Amigos e amigas de todo o Brasil!
Chegou a vez do Informativo nº 978 do STF COMENTADO.
Sumário
1. ADCT, art. 91: ICMS. Federalismo fiscal e omissão legislativa. 2
2. Majoração indireta de tributo e incidência do princípio da anterioridade. 6
3. Covid-19 e responsabilização de agentes públicos. 7
4. Colaboração premiada: acesso a documentos e exercício do contraditório e da ampla defesa. 12
PARA TESTAR SEU CONHECIMENTO… 16
5.1. Questões objetivas: CERTO ou ERRADO. 16
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (POR OMISSÃO)
Fatos supervenientes justificaram o abrandamento do termo fixado no julgamento de mérito (12 meses para o Congresso Nacional editar a lei complementar prevista no art. 91 do ADCT). Ademais, as unidades federativas buscaram a composição amigável do litígio com a União, sob o olhar do federalismo cooperativo, e firmaram acordo com objeto lícito, tendo capacidade para tanto e em instrumento revestido das formalidades legais para homologação e encaminhamento ao Congresso Nacional, que deliberará sobre os termos de anteprojeto de lei complementar, a ser encaminhado pela União, no prazo de até sessenta dias a contar desta data.
ADO 25 QO/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 20.5.2020. (ADO-25))
Lá em 2016, o STF julgou procedente ADO para declarar a mora do Congresso Nacional na edição da lei complementar prevista no art. 91 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), incluído pela Emenda Constitucional (EC) 42/2003, qual seja: “A União entregará aos Estados e ao Distrito Federal o montante definido em lei complementar, de acordo com critérios, prazos e condições nela determinados […] os créditos decorrentes de aquisições destinadas ao ativo permanente e a efetiva manutenção e aproveitamento do crédito do imposto a que se refere o art. 155, § 2º, X, a“ (repartição entre os diversos entes federados do ICMS).
Na oportunidade, a Corte fixou o prazo de doze meses para que fosse sanada a omissão e deliberou que, na hipótese de transcorrer in albis o mencionado prazo, caberia ao Tribunal de Contas da União (TCU) fixar o valor do montante total a ser transferido anualmente aos estados-membros e ao Distrito Federal e calcular o valor das quotas a que cada um deles teria direito, considerando certos critérios.
De lá para cá, prorrogação em cima de prorrogação, o prazo vem sendo chutado para frente. Nesse ínterim, alguns estados-membros manifestaram interesse em buscarem a composição amigável do litígio com a União. Diante disso, o relator designou, excepcionalmente, audiência de tentativa de conciliação. Ocorreram várias reuniões da Comissão Especial formada com o intuito de apresentar proposta de solução do impasse. Os trâmites finais culminaram nos termos do acordo submetido à homologação, juntamente com novo pedido de prorrogação do prazo.
ADCT: “Art. 91. A União entregará aos Estados e ao Distrito Federal o montante definido em lei complementar, de acordo com critérios, prazos e condições nela determinados, podendo considerar as exportações para o exterior de produtos primários e semi-elaborados, a relação entre as exportações e as importações, os créditos decorrentes de aquisições destinadas ao ativo permanente e a efetiva manutenção e aproveitamento do crédito do imposto a que se refere o art. 155, § 2º, X, a.
§ 1º Do montante de recursos que cabe a cada Estado, setenta e cinco por cento pertencem ao próprio Estado, e vinte e cinco por cento, aos seus Municípios, distribuídos segundo os critérios a que se refere o art. 158, parágrafo único, da Constituição.
§ 2º A entrega de recursos prevista neste artigo perdurará, conforme definido em lei complementar, até que o imposto a que se refere o art. 155, II, tenha o produto de sua arrecadação destinado predominantemente, em proporção não inferior a oitenta por cento, ao Estado onde ocorrer o consumo das mercadorias, bens ou serviços.
§ 3º Enquanto não for editada a lei complementar de que trata o caput, em substituição ao sistema de entrega de recursos nele previsto, permanecerá vigente o sistema de entrega de recursos previsto no art. 31 e Anexo da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, com a redação dada pela Lei Complementar nº 115, de 26 de dezembro de 2002.
§ 4º Os Estados e o Distrito Federal deverão apresentar à União, nos termos das instruções baixadas pelo Ministério da Fazenda, as informações relativas ao imposto de que trata o art. 155, II, declaradas pelos contribuintes que realizarem operações ou prestações com destino ao exterior.”
Estamos a falar aqui de mora do Poder Legislativo na edição de lei complementar que recompensasse a perda de arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) dos entes subnacionais com a exoneração das exportações.
O tema envolve autonomia financeira e partilha de recursos tributários. Embora o texto original da Constituição tivesse promovido esforços para descentralizar as receitas, a União, por meio das contribuições (cuja receita não é compartilhada com os demais entes), conseguiu reverter o quadro de partilha, concentrando em seu poder a maior parte dos recursos tributários arrecadados.
Se, por um lado, o constituinte desenhou um quadro fiscal fortemente descentralizado quanto aos impostos, por outro, deixou nas mãos da União, livres de qualquer partilha de arrecadação, outra espécie tributária: as CONTRIBUIÇÕES, especialmente as sociais.
A partir do Plano Real, houve incremento da participação das receitas de contribuições no total de receitas correntes da União, sem o respectivo incremento na participação das receitas tributárias.
Para piorar, a edição da Emenda Constitucional 42/2003, embora tenha traduzido um esforço de desoneração de exportações, trouxe severo impacto nas finanças estaduais: as exportações brasileiras foram completamente removidas do campo de incidência do ICMS. Criou-se, portanto, uma imunidade constitucional, em prejuízo de uma fonte de receita pública estadual.
Se, por um lado, a modificação prestigia e incentiva as exportações em prol de toda a Federação, por outro, traz consequências severas sobretudo para quem se dedica à exportação de produtos primários (commodities). Por isso, para compensar a perda de arrecadação imposta pela Emenda Constitucional 42/2003, estabeleceu-se, no art. 91 do ADCT, uma fórmula de transferência constitucional obrigatória da União em favor dos Estados-Membros e do Distrito Federal.
Esse mecanismo, em tese, poderia representar importante instrumento de federalismo cooperativo, de sorte a atenuar os impactos financeiros decorrentes da desoneração promovida pela Emenda Constitucional 42/2003 nas contas estaduais. Entretanto, a lei complementar prevista no art. 91 do ADCT nunca foi editada e, até hoje, a regra do § 3º deste dispositivo continua sendo aplicada.
ADCT, art. 91, § 3º Enquanto não for editada a lei complementar de que trata o caput, em substituição ao sistema de entrega de recursos nele previsto, permanecerá vigente o sistema de entrega de recursos previsto no art. 31 e Anexo da LC 87/1996.
R: Tá valendo.
O STF registrou a inauguração, nesta ADO, do pensamento do possível no Federalismo cooperativo, uma das facetas mais formidáveis da interpretação constitucional. Todos os atores do pacto federativo foram chamados para tentarem solucionar o impasse entre as esferas federal, estadual e distrital, que se prolongava desde a instituição da Lei Kandir (Lei Complementar 87/1996), com algumas atuações pontuais produzidas pelas Leis Complementares 102/2000 e 115/2002 e com a EC 42/2003.
As unidades federativas foram conclamadas para que, na linha do pensamento do possível, se dissipassem de suas certezas absolutas, interesses estratificados e compreendessem a oportunidade sob o olhar do federalismo cooperativo, no afã de diminuir as tensões/diferenças e aproximar as convergências.
As partes signatárias possuem capacidade para firmá-lo em nome das respectivas unidades da Federação. O objeto é lícito e é revestido das formalidades legais para homologação e encaminhamento ao Congresso Nacional, que deliberará sobre os termos de anteprojeto de lei complementar, a ser encaminhado pela União, no prazo de até sessenta dias a contar desta data de homologação do acordo.
Por fim, o colegiado considerou equacionados e bem representados todos os interesses jurídicos no aludido acordo, que põe termo à discussão político-jurídica. A Federação brasileira sai fortalecida e passa a ter ótimo exemplo de cooperação institucional entre seus entes integrantes.
R: SIM.
Ad referendum, o prazo fora prorrogado pela última vez por noventa dias a contar de 21.2.2020.
Considerando todo o tramitar previsto acima, e que existem três cenários fático-jurídicos de previsibilidade: (1) aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 188/2019, encaminhada pelo governo federal, com revogação do art. 91 do ADCT; (2) aprovação da citada PEC, sem a revogação do art. 91 do ADCT; e (3) situação durante a tramitação da PEC no Congresso Nacional (item 4.3 da cláusula quarta do Termo de Acordo), o colegiado ratificou as decisões nas quais foi prorrogado o prazo, por seus próprios fundamentos. Fatos supervenientes justificaram o abrandamento do termo fixado no julgamento de mérito.
Vencido (insistentemente) o ministro Marco Aurélio, que se limitou a assentar a mora do Congresso Nacional. Reiterou que, em se tratando de mora de outro Poder, não cabe ao STF assinar prazo para que seja afastada, sob pena de desgaste maior. Frisou que o TCU não pode, como também não pode o STF, se substituir ao Congresso Nacional e fazer as vezes deste no que omisso quanto à edição de lei.
O Plenário, por maioria, referendou as decisões monocráticas que prorrogaram o prazo fixado no julgamento do mérito de ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO). De igual modo, homologou o acordo firmado entre a União e os entes estaduais e distrital, com o seu encaminhamento ao Congresso Nacional para as providências cabíveis.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
A redução ou supressão de benefícios ou incentivos fiscais representam majoração indireta de tributo, sujeitando-se, portanto, à incidência dos princípios da anterioridade tributária geral e da anterioridade nonagesimal, previstos no art. 150, III, b e c, da Constituição Federal.
RE 1253706 AgR/RS, rel. Min. Rosa Weber, julgamento em 19.5.2020
A União (espertinha) buscou reduzir benefícios concedidos pelo Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para Empresas Exportadoras (REINTEGRA), que tem por objetivo devolver parcial ou integralmente o resíduo tributário remanescente na cadeia de produção de bens exportados (MP 651/2014 – convertida na Lei 13.043/2014) — a pessoa jurídica que exporte bens pode apurar crédito, mediante a aplicação de percentual estabelecido em portaria do Ministro de Estado da Fazenda, sobre a receita auferida com a exportação desses bens para o exterior.
Só que os contribuintes foram rápidos no gatilho e questionaram o movimento, alegando que tal redução de benefícios, na prática, configurava majoração de tributo. Será que a tese emplacou?
CF: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…) III – cobrar tributos: (…) b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b”.
R: SIM (aumento indireto).
A Primeira Turma, por maioria, entendeu que o aumento indireto de tributo mediante a redução ou supressão de benefícios ou incentivos fiscais se sujeita à incidência dos princípios da anterioridade tributária geral e da anterioridade nonagesimal, previstos no art. 150, III, b e c, da Constituição Federal.
Anterioridade GERAL (ANUAL) | Anterioridade NONAGESIMAL |
No mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou o tributo. | Antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou o tributo. |
Vencidos os ministros Luiz Fux e Alexandre de Moraes, que votaram pelo provimento do agravo, ao fundamento de que, nesses casos, incide apenas o princípio da anterioridade nonagesimal. O ministro Alexandre de Moraes destacou, ainda, que a discussão acerca do tema foi iniciada pelo Plenário (RE 564.225).
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Considerando as dimensões sanitária, econômica, social e fiscal derivadas da crise do Coronavírus, bem assim a responsabilidade civil e administrativa dos agentes públicos na tomada de decisões em combate à epidemia: 1. Configura erro grosseiro o ato administrativo que ensejar violação ao direito à vida, à saúde, ao meio ambiente equilibrado ou impactos adversos à economia, por inobservância: (i) de normas e critérios científicos e técnicos; ou (ii) dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção. 2. A autoridade a quem compete decidir deve exigir que as opiniões técnicas em que baseará sua decisão tratem expressamente: (i) das normas e critérios científicos e técnicos aplicáveis à matéria, tal como estabelecidos por organizações e entidades internacional e nacionalmente reconhecidas; e (ii) da observância dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção, sob pena de se tornarem corresponsáveis por eventuais violações a direitos.
ADI 6421 MC/DF, ADI 6422 MC/DF, ADI 6424 MC/DF, ADI 6425 MC/DF, ADI 6427 MC/DF, ADI 6428 MC/DF, ADI 6431 MC/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 20 e 21.5.2020.
O novo Coronavírus representa problemas em várias dimensões. Na dimensão SANITÁRIA, trata-se de uma crise de saúde pública, pois a doença se propagou sem que haja remédio eficaz ou vacina descoberta.
Segundo se vem afirmando (e muita gente, inclusive o STF) assume a ideia de que a única medida preventiva eficaz que as autoridades de saúde têm recomendado é o isolamento social em toda parte (?) do mundo.
O problema é que na dimensão ECONÔMICA, está ocorrendo uma recessão mundial. Na dimensão SOCIAL, existe uma grande parcela da população nacional que trabalha na informalidade, e/ou que não consta em qualquer tipo de cadastro oficial, de modo que há grande dificuldade em encontrar essas pessoas e oferecer a ajuda necessária. Por fim, há a dimensão FISCAL da crise, que consiste na pressão existente sobre os cofres públicos para manter os serviços, principalmente de saúde, em funcionamento.
Há muita preocupação quanto à responsabilidade civil dos agentes públicos pelas medidas tomadas de enfrentamento à pandemia (considerando todos esses elementos conflitantes). Nesse contexto, a Presidência da República editou a MP 966/2020, regulando tal responsabilidade. Estabeleceu, basicamente, que os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as medidas de enfrentamento da pandemia.
Muita gente não gostou, afirmando que a MP está limpando a barra para eventuais medidas imprudentes tomadas pelos gestores públicos. Uma ADI foi proposta e, de lambuja, aproveitou para atacar o art. 28 do Decreto-Lei 4.657/2018 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro ou LINDB), com a redação dada pela Lei 13.655/2018 (“o agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro”) e, ainda, os arts. 12 e 14 do Decreto 9.830/2019, que regulamentam o referido art. 28.
MP 966/2020: “Art. 2º. Para fins do disposto nesta Medida Provisória, considera-se erro grosseiro o erro manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia.”
MP 966/2020: “Art. 1º Os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as medidas de: I – enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da pandemia da covid-19; e II – combate aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia da covid-19. § 1º A responsabilização pela opinião técnica não se estenderá de forma automática ao decisor que a houver adotado como fundamento de decidir e somente se configurará: I – se estiverem presentes elementos suficientes para o decisor aferir o dolo ou o erro grosseiro da opinião técnica; ou II – se houver conluio entre os agentes.”
LINDB, art. 28 O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.
R: Fica do jeito que está.
No que se refere a este dispositivo, o STF anotou que a lei é de 2018, portanto em vigor há mais de dois anos, sem que se tenha detectado algum tipo de malefício ou de transtorno decorrente de sua aplicação.
É uma lei que contém normas gerais, de direito intertemporal, de Direito Internacional Privado, de hermenêutica e de cooperação jurídica internacional. Assim, seu caráter abstrato, aliado à sua vigência por tempo considerável, tornam inoportuna sua análise em medida acauteladora nesse momento.
Por isso, o colegiado se limitou a analisar, exclusivamente, a MP 966/2020, no que se refere especificamente à responsabilidade civil e administrativa de agentes públicos no enfrentamento da pandemia e no combate a seus efeitos econômicos.
O propósito dessa MP foi dar segurança aos agentes públicos que têm competências decisórias, minimizando suas responsabilidades no tratamento da doença e no combate aos seus efeitos econômicos.
Entretanto, há razões pelas quais ela não eleva a segurança dos agentes públicos. Isso porque um dos problemas do Brasil é que o controle dos atos da Administração Pública sobrevém muitos anos depois dos fatos relevantes, quando, muitas vezes, já não se tem mais nenhum registro, na memória, da situação de urgência, das incertezas e indefinições que levaram o administrador a decidir.
Portanto, a segurança viria se existisse desde logo um monitoramento quanto à aplicação desses recursos, por via idônea, no tempo real ou pouco tempo depois dos eventos. Não obstante, o que se previu na MP não é o caso.
Situações como corrupção, superfaturamento ou favorecimentos indevidos são condutas ilegítimas independentemente da situação de pandemia. A MP não trata de crime ou de ato ilícito. Assim, qualquer interpretação do texto impugnado que dê imunidade a agentes públicos quanto a ato ilícito ou de improbidade deve ser excluída. O alcance da MP é distinto.
No tocante à saúde e à proteção da vida, a jurisprudência do Tribunal se move por dois parâmetros: o primeiro deles é o de que devem ser observados padrões técnicos e evidências científicas sobre a matéria. O segundo é que essas questões se sujeitam ao princípio da prevenção e ao princípio da precaução, ou seja, se existir alguma dúvida quanto aos efeitos de alguma medida, ela não deve ser aplicada, a Administração deve se pautar pela autocontenção.
É preciso ponderar a existência de agentes públicos incorretos, que se aproveitam da situação para obter vantagem apesar das mortes que vêm ocorrendo; e a de administradores corretos que podem temer retaliações duras por causa de seus atos.
Nesse sentido, o texto impugnado limita corretamente a responsabilização do agente pelo erro estritamente grosseiro. O problema é qualificar o que se entende por “grosseiro”: além de excluir da incidência da norma a ocorrência de improbidade administrativa, que já é tratada em legislação própria, é necessário estabelecer que, na análise do sentido e alcance do que isso signifique — erro “grosseiro” —, deve se levar em consideração a observância pelas autoridades, pelos agentes públicos, daqueles dois parâmetros: os standards, normas e critérios científicos e técnicos, tal como estabelecidos por organizações e entidades médicas e sanitárias nacional e internacionalmente reconhecidas, bem como a observância dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção.
Além disso, a autoridade competente deve exigir que a opinião técnica, com base na qual decidirá, trate expressamente das normas e critérios científicos e técnicos aplicáveis à matéria, tal como estabelecido por organizações e entidades médicas e sanitárias, reconhecidas nacional e internacionalmente, e a observância dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção.
Foram firmadas as seguintes TESES:
1. Configura ERRO GROSSEIRO o ato administrativo que ensejar violação ao direito à vida, à saúde, ao meio ambiente equilibrado ou impactos adversos à economia, por inobservância: (i) de normas e critérios científicos e técnicos; ou (ii) dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção.
2. A autoridade a quem compete decidir DEVE EXIGIR que as opiniões técnicas em que baseará sua decisão tratem expressamente: (i) das normas e critérios científicos e técnicos aplicáveis à matéria, tal como estabelecidos por organizações e entidades internacional e nacionalmente reconhecidas; e (ii) da observância dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção, sob pena de se tornarem corresponsáveis por eventuais violações a direitos.
Vencidos os ministros Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia, que concederam a medida cautelar em maior extensão, para suspender parcialmente a eficácia do art. 1º da MP 966/2020 e integralmente a eficácia do inciso II desse artigo.
Vencido, também, o ministro Marco Aurélio, que, preliminarmente (a) entendeu inadequada a via eleita; no mérito (b) concedeu a medida acauteladora para suspender integralmente a eficácia da MP 966/2020.
O Plenário, em julgamento conjunto e por maioria, deferiu parcialmente medidas cautelares em ações diretas de inconstitucionalidade, em que se discute a responsabilização de agentes públicos pela prática de atos relacionados com as medidas de enfrentamento da pandemia do novo Coronavírus e aos efeitos econômicos e sociais dela decorrentes, para:
a) conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 2º da MP 966/2020, no sentido de estabelecer que, na caracterização de erro grosseiro, deve-se levar em consideração a observância, pelas autoridades: (i) de standards, normas e critérios científicos e técnicos, tal como estabelecidos por organizações e entidades internacional e nacionalmente conhecidas; bem como (ii) dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção.
b) conferir, ainda, interpretação conforme à Constituição ao art. 1º da MP 966/2020, para explicitar que, para os fins de tal dispositivo, a autoridade à qual compete a decisão deve exigir que a opinião técnica trate expressamente: (i) das normas e critérios científicos e técnicos aplicáveis à matéria, tal como estabelecidos por organizações e entidades reconhecidas nacional e internacionalmente; (ii) da observância dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção.
PETIÇÃO
A Lei 12.850/2013 prevê o sigilo do acordo de colaboração, como regra, até a denúncia, se estendendo aos atos de cooperação, especialmente às declarações do cooperador. Contudo, o sigilo dos atos de colaboração não é oponível ao delatado. A ele, o acesso deve ser garantido caso estejam presentes dois requisitos: (1) positivo: o ato de colaboração deve apontar a responsabilidade criminal do requerente; (2) negativo: o ato de colaboração não se deve referir a diligência em andamento.
Pet 7494 AgR/DF, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 19.5.2020
Estamos aqui no âmbito da famosíssima Operação Lava Jato.
Os termos do acordo celebrado entre os executivos da empresa Odebrecht e o Ministério Público Federal deram origem, por meio de cooperação jurídica internacional celebrada entre Brasil e a República do Peru, a procedimento investigativo e, após, a ação penal, em razão da qual os agravantes se encontram presos naquele país desde julho de 2017.
A defesa desses acusados pretendia, em suma, obter acesso integral aos termos dos colaboradores para viabilizar, de forma plena e adequada, sua defesa nos procedimentos que tramitam em seu desfavor na República do Peru.
Súmula Vinculante 14: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”
Lei 12.850/2013: “Art. 7º O pedido de homologação do acordo será sigilosamente distribuído, contendo apenas informações que não possam identificar o colaborador e o seu objeto.
§ 1º As informações pormenorizadas da colaboração serão dirigidas diretamente ao juiz a que recair a distribuição, que decidirá no prazo de 48 (quarenta e oito) horas.
§ 2º O acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações, assegurando-se ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento.
§ 3º O acordo de colaboração premiada e os depoimentos do colaborador serão mantidos em sigilo até o recebimento da denúncia ou da queixa-crime, sendo vedado ao magistrado decidir por sua publicidade em qualquer hipótese.”
R: SIM.
Prevaleceu o voto do ministro Gilmar Mendes, segundo o qual o MPF tem compartilhado, por meio da cooperação jurídica internacional firmada com a República do Peru, elementos de prova colhidos em acordos de colaboração premiada, celebrados no Brasil e relacionados diretamente aos agravantes, de maneira possivelmente arbitrária e seletiva.
Isso significa que elementos essenciais para a defesa dos agravantes, no processo em trâmite na República do Peru, podem, eventualmente, e de acordo com as informações prestadas pela defesa, não ter sido compartilhados pelo MPF, ofendendo, assim, os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, já que a prova foi produzida originalmente no Brasil.
Não se podendo afirmar com certeza se o Ministério Público do Peru recebeu do MPF todos os elementos de prova relacionados aos agravantes, eventual pleito junto às autoridades peruanas poderia restar totalmente ineficiente para que se pudesse exercer a defesa plena das acusações.
Nesses termos, a defesa dos agravantes não pode ficar à mercê de uma seleção arbitrária, por parte do MPF, dos dados que devem ou não ser compartilhados, sob pena de grave vilipêndio dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
Verifica-se, dessa forma, um claro conflito de interesses entre os órgãos acusatórios e a defesa dos agravantes. Em caso de o MPF ter compartilhado apenas os dados que eventualmente interessassem ao Ministério Público do Peru, fica a defesa dos agravantes nitidamente prejudicada.
Estão expressos na Constituição Federal, os princípios do contraditório e da ampla defesa, tanto em seu momento INFORMATIVO quanto em seu momento REATIVO, representam valores axiológicos que norteiam o sistema processual penal em âmbito americano e estão previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário.
Tendo sido o conteúdo das delações que atingem os agravantes produzido no Brasil e tendo havido uma possível seleção dos dados a serem compartilhados, entendeu cabível a aplicação do Enunciado 14 da Súmula Vinculante do STF.
Quanto à aplicação do referido entendimento sumular no âmbito do instituto da colaboração premiada, a Lei 12.850/2013 prevê, em seu art. 7º, o sigilo do acordo de colaboração, como regra, até a denúncia, se estendendo aos atos de cooperação, especialmente às declarações do cooperador.
O sigilo dos atos de colaboração, no entanto, não é oponível ao delatado. Há uma norma especial que regulamenta o acesso do defensor do delatado aos atos de colaboração (Lei 12.850/2013, art. 7º, § 2º). O dispositivo consagra o amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, ressalvados os referentes a diligências em andamento.
Portanto, em um cotejo analítico entre o referido verbete sumular e a Lei 12.850/2013, o acesso deve ser garantido caso estejam presentes DOIS requisitos: (1) POSITIVO: o ato de colaboração deve apontar a responsabilidade criminal do requerente; (2) NEGATIVO: o ato de colaboração não se deve referir a diligência em andamento. No mesmo sentido: Rcl 24.116 e Rcl 30742 AgR/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 4.2.2020 – Info 965.
POSITIVO | NEGATIVO |
O ato de colaboração deve apontar a responsabilidade criminal do requerente. | O acesso ao acordo não deve prejudicar a eficácia de diligência em andamento. |
Vencidos o ministro Edson Fachin (relator), que negou provimento ao agravo regimental e manteve a decisão monocrática, e, em menor extensão, a ministra Cármen Lúcia, que deferiu apenas parcialmente o pedido.
A Segunda Turma, por maioria, deu provimento a agravo regimental em petição para PERMITIR o acesso dos requerentes ao conteúdo de colaboração premiada realizada por executivos da empresa Odebrecht, no âmbito da “Operação Lava Jato”, em que foram citados.
Determinou-se que o acesso deve abranger somente documentos em que os agravantes são de fato mencionados (requisito positivo), excluídos os atos investigativos e diligências que ainda se encontram em andamento e não foram consubstanciados e relatados no inquérito ou na ação penal em trâmite (requisito negativo).
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