Este artigo busca explicar aspectos dos impostos e como a doutrina e jurisprudência têm auxiliado na melhor interpretação e aplicação destas características.
Para começar, nada como lembrar as bases do direito tributário atualmente no Brasil: a lei n.o 5.172/1966, que é o Código Tributário Nacional (CTN) e a Constituição Federal de 1988 (CF/88), além, é claro, de uma boa dose de doutrina em direito tributário. A doutrina é construída ao longo do tempo, por estudiosos, mestres, por intervenções inclusive da jurisprudência. A doutrina é elaboração e refinamento da teoria, construída ao longo do tempo, por estudiosos, mestres, por intervenções inclusive da jurisprudência. A doutrina é um processo de construção e reforma de teorias que são as bases do conhecimento em direito tributário.
A jurisprudência é o resultado da intervenção judiciária, em que partes interessadas se sentem prejudicadas por aspectos legais ou contratuais – ou mesmo questões que não foram ainda objeto destas mesmas leis. No ordenamento jurídico brasileiro, o sistema judiciário deve dar a última solução sobre, mesmo que a lei não tenha previsto a situação. Essa é a importância da jurisprudência: onde a lei ou contratos não satisfaçam as partes, é direito assegurado pedir a prestação judiciária sobre o problema. E o juiz é obrigado a dar essa resposta, ainda que a lei seja deficiente, ou mesmo que não haja lei a respeito.
Em outros dois textos anteriores, sobre taxas e depois sobre contribuições de melhoria, uma característica importante foi colocada como comum a estas duas espécies: a vinculação delas a um ato estatal, direta ou indiretamente. Como são tributos vinculados, são tributos que demonstram um fazer do Estado, um fato do Estado. Com impostos, a situação é diferente: o imposto é tributo cujo fato gerador é independente de qualquer atividade estatal específica relativa ao contribuinte, ou seja, imposto não é vinculado a um fazer estatal. Não é um ato do Estado, mas é um fato do contribuinte.
Desta maneira, é importante ressaltar que o imposto foi criado como uma cobrança estatal relativa a uma manifestação de riqueza do contribuinte. Trata-se de uma exigência que o Estado, através de seu poder imperial, impõe a determinadas pessoas (pelo menos as que manifestam esta dita riqueza), baseada em conceitos como solidariedade social e capacidade contributiva. Por esse motivo, não há que se falar em imposto rigorosamente igual, pois essa característica guarda relação com um custo estatal, que será desfrutado de forma igual a todos (como um serviço prestado e remunerado por taxa), ou a valorização decorrente de uma obra pública (que teve um custo a ser distribuído a todos).
O imposto possui este aspecto de ser um tributo unilateral, no sentido em que busca captar dos indivíduos valores para o tesouro público, para custear a estrutura estatal e serviços que não podem ser individualizados. Isso quer dizer que o Estado coleta uma parte da riqueza de determinados indivíduos (quais? Os que a possuem) valores que entrarão num somatório necessário para prover os serviços mínimos necessários à ordem para a coletividade.
Em geral estes serviços são serviços que a sociedade vê entregues por uma entidade (Estado) que mantém garantias mínimas de convivência em sociedade, como saúde (hospitais públicos, postos de saúde), segurança pública (polícia civil e militar, delegacias, tribunais), educação (escolas e universidades públicas), bem como a própria estrutura em si (representantes eleitos, como prefeitos, governadores, presidente, senadores, deputados, vereadores, etc.), e outras que a constituição e lei vigentes determinem como necessárias.
O CTN foi editado como uma lei de normas gerais sobre direito tributário que previa três espécies tributárias: impostos, taxas e contribuições de melhoria, sendo consagrada como uma lei da teoria tripartida ou tripartite. E cada um dos entes federativos tinha, em tese, a competência de tributar, ou seja, de criar estes tributos, dentro da área de suas respectivas competências.
A grosso modo, seria como dizer: em interesses locais, regem os municípios e eles impõem os tributos necessários para fazer o município funcionar, assim como nos assuntos regionais, os Estados, bem como os assuntos de caráter nacional cabem à União.
A CF/88 foi erigida e publicada mais de duas décadas depois, e, inicialmente, ela copiou o artigo 4.o do CTN, dando a entender que adotava a mesma teoria tripartida. Mas nesse ponto a nova constituição trouxe algumas novidades: trouxe a possibilidade de mais espécies tributárias, como os Empréstimos Compulsórios (art. 148) e as Contribuições Especiais (art. 149 – previdência social, intervenção no domínio econômico e no interesse das categorias profissionais ou econômicas).
O CTN foi publicado em 1966, como uma lei ordinária, sob uma constituição anterior, que não exigia outra espécie de lei para regular assuntos de lei que abrangessem o território nacional.
A CF/88 foi publicada em 1988 com uma importante alteração temática: qualquer assunto de interesse nacional deveria ser tratado, a partir de então, por uma lei mais rigorosa, a lei complementar. Assim, assuntos de caráter geral deveriam ser compreendidos neste tipo de lei que combina aspectos materiais (conteúdo) com formais (forma e quórum de aprovação – lei ordinária exige maioria simples, e lei complementar, maioria absoluta). A partir do momento em que a (então) nova CF/88 foi publicada, isso estava claro, mas e o CTN? Seria adequado considerar o CTN não mais válido?
Neste ponto está a primeira parte em que a jurisprudência atuou: na aplicação do direito constitucional em matéria de direito tributário. A tese admitida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) foi a tese da recepção do CTN, conforme ele estava. A despeito de ter sido publicada como lei ordinária, ou seja, o aspecto formal não estava conforme, o STF entendeu que o CTN trata de assunto de normas gerais, de relevância nacional – e assim ao menos o aspecto material estava atendido, pois esta lei de fato trata de assuntos gerais em direito tributário. Portanto, o STF entendeu que apesar de não ter sido publicado como lei complementar, seu conteúdo trata exatamente deste tema, sendo materialmente compatível com o novo ordenamento jurídico. E o CTN foi recepcionado como lei ordinária, mas com status de lei complementar.
Esta nova interpretação não mais foi calcada na teoria tripartite, sendo modificada, na jurisprudência do STF, para uma versão pentapartite ou pentapartida. Nesta teoria os tributos seriam assim elencados: Impostos, Taxas, Contribuições de Melhoria, Empréstimos Compulsórios e Contribuições Especiais – e aqui a jurisprudência emprestou novos significados para a doutrina do direito tributário.
Nesta nova configuração, a doutrina majoritária compreende que as competências dos impostos concedidas aos Estados, Distrito Federal e Municípios são taxativas, ou numerus clausus – ou seja, são três impostos cada, sem possibilidade de criar mais nenhum imposto, visão que tem sido compartilhada na visão da jurisprudência do Supremo. Por outro lado, a União, como pessoa jurídica de direito público que representa a República Federativa do Brasil, possui uma competência chamada de exemplificativa, ou numerus apertus, que abre a possibilidade de esta pessoa jurídica criar novos impostos, os chamados impostos residuais – desde que atendam três condições: sejam não-cumulativos, que tenham fatos geradores ou bases de cálculo diferentes dos já mencionados na constituição e que sejam instituídos por lei complementar.
Não há muita jurisprudência relevante no tocante a impostos sobre sua definição per se, ou seja, se o tributo em questão é imposto ou não – ressalva às jurisprudências referentes a cada imposto, que são inúmeras, mas não são o objeto deste artigo. Como a imposição tributária do imposto não tem relação com o Estado, pois o Estado é livre para criar qualquer tipo de imposto. Mas a CF/88 e o CTN conseguem limitar a capacidade de criar impostos dos entes federativos, bem como condicionar, no caso da competência de União, às situações extraordinárias ou requisitos especiais que indiquem possíveis a instituição de impostos residuais.
Os impostos hoje existentes estão assim elencados: na esfera federal existem o Imposto de Importação (II), Imposto de Exportação (IE), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF), Imposto sobre Propriedade Territorial Rural (ITR), e Imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza (IR), sendo que a União ainda pode criar os Impostos Residuais artigo 154, I), Impostos Extraordinários de Guerra (artigo 154, II) e o Imposto sobre Grandes Fortunas (artigo 153, VII) – este último, conforme a constituição, também só poderá ser criado por lei complementar.
No domínio dos Estados e Distrito Federal, os impostos existentes são: Imposto sobre transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos (ITCMD), Imposto sobre operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre prestações de Serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior (ICMS), e Imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA).
Quanto aos Municípios e Distrito Federal existem os seguintes impostos: Imposto sobre propriedade predial e territorial urbana (IPTU), Imposto sobre transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição (ITBI), e Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN).
A doutrina e jurisprudência tributárias têm compreendido que os impostos podem ser classificados de diversas formas: diretos ou indiretos, pessoais ou reais, fiscais ou extrafiscais, bases econômicas, capacidade contributiva (progressivos, proporcionais e fixos) e quanto à seletividade.
A repercussão econômica trata de quem vai pagar o imposto. Ele é direto se a imposição se dirige a uma pessoa determinada e não permite transferência desse ônus para ninguém mais; um bom exemplo de imposto real é o IPTU, esse recai sobre quem possui a propriedade, sem possibilidade de transferência. Um exemplo de imposto indireto são os impostos sobre consumo ou produção, como o ICMS ou o IPI: eles não incidem sobre uma pessoa somente, podendo ser transferidos ao longo de uma cadeia, seja ela de produção ou de consumo.
Quanto ao objeto de incidência, impostos pessoais incidem sobre fatos subjetivos, sobre pessoas. O Imposto de Renda é um imposto pessoal, pois incide sobre a pessoa. Impostos reais incidem sobre coisas, mas não pessoas, sendo exemplos disso o IPVA e o IPTU (ambos incidem sobre as propriedades, as coisas).
No que se refere à finalidade, os impostos são fiscais ou extrafiscais. São fiscais quando sua finalidade principal é a de arrecadação, como o ISSQN, o ICMS, e IR. Os extrafiscais possuem algumas finalidades adicionais como estimular ou coibir determinadas atividades dos agentes sociais ou econômicos, como o II, IE, IOF. Nesta classificação, o STF, em jurisprudência, e a doutrina já admitiram que os impostos não são totalmente fiscais ou extrafiscais – mas predominantemente um ou outro. Segundo o egrégio tribunal, não existem impostos “puramente fiscais” ou “puramente extrafiscais”.
A classificação em bases econômicas é uma classificação de quando o CTN foi instituído, pois previa os impostos por divisões econômicas:
Esta classificação de impostos possui pouco prestígio, uma vez que é datada, e não contribuiu tanto assim para a jurisprudência ou para a evolução da doutrina tributária.
A separação sobre capacidade contributiva em proporcionais, progressivos e fixos. Os impostos são tradicionalmente, em sua maioria, proporcionais, porque se referem a uma proporção do valor de base de cálculo, um percentual. Neste entendimento, se a expressão a se tributar é de 10%, é de 10% para todos, independentemente do valor que é a referência. Por exemplo: uma casa de 3 milhões de reais e uma casa de 30 mil reais irão ter, em uma transação imobiliária, considerando uma alíquota de 2%, valores de ITBI a recolher de, respectivamente, 60 mil reais e 600 reais. Isso é proporcionalidade.
A progressividade se refere à forma mais direta da capacidade contributiva. No exemplo anterior, dá para perceber que ambas as aquisições são muito diferentes, em termos de padrões de renda, certo? É por isso que a progressividade existe. O pressuposto dela é que o maior valor não seja tributado pelo mesmo percentual (ou alíquota), mas um percentual ou alíquota maior. Desta maneira, quem pode pagar mais efetivamente será mais cobrado em sua expressão econômica. O Imposto de Renda é progressivo: quem ganha mais paga mais (em valor e percentual – e só olhar a tabela das alíquotas de pessoa física). O IPTU possui previsão de alíquotas progressivas, para cobrar mais sobre a propriedade da maior expressão econômica.
Os impostos fixos são impostos que preveem uma situação que mostra o contrário disso: são impostos cujo peso seria insuportável a determinadas categorias econômicas. Um exemplo disso seria a previsão de alguns municípios de ISSQN fixo, por alguns profissionais, que exerçam suas atividades em caráter pessoal, em relativa e diminuta expressão econômica (contadores, manicures, cuidadores de idosos, etc.). No caso dos contadores, existe até mesmo essa previsão no Simples Nacional.
A seletividade se refere a uma característica que busca assegurar às pessoas, à coletividade, o acesso a bens indispensáveis a seu consumo, de forma a onerar menos os produtos ou mercadorias tanto mais eles sejam necessários ao consumo humano. Seria uma forma de concretizar uma capacidade contributiva de forma a tributar mais intensamente os produtos supérfluos ao consumo. Um exemplo disso é o IPI, que incide menos sobre um alimento de primeira necessidade (arroz, feijão) do que sobre um telefone celular, um ventilador, ou um aparelho de barbear. O ICMS também possui possibilidade de ser seletivo.
Dentro do ordenamento jurídico brasileiro existem várias espécies tributárias. Como uma forma de compreender melhor este complexo sistema, faz-se necessário compreender não somente como funcionam os tributos vinculados, como taxas e contribuições de melhoria, mas também os impostos.
Os impostos demonstram uma faceta do Estado, que, com seu poder de império, força seus contribuintes a distribuir uma parcela de sua riqueza. Esse contrato social foi consagrado durante séculos (vide “O Leviatã”, de Thomas Hobbes), mas é importante entender suas origens, suas aplicabilidades e até mesmo suas finalidades. Como uma expressão do poder estatal, para os políticos e servidores, representa também oportunidade de melhorar sua atratividade aos contribuintes que podem instalar empresas ou mesmo viver em seu espaço. E tais questões, sendo levantadas pela jurisprudência e posteriormente refinadas pela doutrina ajudam a lapidar características importantes dos impostos.
Do lado dos contribuintes, há sempre a análise econômica, pois quando se fala em atividades econômicas, impostos também representam custos empresariais. No que se refere a pessoas comuns, incentivos podem trazer mais contribuintes para aquecer a atividade econômica: mais pessoas significam mais consumo, mais serviços, mais benefícios em geral.
É fundamental equilibrar estes dois lados desta relação do direito tributário. Entender alguns conceitos como capacidade contributiva, seletividade, progressividade, podem auxiliar em planejamento econômico e incentivos. Desta forma experiências inadequadas podem ser evitadas, como um Imposto sobre Grandes Fortunas de alíquota muito alta, ou impostos indiretos muito altos, que podem causar fuga de capitais e pessoas; ao mesmo tempo, impostos muito baixos não sustentam as atividades estatais necessárias para manter uma cidade ou estado em um contexto de elevado influxo de pessoas ou empresas – e para isso acompanhar a jurisprudência e doutrina é vital.
Ricardo Pereira de Oliveira
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