Este artigo se destina a expor aspectos sobre as imunidades subjetivas políticas no artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal de 1988 (CF/88), ) e, como a jurisprudência foi delineando e redefinindo seus respectivos alcance e limites. Neste dispositivo específico são elencadas algumas situações que estabelecem a imunidade subjetiva da cobrança de impostos.
A imunidade tributária de impostos é uma situação que impõe uma impossibilidade de os entes federativos de tributarem por impostos determinadas situações, que podem ser em função das pessoas escolhidas (subjetivas), como por exemplo os entes federativos (União, Estados e Municípios) e das funções que possuem ou atividades que exercem (objetivas), sendo outro exemplo os livros.
Quando se menciona imunidades subjetivas, no texto constitucional, no artigo 150, inciso VI, existem três: as imunidades recíprocas (alínea “a”), a religiosa (alínea “b”) e de outras pessoas jurídicas na alínea “c”. A primeira delas se deu em função da natureza do próprio pacto federativo e segunda, por uma escolha política visando a liberdade religiosa. Há uma terceira imunidade subjetiva que é também consagrada, no “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
VI – instituir impostos sobre: (…)
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;”
Esta terceira imunidade subjetiva, por fim, também se trata de uma escolha política – para proteger determinadas pessoas jurídicas em atividades que, na visão do constituinte originário, asseguram prestações que asseguram um regime plenamente democrático. Tais atividades normalmente são de cunho social. De uma forma sucinta, é possível perceber que o constituinte originário compreendeu que estas pessoas podem realizar estas ações de forma mais efetiva.
Partidos políticos e suas fundações normalmente exercem papel na promoção do debate público, realizando estudos, pesquisas, auxiliando juridicamente populações necessitadas, em várias situações que podem interligar o cidadão ao político, seja ele um representante do executivo (alguém que possua trânsito em comunidades locais no sentido de organizar iniciativas para atender demandas assistenciais), ou um membro do legislativo, quando o mesmo busca entender demandas legislativas e converter tais demandas em projetos de lei.
Entidades sindicais de trabalhadores, apesar de fundamentalmente se tratar de entidades de filiação que cuidam eminentemente dos interesses de seus trabalhadores e categorias associadas, possuem capacidade de mobilização considerável em situações que envolvam problemas locais, que podem se originar no próprio ambiente de trabalho ou fora dele. O trabalho também é uma faceta de expressão econômica, o que pode fazer com que discussões locais possam extrapolar uma determinada empresa – muitas vezes saindo de uma discussão local, ganhando abrangência regional e até nacional.
Instituições de educação, por uma questão parecida com os sindicatos dos trabalhadores, possuem uma capacidade de mobilização quase tão relevante quanto. Elas cuidam principalmente dos estudantes, uma categoria em formação que irá assumir o comando da sociedade num futuro próximo. Inclusive por serem mais um elo de ligação com a família, são consideradas mais um local onde a discussão de políticas públicas acontece. Adicionalmente, as instituições atuam de maneira complementar à atuação estatal, possibilitando que o estado passe a focar a universalização do ensino a populações mais necessitadas. Além destas instituições serem originariamente o local onde se realizam votações eleitorais, também são locais onde outras atividades comunitárias podem ser estabelecidas, como coleta de lixo reciclável, campanhas de esclarecimentos sobre temas atuais, como saúde, crime, violência e conscientização sobre quaisquer outros temas relevantes contemporâneos.
As entidades de assistência social são empreendimentos direcionados a aplacar situações de miséria, penúria, estados de necessidade que tiram parcelas da população da rede de atendimento público formal – a rede social do estado. Estas pessoas, muitas vezes pobres, necessitadas e até mesmo indigentes estão numa situação em que estão fora do sistema social de atendimento público, à deriva, à margem deste dito sistema. Estas instituições realizam importante papel caritativo, resgatando a dignidade da pessoa humana.
Desta maneira, todas estas pessoas jurídicas representam uma última escolha do constituinte originário da CF/88, em que se concede esta imunidade sob duas condições: que as mesmas sejam sem fins lucrativos e que atendam aos requisitos da lei. O primeiro requisito é mais claro, ficando mais evidente à medida que estas entidades apliquem integralmente suas receitas no atingimento de suas atividades essenciais. O segundo requisito remete a leis que regulem de que maneira estas entidades deveriam funcionar. O comando é aberto, não estabelecendo qual espécie de lei (ordinária ou complementar) e quantas leis seriam necessárias (ou se para cada entidade seria uma lei específica). O que fica, sim, cristalino é o conceito de que estas imunidades da alínea “c” são, desde que foram instituídas, condicionadas.
De forma sintética, estas instituições são reconhecidas como necessárias ao pleno exercício da democracia brasileira, de maneira que o constituinte originário, por uma escolha política, buscou estender imunidade de impostos a elas, desde que algumas condições fossem observadas. Parte destas condições está exposta na lei 5.172/66, o Código Tributário Nacional (CTN), em seu art. 14: “O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º (as mesmas entidades, grifo nosso) é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:
I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título;
II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;
III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.”
Entretanto, com o passar dos anos, houve o advento de diversas situações que colocaram em dúvida se essas imunidades subjetivas e políticas ainda se justificava, sendo objeto de várias ações judiciais, assim formando a jurisprudência existente.
Existem várias situações que podem indicar uma atividade econômica exercida por qualquer uma destas entidades. Uma questão inicial que envolve as entidades de educação e de assistência social sem fins lucrativos é sobre o sentido da expressão “atendidos os requisitos da lei”, na carta constitucional. Uma das dúvidas cogitadas é a seguinte? Qual espécie de lei? Ordinária ou complementar? Em um entendimento duplo, o Supremo identificou os dois tipos.
Enquanto se determina a fixação de normas sobre a constituição e funcionamento da entidade imune, seja ela entidade de assistência ou educacional, cabe discutir isso por lei ordinária. Quando se fala limites e contornos do gozo da imunidade, o veículo adequado a este ponto é a lei complementar, sendo que, enquanto esta lei complementar não existir para qualquer uma destas entidades, o diploma legal e ser utilizado é o CTN – que foi editado como lei ordinária, mas foi recepcionado pela CF/88 como lei complementar.
*Em julgamento recente, no Informativo STF 964, registrou-se uma mudança, no sentido de que “A lei complementar é forma exigível para a definição do modo beneficente de atuação das entidades de assistência social contempladas pelo art. 195, § 7º, da CF, especialmente no que se refere à instituição de contrapartidas a serem por elas observadas.
Houve o julgado em que se questionou se o aluguel de imóvel de propriedade de entidade de assistência social afastaria a imunidade ao IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), ao que o STF entendeu que não. O Supremo também já foi indagado sobre ISS que incidiria sobre os valores cobrados por um estacionamento de veículos no pátio interno de outra instituição de assistência social. Em ambas as situações, o egrégio tribunal entendeu que a imunidade abrange estas duas situações. O pressuposto é de que as rendas oriundas desta exploração sejam utilizadas em suas atividades essenciais.
Seguindo na problemática da locação de imóveis, houve mais casos trazidos para a apreciação do egrégio tribunal. Em um deles se pleiteava a cobrança de IPTU pelo fato de o imóvel estar sendo utilizado como escritório e residência de membros de uma entidade de assistência social. O Supremo rechaçou a cobrança, por entender que essa circunstância não afasta a imunidade. Neste caso, a jurisprudência compreendeu que se mantém a imunidade subjetiva.
Ainda neste tópico, ocorreu a judicialização de um pleito de incidência de IPTU sobre um terreno vago (baldio) de propriedade de uma entidade de assistência social, sendo o argumento utilizado de que a entidade não estaria atendendo a suas finalidades essenciais. O STF entendeu que, em que pese não estar havendo a utilização da propriedade, a constatação de que o imóvel está vago ou sem edificação não é suficiente para destituir a imunidade: essa não utilização temporária deflagra uma neutralidade que não atenta contra os requisitos que autorizaram a imunidade – ou seja, a jurisprudência do Supremo tem dado interpretação ampla e finalística a essa imunidade subjetiva. Neste caso, o egrégio tribunal tem compreendido também que a presunção da aplicação das rendas opera em favor da entidade, cabendo à administração tributária comprovar que a entidade não estaria cumprindo os requisitos para usufruir a imunidade. Este entendimento acabou sedimentado na Súmula Vinculante STF 52: “Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, “c”, da Constituição Federal, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades para as quais tais entidades foram constituídas.”
Existem também situações em que as entidades de assistência social produzem mercadorias, as quais são vendidas para o custeio de suas atividades. O STF já decidiu que sobre estas mercadorias produzidas pela entidade (um exemplo disso é o artesanato, mas pode haver um caráter de produção, manufatureiro) não incide ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), pois a estas atividades se aplica a imunidade. Em um caso não muito diferente, o tribunal constitucional decidiu pela imunidade de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) sobre a importação de bolsas de coleta de sangue por outra entidade assistencial.
Entretanto, pode ocorrer situações em que a imunidade não se aplica às entidades assistenciais, sendo um exemplo quando estas entidades prestam serviços aos Correios como agências franqueadas. O egrégio tribunal possui o entendimento de que não configura a imunidade, porque esta atividade prestada por essas entidades à ECT foge dos fins assistenciais da entidade, adentrando a área de atividade econômica em sentido estrito. Neste caso concreto, a jurisprudência afastou a imunidade subjetiva da entidade.
Questão interessante trazida no bojo das entidades de assistência social são as entidades fechadas de previdência privada. Com base nas atividades prestadas aos seus beneficiários, elas buscavam o reconhecimento como entidades de assistência social. Ao analisar o caso, o Supremo registrou que o serviço prestado por essas entidades não é assistencial, sendo uma contraprestação aos valores cobrados de seus associados; portanto, não cabe a equiparação. Entretanto, se a entidade não cobrar contribuições para seu custeio, pode ser configurada a imunidade subjetiva, conforme ficou asseverado na jurisprudência, pela Súmula STF 732: “A imunidade tributária conferida a instituições de assistência social sem fins lucrativos pelo art. 150, VI, c, da Constituição, somente alcança as entidades fechadas de previdência social privada se não houver contribuição dos beneficiários.”
Uma última situação se refere a requisitos para uma entidade enquadrar-se como entidade de assistência social. O entendimento tradicional dos tribunais superiores tem sido, no que se refere ao enquadramento, que uma vez que a entidade se enquadre como entidade de assistência social sem fins lucrativos, não cabe ao poder executivo, em deliberações de índole administrativa tentar restringir o alcance de sua imunidade. Afinal de contas, tal restrição só poderia ser estabelecida por meio de lei. E falando em lei….
A lei 12.101/2009, que regulamentou regras de constituição e funcionamento dessas entidades estabeleceu a emissão de um certificado que confirma que a entidade se enquadra, o CEBAS (Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social), sendo que este certificado vale por um período limitado, devendo a entidade periodicamente demonstrar que atende aos requisitos para a renovação do certificado. Entidades judicializaram esta exigência, entendendo que isto fere o direito adquirido ao reconhecimento anterior a essa lei.
O Supremo entende que isso não procede, não havendo direito adquirido a estas entidades – sendo que não há violação à CF/88 a simples exigência legal da CEBAS e de sua renovação periódica. O tribunal constitucional entendeu que uma lei que institua requisitos legais para um certificado desta natureza não representa exigência desproporcional – pois é perfeitamente razoável que uma lei estipule condições para o reconhecimento de uma entidade como sendo de assistência social.
Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) confere à CEBAS natureza declaratória e não constitutiva. Para exemplificar: o que a jurisprudência afirmou é que, se uma entidade já existia em 2018 e adquiriu a CEBAS em 2020, isso não quer dizer que passou a ser imune em 2020, mas que já possuía imunidade subjetiva em 2018, sendo que, se esta entidade, por meio de uma perícia contábil, provar que atende aos requisitos da CF/88, ela terá direito à imunidade tributária – mesmo que ela não possua sua CEBAS.
Sobre as entidades de educação, o STF indeferiu a cobrança de ISS sobre os valores cobrados em ingressos de cinema do Serviço Social do Comércio (SESC). Da mesma maneira, o Supremo entende em sede de jurisprudência que as escolas de ensino profissionalizante, do sistema “S”, como SENAC e SENAI, estão enquadradas no mesmo dispositivo constitucional (a alínea “c”, do inciso VI, art. 150, da CF/88), ou seja, também possuem imunidade subjetiva.
Até mesmo porque em julgado no tribunal guardião da constituição o SENAC teve o reconhecimento de sua imunidade como instituição de educação sem fins lucrativos, quanto à incidência de ITBI (Imposto sobre Transmissão Onerosa de Bens Imóveis Intervivos) na aquisição de imóvel para a construção de sua sede.
Em outro caso, o egrégio tribunal estendeu ao ensino de línguas estrangeiras a caracterização de atividade educacional, para efeito da aplicação da imunidade tributária.
Em outra ocasião, os rendimentos de aplicações financeiras por entidades de educação sem fins lucrativos foram compreendidos pelo Supremo como rendimentos imunes, sobre eles não incidindo o IOF.
Este texto buscou demonstrar as possíveis intenções sobre a ideia do constituinte originário ao conceder imunidade a determinadas instituições que foram consideradas essenciais ao desenvolvimento de uma sociedade democrática. No contexto da elaboração da CF/88, também denominada de constituição cidadã, é possível compreender tais escolhas como opções do legislador, no sentido de promover o debate, a discussão de ideias, em espectro amplo, bem como a ação social, em que vários esforços concorrem – e até mesmo cooperam – para levar o conceito de dignidade humana onde ele ainda não chegou.
Nas sociedades em que essa percepção notou uma lacuna no bem-estar social, a caridade e a filantropia foram sendo desenvolvidas, originando-se em um contexto tão somente prestacional, assistencial, em que o principal componente é dar – a um conceito mais complexo, como capacitar pessoas em situação de necessidade, para retirá-las de suas vulnerabilidades sociais e integrá-las ao mercado de trabalho e à sociedade de forma definitiva. Desta maneira, realiza-se um dos objetivos da constituição, o de reduzir as desigualdades sociais e regionais. O outro sentido é o de promover a integração ao trabalho dessa parcela desprovida de recursos.
Como, nesse processo, todas estas instituições – partidos políticos, fundações, sindicatos de trabalhadores, associações de assistência social e instituições de educação sem fins lucrativos – muitas vezes ligam os indivíduos à sociedade e vice-versa em atividades que muitas vezes assumem características de empreendimentos privados, faz-se necessária a análise, ponderando-se caso a caso, acerca de até em que medida tais meios atendem aos fins perseguidos na constituição.
Ricardo Pereira de Oliveira.
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