Olá, pessoal, tudo bem?
Aqui é o Ricardo Vale, coordenador e professor do Estratégia Concursos. É sempre muito bom estar aqui com vocês!! :)
Hoje (02 de dezembro de 2015), o Presidente da Câmara dos Deputados acolheu o pedido de impeachment da Presidente Dilma Roussef. Sem dúvida alguma, esse passa a ser o grande tema do momento, gerando dúvidas em todos os brasileiros.
O objetivo desse artigo é justamente detalhar todos os aspectos do processo de impeachment, que ganha enorme relevância no universo jurídico. Para concursos públicos, me parece que o tema também deverá ser cada vez mais cobrado.
Ao longo do texto, abordaremos os seguintes tópicos:
1) Origem do Processo de Impeachment:
2) Natureza Jurídica do Impeachment:
3) Bases Constitucionais do Processo de Impeachment:
4) O processo de impeachment na legislação infraconstitucional:
5) Controle Jurisdicional no Processo de Impeachment:
6) Sucessão presidencial no Impeachment:
7) Autoridades sujeitas ao Processo de Impeachment:
Como se pode ver, são inúmeros os temas a serem abordados. Não poderia ser diferente, tamanha a importância desse instituto para o regime democrático.
….
1) Origem do Processo de Impeachment:
Ao contrário do que se pode imaginar, o impeachment não é instituto tipicamente brasileiro. Em nível internacional, as origens do impeachment remontam à Inglaterra; no Brasil, esse instituto está presente desde a Constituição de 1824.
Em suas origens inglesas, o impeachment representava uma acusação ao ministro do monarca, jamais ao monarca. De modo similar, a Constituição de 1824 (outorgada por Dom Pedro I) previa a responsabilização dos Ministros; deixava, assente, todavia, que a pessoa do imperador era sagrada e inviolável, não estando sujeita a responsabilidade alguma.
A Constituição dos EUA (1787) também previu o processo de impeachment, ao dispor que: “O Presidente, o Vice-Presidente e todos os funcionários civis dos Estados Unidos poderão ser destituídos dos respectivos cargos sob acusação e condenação por traição, suborno ou outros crimes e delitos”.
Embora tenha inspiração no modelo inglês, o impeachment nos EUA possui notórias diferenças:
a) Em um modelo republicano e democrático (como o dos EUA), nem mesmo o Presidente da República está imune à responsabilização. Na Inglaterra, a figura do monarca era inatingível pelo processo de impeachment.
b) Na Inglaterra, o impeachment possuía objeto e finalidades diferentes do modelo americano. Lá, buscava-se atingir a autoridade e a pessoa: o ministro do monarca era destituído do cargo e poderia até mesmo ser condenado à morte. Nos EUA, o impeachment buscava atingir apenas a autoridade, destituindo-a do cargo. A natureza do impeachment nos EUA assumiu, portanto, feição eminentemente política.
c) Na Inglaterra, o impeachment foi aplicado desde o século XIII até o século XVIII. Depois, caiu em desuso. Pelo fato de a Inglaterra adotar um sistema parlamentarista, a perda de apoio parlamentar leva à “queda do gabinete”, que é uma fórmula muito mais simples do que o impeachment.
2) Natureza Jurídica do Impeachment:
No Brasil, não há unanimidade doutrinária a respeito da natureza jurídica do impeachment. Entretanto, a doutrina majoritária considera que trata-se de instituto de natureza essencialmente política, uma vez que as infrações que dão origem ao processo de impeachment têm natureza político-administrativa.
3) Bases Constitucionais do Processo de Impeachment:
A Constituição Federal prevê que o Presidente da República poderá ser responsabilizado pela prática de crimes de responsabilidade.
Os crimes de responsabilidade são infrações político-administrativas cometidas pelo Presidente da República no exercício do cargo. Vejamos o que dispõe o art. 85, CF/88:
O art. 85 define genericamente, em lista meramente exemplificativa, os atos considerados crime de responsabilidade. É necessário lei especial para tipificar essas condutas e estabelecer normas de processo e julgamento.
A Constituição Federal estabelece que o processo de crime de responsabilidade se divide em duas fases:
a) o juízo de admissibilidade político, que ocorrerá perante a Câmara dos Deputados.
b) o processo e julgamento, que cabe ao Senado Federal.
O juízo de admissibilidade político pela Câmara dos Deputados depende do voto aberto de 2/3 dos membros. Se a acusação for admitida pela Câmara dos Deputados (em votação nominal, por 2/3 dos seus membros), o processo será remetido ao Senado Federal, a fim de que este órgão processe e julgue o Presidente.
Ao Senado Federal, não cabe decidir se irá ou não instaurar o processo; ele está vinculado ao juízo de admissibilidade da Câmara dos Deputados, devendo instaurar o processo contra o Presidente. O Senado Federal irá, então, atuar como verdadeiro “Tribunal político”, sendo presidido pelo Presidente do STF.
Após a instauração do processo pelo Senado Federal, o Presidente ficará suspenso de suas funções; ele só retornará ao exercício da presidência se absolvido ou se, decorridos 180 dias, o julgamento não tiver sido concluído. Nesse último caso, cessará o afastamento do Presidente, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo.
A condenação do Presidente pelo Senado Federal depende do voto aberto (nominal) de 2/3 dos seus membros. Segundo o Prof. Alexandre de Moraes, “a votação ostensiva e nominal no julgamento dos agentes políticos é a única forma condizente com os princípios da soberania popular e da publicidade”.[1]
Uma vez condenado por crime de responsabilidade, não haverá qualquer pena privativa de liberdade imposta ao Presidente da República. As penalidades aplicadas serão duas: i) perda do cargo e; ii) inabilitação, por 8 (oito) anos, para o exercício de função pública. Destaque-se que essa inabilitação vale para toda e qualquer função pública, sejam aquelas obtidas mediante aprovação em concurso público, cargos comissionados ou mandatos eletivos.
Na história brasileira, há o conhecido episódio do “impeachment” do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Tendo sido instaurado o processo no Senado Federal, Collor renunciou ao cargo, objetivando esquivar-se da penalidade de inabilitação por 8 (oito) anos para o exercício de função pública.
Em tese, a renúncia paralisaria o processo de “impeachment”. O Senado Federal, todavia, entendeu de forma diversa e continuou o julgamento, aplicando a pena de inabilitação para o exercício de função pública. Chamado a apreciar a questão, o STF referendou o entendimento do Senado Federal e decidiu que “a renúncia ao cargo, apresentada na sessão de julgamento, quando já iniciado este, não paralisa o processo de impeachment”.[2]
4) O processo de impeachment na legislação infraconstitucional:
4.1) Introdução:
Os crimes de responsabilidade, bem como suas normas de processo e julgamento, devem ser definidos em lei especial. Pelo fato de a União ter competência privativa para legislar sobre direito penal, essa lei deverá ser federal. Esse é o entendimento do STF, que inclusive consta em Súmula Vinculante:
Súmula Vinculante nº 46: A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento são da competência legislativa privativa da União.
Atualmente, os crimes de responsabilidade do Presidente da República são definidos pela Lei nº 1.079/50, que foi recepcionada pela Constituição Federal. Conforme veremos mais à frente, esta lei também regula os crimes de responsabilidade dos Ministros de Estado, Ministros do STF, Procurador-Geral da República, Governadores e Secretários de Estado. No momento, porém, o nosso foco será abordar o processo dos crimes de responsabilidade do Presidente da República.
4.2) O processo na Câmara dos Deputados:
A Lei nº 1.079/50 prevê que, no processo de impeachment do Presidente da República, a denúncia por crime de responsabilidade deverá ser apresentada à Câmara dos Deputados. Segundo o art. 14, é permitido a qualquer cidadão denunciar o Presidente da República por crime de responsabilidade, perante a Câmara dos Deputados. Trata-se, portanto, de denúncia popular.
O Presidente da Câmara dos Deputados poderá, então, deferir ou indeferir o recebimento da denúncia. Em caso de indeferimento, caberá recurso ao Plenário. Uma vez recebida a denúncia, o Presidente da República será notificado para manifestar-se, querendo, no prazo de 10 (dez) sessões. O Regimento Interno da Câmara dos Deputados concede esse prazo com o objetivo de garantir o direito de defesa ao denunciado.
Após o recebimento da denúncia pelo Presidente da Câmara dos Deputados, é instaurada uma Comissão Especial, que irá se reunir dentro de 48 horas. A Comissão Especial deverá ser eleita, dela participando, observada a proporção, representantes de todos os partidos.
Segundo o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, a Comissão Especial emitirá parecer em 5 (cinco) sessões contadas do oferecimento da manifestação do acusado ou do término do prazo de 10 (dez) sessões concedido ao Presidente para se manifestar. O parecer da Comissão irá concluir pelo deferimento ou indeferimento do pedido de autorização.
Decorridas 48 (quarenta e oito) horas da publicação do parecer da Comissão Especial, será o mesmo incluído na Ordem do Dia da sessão seguinte. Encerrada a discussão do parecer, será o mesmo submetido a votação nominal, pelo processo de chamada dos Deputados. A instauração do processo contra o Presidente será admitida pelo voto de 2/3 dos membros da Câmara dos Deputados.
4.3) O processo no Senado Federal:
Após ser recebida no Senado a autorização para que o Presidente da República seja processado, esta será lida na hora do expediente da sessão seguinte. Nessa mesma sessão, será eleita comissão processante, constituída por 1/4 (um quarto) da composição do Senado, obedecida a proporcionalidade das representações partidárias ou dos blocos parlamentares, e que ficará responsável pelo processo.
A comissão encerrará seu trabalho com o fornecimento do libelo acusatório, que será anexado ao processo e entregue ao Presidente do Senado Federal, para remessa, em original, ao Presidente do Supremo Tribunal Federal, com a comunicação do dia designado para o julgamento
A condenação do Presidente por crime de responsabilidade será feita pelo voto aberto de 2/3 dos membros do Senado Federal. Na sessão de julgamento do Presidente da República, o Senado será presidido pelo Presidente do STF.
5) Controle Jurisdicional no Processo de Impeachment:
No impeachment do Presidente Fernando Collor de Mello, foi impetrado mandado de segurança no STF alegando que houve violação ao direito líquido e certo ao devido processo legal e à ampla defesa. Além disso, discutiu-se acerca da recusa em se declarar o impedimento e suspeição de Senadores no processo de impeachment.
Ao apreciar o mandado de segurança, o STF deixou claro que não é cabível recurso contra o mérito da decisão do Senado Federal no processo de “impeachment”.[3] Entretanto, o STF afirmou que, no processo constitucional de “impeachment”, devem ser assegurados os princípios do devido processo legal, dentre eles o contraditório, a ampla defesa e a fundamentação das decisões. Assim, é cabível controle jurisdicional quanto aos aspectos processuais (formais) no processo de “impeachment”.
Além disso, o STF decidiu que, no processo de impeachment, não se aplicam aos Senadores as regras de impedimento e suspeição previstas no Código de Processo Penal.[4] Isso porque o Senado é um órgão político, não se submetendo por completo às rígidas normas às quais estão sujeitos os órgãos do Poder Judiciário.
6) Sucessão Presidencial no Processo de Impeachment:
Muitas pessoas ainda têm dúvidas sobre esse tópico. No entanto, a solução é bem simples. Ao ser condenado por crime de responsabilidade, o Presidente da República será sucedido pelo Vice-Presidente da República, que irá governar até o término do mandato. Assim, concretizando-se o impeachment de Dilma Roussef, quem irá assumir é Michel Temer.
7) Autoridades sujeitas ao Processo de Impeachment:
Não é só o Presidente da República que pode ser responsabilizado por crimes de responsabilidade. Também podem ser responsabilizados politicamente as seguintes autoridades:
Vamos, agora, entender um pouco mais sobre o processo e julgamento do crime de responsabilidade cometido por essas autoridades! J
O processo por crime de responsabilidade do Vice-Presidente e dos Ministros de Estado (incluído aqui o Advogado-Geral da União!) segue o mesmo rito do processo aplicado ao Presidente da República. Haverá o juízo de admissibilidade político da Câmara dos Deputados e, depois, o julgamento pelo Senado Federal.
Já nos crimes de responsabilidade dos Ministros do STF e do Procurador-Geral da República, não há juízo de admissibilidade política pela Câmara dos Deputados. A denúncia será feita, diretamente, ao Senado Federal.
Os Governadores de Estado, por sua vez, são processados e julgados nos crimes de responsabilidade por um Tribunal Especial, composto por 5 (cinco) membros da Assembleia Legislativa e 5 (cinco) desembargadores do Tribunal de Justiça. Antes, porém, há necessidade do juízo de admissibilidade político da Assembleia Legislativa.
No que diz respeito aos crimes de responsabilidade praticados pelo Prefeito Municipal, é importante que os classifiquemos em próprios ou impróprios. Enquanto os primeiros são infrações político-administrativas (art. 4º, Decreto-lei 201/67), cuja sanção corresponde à perda do mandato e à suspensão dos direitos políticos, os segundos (art. 1º, Decreto-lei 201/67) são verdadeiras infrações penais, apenados com penas privativas de liberdade. Os crimes próprios deverão ser julgados pela Câmara Municipal, enquanto os crimes impróprios deverão ser julgados pelo Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara de Vereadores.
Por último, cabe fazer uma pergunta: os congressistas podem ser julgados por crime de responsabilidade?
O entendimento dominante é o de que os congressistas (Deputados e Senadores) não respondem por crime de responsabilidade. Eles somente podem ser processados e julgados por crimes comuns. Existe, todavia, a possibilidade de que a Casa Legislativa determine a perda de mandato do parlamentar por quebra de decoro parlamentar (art. 55, II, CF/88).
…
Então é isso, pessoal! Espero que tenham gostado do artigo e que ele tenha lhes auxiliado a entender melhor o processo de impeachment.
Abraços,
Ricardo Vale
“O segredo do sucesso é a constância no objetivo”.
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[1] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, 9ª edição. São Paulo Editora Atlas: 2010, pp. 1279.
[2] STF, MS 21.689-1/DF. Rel. Min. Carlos Velloso. 07.04.1995.
[3] STF, MS 21.689-1/DF. Rel. Min. Carlos Velloso. 07.04.1995.
[4] MS 21.623/DF. Rel. Min. Carlos Velloso, Julgamento em 17/12/1992.
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Muito bom professor!!!!
Muito bom.
Oi, professor, que bom que o senhor postou este artigo..Acabei de salvá-lo no meu not..vou ler amanhã no trabalho..Obrigada...
Excelente artigo professor. Parabéns.
Esclareceu tudo. Parabéns professor!
No período em que o Presidente fica suspenso de suas funções, o Vice- Presidente assume a presidência?
Bom dia professor, na sua opinião qual será o impacto disso na cenário dos concursos que ja estava prejudicado pela crsi no Brasil? Voce acha que algum(uns) concursos devem ocorrer ano que vem assim memso, quais? Abraços
Excelente, Ricardo!
Tenho cada vez mais orgulho de me preparar com uma equipe tão focada e comprometida com o aprendizado do aluno!
Professor Ricardo, obrigada pela pontualidade , dedicação e clareza com que são realizados os seus artigos e também ás suas aulas.
Excelente artigo professor..............claro e direto...........como sempre........Parabéns.........e que a Real Democracia seja restaurada com uma correta e legal tramitação político-administrativa e, conforme o caso, a efetiva prestação jurisdicional !