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A iniciativa legislativa para definição de obrigações de pequeno valor para pagamento de condenação judicial não é reservada ao chefe do Poder Executivo.
RE 1.496.204/DF, relator Ministro Presidente, julgamento finalizado no Plenário Virtual em 04.10.2024 (Info STF 1153)
Ivonete ajuizou ação em face do Distrito Federal e levou a melhor no pleito. Mas na hora de receber o valor devido, seu crédito foi inscrito em precatório, em razão do “alto” valor devido. Tal inscrição se deu com base em lei de iniciativa parlamentar que alterou para 20 salários-mínimos o teto das obrigações de pequeno valor.
Inconformada, Ivonete interpôs recurso sob o argumento de que a definição de obrigações de pequeno valor para pagamento de condenação judicial seria reservada ao chefe do Poder Executivo, não podendo ser tratada por lei de iniciativa parlamentar.
Lei de iniciativa parlamentar que altera o teto para pagamento de obrigações por Requisição de Pequeno Valor (RPV) não padece de vício de inconstitucionalidade formal, na medida em que aborda assunto de iniciativa legislativa concorrente.
Inexiste iniciativa legislativa reservada ao chefe do Poder Executivo para dispor acerca de obrigações de pequeno valor, pois a matéria não possui natureza orçamentária (CF/1988, arts. 84, XXIII e 165) nem trata da organização ou do funcionamento da Administração Pública (CF/1988, art. 61, § 1º).
As hipóteses de reserva de iniciativa de lei não admitem interpretação extensiva, sob pena de ofensa aos princípios democrático e da separação dos Poderes (CF/1988, art. 2º). Nesse contexto, o simples fato de determinada proposição implicar aumento de despesas para a Administração Pública não é suficiente para atrair a iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada (Tema 1.326 da repercussão geral), bem como (i) reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria para dar provimento ao recurso, de modo a reformar a decisão recorrida para que sejam observados os limites definidos pela Lei nº 6.618/2020 do Distrito Federal para o pagamento de obrigações de pequeno valor decorrentes de condenação judicial; e (ii) fixou a tese anteriormente citada.
Desde que existente a necessária justa causa, são válidas a busca pessoal e domiciliar realizadas pela Guarda Municipal quando configurada a situação de flagrante do crime de tráfico ilícito de entorpecentes.
RE 1.468.558/SP, relator Ministro Alexandre de Moraes, julgamento finalizado em 01.10.2024 (Info STF 1153)
Num patrulhamento de rotina, agentes da GCM perceberam que Creitinho havia largado uma sacola que carregava momentos antes de avistar a viatura. Em revista, nada e ilícito foi encontrado com Creitinho, mas na sacola descartada havia entorpecentes embalados para a venda.
Creitinho então confessou “informalmente” que em sua casa havia mais drogas. Os guardas foram ao local e encontraram maconha, skunk, cocaína, crack e thinner. A quantidade do material e a forma como estava acondicionado era compatível com a hipótese de tráfico de drogas. Os agentes, então, prenderam-no em flagrante.
As Guardas Municipais desenvolvem atividade de segurança pública (CF/1988, art. 144, § 8º) essencial ao atendimento de necessidades inadiáveis da comunidade (CF/1988, art. 9º, § 1º), como a manutenção da ordem pública, da paz social e da incolumidade das pessoas e do patrimônio público, em especial de bens, serviços e instalações do município.
Os agentes estatais devem nortear suas ações de modo motivado e com base em elementos probatórios mínimos capazes de indicar a ocorrência de situação de flagrante (CPP/1941, art. 301). Nesse contexto, a justa causa não exige a certeza da ocorrência de delito, mas fundadas razões a respeito, de modo que, uma vez existente, não há ilegalidade na prisão efetuada pela Guarda Municipal.
Ademais, em se tratando do delito de tráfico de drogas praticado, em tese, nas modalidades “trazer consigo” e “ter em depósito”, a consumação se prolonga no tempo (crime permanente), motivo pelo qual a flagrância permite a busca domiciliar, independentemente da expedição de mandado judicial, quando presentes as fundadas razões de que em seu interior ocorre a prática de crime.
Na espécie, a existência de justa causa para busca pessoal e domiciliar ocorreu após o acusado demonstrar nervosismo e dispensar uma sacola ao avistar os guardas municipais durante patrulhamento de rotina em local conhecido como ponto de tráfico de drogas. No interior da sacola descartada havia entorpecentes embalados prontos para a venda e, ao ser indagado sobre a existência de outras drogas, o acusado confirmou que guardava mais em sua casa, razão pela qual os guardas municipais se dirigiram até o local e encontraram grande quantidade de variados entorpecentes.
Com base nesses e em outros entendimentos, a Primeira Turma, por maioria, negou provimento ao agravo interno para cassar o acórdão recorrido e reconhecer a legalidade da prisão em flagrante e das provas dela decorrentes, determinando, por consequência, o prosseguimento do processo.
O art. 19 da Lei de Contravenções penais permanece válido e é aplicável ao porte de arma branca, cuja potencialidade lesiva deve ser aferida com base nas circunstâncias do caso concreto, tendo em conta, inclusive, o elemento subjetivo do agente.
ARE 901.623/SP, relator Ministro Edson Fachin, redator do acórdão Ministro Alexandre de Moraes, julgamento virtual finalizado em 04.10.2024 (Info STF 1153)
Craudião foi condenado ao pagamento de 15 dias-multa pelo porte de uma faca de cozinha. O juiz entendeu que o artigo 19 da LCP está em plena vigência e não foi revogado pelo Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003), que trata apenas de armas de fogo.
A Defensoria Pública de São Paulo sustenta a atipicidade do porte de armas brancas, pois o artigo 19 da LCP seria carente de regulamentação legal por ele mesmo exigida. A Defensoria ainda alega que a invocação do Decreto Paulista 6.911/1935 como norma regulamentadora do porte de arma branca viola a competência exclusiva da União para legislar sobre direito penal (artigo 22, inciso I, da CF).
Lei nº 9.437/1997: “Art. 10. Possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar, expor à venda ou fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda e ocultar arma de fogo, de uso permitido, sem a autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Pena – detenção de um a dois anos e multa. § 1° Nas mesmas penas incorre quem: I – omitir as cautelas necessárias para impedir que menor de dezoito anos ou deficiente mental se apodere de arma de fogo que esteja sob sua posse ou que seja de sua propriedade, exceto para a prática do desporto quando o menor estiver acompanhado do responsável ou instrutor; II – utilizar arma de brinquedo, simulacro de arma capaz de atemorizar outrem, para o fim de cometer crimes; III – disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que o fato não constitua crime mais grave. § 2° A pena é de reclusão de dois anos a quatro anos e multa, na hipótese deste artigo, sem prejuízo da pena por eventual crime de contrabando ou descaminho, se a arma de fogo ou acessórios forem de uso proibido ou restrito. § 3° Nas mesmas penas do parágrafo anterior incorre quem: I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato; II – modificar as características da arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito; III – possuir, deter, fabricar ou empregar artefato explosivo e/ou incendiário sem autorização; IV – possuir condenação anterior por crime contra a pessoa, contra o patrimônio e por tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins. § 4° A pena é aumentada da metade se o crime é praticado por servidor público.”
Lei nº 10.826/2003: “Posse irregular de arma de fogo de uso permitido Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. (…) Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente. (…) Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. § 1º Nas mesmas penas incorre quem: I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato; II – modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz; III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar; IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado; V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente; e VI – produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer forma, munição ou explosivo. § 2º Se as condutas descritas no caput e no § 1º deste artigo envolverem arma de fogo de uso proibido, a pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos. (…) Art. 36. É revogada a Lei no 9.437, de 20 de fevereiro de 1997.”
Decreto-Lei nº 3.688/1941: “Art. 19. Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade: Pena – prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa, de duzentos mil réis a três contos de réis, ou ambas cumulativamente. § 1º A pena é aumentada de um terço até metade, se o agente já foi condenado, em sentença irrecorrível, por violência contra pessoa. § 2º Incorre na pena de prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de duzentos mil réis a um conto de réis, quem, possuindo arma ou munição: a) deixa de fazer comunicação ou entrega à autoridade, quando a lei o determina; b) permite que alienado menor de 18 anos ou pessoa inexperiente no manejo de arma a tenha consigo; c) omite as cautelas necessárias para impedir que dela se apodere facilmente alienado, menor de 18 anos ou pessoa inexperiente em manejá-la.
Por revelar interpretação mais adequada com os fins sociais da norma, o preceito incriminador descrito no art. 19 da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/1941) — até que sobrevenha disposição em contrário — possui plena aplicabilidade na hipótese de porte de arma branca, devendo o julgador orientar-se, no caso concreto, pelo contexto fático, pela intenção do agente e pelo potencial de lesividade do objeto (grau de potencialidade lesiva ou efetiva lesão ao bem jurídico protegido pela norma penal).
O porte de arma constitui matéria penal que pretende tutelar uma série de bens jurídicos relevantes, como a segurança nacional, a incolumidade pública e a saúde das pessoas. Com o intuito de prevenir crimes violentos, proteger a paz pública e restringir comportamentos perigosos, o legislador impõe sanções à mera conduta do porte ilegal de armas, independentemente da concretização do dano.
Relativamente às armas de fogo, o art. 19 da Lei de Contravenções Penais foi derrogado pelo art. 10 da Lei n° 9.437/1997, que instituiu o Sistema Nacional de Armas (SINARM) e que, por sua vez, foi ab-rogado pela Lei nº 10.826/2003 – “Estatuto do Desarmamento”. No que se refere ao porte de outros artefatos letais de menor potencial ofensivo, como as armas brancas — sejam elas próprias (instrumentos destinados ao ataque ou a defesa, a exemplo de facas, canivetes, punhais e espadas) ou impróprias (qualquer outro instrumento que se torne vulnerante, quando utilizado com a finalidade de ataque, a exemplo de machados, foices e tesouras) — a contravenção penal prevista no referido dispositivo permanece válida e vigente.
Ademais, não há que se falar em norma penal em branco sem complemento ou em violação ao princípio da legalidade em matéria penal (CF/1988, art. 5º, XXXIX). O STF, seguindo o entendimento jurisprudencial do STJ, entendeu que a regulamentação estatal (decorrente da expressão “sem licença da autoridade”) é dispensável para a configuração da infração penal, na medida em que a redação original do dispositivo se referia à autorização administrativa da autoridade competente apenas para o porte ou para a posse de arma de fogo, isto é, a exigência não se aplica às armas brancas.
Na espécie, a Turma Criminal do Colégio Recursal de Marília/SP confirmou a sentença que condenou o réu ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa por portar, em sua cintura, uma faca de cozinha, sendo verificado, no caso concreto, que as circunstâncias em que houve a sua abordagem indicam a lesividade da conduta e o evidente risco à integridade física dos frequentadores do local.
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 857 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário com agravo e fixou a tese anteriormente citada.
1. É cabível recurso de apelação com base no artigo 593, III, ‘d’, do Código de Processo Penal, nas hipóteses em que a decisão do Tribunal do Júri, amparada em quesito genérico, for considerada pela acusação como manifestamente contrária à prova dos autos.
2. O Tribunal de Apelação não determinará novo Júri quando tiver ocorrido a apresentação, constante em Ata, de tese conducente à clemência ao acusado, e esta for acolhida pelos jurados, desde que seja compatível com a Constituição, os precedentes vinculantes do Supremo Tribunal Federal e com as circunstâncias fáticas apresentadas nos autos.
ARE 1.225.185/MG, relator Ministro Gilmar Mendes, redator do acórdão Ministro Edson Fachin, julgamento finalizado em 03.10.2024 (Info STF 1153)
No caso dos autos, o Conselho de Sentença, mesmo reconhecendo que um homem cometeu tentativa de homicídio, o absolveu, levando em conta que a vítima teria sido responsável pelo homicídio de seu enteado. O recurso de apelação interposto pelo MP-MG foi negado pelo TJ-MG.
Segundo o TJ-MG, em razão da soberania do júri popular, sua decisão só pode ser revista quando houver erro escandaloso e total discrepância. De acordo com o tribunal estadual, a possibilidade de absolvição por quesito genérico é admitida pelo sistema de íntima convicção, adotado nos julgamentos do júri popular.
No recurso ao STF, o MP-MG afirma que a decisão do júri foi manifestamente contrária à prova dos autos. Argumenta que a absolvição por clemência não é permitida pela legislação e significa autorização para o restabelecimento da vingança e da justiça com as próprias mãos.
CPP/1941: “Art. 483. Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre: (…) III – se o acusado deve ser absolvido; (…) Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: (…) III – das decisões do Tribunal do Júri, quando: (…) d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos.”
É compatível com a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri (CF/1988, art. 5º, XXXVIII, “c”)a possibilidade de o Tribunal de Justiça determinar a realização de novo júri em sede de recurso de apelação deduzida contra decisão absolutória dos jurados— amparada no quesito genérico (CPP/1941, art. 483, III) —, considerada manifestamente contrária à prova dos autos(CPP/1941, art. 593, III, “d”).
O princípio da soberania dos veredictos não impede a interposição de recurso contra a decisão absolutória dos jurados sob a alegação de ser manifestamente contrária à prova dos autos. O cabimento da apelação obedece ao princípio da paridade de armas, que decorre do contraditório e da ampla defesa (CF/1988, art. 5º, LV), e o seu acolhimento tem como única consequência a determinação para se realizar um novo júri, na medida em que a reanálise do caso continua sendo de competência do próprio corpo de jurados. Por outro lado, o quesito genérico absolutório introduzido pela Lei nº 11.689/2008 (CPP/1941, art. 483, III) dá margem para o reconhecimento da possibilidade de absolvição por critérios extralegais.
Nesse contexto, conforme compreensão alcançada pelo STF, o Tribunal de segunda instância não determinará a realização de novo júri caso a absolvição se dê por motivo de clemência (com base no quesito genérico absolutório) e essa decisão dos jurados decorra do acolhimento de tese apresentada pela defesa, cujo conteúdo deve estar registrado em ata de julgamento e ser compatível com o texto constitucional, com os precedentes vinculantes do STF e com as circunstâncias de fato veiculadas nos autos.
Na espécie, o Conselho de Sentença, ao concordar com a tese defensiva, absolveu o acusado da prática do crime de homicídio tentado contra o assassino confesso de seu enteado. O Ministério Público, ao pleitear a cassação da decisão dos jurados e a realização de um novo júri, aduziu, entre outras alegações, que a absolvição por clemência não é permitida no ordenamento jurídico brasileiro e que o veredicto foi manifestamente contrário à prova dos autos.
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 1.087 da repercussão geral, deu parcial provimento ao recurso extraordinário para determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem, a fim de que analise a apelação e delibere acerca da necessidade, ou não, de submissão do recorrido a novo julgamento pelo Tribunal do Júri, nos termos da tese anteriormente mencionada.
É constitucional — por se tratar de medida de subvenção econômica — norma que autoriza o Poder Executivo federal a estabelecer, dentro dos limites previamente estabelecidos em lei (Lei nº 13.043/2014, art. 22), o percentual de ressarcimento (apuração de crédito) no âmbito do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (Reintegra).
ADI 6.040/DF, relator Ministro Gilmar Mendes, julgamento finalizado em 02.10.2024 (Info STF 1153)
A Confederação Nacional da Indústria e o Instituto Aço Brasil ajuizaram as ADIs 6055 e 6040 nas quais pedem que o STF defina que o Poder Executivo pode fixar a alíquota do Reintegra, mas, uma vez fixada, não pode reduzi-la. O programa foi criado para incentivar a exportação de produtos manufaturados mediante a devolução de parte dos tributos pagos na sua produção.
Lei nº 13.043/2014: “Art. 22. No âmbito do Reintegra, a pessoa jurídica que exporte os bens de que trata o art. 23 poderá apurar crédito, mediante a aplicação de percentual estabelecido pelo Poder Executivo, sobre a receita auferida com a exportação desses bens para o exterior. § 1º O percentual referido no caput poderá variar entre 0,1% (um décimo por cento) e 3% (três por cento), admitindo-se diferenciação por bem. § 2º Excepcionalmente, poderá ser acrescido em até 2 (dois) pontos percentuais o percentual a que se refere o § 1º, em caso de exportação de bens em cuja cadeia de produção se verifique a ocorrência de resíduo tributário que justifique a devolução adicional de que trata este parágrafo, comprovado por estudo ou levantamento realizado conforme critérios e parâmetros definidos em regulamento. § 3º Considera-se também exportação a venda a empresa comercial exportadora – ECE, com o fim específico de exportação para o exterior. § 4º Para efeitos do caput, entende-se como receita de exportação: I – o valor do bem no local de embarque, no caso de exportação direta; ou II – o valor da nota fiscal de venda para ECE, no caso de exportação via ECE. § 5º Do crédito de que trata este artigo: I – 17,84% (dezessete inteiros e oitenta e quatro centésimos por cento) serão devolvidos a título da Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público – Contribuição para o PIS/Pasep; e II – 82,16% (oitenta e dois inteiros e dezesseis centésimos por cento) serão devolvidos a título da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS. § 6º O valor do crédito apurado conforme o disposto neste artigo não será computado na base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep, da Cofins, do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas – IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL. § 7º Na hipótese de exportação efetuada por cooperativa ou por encomendante, admite-se que os bens sejam produzidos pelo cooperado ou pelo encomendado, respectivamente.”
O programa Reintegra se enquadra como um benefício fiscal (ajuda financeira) na modalidade subvenção econômica (Lei nº 4.320/1964, art. 12 § 3º, I e II), de modo que não se confunde com as imunidades às exportações (CF/1988, arts. 149, § 2º, I; 153, IV, § 3º, III; 155, II, § 2º, X, “a”; e 156, III, § 3º, II). Enquanto as imunidades se aplicam a produtos e serviços destinados à exportação, o Reintegra busca restituir parcela dos tributos pagos ao longo da cadeia produtiva de bens industrializados (devolução de resíduos tributários), notadamente para auxiliar o custeio de atividades econômicas setoriais.
O Reintegra também não se aproxima da definição de subsídio vedado pelo Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) e pelo Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias (ASMC), pois não visa à vantagem competitiva excessiva, mas à recomposição de custos tributários na cadeia produtiva.
Nesse contexto, o Reintegra configura elemento adicional de incentivo às exportações e ao desenvolvimento da indústria nacional. A definição do percentual de ressarcimento, por se tratar de um instrumento de fomento à indústria nacional, representa opção de política econômico-tributária a cargo dos Poderes Executivo e Legislativo, razão pela qual, à luz do princípio da separação dos Poderes (CF/1988, art. 2º), não cabe ao STF interferir nessa função.
Ademais, a flexibilidade para definir o percentual de ressarcimento, dentro dos limites expressamente fixados pela norma impugnada, configura importante mecanismo de ajuste do incentivo, isto é, para elevá-lo ou reduzi-lo conforme a evolução da situação econômica do País.
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria e em apreciação conjunta, julgou improcedentes as ações para assentar a constitucionalidade do art. 22 da Lei nº 13.043/2014.
Encontram-se presentes os requisitos para a concessão da medida cautelar, pois: (i) há plausibilidade jurídica no que se refere à alegação de ofensa ao princípio da sustentabilidade orçamentária, por ausência de estimativa de impacto orçamentário e financeiro da prorrogação da desoneração fiscal da COFINS-Importação sobre determinadas atividades econômicas; e (ii) há perigo da demora na prestação jurisdicional, consubstanciado no desajuste fiscal de proporções bilionárias e de difícil saneamento que podem comprometer a atividade estatal e os serviços prestados à sociedade.
ADI 7.633 MC-Ref/DF, relator Ministro Cristiano Zanin, julgamento virtual finalizado em 04.10.2024 (Info STF 1153)
A União ajuizou a ADI 7633 na qual o Presidente da República questiona a validade de dispositivos da Lei 14.784/2023. No final de 2023, com o objetivo de equilibrar as contas públicas, o presidente Lula editou a Medida Provisória (MP) 1.202/2023. O texto previa a retomada gradual da carga tributária sobre 17 atividades econômicas e a limitação das compensações tributárias decorrentes de decisões judiciais, além da volta da tributação sobre o setor de eventos.
Na sequência, o Congresso aprovou a Lei 14.784/2023 que, além de prorrogar a desoneração desses setores, diminuiu para 8% a alíquota da contribuição previdenciária incidente sobre a folha de pagamento dos municípios.
Lei nº 14.784/2023: “Art. 1º Esta Lei prorroga o prazo de vigência referente à contribuição previdenciária sobre a receita bruta e ao acréscimo de alíquota da Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social devida pelo Importador de Bens Estrangeiros ou Serviços do Exterior (Cofins-Importação) sobre determinados bens, de que tratam os arts. 7º e 8º da Lei nº 12.546, de 14 de dezembro de 2011, e o caput do § 21 do art. 8º da Lei nº 10.865, de 30 de abril de 2004, e dá outras providências.(…) Art. 2º Os arts. 7º e 8º da Lei nº 12.546, de 14 de dezembro de 2011, passam a vigorar com a seguinte redação: ‘Art. 7º Até 31 de dezembro de 2027, poderão contribuir sobre o valor da receita bruta, excluídos as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos, em substituição às contribuições previstas nos incisos I e III do caput do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991: ………………..’ (NR) ‘Art. 8º Até 31 de dezembro de 2027, poderão contribuir sobre o valor da receita bruta, excluídos as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos, em substituição às contribuições previstas nos incisos I e III do caput do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991: ………………..’ (NR) (…) Art. 4º O art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, passa a vigorar acrescido do seguinte § 17: ‘Art. 22. ……………….. § 17. A alíquota da contribuição prevista no inciso I do caput deste artigo será de 8% (oito por cento) para os Municípios enquadrados nos coeficientes inferiores a 4,0 (quatro inteiros) da tabela de faixas de habitantes do § 2º do art. 91 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966.’ (NR) Art. 5º Até 31 de dezembro de 2027, a alíquota da contribuição sobre a receita bruta será de 1% (um por cento) para as empresas previstas no inciso III do caput do art. 7º da Lei nº 12.546, de 14 de dezembro de 2011.”
Conforme jurisprudência do STF, a norma do art. 113 do ADCT — que tem caráter nacional e se aplica a todos os entes federativos — estabeleceu requisito adicional para a validade formal de leis ao exigir que toda proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória, ou renúncia de receita, seja acompanhada da respectiva estimativa do seu impacto financeiro-orçamentário. Essa necessária compatibilização das leis com o novo regime fiscal decorre de uma opção legislativa.
Na espécie, os dispositivos impugnados, originados do Projeto de Lei nº 334/2023, (i) prorrogaram, até 31.12.2027, a vigência do benefício fiscal da Contribuição Previdenciária sobre Receita Bruta (CPRB) incidente para setores específicos da economia; (ii) reduziram para 8% a alíquota de contribuição previdenciária incidente sobre a folha de pagamento de determinados municípios; e (iii) reduziram para 1%, até 31.12.2027, a alíquota da CPRB para o setor de empresas de transporte rodoviário coletivo de passageiros. Contudo, essas renúncias de receitas não foram precedidas de avaliação prospectiva do respectivo impacto orçamentário e financeiro.
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, referendou a decisão que concedeu parcialmente a medida cautelar postulada, apenas para suspender a eficácia dos arts. 1º, 2º, 4º e 5º da Lei nº 14.784/2023, enquanto não sobrevier demonstração do cumprimento do que estabelecido no art. 113 do ADCT (com a oportunidade do necessário diálogo institucional) ou até o ulterior e definitivo julgamento do mérito da presente ação, conforme o caso, com determinação de efeitos prospectivos (ex nunc), na forma do art. 11 da Lei nº 9.868/1999.
Até que seja editada lei complementar federal sobre a matéria, a multa tributária qualificada em razão de sonegação, fraude ou conluio limita-se a 100% (cem por cento) do débito tributário, podendo ser de até 150% (cento e cinquenta por cento) do débito tributário caso se verifique a reincidência definida no art. 44, § 1º-A, da Lei nº 9.430/1996, incluído pela Lei nº 14.689/2023, observando-se, ainda, o disposto no § 1º-C do citado artigo.
RE 736.090/SC, relator Ministro Dias Toffoli, julgamento finalizado em 03.10.2024 (Info STF 1153)
O caso concreto trata do posto de combustível Pagonada multado em 150% pela Receita Federal. O Fisco entendeu que a separação de empresas do mesmo grupo econômico do posto buscou evitar o pagamento de imposto, postura classificada como sonegação.
O TRF-4 considerou a multa válida, mas a empresa recorreu alegando que o valor contraria princípios como a razoabilidade e a proporcionalidade, além de violar a Constituição, que proíbe o uso de impostos com efeito de confisco.
Lei nº 4.502/1964: “Art. 71. Sonegação é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária: I – da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua natureza ou circunstâncias materiais; II – das condições pessoais de contribuinte, suscetíveis de afetar a obrigação tributária principal ou o crédito tributário correspondente. Art. 72. Fraude é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do imposto devido a evitar ou diferir o seu pagamento. Art. 73. Conluio é o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas, visando qualquer dos efeitos referidos nos arts. 71 e 72.”
Lei nº 9.430/1996: “Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas: I – de 75% (setenta e cinco por cento) sobre a totalidade ou diferença de imposto ou contribuição nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, de falta de declaração e nos de declaração inexata; (…) § 1º O percentual de multa de que trata o inciso I do caput deste artigo será majorado nos casos previstos nos arts. 71, 72 e 73 da Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964, independentemente de outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis, e passará a ser de: VI – 100% (cem por cento) sobre a totalidade ou a diferença de imposto ou de contribuição objeto do lançamento de ofício; VII – 150% (cento e cinquenta por cento) sobre a totalidade ou a diferença de imposto ou de contribuição objeto do lançamento de ofício, nos casos em que verificada a reincidência do sujeito passivo. § 1º-A. Verifica-se a reincidência prevista no inciso VII do § 1º deste artigo quando, no prazo de 2 (dois) anos, contado do ato de lançamento em que tiver sido imputada a ação ou omissão tipificada nos arts. 71, 72 e 73 da Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964, ficar comprovado que o sujeito passivo incorreu novamente em qualquer uma dessas ações ou omissões
As multas tributárias aplicadas em virtude de sonegação, fraude ou conluio devem se limitar a 100% da dívida tributária, sendo possível que o montante chegue a 150% da dívida em caso de reincidência. Esse é o panorama que deve prevalecer até que seja editada a lei complementar federal pertinente sobre a matéria (CF/1988, art. 146, III), apta a regulamentar o tema em todo o País.
Em atenção aos princípios constitucionais da razoabilidade, da proporcionalidade, da segurança jurídica e da vedação ao confisco (CF/1988, art. 150, IV), os percentuais máximos das multas qualificadas previstos na atual legislação federal, incluídos pela Lei nº 14.689/2023, foram adotados para efeito de repercussão geral, até que sobrevenha a mencionada legislação complementar de caráter nacional (CF/1988, art. 146, III), a fim de serem observados por todos os entes da Federação.
O STF levou em consideração, em síntese, que: (i) a multa tributária, em termos técnicos, consiste em obrigação principal (CTN/1966, art. 113, §§ 1º e 3º); (ii) as multas qualificadas em razão de sonegação, fraude ou conluio pressupõem a existência de comportamento doloso praticado pelo agente e merece maior reprimenda; (iii) o teto não pode ser baixo a ponto de não ter força de reprimir e de inibir os referidos comportamentos, de agentes que atuam para infringir a lei, e não pode ser alto a ponto de resultar em efeito confiscatório; (iv) as limitações qualitativas e quantitativas às sanções tributárias deverão ser estabelecidas pelo legislador complementar, em norma geral (CF/1988, art. 146, III), à luz da razoabilidade e da proporcionalidade; (v) a disparidade de tratamentos nas legislações federal, estaduais, distrital e municipais; e (vi) a impossibilidade de se afirmar que, para fins de fixação de teto, a ofensa qualificada à legislação tributária é mais ou menos grave a depender da unidade federativa envolvida.
Nesse contexto, a sanção tributária deve ser graduada em razão da individualização da conduta do agente em cada caso concreto, respeitados os preceitos constitucionais e as normas gerais em matéria de legislação tributária constantes em lei complementar federal. Ademais, devem ser atendidas as hipóteses de não aplicação da multa qualificada da Lei nº 9.430/1996 (art. 44, § 1º-C).
Na espécie, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (i) assentou a existência de infrações à legislação tributária pela empresa ora recorrente; (ii) considerou válida a multa qualificada aplicada pela Receita Federal em razão de sonegação, fraude ou conluio, no valor de 150% do débito tributário, pois prevista na redação original do art. 44, II, da Lei nº 9.430/1996; e (iii) não registrou a presença de reincidência.
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, ao apreciar o Tema 863 da repercussão geral, (i) deu parcial provimento ao recurso extraordinário para reduzir a multa qualificada em razão de sonegação, fraude ou conluio para 100% (cem por cento) do débito tributário, restabelecendo-se os ônus sucumbenciais fixados na sentença; (ii) fixou a tese anteriormente citada; e (iii) modulou os efeitos da decisão, a fim de que produza efeitos desde a edição da Lei nº 14.689/2023, mantidos os patamares atualmente fixados pelos entes da Federação até os limites da tese, ressalvados (a) as ações judiciais e os processos administrativos pendentes de conclusão até a referida data; e (b) os fatos geradores ocorridos até a referida data em relação aos quais não haja pagamento de multa abrangida pelo presente tema de repercussão geral.
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