E aqui está o Informativo nº 1105 do STF COMENTADO. Só para você que está ligad@ aqui no Estratégia Carreiras Jurídicas!
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
São constitucionais os dispositivos da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992 – LIA) que ampliam o conceito de agente público, impõem obrigações no tocante às informações patrimoniais para posse e exercício do cargo, bem como preveem sanções — independentemente das esferas penais, civis e administrativas — e o acompanhamento dos respectivos procedimentos administrativos pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas.
ADI 4.295/DF, relator Ministro Marco Aurélio, redator do acórdão Ministro Gilmar Mendes, julgamento virtual finalizado em 21.8.2023 (Info 1105)
O Partido da Mobilização Nacional (PMN) ajuizou no STF a ADI nº 4295, questionando 13 artigos da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92), por considerá-los excessivamente abrangentes e vagos. Segundo o PMN, a Lei 8.429/92 exorbita ao regular as punições para a prática de improbidade administrativa.
Em especial, a legenda questiona:
1. As disposições que ampliam o conceito de agente público.
2. Os dispositivos que impõem obrigações no tocante às informações patrimoniais para posse e exercício do cargo (tem de abrir o imposto de renda), bem como preveem sanções.
3. A determinação de acompanhamento dos respectivos procedimentos administrativos pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas.
R: Segue o jogo!!!!
A LIA, em seu artigo 2º, estende a condição de agente público para os efeitos da lei a “todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função pública”, conflitaria com entendimento firmado pelo Plenário do STF no julgamento da Reclamação (RCL) 2138.
O artigo 3º, por sua vez, estende os efeitos da lei aos que, mesmo não sendo agentes públicos, induzam ou concorram para a prática de ato de improbidade ou dele se beneficiem sob qualquer forma direta ou indireta.
Nada a reparar aqui!
Conforme jurisprudência do STF, é possível o duplo regime sancionatório de agentes políticos, à exceção do Presidente da República.
A proibição do responsável pelo ato de improbidade de contratar com o Poder Público, ainda que por intermédio de pessoa jurídica (LIA, art. 12, I, II e III), não viola o princípio da incomunicabilidade das punições (CF/1988, art. 5º, XLV), pois, ao atuar ostensivamente no controle e direcionamento da atividade empresarial, evita fraude à sanção imposta.
A obrigatoriedade de todo agente público apresentar sua declaração de imposto de renda e proventos de qualquer natureza (LIA, art. 13) visa assegurar mecanismos de fiscalização do patrimônio de agentes públicos, com o objetivo de resguardar a moralidade e o erário.
A intimação do Ministério Público e do Tribunal de Contas (LIA, art.15) não fere o princípio da separação de Poderes. Em verdade, concretiza o princípio da eficiência (CF/1988, art. 37, caput), notadamente porque cabe ao Parquet — como instituição essencial à função jurisdicional do Estado — promover as medidas necessárias à garantia de sua missão constitucional e de suas respectivas funções institucionais (CF/1988, arts. 127 e 129).
Por fim, a defesa da probidade administrativa não se restringe à proteção do erário, sob o prisma patrimonial. Portanto, dada a desnecessidade de comprovação do dano ao patrimônio público para a configuração de determinados atos de improbidade, inexiste a alegada violação ao devido processo legal.
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, conheceu em parte da ação e, nessa extensão, a julgou improcedente, para declarar a constitucionalidade dos arts. 2º, 12 e seus incisos, 13, 15 e 21, I, todos da Lei 8.429/1992.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
É formalmente constitucional — por não violar o sistema de repartição de competências — lei editada pela União para regulamentar dispositivos da Constituição que dispõem sobre o meio ambiente (CF/1988, art. 225, § 1º, II, IV e V) e estabelecer normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados (OGM) e seus derivados no Brasil.
ADI 3.526/DF, relator Ministro Nunes Marques, redator do acórdão Ministro Gilmar Mendes, julgamento virtual finalizado em 21.8.2023 (Info 1105)
A PGR ajuizou a ADI 3526 na qual contesta mais de 20 dispositivos da Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/05) que estabelecem normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados (OGMs) e seus derivados.
O foco da ADI é a competência atribuída à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, em relação aos transgênicos. Pela lei impugnada, cabe à comissão “deliberar, em última e definitiva instância, sobre os casos em que a atividade é potencial ou efetivamente causadora de degradação ambiental, bem como sobre a necessidade do licenciamento ambiental”.
Para a PGR, tal atribuição fere o artigo 23 da Constituição, segundo o qual é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas. Assim, não caberia aos municípios e estados pedir autorização à União para aplicar os instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6938/81), como o licenciamento ambiental.
R: Nooopsss!!!
No âmbito da competência legislativa concorrente, incumbe à União editar normas gerais sobre proteção do meio ambiente, produção, consumo e saúde pública (CF/1988, art. 24, V, VI e XII), ao passo que os estados elaboram apenas normas complementares com o objetivo de atender suas peculiaridades locais.
Na espécie, as normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades relativas a OGM impõem tratamento uniforme no território nacional, com evidente preponderância do interesse da União, de modo que inexiste qualquer ingerência no espaço reservado aos estados, em especial porque não há como segmentar o tratamento do tema a partir de divisas geográficas.
E quanto à atuação da CTNBio???
A vinculação do procedimento de licenciamento ambiental de OGM ao crivo técnico da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBIo) não desrespeita o sistema de proteção ambiental (CF/1988, art. 225) nem implica redução do grau de tutela do meio ambiente.
A lei federal impugnada atribui à CTNBIo — órgão técnico adequadamente estruturado e qualificado — a tarefa de analisar a necessidade de submissão de OGM a procedimento de licenciamento ambiental, circunstância que concretiza o princípio da precaução.
Ademais, não há ofensa ao princípio democrático, eis que há previsão de realização de audiência pública, com garantia de participação da sociedade civil, assim como estabelece, de modo similar, a própria normatização do licenciamento ambiental.
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, conheceu em parte da ação e, nessa extensão, a julgou improcedente, para declarar a constitucionalidade da Lei 11.105/2005.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
É inconstitucional — por usurpar a prerrogativa legislativa conferida ao Procurador-Geral de Justiça e ofender a autonomia e a independência do Ministério Público (CF/1988, arts. 127, § 2º; e 128, § 5º) — norma estadual, de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre a atuação do Ministério Público nas operações policiais de cumprimento de medidas possessórias de caráter coletivo.
ADI 3.238/PE, relator Ministro Nunes Marques, julgamento virtual finalizado em 25.8.2023 (Info 1105)
A PGR ajuizou a ADI 3238 contra Lei Estadual (11.365/960) que torna obrigatória a presença de integrante do Ministério Público (MP) em operações de execução de ordem judicial ou administrativa de despejos que envolvam mais de cinqüenta pessoas.
A PGR sustenta que a norma fere os artigos 127, caput e parágrafo 2º, e 129, inciso IX, da Constituição Federal. Os dispositivos tratam das funções essenciais do MP, assegurando ao órgão autonomia funcional e administrativa, e possibilidade de exercer outras funções não previstas constitucionalmente desde que compatíveis com sua finalidade.
O procurador-geral registra na ADI que os membros do MP não estão subordinados a nenhum órgão ou poder, seja o Executivo, o Judiciário ou o Legislativo.
R: Por iniciativa própria? NÃO!!!!
A jurisprudência do STF é firme no sentido da coexistência de leis gerais e específicas na esfera estadual. A Lei Orgânica Nacional (Lei 8.625/1993) estabelece normas gerais e garante a uniformidade entre os Ministérios Públicos das unidades federadas (CF/1988, art. 61, § 1º, II, d). A Lei Orgânica do estado, por sua vez, delimita, em lei complementar de iniciativa do Procurador-Geral de Justiça, a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público (CF/1988, arts. 127, § 2º; e 128, § 5º).
Na esfera federal, o constituinte atribuiu ao Presidente da República e ao Procurador-Geral da República iniciativa concorrente para editar lei complementar dispondo sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, atual LC 75/1993.
Desse modo, no tocante às referidas matérias, inexiste a possibilidade de proposição legislativa de origem parlamentar, como ocorreu na espécie.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou procedente a ação, para declarar a inconstitucionalidade da Lei 11.365/1996 do Estado de Pernambuco.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
É constitucional — pois não viola a segurança viária (CF/1988, art. 144, § 10, I e II), a exigência de licitação para a prestação indireta de serviços públicos (CF/1988, art. 175), ou pacto federativo e a autonomia dos estados-membros (CF/1988, arts. 18 e 25, “caput” e § 1º) — a prestação de serviços de fabricação e de estampagem de Placas de Identificação de Veículos do Brasil (PIV) por empresas habilitadas mediante credenciamento.
ADI 6.313/DF, relator Ministro Alexandre de Moraes, julgamento virtual finalizado em 25.8.2023 (Info 1105)
A Associação Nacional dos Fabricantes de Placas Veiculares (Anfapv) ajuizou no STF a ADI 6313 contra a Resolução 780/2019 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), que estabelece o novo sistema de placas de identificação de veículos do Brasil.
O objeto da ação é o artigo 10 da resolução, que estabelece que a prestação de serviços de fabricação e a estampagem das placas será realizada por meio de credenciamento de empresas interessadas, sem licitação formal com todos os contornos. Segundo a associação, o emplacamento se inclui na fiscalização de trânsito e é serviço público de titularidade dos entes federativos, por dizer respeito à segurança pública.
R: Obviamente!!!
A execução dos referidos serviços constitui ato preparatório à prática de atos típicos da Administração Pública (emplacamento mediante sistema informatizado e sua fiscalização), caracterizando-se como atividade econômica em sentido estrito (CF/1988, art. 170). Por isso, pode ser validamente confiada a qualquer particular previamente credenciado pelos órgãos executivos de trânsito dos entes federativos.
O credenciamento é modalidade adotada quando a Administração objetiva dispor da maior rede possível de prestadores de serviços. Assim, a inviabilidade de competição — que enseja a consequente inexigibilidade de licitação — não decorre da sua impossibilidade, mas da ausência de interesse estatal em restringir o número de contratados, de modo que qualquer um que preencha os requisitos estará apto a realizar o serviço ou fornecer o produto.
Ademais, nos moldes do Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/1997), cabe ao ente federal legislar sobre a fabricação de placas (art. 115). Essa competência é exercida pelo Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) — órgão máximo normativo e consultivo do Sistema Nacional de Trânsito (art. 7º, I) —, o qual estabelece o credenciamento como modalidade adequada.
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou improcedente a ação, para assentar a constitucionalidade do art. 10 da Resolução CONTRAN 780/2019, norma posteriormente substituída pela Resolução CONTRAN 969/2022.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
É constitucional a Resolução CNJ 280/2019 (com a redação dada pela Resolução CNJ 304/2019), que estabelece diretrizes e parâmetros para o processamento da execução penal nos tribunais brasileiros e determina, entre outras providências, que todos os processos nessa fase processual tramitem pelo Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU).
ADI 6.259/DF, relator Ministro Alexandre de Moraes, redator do acórdão Ministro Dias Toffoli, julgamento virtual finalizado em 21.8.2023 (Info 1105)
A Mesa da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) ajuizou no STF a ADI 6259 contra a resolução do CNJ que determina a tramitação obrigatória de todos os processos de execução penal pelo Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU) a partir de 31/12. Segundo o Legislativo paulista, o CNJ, ao editar a Resolução 280/2019, violou o princípio federativo e usurpou a competência da União e dos estados para legislar sobre direito penitenciário e procedimentos em matéria processual, além de afrontar os princípios da separação dos Poderes e do autogoverno dos Tribunais.
Segundo a Assembleia, a implantação das determinações da resolução acarretará sérios prejuízos ao funcionamento de órgãos da administração pública estadual com atribuições na matéria, com “inequívoco risco de prejuízo e perecimento de direitos”. Em razão da inferioridade técnica e funcional do SEEU em relação ao atual sistema estadual, a Alesp sustenta que haverá inevitável atraso na apreciação de benefícios, indultos e pedidos de saída provisória, fatores que geram tensão na população carcerária e maior lentidão no andamento dos processos de execução criminal.
CF/1988:
CF/1988: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze) membros com mandato de 2 (dois) anos, admitida 1 (uma) recondução, sendo: (…) § 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) I – zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”
R: Nooopssss!!!
O SEEU, enquanto sistema unificado de tramitação eletrônica dos processos de execução penal, é um importante incremento na eficiência da atividade jurisdicional. Por isso, ele deve ser ESTIMULADO e PROMOVIDO pelo CNJ em sua missão de efetuar o controle administrativo do Poder Judiciário, à luz dos princípios estabelecidos no art. 37 da CF/1988.
Em função de sua própria natureza, o SEEU não interfere nos poderes administrativos do estado-membro relativos ao sistema penitenciário de sua responsabilidade. Ao contrário, representa a busca por uma política pública efetiva, que qualifica o sistema de justiça no enfrentamento do grave estado de coisas inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro.
A efetiva implantação de um sistema único nacional informatizado permite ao Judiciário a integração com outras instituições e contribui para a efetivação dos atos normativos do CNJ, para a aplicação igualitária da legislação penal e do exercício de direitos fundamentais das pessoas em cumprimento de pena, bem como para o cumprimento de decisões dos tribunais superiores.
Nesse contexto, inexiste violação ao princípio federativo (CF/1988, art. 1º c/c os arts. 18, caput, e 25, caput), à separação de Poderes (CF/1988, art. 2º), à competência legislativa estadual (CF/1988, art. 24, I e XI), à autonomia conferida aos tribunais (CF/1988, arts. 96, I, b; 99, caput; e 125, § 1º), tampouco aos limites do poder normativo do CNJ (CF/1988, art. 103-B, § 4º, I).
Com base nesses entendimentos, o Plenário, por maioria, julgou improcedente a ação, a fim de assentar a constitucionalidade da Resolução 280/2019, com a redação dada pela Resolução 304/2019, ambas do CNJ.
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITOS FUNDAMENTAIS
Estão presentes os pressupostos necessários para a concessão da medida cautelar (fumaça do bom direito e perigo da demora na efetivação de uma decisão judicial), eis que: (i) a discussão acerca das condições precárias de vida da população em situação de rua no Brasil demanda uma reestruturação institucional que decorre de um quadro grave e urgente de desrespeito a direitos humanos fundamentais; e (ii) a violação maciça de direitos humanos — a indicar um potencial estado de coisas inconstitucional — impele o Poder Judiciário a intervir, mediar e promover esforços para estabelecer uma estrutura adequada de enfrentamento.
ADPF 976 MC-Ref/DF, relator Ministro Alexandre de Moraes, julgamento virtual finalizado em 21.8.2023 (Info 1105)
A ADPF 976 foi ajuizada pela Rede Sustentabilidade, pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) sob o argumento de que a população em situação de rua no Brasil está submetida a condições desumanas de vida devido a omissões estruturais dos três níveis federativos do Executivo e do Legislativo. Afirmaram que a situação caracteriza um estado de coisas inconstitucional e pediram a adoção de providências.
O ministro Alexandre de Moraes, em decisão liminar, determinou que os estados, o Distrito Federal e os municípios passem a observar, imediatamente e independentemente de adesão formal, as diretrizes do Decreto Federal 7.053/2009, que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua.
R: Yeap!!!!
A atenção à população em situação de rua deve ser realizada com o intuito de: (i) evitar a entrada nas ruas; (ii) garantir direitos enquanto o indivíduo está em situação de rua; e (iii) promover condições para a saída das ruas.
No âmbito da medida cautelar em análise, também se consideraram, entre outros fatores: (i) os desafios do retorno da população em situação de rua à educação escolar, que vão além da falta de acesso a programas; (ii) os obstáculos relacionados à reinserção no mercado de trabalho; (iii) a “aporofobia”, entendida como violadora dos objetivos fundamentais, em especial o relacionado ao combate a todas as formas de discriminação (CF/1988, art. 3º, IV); (iv) o direito à identidade além do mero registro; (v) o acolhimento institucional e o direito fundamental à moradia; (vi) a presença de atos comissivos e omissivos, imputados a agentes públicos e pessoas privadas, que atentam flagrantemente contra a dignidade dessa população; (vii) a necessidade de medidas paliativas que impulsionem a construção de respostas estatais duradouras; e (viii) a necessidade de elaboração de um estudo capaz de delinear todas as nuances que permeiam o problema crônico social em debate, para evitar políticas desassociadas do espaço e do tempo de aplicação.
Nesse contexto, os estados, o Distrito Federal e os municípios devem, de modo imediato, observar, obrigatoriamente e independentemente de adesão formal, as diretrizes contidas no Decreto federal 7.053/2009, que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua, em conjunto e nos moldes das determinações estabelecidas na parte dispositiva da decisão do STF.
O mencionado decreto deve ser interpretado como pormenorização efetiva de comandos constitucionais, a ser aplicado de forma a atingir todos os entes subnacionais. Essa aplicação nacional também promove preceitos constitucionais conformadores da assistência social que asseguram ao ente federal as competências de coordenar ações governamentais e estabelecer normas gerais, atribuições reproduzidas na Lei 8.742/1993.
Além disso, visando à construção de uma solução robusta e duradoura, é necessário mobilizar os demais Poderes, mais afeitos às especificidades das políticas públicas.
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, referendou a cautelar anteriormente concedida para o fim de tornar obrigatória a observância, pelos estados, Distrito Federal e municípios, imediata e independentemente de adesão formal, das diretrizes contidas no Decreto federal 7.053/2009, que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua, bem como determinar:
(I) A formulação pelo Poder Executivo federal, no prazo de 120 dias, do Plano de Ação e Monitoramento para a Efetiva Implementação da Política Nacional para a População em Situação de Rua, com a participação, dentre outros órgãos, do Comitê intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para População em Situação de Rua (CIAMP-Rua), do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), da Defensoria Pública da União (DPU) e do Movimento Nacional da População em Situação de Rua.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
É inconstitucional — por usurpar a competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho (CF/1988, art. 22, I) — lei estadual que, ao criar o “estágio supervisionado, educativo e profissionalizante” sob a forma de bolsa de iniciação ao trabalho ao menor que frequente o ensino regular ou supletivo, constitui relação jurídica que se aproxima do instituto do contrato de aprendizagem.
ADI 3.093/RJ, relator Ministro Nunes Marques, julgamento virtual finalizado em 25.8.2023 (Info 1105)
A ADI 3093 foi ajuizada pelo então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, a pedido da Procuradoria Regional do Trabalho da 1ª Região, no Rio de Janeiro. A Ação impugna a Lei fluminense 1.888/91, que dispõe sobre bolsas de iniciação ao trabalho de adolescentes entre 14 e 18 anos incompletos e que frequentem ensino regular ou supletivo. Segundo Fonteles, a norma fere o artigo 22, inciso I, em que se estabelece que é de competência privativa da União legislar sobre direito do trabalho.
Ele cita o julgamento da ADI 953, em que se assentou ser “pacífico o entendimento deste Supremo Tribunal quanto à inconstitucionalidade de normas locais que tenham como objeto matérias de competência legislativa privativa da União”, requerendo, portanto, que seja declarada a inconstitucionalidade da Lei 1.888/91.
R: Bastante!!!
O contrato de aprendizagem possui majoritário propósito educativo direcionado à inserção do aprendiz no mercado de trabalho, eis que a relação se forma sem a participação de instituição de ensino, configurando relação de natureza trabalhista especial. Diferencia-se do estágio, que tem caráter predominantemente educativo relacionado ao projeto pedagógico do curso que o estagiário frequenta — tanto que a instituição de ensino tem a responsabilidade de participar do vínculo —, motivo pelo qual a atribuição normativa sobre o tema é concorrente, por se tratar de educação e ensino (CF/1988, art. 24, IX).
Na espécie, a lei estadual impugnada prevê a constituição da relação jurídica diretamente entre a empresa ou entidade de direito público e o menor de 14 a 18 anos incompletos, sem a participação da instituição de ensino. Essa circunstância, aliada à não exigência de termo de compromisso, afasta a natureza essencialmente educacional capaz de configurar o pretendido estágio.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou procedente a ação, para declarar a inconstitucionalidade, sem pronúncia de nulidade, da Lei 1.888/1991 do Estado do Rio de Janeiro, pelo prazo de 24 meses, período em que o legislador estadual deverá reapreciar a disciplina do estágio supervisionado, educativo e profissionalizante à luz da disciplina estabelecida na Lei federal 11.788/2008. O Tribunal também modulou os efeitos da decisão, a fim de que passe a surtir efeitos após o prazo de 24 meses a contar da publicação da ata de julgamento.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
É constitucional — pois inserida dentro da competência comum dos entes federados para proteger documentos, obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, monumentos, paisagens naturais notáveis e sítios arqueológicos (CF/1988, art. 23, III), e da competência concorrente para legislar sobre esses temas (CF/1988, art. 24, VII) — a instituição, pela Lei fluminense 5.198/2008, de feriado comemorativo do “Dia de São Jorge”.
ADI 4.092/RJ, relator Ministro Nunes Marques, redator do acórdão Ministro Edson Fachin, julgamento virtual finalizado em 25.8.2023 (Info 1105)
A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) ajuizou as ADIs 4091 e 4092 no STF, questionando leis estaduais do Rio de Janeiro que criaram feriados consagrados à Consciência Negra e a São Jorge.
Trata-se das leis 4.007/2002, que instituiu o dia 20 de novembro, data do aniversário de Zumbi dos Palmares e Dia Nacional da Consciência Negra, como feriado estadual, sancionada pela então governadora Benedita da Silva (PT), e da Lei 5.198/2008, que institui como feriado estadual o dia 23 de abril, “Dia de São Jorge”, sancionada pelo governador fluminense, Sérgio Cabral Filho (PMDB).
Sustenta que a lei não encontra amparo na Constituição Federal nem na Lei 9.093/1995, que disciplina a matéria. Defende ainda que legislar sobre direito do trabalho seria de competência privativa da União. Segundo a Confederação, nessa prerrogativa privativa estaria implícita, também, a competência para decretar feriados, já que eles afetam a relação laboral entre trabalhadores e patrões.
Lei federal 9.043/1995: “Art. 1º São feriados civis: I – os declarados em lei federal; II – a data magna do Estado fixada em lei estadual. III – os dias do início e do término do ano do centenário de fundação do Município, fixados em lei municipal. (Inciso incluído pela Lei nº 9.335, de 10.12.1996) Art. 2º São feriados religiosos os dias de guarda, declarados em lei municipal, de acordo com a tradição local e em número não superior a quatro, neste incluída a Sexta-Feira da Paixão. Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 4º Revogam-se as disposições em contrário, especialmente o art. 11 da Lei nº 605, de 5 de janeiro de 1949.
R: Aparentemente, SIM!!!
A Lei federal 9.043/1995, que dispõe sobre feriados, não restringe a competência legislativa dos estados e dos municípios apenas para os casos que elenca nem afasta o exercício de proteção dos bens históricos-culturais imateriais pelos entes federados.
Na espécie, Estado do Rio de Janeiro, nos moldes da proteção visada pela norma, justificou a instituição de feriado de alta significação étnica ao demonstrar a relevância religiosa e cultural do santo católico São Jorge. Assim, na linha de compreensão do federalismo cooperativo e consoante a atual jurisprudência do STF, deve ser reconhecida a legitimidade das razões invocadas pelo Poder Público estadual.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou improcedente a ação para declarar a constitucionalidade da Lei 5.198/2008 do Estado do Rio de Janeiro.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
É inconstitucional — por invadir a competência da União exclusiva para manter o serviço postal e privativa para legislar sobre a matéria (CF/1988, arts. 21, X; e 22, V) — lei estadual que proíbe a entrega, em caixas postais comunitárias, das correspondências que se enquadram como carta, cartão-postal e correspondência agrupada.
ADI 3.081/RJ, relator Ministro Nunes Marques, julgamento virtual finalizado em 25.8.2023 (Info 1105)
O então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, ajuizou a ADI 3081, no STF contra a Lei estadual 3.477/00 do Rio de Janeiro. A norma dispõe sobre a proibição de implantação de caixas postais comunitárias.
A Lei fluminense diz que o Poder Público garantirá a todos os cidadãos do estado condições de acesso e de prestação de serviços postais. Estabelece, entre outros pontos, que caixas postais comunitárias eventualmente instaladas deverão ser substituídas por carteiros, para que a entrega da correspondência seja domiciliar.
CF/1988: “Art. 21. Compete à União: (…) X – manter o serviço postal e o correio aéreo nacional; (…) Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (…) V – serviço postal;”
(2) Lei 6.538/1978: “Art. 9º – São exploradas pela União, em regime de monopólio, as seguintes atividades postais: I – recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de carta e cartão-postal; II – recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de correspondência agrupada: III – fabricação, emissão de selos e de outras fórmulas de franqueamento postal. § 1º – Dependem de prévia e expressa autorização da empresa exploradora do serviço postal; a) venda de selos e outras fórmulas de franqueamento postal; b) fabricação, importação e utilização de máquinas de franquear correspondência, bem como de matrizes para estampagem de selo ou carimbo postal. § 2º – Não se incluem no regime de monopólio: a) transporte de carta ou cartão-postal, efetuado entre dependências da mesma pessoa jurídica, em negócios de sua economia, por meios próprios, sem intermediação comercial; b) transporte e entrega de carta e cartão-postal; executados eventualmente e sem fins lucrativos, na forma definida em regulamento.”
R: Yeap!!!!
A União, no exercício de sua competência privativa para legislar sobre o serviço postal, disciplinou a entrega de correspondências em caixas postais comunitárias e não autorizou os estados e o Distrito Federal a normatizarem eventuais questões específicas que tratem do tema.
O serviço postal prestado como prerrogativa exclusiva do ente central é constituído pelas atividades previstas na Lei 6.538/1978, e se restringe aos conceitos de carta, cartão-postal, impresso, cecograma, pequena-encomenda e correspondência agrupada.
É inconstitucional lei estadual que — em contrariedade ao que dispõe a legislação federal que trata da matéria e sem demonstrar interesse particular ou justificativa objetiva e precisa do respectivo ente federativo — proíbe a postagem, em caixas postais comunitárias, de boletos de pagamento alusivos a serviços prestados por empresas públicas e privadas.
Com relação aos boletos de pagamento, o STF reconhece a competência normativa concorrente dos estados e do Distrito Federal para regular a sua postagem — com fundamento na proteção do consumidor (CF/1988, art. 24, VIII) —, a qual admite tanto a suplementação ou repetição das normas gerais quanto a criação de regime jurídico.
Contudo, inexiste, na lei impugnada, referência explícita da situação concreta ou do interesse particular local que legitime o surgimento de regime específico, discrepante do modelo federal, para as caixas postais comunitárias no estado.
Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da Lei 3.477/2000 do Estado do Rio de Janeiro.
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL
As guardas municipais são reconhecidamente órgãos de segurança pública e aquelas devidamente criadas e instituídas integram o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP).
ADPF 995/DF, relator Ministro Alexandre de Moraes, julgamento virtual finalizado em 25.8.2023 (Info 1105)
Na ADPF 995, a Associação das Guardas Municipais do Brasil (AGMB) defende que as guardas municipais se inserem no sistema de segurança pública, mas diversas decisões judiciais não reconhecem essa situação, o que afetaria o exercício das atribuições do órgão e comprometeria a segurança jurídica.
Lei 13.022/2014: “Art. 4º É competência geral das guardas municipais a proteção de bens, serviços, logradouros públicos municipais e instalações do Município. Parágrafo único. Os bens mencionados no caput abrangem os de uso comum, os de uso especial e os dominiais.”
Lei 13.675/2018: “Art. 9º É instituído o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), que tem como órgão central o Ministério Extraordinário da Segurança Pública e é integrado pelos órgãos de que trata o art. 144 da Constituição Federal, pelos agentes penitenciários, pelas guardas municipais e pelos demais integrantes estratégicos e operacionais, que atuarão nos limites de suas competências, de forma cooperativa, sistêmica e harmônica. § 1º São integrantes estratégicos do Susp: I – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por intermédio dos respectivos Poderes Executivos; II – os Conselhos de Segurança Pública e Defesa Social dos três entes federados. § 2º São integrantes operacionais do Susp: I – polícia federal; II – polícia rodoviária federal; III – (VETADO); IV – polícias civis; V – polícias militares; VI – corpos de bombeiros militares; VII – guardas municipais; VIII – órgãos do sistema penitenciário; IX – (VETADO); X – institutos oficiais de criminalística, medicina legal e identificação; XI – Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp); XII – secretarias estaduais de segurança pública ou congêneres; XIII – Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sedec); XIV – Secretaria Nacional de Política Sobre Drogas (Senad); XV – agentes de trânsito; XVI – guarda portuária. XVII – polícia legislativa, prevista no § 3º do art. 27, no inciso IV do caput do art. 51 e no inciso XIII do caput do art. 52 da Constituição Federal. (Incluído pela Lei nº 14.531, de 2023) § 3º (VETADO). § 4º Os sistemas estaduais, distrital e municipais serão responsáveis pela implementação dos respectivos programas, ações e projetos de segurança pública, com liberdade de organização e funcionamento, respeitado o disposto nesta Lei.
R: Sim sinhô!!
O deslocamento topográfico da disciplina das guardas municipais no texto constitucional não implica a sua desconfiguração como agentes de segurança pública, de modo que não prevalece o argumento acerca de sua simples ausência em pretenso rol taxativo do art. 144 da CF/1988.
Nos termos da jurisprudência do STF, as guardas municipais, sob o aspecto material, exercem atividade típica de segurança pública, consubstanciada na proteção de bens, serviços e instalações municipais (CF/1988, art. 144, § 8º), e que se afigura essencial ao atendimento de necessidades inadiáveis da comunidade (CF/1988, art. 9º, § 1º).
Ademais, o Congresso Nacional, no exercício de sua legítima competência legislativa (CF/1988, art. 144, § 7º), editou a Lei 13.675/2018 e colocou as guardas municipais como integrantes operacionais do SUSP (art. 9º, § 1º, inciso VII). Já a Lei 13.022/2014, que dispõe sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais, prevê diversas atribuições que são inerentes a agentes de segurança pública.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, converteu o julgamento da medida cautelar em julgamento definitivo de mérito e julgou procedente a arguição para , nos termos do artigo 144, § 8º, da CF/1988, conceder interpretação conforme a Constituição ao artigo 4º da Lei 13.022/2014 e ao artigo 9º da Lei 13.675/2013 , de modo a declarar inconstitucionais todas as interpretações judiciais que excluem as guardas municipais, devidamente criadas e instituídas, como integrantes do Sistema de Segurança Pública.
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL
É inconstitucional — por contrariar os princípios da dignidade da pessoa humana (CF/1988, art. 1º, III), da proteção à vida (CF/1988, art. 5º, “caput”) e da igualdade de gênero (CF/1988, art. 5º, I) — o uso da tese da “legítima defesa da honra” em crimes de feminicídio ou de agressão contra mulheres, seja no curso do processo penal (fase pré-processual ou processual), seja no âmbito de julgamento no Tribunal do Júri.
ADPF 779/DF, relator Ministro Dias Toffoli, julgamento finalizado em 1º.8.2023 (Info 1105)
O Partido Democrático Trabalhista (PDT) ajuizou a ADPF 995 por meio da qual contesta o uso da tese de legítima defesa da honra em crimes de feminicídio. Na ação, o autor argumenta que há decisões de Tribunais de Justiça que ora validam, ora anulam vereditos do Tribunal do Júri em que se absolvem réus processados pela prática de feminicídio com fundamento na tese. O partido apontou, também, divergências de entendimento entre o Supremo e o Superior Tribunal de Justiça (STJ).
CP/1940: “Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) (…) II – em legítima defesa; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) (…) Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)”
CPP/1941: “Art. 65. Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.”
CPP/1941: “Art. 483. Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre: (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008) (…) III – se o acusado deve ser absolvido; (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) (…) § 2º Respondidos afirmativamente por mais de 3 (três) jurados os quesitos relativos aos incisos I e II do caput deste artigo será formulado quesito com a seguinte redação: (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) O jurado absolve o acusado?”
R: Era só o que faltava…
A técnica jurídica não reconhece essa tese como uma das hipóteses excludentes de ilicitude (CP/1940, arts. 23, II, e 25), eis que o ordenamento jurídico prevê que a emoção e a paixão não excluem a imputabilidade penal (CP/1940, art. 28, I).
No Tribunal do Júri, a referida tese é usualmente suscitada, dada a prevalência da plenitude da defesa (CF/1988, art. 5º, XXXVIII), a qual admite a apresentação de argumentos extrajurídicos. Todavia, a “legítima defesa da honra” configura recurso argumentativo odioso, desumano e cruel utilizado pelas defesas de acusados de feminicídio ou agressões contra mulheres para imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes ou lesões, contribuindo para a naturalização e a perpetuação da cultura de violência contra as mulheres no País.
Logo, independentemente de ser invocado como argumento não jurídico inerente à plenitude da defesa, o uso da referida tese induz à nulidade do respectivo ato e do julgamento, porque representa prática destituída de técnica e incompatível com os objetivos fundamentais da República (CF/1988, art. 3º, I e IV), além de ofensiva à dignidade da pessoa humana, à vedação de discriminação e aos direitos à igualdade e à vida.
Nesse contexto, a ordem constitucional vigente impõe ao Estado não somente a obrigação de criar mecanismos para coibir o feminicídio e a violência doméstica, mas o dever de não ser conivente e de não estimular tais comportamentos (CF/1988, art. 226, § 8º).
Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou procedente a arguição para: (i) firmar o entendimento de que a tese da “legítima defesa da honra” é inconstitucional, por contrariar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero; (ii) conferir interpretação conforme a Constituição aos arts. 23, II, e 25, caput e parágrafo único, ambos do Código Penal, e ao art. 65 do Código de Processo Penal, de modo a excluir a legítima defesa da honra do âmbito do instituto da legítima defesa e, por consequência, (iii) obstar à defesa, à acusação, à autoridade policial e ao juízo que utilizem, direta ou indiretamente, a tese de “legítima defesa da honra” (ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases pré-processual ou processual penais, bem como durante o julgamento perante o Tribunal do Júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento; (iv) diante da impossibilidade de o acusado beneficiar-se da própria torpeza, fica vedado o reconhecimento da nulidade, na hipótese de a defesa ter-se utilizado da tese com esta finalidade; e (v) conferir interpretação conforme a Constituição ao art. 483, III, § 2º, do Código de Processo Penal, para entender que não fere a soberania dos vereditos do Tribunal do Júri o provimento de apelação que anule a absolvição fundada em quesito genérico, quando, de algum modo, possa implicar a repristinação da odiosa tese da “legítima defesa da honra”.
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