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Informativo STF 944 Comentado

Informativo nº 944 do STF COMENTADO para os amigos e amigas do Estratégia!

Nesse informativo está a importantíssima decisão sobre a criminalização da homofobia…

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Sumário

DIREITO ADMINISTRATIVO.. 1

1.     Extinção de conselhos por decreto. 1

1.1.      Situação FÁTICA. 2

1.2.      Análise ESTRATÉGICA. 2

DIREITO CONSTITUCIONAL E PENAL. 6

2.     Homofobia e omissão legislativa. 6

2.1.      Situação FÁTICA. 6

2.2.      Análise ESTRATÉGICA. 7

DIREITO PROCESSUAL PENAL. 12

3.     Aplicação indevida de verbas públicas por prefeito: transferência para conta centralizada municipal e ausência de proveito próprio. 12

3.1.      Situação FÁTICA. 12

3.2.      Análise ESTRATÉGICA. 12

4.     Mandado de busca e apreensão, entrevista e acesso a celular “smartphone”. 14

4.1.      Situação FÁTICA. 14

4.2.      Análise ESTRATÉGICA. 14

DIREITO ADMINISTRATIVO

Extinção de conselhos por decreto

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Fica suspensa a eficácia do § 2º do art. 1º do Decreto 9.759/2019, na redação dada pelo Decreto 9.812/2019, e para afastar, até o exame definitivo dessa ação, a possibilidade de ter-se a extinção, por ato unilateralmente editado pelo chefe do Executivo, de colegiado cuja existência encontre menção em lei em sentido formal. Observada a organicidade da ordem constitucional, é razoável condicionar a extinção de determinado órgão colegiado com assento legal à prévia chancela parlamentar

ADI 6121 MC/DF, Plenário, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 12 e 13.6.2019.

Situação FÁTICA.

A Presidência da República editou um Decreto prevendo a extinção de  órgão colegiados (conselhos, comitês, comissões, grupos, juntas, equipes, mesas, fóruns e salas) da Administração Federal instituídos mediante a edição de decretos e atos de hierarquia normativa inferior – “incluídos aqueles mencionados em leis nas quais não conste a indicação de suas competências ou dos membros que o compõem” –, exceto aqueles previstos em regimentos internos ou estatutos de instituições federais de ensino e aqueles criados ou alterados por ato publicado a partir de 1º de janeiro de 2019.

Tal Decreto ainda prevê requisitos a serem observados visando à criação, recriação ou mesmo ampliação dos existentes, mediante decreto ou portaria interministerial.

Galera pirou geral, afirmando que o Presidente não pode excluir conselhos por meio de decreto. O homi estaria legislando por via transversa e de maneira inconstitucional.

Análise ESTRATÉGICA.

Questão JURÍDICA.

Decreto 9.759/2019: “Art. 1º Este Decreto extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal direta, autárquica e fundacional § 1º A aplicação deste Decreto abrange os colegiados instituídos por: (incluído pelo Decreto nº 9.812/2019) I – decreto; (incluído pelo Decreto nº 9.812/2019) II – ato normativo inferior a decreto; e (incluído pelo Decreto nº 9.812/2019) III – ato de outro colegiado. (incluído pelo Decreto nº 9.812/2019) § 2º Aplica-se o disposto no § 1º aos colegiados instituídos por ato infralegal, cuja lei em que são mencionados nada conste sobre a competência ou a composição. (incluído pelo Decreto nº 9.812/2019)”

Decreto 9.759/2019: “Art. 9º Até 1º de agosto de 2019, serão publicados os atos, ou, conforme o caso, encaminhadas à Casa Civil da Presidência da República as propostas de revogação expressa das normas referentes aos colegiados extintos em decorrência do disposto neste Decreto.”

CF/1988: “ Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (…) VI – dispor, mediante decreto, sobre: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;”

CF/1988: “Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre: (…) XI – criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública;”

Cabe ADI para questionar DECRETO?

R: Depende… se for decreto AUTÔNOMO, sim!

O STF analisou que, com fundamento no disposto no art. 84, caput e inciso VI, alínea a, da Constituição Federal, o decreto questionado encerra normas dotadas de generalidade e abstração, circunstância reveladora de caráter primário e autônomo a justificar o exame, em abstrato, da higidez constitucional do ato com base exclusivamente na Constituição Federal.

A Emenda Constitucional 32/2001, que alterou a redação do inciso VI do art. 84, reintroduziu, na ordem constitucional, a figura jurídica do DECRETO AUTÔNOMO, espécie normativa distinta daquele de natureza regulamentadora, descrito no inciso VI, voltado à fiel execução da lei em sentido formal. Franqueou-se ao chefe do Executivo a possibilidade de dispor sobre a estruturação da Administração Federal – ressalvada a instituição de medidas que impliquem aumento de despesa, criação e extinção de órgãos públicos –, instituindo-se, no ponto, verdadeira hipótese de reserva legal, na forma do inciso XI do art. 48 da CF

Podia ter extinguido os conselhos?

R: A princípio, NÃO.

A resposta não é autoevidente, considerada a amplitude semântica do vocábulo “ÓRGÃO”, instituto derivado do fenômeno de desconcentração administrativa, por meio do qual é promovida a especialização de funções no âmbito da estrutura estatal, sem a criação de novas pessoas jurídicas.

Temos a necessidade, então (em tese), de perquirir se os colegiados citados nos incisos do art. 2º do Decreto questionado – a saber, conselhos, comitês, comissões, grupos, juntas, equipes, mesas, fóruns e salas – devem ser considerados órgãos públicos para o fim de enquadramento nas previsões contidas nos mencionados preceitos constitucionais.

Ausente solução definitiva e a salvo de dúvida razoável quanto à natureza dos colegiados em jogo, a indeterminação semântica do disposto na Constituição Federal exige a análise da melhor opção interpretativa sob o ângulo conceitual, observados o princípio da separação de Poderes e a necessidade de reconhecer espaço legítimo de interpretação constitucional aos demais agentes políticos de cúpula do Estado.

Porém, ao cabo, é DESNECESSÁRIO examinar se os colegiados mencionados nos incisos do art. 2º do Decreto 9.759/2019 revelam-se “órgãos públicos” com vistas ao enquadramento no que disposto nos arts. 48, XI, e 84, VI, da CF. A questão resolve-se, isso sim, a partir da verificação de atuação anterior do Parlamento no sentido de promover, sob o influxo dos ares democráticos da Carta de 1988, a atuação dos diversos grupos representativos da sociedade civil organizada na tomada de decisões importantes da vida nacional, ante a previsão, em lei, da existência de determinado colegiado, mostrando-se irrelevante o veículo normativo mediante o qual efetivamente implementado.

Isso porque, por instrumentos de democracia PARTICIPATIVA, compreende-se mais do que a corriqueira referência aos projetos de lei de iniciativa popular e aos institutos do referendo e do plebiscito. Traduzem-se em toda e qualquer forma legal de controle, pela sociedade, dos atos da Administração, considerada a influência da atuação popular na formulação das decisões políticas e na gestão da coisa pública, fornecendo-lhes a necessária legitimidade democrática.

Ao consagrar, junto aos mecanismos representativos, o princípio de participação direta na gestão pública, o texto constitucional, no que dotado de inequívoca força normativa, promoveu a emergência de diversos institutos alusivos à gestão ou à fiscalização de políticas públicas.

A conclusão constitucionalmente mais ADEQUADA, em sede precária e efêmera, consiste em suspender, até o exame definitivo da controvérsia, a extinção, por ato unilateralmente editado pelo chefe do Executivo, de órgão colegiado que, contando com assento legal, viabilize a participação popular na condução das políticas públicas – mesmo quando ausente expressa “indicação de suas competências ou dos membros que o compõem”.

O Parlamento é a arena preferencial de deliberação no âmbito da democracia representativa, de modo que, ao prever, em sede legal, a existência de determinado colegiado como mecanismo de participação direta da sociedade civil na gestão da coisa pública, acaba por fornecer, mediante a institucionalização de espaços de participação social, concretude ao que se poderia denominar “espírito de 1988” – a ser levado em conta, linear e indistintamente, por todos os Poderes da República.

Observada a organicidade da ordem constitucional, é razoável condicionar a extinção de determinado órgão colegiado com assento legal à prévia chancela parlamentar.

Interpretação em sentido diverso esvaziaria importante espaço institucional de diálogo entre os Poderes, o que NÃO se confunde com eventual tentativa de manietar o Executivo com a supressão ou limitação das atribuições essenciais do chefe do Poder no desempenho da função de gestor superior da Administração. Mas é nítida a tentativa, empreendida pelo chefe do Executivo, de escantear o Legislativo de tal processo.

A louvável preocupação com a RACIONALIZAÇÃO do funcionamento da máquina pública e a economia de recursos públicos, traduzida na redação dos incisos do art. 6º do Decreto 9.759/2019 e citada na exposição de motivos subscritas pelo titular da Casa Civil da Presidência, NÃO legitima atalhos à margem do figurino legal.

NÃO conduz à conclusão contrária o fato de parte dos órgãos colegiados da Administração Federal encontrarem-se, na prática, INATIVOS, havendo inclusive a revogação das leis que lhe justificam a existência. Descabe fulminá-los de cambulhada, sob pena de apanhar-se órgãos em pleno e efetivo funcionamento.

Resultado final.

O Plenário, por maioria, deferiu parcialmente medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade para suspender a eficácia do § 2º do art. 1º do Decreto 9.759/2019, na redação dada pelo Decreto 9.812/2019, e para afastar, até o exame definitivo dessa ação, a possibilidade de ter-se a extinção, por ato unilateralmente editado pelo chefe do Executivo, de colegiado cuja existência encontre menção em lei em sentido formal, ainda que ausente expressa referência “sobre a competência ou a composição”. Além disso, por arrastamento, suspendeu a eficácia de atos normativos posteriores a promoverem, na forma do art. 9º do Decreto 9.759/2019, a extinção dos órgãos.

DIREITO CONSTITUCIONAL E PENAL

Homofobia e omissão legislativa

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO e MANDADO DE INJUNÇÃO

Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08.01.1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio doloso, circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe (Código Penal, art. 121, § 2º, I, “in fine”).

ADO 26/DF, Plenário, rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13.6.2019 e MI 4733/DF, Plenário, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 13.6.2019.

Situação FÁTICA.

O Plenário do STF realizou julgamento conjunto de ação direta de inconstitucionalidade por omissão e mandado de injunção ajuizados em face de alegada omissão legislativa do Congresso Nacional em editar lei que criminalize os atos de homofobia e transfobia.

O partido político autor da ação direta alega inércia legislativa do Congresso Nacional em apreciar proposições legislativas apresentadas com o objetivo de incriminar todas as formas de homofobia e transfobia e, assim, garantir efetiva proteção jurídico-social aos integrantes da comunidade LGBT.

Já o impetrante do mandado de injunção aponta a mora do Congresso no sentido de proceder à criminalização específica de todas as formas de homofobia e transfobia, especialmente das ofensas individuais e coletivas, bem como de homicídios, agressões, ameaças e discriminações motivadas pela orientação sexual ou identidade de gênero.

Análise ESTRATÉGICA.

Questão JURÍDICA.

CF/1988: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais; XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;”

CF/1988: “Art. 5º (…) XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;”

CF/1988: “Art. 5º (…) XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais; XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.

Pode haver CRIME sem lei anterior?

R: Hummmm!

O gênero e a orientação sexual constituem elementos essenciais e estruturantes da própria identidade da pessoa humana e integram uma das mais íntimas e profundas dimensões de sua personalidade.

No entanto, devido à ausência de adequada proteção estatal, especialmente em razão da controvérsia gerada pela denominada “ideologia de gênero”, os integrantes da comunidade LGBT acham-se expostos a ações de caráter segregacionista, impregnadas de inequívoco caráter homofóbico, que visam a limitar ou suprimir prerrogativas essenciais de gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transgêneros e intersexuais, entre outros.

De todo modo, o alegado DIREITO À LEGISLAÇÃO, só pode ser legitimamente invocado quando também existir a previsão do dever estatal de criar normas legais, imposta pelo texto constitucional.

Na espécie, a Constituição claramente veicula, em bases IMPOSITIVAS, inquestionável mandado de incriminação: “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” (CF, art. 5º, XLI) e “a prática do racismo constitui crime (…), nos termos da lei” (CF, art. 5º, XLII).

Nessa medida, é possível concluir que a omissão do Congresso Nacional em produzir normas legais de proteção penal à comunidade LGBT, numa atitude de inadimplemento manifesto de indeclinável obrigação jurídica, traduz situação configuradora de ilicitude, em afronta ao texto da CF.

Na tipologia das SITUAÇÕES INCONSTITUCIONAIS inclui-se aquela derivada do descumprimento, por inércia estatal, de norma impositiva de determinado comportamento atribuído ao poder público pela própria Constituição. A situação de omissão abusiva no adimplemento da prestação legislativa – caracterizada diante do estado de mora do legislador pela superação excessiva de prazo razoável – e a imposição constitucional de legislar qualificam-se como requisitos condicionantes da declaração de inconstitucionalidade por omissão.

A ação direta por omissão deve ser vista como instrumento de concretização das cláusulas constitucionais frustradas, em sua eficácia, pela inaceitável omissão do poder público, impedindo-se que se degrade a Constituição à inadmissível condição subalterna de um estatuto subordinado à vontade ordinária do legislador comum.

O princípio da proporcionalidade, na modalidade de proibição de proteção insuficiente, é o fundamento pelo qual o STF tem reconhecido que o direito penal pode ser um instrumento adequado para a proteção dos bens jurídicos expressamente indicados pelo texto constitucional.

Uma vez reconhecida a existência de mora imputável ao Congresso Nacional e diante do contexto do presente caso, desenham-se, fundamentalmente, as seguintes possibilidades de solução da mora legislativa: a) a CIENTIFICAÇÃO do Congresso Nacional, para que adote, em prazo razoável, as medidas necessárias à efetivação da norma constitucional (CF, art. 103, § 2º, c/c Lei 9.868/1999, art. 12-H, caput); ou b) o RECONHECIMENTO imediato de que a homofobia e a transfobia, quaisquer que sejam as formas pelas quais se manifestem, enquadram-se, mediante interpretação conforme à Constituição, na noção conceitual de racismo prevista na Lei 7.716/1989.

O mero APELO ao legislador nem sempre tem sido solução eficaz, em razão da indiferença do Poder Legislativo, que, em determinadas decisões anteriormente emanadas do STF, tem persistido em permanecer em estado de inadimplemento da prestação legislativa que lhe incumbe promover.

O STF, ao longo dos últimos trinta anos, EVOLUIU (?) no plano jurisprudencial em busca da construção de soluções que pudessem fazer cessar esse estado de inconstitucional omissão normativa. Isso se deu, por exemplo, na possibilidade de o Tribunal formular solução jurisdicional para viabilizar a aplicação da norma constitucional dotada de eficácia limitada, enquanto não sobrevier a legislação reclamada. Foi essa a solução adotada em relação ao exercício do direito de greve por servidores públicos civis (CF, art. 37, VII) no julgamento conjunto do MI 670, do MI 708 e do MI 712.

O procedimento hermenêutico realizado pelo Poder Judiciário objetiva extrair a necessária interpretação dos diversos diplomas legais vigentes para, em razão da inteligência e do sentido exegético que lhes der, obter os elementos pertinentes à exata aplicação do direito. Isso em nada se confunde com o processo de elaboração legislativa. Ou seja, para o STF, o processo de interpretação dos textos legais e da Constituição NÃO importa em usurpação das atribuições normativas dos demais poderes da República.

Na espécie, o conceito de “RAÇA”, que compõe a estrutura normativa dos tipos penais incriminadores previstos na Lei 7.716/1989, tem merecido múltiplas interpretações, revestindo-se, por isso, de inegável conteúdo polissêmico.

Aliás, no julgamento do HC 82.424 (caso Ellwanger), o STF assentou que “a divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social”. Assim, a noção de RACISMO – para efeito de configuração típica dos delitos previstos na Lei 7.716/1989 – não se resume a um conceito de ordem estritamente antropológica ou biológica. Projeta-se, ao contrário, numa dimensão abertamente cultural e sociológica, a abranger até mesmo situações de agressão injusta resultantes de discriminação ou de preconceito contra pessoas por sua orientação sexual ou sua identidade de gênero.

A configuração de atos homofóbicos e transfóbicos como formas contemporâneas do racismo objetiva preservar a incolumidade dos direitos da personalidade, como a essencial dignidade da pessoa humana. Busca inibir, desse modo, comportamentos abusivos que possam, impulsionados por motivações subalternas, disseminar criminosamente o ódio público contra outras pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero.

Justifica-se a utilização, na espécie, do método da interpretação conforme, no que se refere ao conceito de “raça”, para os fins a que se refere a Lei 7.716/1989.

A solução propugnada NÃO sugere a aplicação analógica das normas penais previstas na Lei 7.716/1989 nem implica a formulação de tipos criminais ou cominação de sanções penais (eihn?!)

É certo que, considerado o princípio constitucional da reserva ABSOLUTA de lei formal, o tema pertinente à definição de TIPO PENAL e à cominação de sanção penal subsume-se ao âmbito das normas de direito material, de natureza eminentemente penal, regendo-se, em consequência, pelo postulado da reserva de parlamento.

Na verdade, a solução ora proposta LIMITA-SE à mera subsunção de condutas homotransfóbicas aos diversos preceitos primários de incriminação definidos em legislação penal já existente (Lei 7.716/1989), pois os atos de homofobia e de transfobia constituem concretas manifestações de racismo, compreendido em sua dimensão social, ou seja, o denominado racismo social.

Em suma, enquanto o Congresso Nacional não atuar, incide a Lei do Racismo, não por analogia ou interpretação extensiva, mas porque, no conceito de racismo firmado pelo STF, estão colhidas as situações tipificadas na lei. Ademais, a homofobia deve ser tratada como motivo fútil ou torpe nos outros tipos penais previstos no Código Penal.

Divergência.

Ficaram vencidos, em ambas as ações, os ministros Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Marco Aurélio.

Os dois primeiros conheceram em parte das ações e as julgaram parcialmente procedentes apenas para reconhecer a mora legislativa e dar ciência ao Congresso Nacional para a adoção das providências necessárias. Para eles, não obstante a repugnância que provocam as condutas preconceituosas de qualquer tipo, somente o Poder Legislativo pode criminalizar condutas, sendo imprescindível lei em sentido formal. Portanto, a extensão do tipo penal para abarcar situações não especificamente tipificadas pela norma penal incriminadora atenta contra o princípio da reserva legal.

O ministro Marco Aurélio inadmitiu o MI, diante dos limites impostos ao exercício, pelo STF, da jurisdição constitucional. Admitiu, em parte, a ADO, para julgar, nessa extensão, improcedente o pedido, por não assentar, peremptoriamente, que se tenha “CRIMINALIZAR” no vocábulo “punirá”, contido no inciso XLI do art. 5º da CF.

Em decorrência disso, NÃO reconheceu a omissão legislativa quanto à criminalização específica da homofobia e da transfobia. Concluiu que, respeitada a liberdade legiferante franqueada ao legislador ordinário, espera-se que a sinalização do STF quanto à necessária proteção das minorias e dos grupos socialmente vulneráveis contribua para a formação de uma cultura livre de todo e qualquer preconceito e discriminação, preservados os limites da separação dos Poderes e da reserva legal em termos penais.

Resultado final.

Em conclusão de julgamento, o Plenário, por maioria, julgou procedentes os pedidos formulados em ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO) e em mandado de injunção (MI) para reconhecer a mora do Congresso Nacional em editar lei que criminalize os atos de homofobia e transfobia. Determinou, também, até que seja colmatada essa lacuna legislativa, a aplicação da Lei 7.716/1989 (que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor) às condutas de discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero, com efeitos prospectivos e mediante subsunção.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Aplicação indevida de verbas públicas por prefeito: transferência para conta centralizada municipal e ausência de proveito próprio

AÇÃO PENAL

O tipo previsto no inciso III do art. 1º do DL 201/1967consiste em o administrador público aplicar verba pública em destinação diversa da prevista em lei. NÃO se trata, portanto, de desviar em proveito próprio, sendo irrelevante a verificação de efetivo prejuízo para a Administração.

AP 984/AP, 1ª Turma, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 11.6.2019.

Situação FÁTICA.

Joãozinho do Nó, parlamentar (deputado federal), quando era prefeito, aplicou indevidamente verbas públicas federais oriundas do Fundo Nacional de Saúde (FNS) destinadas ao programa nacional de combate a doença epidêmica. Ele utilizou os valores para o pagamento de débitos da Secretaria Municipal de Saúde com o instituto municipal de previdência.

Análise ESTRATÉGICA.

Questão JURÍDICA.

DL 201/1967: “Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: (…) III – desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas;”

Por que que o STF está julgando esse caso?

Realmente, foi apresentada preliminar de incompetência do Supremo Tribunal Federal. Isso porque os fatos apurados na ação são estranhos ao mandato parlamentar.

Porém, o STF afastou a questão e ressaltou que o procedimento já havia alcançado e superado a fase de alegações finais, situação processual que se enquadra em uma das hipóteses de prorrogação da competência da Corte.

Em maio de 2018, o plenário do Supremo Tribunal Federal, em questão de ordem na Ação Penal 937, RESTRINGIU o foro por prerrogativa de função às hipóteses de crimes praticados no EXERCÍCIO da função ou em RAZÃO dela. Agora se o sujeito (deputado ou senador) se envolver em um estupro, por exemplo, não será julgado no Tribunal, mas sim pelo juiz de primeiro grau.

Mas o STF também estabeleceu que, após o fim da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais NÃO será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo.

Mas tem crime mesmo sem proveio próprio?

R: SIM.

A Turma entendeu que a conduta narrada na denúncia se amolda, com precisão, ao tipo previsto no inciso III do art. 1º do DL 201/1967, o qual consiste em o administrador público aplicar verba pública em destinação diversa da prevista em lei. NÃO se trata, portanto, de desviar em proveito próprio, sendo irrelevante a verificação de efetivo prejuízo para a Administração.

Resultado final.

A Primeira Turma, por maioria, julgou procedente ação penal instaurada contra deputado federal para condená-lo às penas cominadas no inciso III do art. 1º do Decreto-Lei (DL) 201/1967.

Mandado de busca e apreensão, entrevista e acesso a celular “smartphone”

RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL

É nula a entrevista realizada por autoridade policial no interior da residência de investigado, durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão.

Rcl 33711/SP, 2ª Turma, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 11.6.2019

Situação FÁTICA.

A polícia foi cumprir mandado de busca e apreensão na casa de Creosvaldo. Durante a diligência, o delegado passou a “entrevistar” o investigado. Pobre Creosvaldo falou tudo que não podia… Essa entrevista foi, claro, registrada e depois utilizada como elemento de convicção.

Depois, já representado por advogado, Creosvaldo passou a sustentar ter sido interrogado sem ser informado de seu direito ao silêncio. Mais do que isso, disse que lhe foi exigida a senha de acesso ao seu smartphone, em violação ao princípio da não autoincriminação.

Análise ESTRATÉGICA.

Questão JURÍDICA.

CPP: “Art. 654. O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público. (…) § 2º Os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal.”

E essa entrevista mandrake?

R: Nula.

Prevaleceu o voto do ministro Gilmar Mendes (relator). Em seu pronunciamento, observou que, nas ADPFs 395 e 444, a Corte decidiu pela impossibilidade de se conduzir coercitivamente os suspeitos de prática de crimes com o intuito de serem interrogados. Entre o rol de direitos potencialmente atingidos pela conduta, destacou a violação do direito à não autoincriminação e ao silêncio.

No caso, a contrariedade aos referidos direitos ocorreu com a realização de INTERROGATÓRIO travestido de entrevista, na medida em que utilizada técnica de interrogatório forçado, proibida a partir do julgamento das ADPFs 395 e 444.

Creosvaldo ainda foi interrogado em ambiente intimidatório, a diminuir o direito à não incriminação. Além disso, na entrevista formalmente documentada, NÃO se oportunizou ao sujeito da diligência o direito à prévia consulta a advogado, tampouco certificou-se, no respectivo termo, o direito ao SILÊNCIO e à não produção de provas contra si mesmo, nos termos da legislação e dos aludidos precedentes.

O ministro Edson Fachin ressaltou NÃO se tratar, na hipótese, de aderência estrita de um conjunto de elementos fáticos que se submeteriam à vedação da condução coercitiva. Contudo, assinalou a existência de desrespeito ao direito de não incriminação e ao direito ao silêncio, conforme os fatos apresentados. Isso ocorreu mediante metodologia atípica e descolada de qualquer fundamentação que permita esse tipo de procedimento.

E quanto ao celular?

R: Se o investigado concedeu a senha, problema dele.

A turma NÃO vislumbrou suporte à sua alegação no sentido de que teria sido coagido ou obrigado a fornecer a senha.

E ainda que inexista expressamente, na decisão judicial, a expressão “autorizo a apreensão do aparelho celular”, o ato decisório conteve o deferimento ao acesso, à exploração e cópia do conteúdo de mídias, dispositivos e dados armazenados em nuvem, bem assim a determinação de que deveria constar, expressamente no mandado, a autorização de acesso a dados telefônicos e telemáticos armazenados nos dispositivos eletrônicos apreendidos.

O ministro Ricardo Lewandowski acrescentou NÃO ser possível exigir do juiz que minudencie todos os objetos de interesse do processo que serão encontrados no local da busca e apreensão.

Divergência.

Ficou vencido o ministro Gilmar Mendes (relator), na questão do celular. Ele, que reconhecia, de ofício, a inconstitucionalidade do art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal. Reconhecia, ainda, a ilegalidade da apreensão e do acesso aos dados, às mensagens e informações contidas no aparelho celular, haja vista a ausência de prévia e fundamentada decisão judicial que justificasse a necessidade, a adequação e a proporcionalidade da medida.

Resultado final.

A Segunda Turma, por maioria, deu provimento parcial a reclamação para declarar a nulidade de entrevista realizada por autoridade policial no interior da residência do reclamante, durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão.

Jean Vilbert

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