, bateu as botas. Josefina ficou triste, mas estava ao menos feliz que receberia a pensão por morte + seu salário. Ela entristeceu de vez quando foi informada de que essa soma seria picotada (achatada) pelo teto constitucional — CF, art. 37, XI: a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos […] NÃO poderão exceder…
Após muita discussão, o tribunal de origem fez Josefina feliz ao assentar a NÃO incidência do teto constitucional remuneratório sobre a soma dos valores recebidos, por servidora, a título de pensão por morte e os vencimentos alusivos à remuneração do seu cargo público efetivo.
Mas a discussão continua…
CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…) XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;”
R: INCIDE!
Para ser curto e grosso (como diríamos no meu amado sul do Brasil): cabível considerar, para efeito de teto, previsto no art. 37, XI, da CF, o somatório de valores percebidos a título de remuneração, proventos e pensão!
Vencidos os ministros Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli (presidente) que negaram provimento ao recurso, ao fundamento de que, por se tratar de direitos decorrentes de fatos geradores distintos, o teto remuneratório deveria incidir isoladamente sobre cada uma das verbas.
O Plenário fixou a tese de repercussão geral (Tema 359), ao dar provimento, por maioria, a recurso extraordinário e indeferir ordem de mandado de segurança: ocorrida a morte do instituidor da pensão em momento posterior ao da Emenda Constitucional (EC) 19/1998, o teto constitucional previsto no inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal incide sobre o somatório de remuneração ou provento e pensão percebida por servidor.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Ainda que se admita recurso de decisão que indeferiu o ingresso de amicus curiae, é inaplicável o art. 138 do Código de Processo Civil de 2015 aos processos do controle concentrado de constitucionalidade, de modo que pessoa física não tem representatividade adequada para intervir na qualidade de amigo da Corte em ação direta.
ADI 3396 AgR/DF, Plenário, rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 6.8.2020.
Trata-se de agravo regimental interposto, por procurador da fazenda nacional, contra decisão que, em sede de ação direta de inconstitucionalidade, indeferiu seu pedido de ingresso nos autos como amicus curiae.
CPC/2015: “Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação. § 1º A intervenção de que trata o caput não implica alteração de competência nem autoriza a interposição de recursos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e a hipótese do § 3º. § 2º Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os poderes do amicus curiae. § 3º O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas.”
R: Sim.
Você sabe, mas não custa lembrar, que amicus curiae é o amigo da Corte, aquele que entra no processo para contribuir com sua voz e representatividade.
Como refere Peter Haberle, em sua CONSTITUIÇÃO ABERTA (sociedade aberta dos intérpretes), tem-se na espécie uma perspectiva pluralística e democrática (fruto de processo cultural) de que NÃO cabe apenas ao Estado (Corte Constitucional) a interpretação da Constituição, mas a toda a sociedade.
Pois bem. o STF, por maioria, conheceu do recurso com fundamento em decisões da Corte que permitem a impugnação recursal por parte de terceiro, quando DENEGADA sua participação na qualidade de amicus curiae.
INDEFERIMENTO ingresso como amicus curiae | DEFERIMENTO ingresso como amicus curiae |
RECORRÍVEL | IRRECORRÍVEL |
O ministro Celso de Mello advertiu que atualmente o Plenário do Supremo Tribunal Federal tem compreendido ser IRRECORRÍVEL a decisão do relator que admite, ou não, o ingresso de amicus curiae em processos de controle concentrado (ADI 5.774 ED, ADI 5.591 ED-AgR, ADI 3.460 ED).
De igual modo, que o colegiado tem considerado INAPLICÁVEL o art. 138 do Código de Processo Civil de 2015 aos processos do controle concentrado de constitucionalidade (ADI 4.389 ED-AgR, ADI 3.931 ED).
Vencidos os ministros Luiz Fux, Dias Toffoli, Ayres Britto, Edson Fachin e Cármen Lúcia, que não conheceram do agravo, por entenderem ser irrecorrível o pronunciamento.
No MÉRITO, o Plenário se reportou à jurisprudência do STF no sentido de que a pessoa física NÃO tem representatividade adequada para intervir na qualidade de amigo da Corte em ação direta.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
É inconstitucional, por afrontar o artigo 37, II, da CF, lei que preveja a integração de pessoa que não prestou concurso público ao quadro de pessoal de órgão público.
ADI 1251/MG, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 6.8.2020
Lei do Estado de Minas Gerais previu que o servidor público estadual à disposição do Tribunal de Contas em 30 de novembro de 1994 poderia requerer sua integração ao Quadro Especial de Pessoal do referido Tribunal, no prazo de 30 dias contados da data da publicação da lei. Pode isso?
Lei 11.816/1995: “Art. 3º O servidor público estadual à disposição do Tribunal de Contas em 30 de novembro de 1994 poderá requerer sua integração ao Quadro Especial de Pessoal do referido Tribunal, no prazo de 30 (trinta) dias contados da data da publicação desta lei.”
CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…) II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;”
R: Negativo!
O Plenário julgou procedente a pretensão, haja vista o dispositivo em exame afrontar o princípio do concurso público previsto na Constituição Federal (art. 37, II).
A decisão foi modulada com efeitos ex nunc. A declaração de inconstitucionalidade do preceito impugnado retroagiu à data do deferimento da medida cautelar, em 30.6.1995, placitadas as situações jurídicas dos funcionários que ingressaram no quadro do Tribunal de Contas antes de ser concedida a medida.
O colegiado rejeitou preliminar de inadmissibilidade da ação, aduzida em face de ter sido ajuizada após decorrido o prazo previsto na lei para os servidores públicos estaduais à disposição do Tribunal de Contas mineiro requererem a integração ao Quadro Especial de Pessoal daquela Corte de Contas.
Assinalou NÃO ter ocorrido o pleno exaurimento da eficácia da norma impugnada que resultasse na inadmissibilidade da ação direta. Trata-se de lei que fixa prazo para o exercício de um direito. Entretanto, é uma lei de efeitos PERMANENTES. Ao mesmo tempo em que estabelece o prazo de trinta dias para o requerimento dos servidores, reconhece a eles, quando atendidos os requisitos estabelecidos, o direito de integrar o quadro do Tribunal de Contas.
Está em discussão exatamente a hipótese de integração de servidores público àquele quadro sem a realização de concurso público. Portanto, persiste a natureza abstrata da norma, apta a desafiar, ainda hoje, sua análise em sede de controle concentrado de constitucionalidade.
Em situação análoga, o Supremo Tribunal Federal superou questão de ordem para conhecer da ação. Na oportunidade, não reconheceu a existência de norma impregnada de eficácia temporária, sujeitando-a ao controle abstrato de constitucionalidade (ADI 2.986 QO).
Em conclusão de julgamento, o Plenário assentou a procedência de pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei 11.816/1995 do estado de Minas Gerais. Ademais, em votação majoritária, MODULOU os efeitos da decisão para que a declaração de inconstitucionalidade da norma retroaja à data do deferimento da medida cautelar (Informativo 524).
HABEAS CORPUS
No sistema acusatório não há possibilidade de assegurar ao magistrado poderes instrutórios autônomos, especialmente quando o ato instrutório é tomado para constranger e macular a posição jurídica do réu, o que atrai a incidência do art. 157 do CPP, que preleciona a inadmissibilidade das provas ilícitas.
HC 163943 AgR/PR, 2ª Turma, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 4.8.2020
Às vésperas do primeiro turno da eleição presidencial e após o encerramento da instrução processual, o então magistrado ordenou o levantamento do sigilo e o translado, para os autos do mencionado processo criminal, de parte dos depoimentos prestados por corréu em acordo de colaboração premiada.
A defesa alega que o tal ex-juiz aguardou mais de três meses da homologação da delação para, na semana do primeiro turno, determinar, sem prévio requerimento do órgão acusatório, a efetiva juntada à ação penal.
Haveria, assim, prova ilícita, requerendo-se o desentranhamento do mencionado acordo de colaboração premiada.
Súmula 691/STF: “Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar.”
CPP: “Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.”
R: Diz o STF que sim.
Ao se manifestar pelo conhecimento do writ, o ministro Ricardo Lewandowski reportou-se à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) segundo a qual, quando a liberdade de alguém estiver direta ou indiretamente ameaçada, CABE habeas corpus ainda que para solucionar questões de natureza processual.
De igual modo, o ministro Gilmar Mendes acrescentou que, se houver ilegalidade manifesta a ser corrigida pelo STF, não se verifica óbice ao afastamento da incidência do Verbete 691 da Súmula do STF.
Vencido no ponto o ministro Edson Fachin (relator), que enfatizou que a ação constitucional em apreço, sobretudo em hipóteses nas quais se verifica supressão de instância, consubstancia garantia processual vocacionada exclusivamente à tutela do direito de locomoção. Portanto, NÃO se presta a tutelar a regularidade de atos processuais que não se mostrem, sequer potencial e remotamente, aptos a interferir na liberdade ambulatorial do cidadão.
R: Diz o STF que SIM.
A Turma considerou demonstrado constrangimento ilegal imposto ao paciente e acolheu o pedido formulado, com esteio no art. 157 do Código de Processo Penal, que impõe a exclusão de provas ilícitas, assim entendidas aquelas obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
O ministro Ricardo Lewandowski aduziu que, apesar de ter consignado a necessidade da medida para instrução dos autos, o aludido magistrado assentou, de modo EXTRAVAGANTE, que levaria em consideração, quanto aos coacusados, apenas o depoimento prestado pelo corréu colaborador sob contraditório naquele processo penal.
A seu ver, com essas e outras atitudes que haverão de ser verticalmente analisadas no âmbito do HC 164.493, aquele juiz violou o sistema acusatório, bem como as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, além de influenciar de forma direta e relevante o resultado da disputa eleitoral, conforme asseveram inúmeros analistas políticos, desvelando comportamento, no mínimo, heterodoxo no julgamento dos processos criminais instaurados contra o paciente. A determinação da juntada nesses moldes consubstancia, quando menos, inequívoca quebra da imparcialidade.
Sobre o art. 156 do CPP, REJEITOU a possibilidade de se alegar que ele assegura ao magistrado poderes instrutórios autônomos. Avaliou que a dicção do referido dispositivo, de duvidosa constitucionalidade, está restrita às hipóteses específicas contempladas pelo legislador. De sorte que, por corolário, descabe qualquer compreensão hermenêutica que amplie o sentido e o alcance do preceito, especialmente para fins ELEITORAIS, sob pena de violação do sistema constitucional acusatório.
Concluiu que a juntada de ofício após o encerramento da fase de instrução, com o intuito de, aparentemente, gerar fato político, revela-se em descompasso com o ordenamento constitucional vigente.
Por seu turno, o ministro Gilmar Mendes chamou a atenção para as circunstâncias que permearam a juntada nos autos do acordo de colaboração.
Em primeiro lugar, ele foi juntado quando a fase de instrução processual havia sido encerrada, a sugerir que os termos do acordo sequer estariam aptos a fundamentar a prolação da sentença.
Em segundo, aconteceu cerca de três meses após a decisão judicial que o homologara. A seu ver, essa demora parece ter sido cuidadosamente planejada para gerar verdadeiro fato político na semana que antecedia o primeiro turno das eleições presidenciais. Ato contínuo à juntada foi determinado o imediato levantamento do sigilo, com clara finalidade de que fosse dada publicidade às imputações dirigidas ao réu, sem que as circunstâncias narradas no ajuste fossem relevantes para a ação penal em andamento.
Em terceiro, o fato de a juntada e o levantamento do sigilo terem ocorrido por iniciativa do próprio juiz, isto é, sem qualquer provocação do órgão acusatório.
Para o ministro, essas circunstâncias, quando examinadas de forma holística, são vetores possivelmente indicativos da quebra da imparcialidade por parte do magistrado. Sob o prisma da avaliação estrita da licitude, compreendeu estar claro que as circunstâncias não deixam dúvidas de que o ato se encontra acoimado de grave e irreparável ilicitude.
Ponderou que a juntada do acordão não parece ter tido outro propósito a não ser o de constranger e macular a posição jurídica do réu, hipótese a atrair a incidência do art. 157 do CPP, que preleciona a inadmissibilidade das provas ilícitas.
Vencido, de novo, o ministro Edson Fachin (relator), que negou provimento ao agravo regimental.
Na percepção do relator, o CPP atribui ao juiz poderes instrutórios, ainda que de forma residual (art. 156). Nada obstante, NÃO se demonstra que a atividade processual teve como norte a inclinação por determinada hipótese acusatória, mas, tão somente, possibilitar, em sede de sentença, o adequado enfrentamento da matéria afeta à atividade colaborativa.
A Segunda Turma, por maioria, deu parcial provimento ao recurso a fim de conceder a ordem para determinar o desentranhamento de termo de colaboração de corréu dos autos de ação penal em que figura como acusado o ora paciente.
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