Olá meus amigos, tudo bem?
Eu sou Igor Maciel e hoje queria conversar com vocês sobre um tema que certamente estará na prova do seu próximo concurso: a responsabilidade da administração pública em demandas de saúde.
Deve o Estado fornecer medicamentos aos administrados? De que forma?
Vamos tentar discutir as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal, fazendo uma análise geral do tema.
Antes, porém, te convido a ver uma aula completa sobre o tema “Intervenção do Poder Judiciário em Políticas Públicas” que está disponível no seguinte link. Vídeo antigo, mas com um tema bastante atual =).
Vamos firmes!
Igor
O direito à saúde é assegurado pela Constituição Federal, nos artigos 196 a 200, no título referente à Ordem Social. Assim dispõem os artigos 196 e 197, CF/88:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
As normas, de natureza principiológica, estabelecem os fins a serem buscados pelo Estado ao máximo. Por ser intimamente ligado ao direito à vida e à dignidade da pessoa humana, o direito à saúde inclui-se também no rol de direitos fundamentais sociais, que compõem o mínimo existencial.
Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal, ao interpretar os artigos 5º, caput, e 196 da CF/88, consagrou o direito à saúde como consequência indissociável do direito à vida, assegurado a todas as pessoas (STF. 2ª Turma. ARE 685.230 AgR/MS, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 25/03/2013).
Com relação à dignidade da pessoa humana, Luís Roberto Barroso sintetiza, na dissertação de mestrado de Ana Paula de Barcellos, as seguintes conclusões da autora:
“a) os princípios, a despeito de sua indeterminação, possuem sempre um conteúdo básico;
b) no tocante ao princípio da dignidade da pessoa humana, esse núcleo é representado pelo mínimo existencial, conjunto de prestações materiais essenciais sem as quais o indivíduo se encontrará abaixo da linha da dignidade;
c) tal mínimo existencial deve ser dotado de eficácia jurídica positiva ou simétrica, isto é as prestações que o compõem poderão ser exigidas de forma direta, mediante tutela específica”.
Com o intuito de garantir o mínimo existencial e dar concretude aos direitos fundamentais, o Poder Judiciário vêm proferindo decisões no sentido do controle e intervenção nas políticas públicas, especialmente em razão de inércia estatal injustificável ou da abusividade governamental. Destaca-se o voto do Min. Celso de Mello na ADPF 45 MC/DF:
“Arguição de descumprimento de preceito fundamental. A questão da legitimidade constitucional do controle e da intervenção do Poder Judiciário em tema de implementação de políticas públicas, quando configurada hipótese de abusividade governamental. Dimensão política da jurisdição constitucional atribuída ao Supremo Tribunal Federal. Inoponibilidade do arbítrio estatal à efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais. Caráter relativo da liberdade de conformação do legislador. Considerações em torno da cláusula da ‘reserva do possível’. Necessidade de preservação, em favor dos indivíduos, da integridade e da intangibilidade do núcleo consubstanciador do ‘mínimo existencial’. Viabilidade instrumental da arguição de descumprimento no processo de concretização das liberdades positivas (direitos constitucionais de segunda geração)”.
O Supremo Tribunal Federal, portanto, vem permitindo a interferência do Poder Judiciário na definição de políticas públicas exatamente para garantir o direito fundamental ao mínimo existencial.
A reserva do possível é, talvez, o grande argumento da advocacia pública para impedir a condenação do Estado ao fornecimento de medicamentos. Isto porque o “cobertor é curto” e não há suficientes recursos orçamentários para garantir todos os direitos fundamentais e sociais previstos na Constituição Federal.
De acordo com a noção de reserva do possível, a efetividade dos direitos sociais a prestações materiais estaria sob a reserva das capacidades financeiras do Estado, uma vez que seriam direitos fundamentais dependentes de prestações financiadas pelos cofres públicos.
Assim, apenas será possível garantir algum direito, acaso haja disponibilidade orçamentária.
O Supremo, contudo, não tem aceito a “falácia argumentativa” por trás da reserva do possível e não basta a mera argumentação de indisponibilidade orçamentária para evitar a garantia de acesso a políticas públicas. Segundo as lições de Ingo Sarlet:
“(…) o que mais importa, ao fim e ao cabo, é que não se confunda a necessidade de se levar a sério todas as dimensões e conexões da reserva do possível com a inaceitável obstaculização da plena eficácia e efetividade do mínimo existencial, inclusive no que diz com a sua exigibilidade, não apenas na condição de um direito derivado (de igual acesso às prestações já estabelecidas na legislação infraconstitucional), mas também como direito subjetivo originário e definitivo a prestações, o que se revela ainda mais premente em matéria tão sensível como a da saúde e da vida humana.”
É nessa linha o entendimento do Supremo Tribunal Federal:
“Crianças e adolescentes vítimas de abuso e/ou exploração sexual. Dever de proteção integral à infância e à juventude. Obrigação constitucional que se impõe ao poder público. Programa Sentinela — Projeto Acorde. Inexecução, pelo Município de Florianópolis/SC, de referido programa de ação social cujo adimplemento traduz exigência de ordem constitucional. Configuração, no caso, de típica hipótese de omissão inconstitucional imputável ao Município. Desrespeito à Constituição provocado por inércia estatal (RTJ 183/818-819). Comportamento que transgride a autoridade da lei fundamental (RTJ 185/794-796). Impossibilidade de invocação, pelo poder público, da cláusula da reserva do possível sempre que puder resultar, de sua aplicação, comprometimento do núcleo básico que qualifica o mínimo existencial (RTJ 200/191-197). Caráter cogente e vinculante das normas constitucionais, inclusive daquelas de conteúdo programático, que veiculam diretrizes de políticas públicas. Plena legitimidade jurídica do controle das omissões estatais pelo Poder Judiciário. A colmatação de omissões inconstitucionais como necessidade institucional fundada em comportamento afirmativo dos juízes e tribunais e de que resulta uma positiva criação jurisprudencial do direito. Precedentes do Supremo Tribunal Federal em tema de implementação de políticas públicas delineadas na Constituição da República (RTJ 174/687 — RTJ 175/1212-1213 — RTJ 199/1219-1220). Recurso extraordinário do Ministério Público Estadual conhecido e provido”
Em resumo, não poderá a reserva do possível ser utilizada como argumento para evitar a garantia do mínimo existencial dos cidadãos (aquele núcleo intangível de garantias necessárias a assegurar a dignidade da pessoa humana).
Da mesma forma, não há que se falar também em violação ao princípio da separação dos Poderes, pois o Poder Judiciário intervém no intuito de garantir a implementação de políticas públicas, visando à efetividade das normas programáticas e a materialidade dos direitos fundamentais, especialmente direitos de alto valor, como a dignidade da pessoa humana e a tutela do direito à saúde.
Essa é a posição do Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal:
“Seria distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente relevantes.”
(STJ. 2ª Turma. REsp 1.488.639/SE, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 16/12/2014).
“(…) É firme o entendimento deste Tribunal de que o Poder Judiciário pode, sem que fique configurada violação ao princípio da separação dos Poderes, determinar a implementação de políticas públicas nas questões relativas ao direito constitucional à saúde.”
(STF. 1ª Turma. ARE 947.823 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 28/6/2016.)
O art. 198, II, CF/88 determinou a criação de um Sistema Único de Saúde (SUS), que tenha como uma de suas diretrizes o “atendimento integral” da população.
“Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:(…)
II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;”
Com o objetivo de regular o SUS, foi editada a Lei nº 8.080/90, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e prevê que o Poder Público deverá fornecer assistência integral, inclusive farmacêutica:
“Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.(…)
Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):
I – a execução de ações: (…)
d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;
Entende-se, portanto, que existe uma obrigação do SUS para o fornecimento de medicamentos. Basicamente, o órgão faz uma análise de custo x benefício para a aquisição de uma determinada lista de medicamentos e os disponibiliza gratuitamente na sua rede de atendimento.
Mas, e se o medicamento não estiver incluído na lista do SUS, pode o Poder Judiciário determinar o seu fornecimento ao particular?
Em 5/04/2018, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.657.156-RJ, afirmou que o poder público é obrigado a conceder medicamentos mesmo que não estejam incorporados em atos normativos do SUS, desde que cumpridos três requisitos.
“A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos:
1) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
2) Incapacidade financeira do paciente de arcar com o custo do medicamento prescrito; e
3) Existência de registro do medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
(STJ. 1ª Seção. REsp 1657156-RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 25/04/2018 (recurso repetitivo))
Posteriormente, em 12/09/2018, o Superior Tribunal de Justiça decidiu retificar o terceiro requisito da tese anteriormente fixada e modular os efeitos dessa decisão, asseverando:
“A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos:
a) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e
circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da
imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia,
para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
b) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;
c) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência.”
(STJ. 1ª Seção. EDcl no REsp 1657156-RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 12/09/2018 (recurso repetitivo))
Com esta alteração, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que o requisito do registro do medicamento na ANVISA afasta a possibilidade de fornecimento de medicamento para uso off-label, salvo se autorizado pela ANVISA.
Esclarecendo melhor, off-label significa fora da indicação. O medicamento off-label é aquele cujo médico prescreve para uma determinada finalidade que não consta expressamente na sua bula, mas esse uso para outra finalidade também é autorizado pela ANVISA.
Assim, segundo o Superior Tribunal de Justiça, a regra é que não é possível que o paciente exija do poder público o fornecimento de medicamento para uso off-label (fora da indicação prevista na bula). Excepcionalmente, será possível que o paciente exija este medicamento caso este determinado uso fora da bula (off-label) tenha sido autorizado pela ANVISA.
Além disso, nesse segundo momento, nos EDcl no REsp 1657156-RJ, o Superior Tribunal de Justiça alterou a data de início de produção de efeitos da decisão:
“Modula-se os efeitos do presente repetitivo de forma que os requisitos acima elencados sejam exigidos somente quanto aos processos distribuídos a partir da data da publicação do acórdão, ou seja, 4/5/2018.”
Logo, os três requisitos estabelecidos no acórdão do REsp 1.657.156-RJ são aplicáveis a todos os processos distribuídos na primeira instância a partir de 4/5/2018.
Quanto aos processos pendentes, com distribuição anterior a 4/5/2018, é exigível apenas um requisito que se encontrava sedimentado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: a demonstração da imprescindibilidade do medicamento.
Outra análise necessária diz respeito ao fornecimento de medicamentos não previstos na lista do SUS.
Tradicionalmente, o Supremo Tribunal Federal possuía um entendimento no sentido de se garantir e preservar o direito à saúde:
“O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular — e implementar — políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. O direito à saúde — além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas — representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A interpretação da norma programática não pode transformá-la em promessa constitucional inconsequente. O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política — que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro — não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado (…)”
(RE 271.286-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, j. 12.09.2000, 2.ª Turma, DJ de 24.11.2000)
Ocorre que o fornecimento de medicamentos não autorizados pela ANVISA pode gerar um risco muito grande à saúde da população, uma vez que o poder público ainda não elaborou todos os testes possíveis quanto à eficácia e eficiência do medicamento.
Assim, em 22/05/2019, no julgamento do RE 657.718, com repercussão geral reconhecida, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que o Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamento experimental ou sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), salvo em casos excepcionais.
A decisão foi tomada, por maioria de votos e fixou a seguinte tese:
“1. O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais. 2. A ausência de registro na ANVISA impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial. 3. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei nº 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras);(ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. 4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União.”
Portanto, via de regra, o Estado não pode ser compelido a fornecer medicamentos não registrados na ANVISA.
Excepcionalmente, será possível a concessão deste medicamento se houver demora irrazoável da ANVISA para apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei 13.411/2016) e, ainda:
(i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras);
(ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e
(iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.
Por fim, vale ressaltar que o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que as ações em que se pleiteiam o fornecimento de medicamentos não registrados pela ANVISA devem ser propostas necessariamente em face da União.
Tradicionalmente, o Supremo Tribunal Federal sempre teve entendimento no sentido de que a responsabilidade em matéria de saúde quanto ao fornecimento de medicamentos é solidária entre os entes federados.
Assim, em uma demanda por fornecimento de medicamentos, poderá o particular ajuizar uma ação contra quaisquer dos entes federativos (União, Estado, Distrito Federal ou Município), conforme alguns preceitos normativos:
O Min. Lewandowski sugeriu, após o exame de mérito do RE 566.471/RN, sem prejuízo da apresentação de novas e específicas propostas, a seguinte redação para um enunciado de súmula vinculante, ainda pendente de aprovação:
“É solidária a responsabilidade dos entes federativos para o fornecimento de medicamento e tratamento médico das pessoas carentes”.
O tema foi novamente levado à plenário e, em 22/05/2019, o Supremo Tribunal Federal reiterou sua jurisprudência no sentido de que os entes federados têm responsabilidade solidária no fornecimento de medicamentos e tratamentos de saúde.
Os ministros analisaram embargos de declaração apresentados pela União contra decisão do Plenário Virtual no RE 855.178, em que foi reconhecida a repercussão geral e reafirmada a jurisprudência dominante da Corte de que os entes da Federação, isolada ou conjuntamente, possuem obrigação solidária no dever de efetivar o direito à saúde em favor dos necessitados.
Ressalte-se que, conforme visto no item anterior, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que as ações em que se pleiteiam o fornecimento de medicamentos não registrados pela ANVISA devem ser propostas necessariamente em face da União.
Hoje (23.05.2019) o Supremo Tribunal Federal vai concluir o julgamento sobre o fornecimento de medicamentos de alto custo. Vamos aguardar.
Por fim, gostaria de fazer um rápido levantamento sobre outras decisões relevantes dos tribunais superiores sobre o tema fornecimento de medicamentos.
O Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo, entendeu pela possibilidade de imposição de astreintes a ente público para compeli-lo a fornecer medicamentos a pessoa desprovida de recursos financeiros. Vejamos:
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE
CONTROVÉRSIA.
ART. 543-C DO CPC/1973. AÇÃO ORDINÁRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER.
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PARA O TRATAMENTO DE MOLÉSTIA. IMPOSIÇÃO DE MULTA
DIÁRIA (ASTREINTES) COMO MEIO DE COMPELIR O DEVEDOR A ADIMPLIR A OBRIGAÇÃO.
FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DO CONTEÚDO NORMATIVO INSERTO NO
§ 5º DO ART. 461 DO CPC/1973.
DIREITO À SAÚDE E À VIDA. 1. Para os
fins de aplicação do art. 543-C do CPC/1973, é mister delimitar o âmbito da
tese a ser sufragada neste recurso especial representativo de controvérsia:
possibilidade de imposição de multa diária (astreintes) a ente público, para
compeli-lo a fornecer medicamento à pessoa desprovida de recursos financeiros.
2. A função das astreintes é justamente no sentido de superar a recalcitrância
do devedor em cumprir a obrigação de fazer ou de não fazer que lhe foi imposta,
incidindo esse ônus a partir da ciência do obrigado e da sua negativa de
adimplir a obrigação voluntariamente.
3. A particularidade de impor obrigação
de fazer ou de não fazer à Fazenda Pública não ostenta a propriedade de
mitigar, em caso de descumprimento, a sanção de pagar multa diária, conforme
prescreve o § 5º do art. 461 do CPC/1973. E, em se tratando do direito à saúde,
com maior razão deve ser aplicado, em desfavor do ente público devedor, o
preceito cominatório, sob pena de ser subvertida garantia fundamental. Em
outras palavras, é o direito-meio que assegura o bem maior: a vida.
Precedentes: AgRg no AREsp 283.130/MS, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia
Filho, Primeira Turma, DJe 8/4/2014; REsp 1.062.564/RS, Relator Ministro
Castro Meira, Segunda Turma, DJ de 23/10/2008; REsp 1.062.564/RS, Relator
Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ de 23/10/2008; REsp 1.063.902/SC,
Relator Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ de 1/9/2008; e AgRg
no REsp 963.416/RS, Relatora Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJ de
11/6/2008. 4. À luz do § 5º do art. 461 do CPC/1973, a recalcitrância do
devedor permite ao juiz que, diante do caso concreto, adote qualquer medida que
se revele necessária à satisfação do bem da vida almejado pelo jurisdicionado.
Trata-se do “poder geral de efetivação”, concedido ao juiz para dotar
de efetividade as suas decisões. 5. A eventual exorbitância na fixação do valor
das astreintes aciona mecanismo de proteção ao devedor: como a cominação de
multa para o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer tão somente
constitui método de coerção, obviamente não faz coisa julgada material, e pode,
a requerimento da parte ou ex officio pelo magistrado, ser reduzida ou até
mesmo suprimida, nesta última hipótese, caso a sua imposição não se mostrar
mais necessária.
Precedentes: AgRg no AgRg no AREsp 596.562/RJ, Relator Ministro Moura Ribeiro,
Terceira Turma, DJe 24/8/2015; e AgRg no REsp 1.491.088/SP, Relator Ministro
Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe 12/5/2015. 6. No caso em foco,
autora, ora recorrente, requer a condenação do Estado do Rio Grande do Sul na
obrigação de fornecer (fazer) o medicamento Lumigan, 0,03%, de uso contínuo,
para o tratamento de glaucoma primário de ângulo aberto (C.I.D. H 40.1). Logo,
é mister acolher a pretensão recursal, a fim de restabelecer a multa imposta
pelo Juízo de primeiro grau (fls. 51-53). 7. Recurso especial conhecido e provido,
para declarar a possibilidade de imposição de multa diária à Fazenda Pública.
Acórdão submetido à sistemática do § 7º do artigo 543-C do Código de Processo Civil de 1973 e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n.08/2008.”
(REsp 1474665/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/04/2017, DJe 22/06/2017)
Destaca-se, ainda, a decisão do Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, assegurando a legitimidade ativa do Ministério Público para ajuizamento de ação civil pública que vise o fornecimento de remédios a portadores de determinada doença:
“O Ministério Público é parte legítima para ajuizamento de ação civil pública que vise o fornecimento de remédios a portadores de certa doença.”
(STF. Plenário. RE 605533/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 15/8/2018 (repercussão geral))
O Superior Tribunal de Justiça também possui entendimento no sentido da legitimidade ativa do Ministério Público em ações para fornecimento de medicamento, mesmo em caso de beneficiários individualizados:
“O Ministério Público é parte legítima para pleitear tratamento médico ou entrega de medicamentos nas demandas de saúde propostas contra os entes federativos, mesmo quando se tratar de feitos contendo beneficiários individualizados, porque se refere a direitos individuais indisponíveis, na forma do art. 1º da Lei n. 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público).”
(STJ. 1ª Seção. REsp 1682836-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 25/04/2018 (recurso repetitivo))
E aí, meus amigos. Tudo certo?
Quaisquer dúvidas, críticas ou sugestões, deixem o seu comentário abaixo.
Lembro que tão logos os acórdãos recentes sejam publicados, atualizarei este artigo.
Fiquem atentos.
Abraços,
Igor Maciel
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Ver comentários
Parabéns Dr. Igor Maciel! Esse seu Artigo, não é apenas um Artigo, é um Excelente compêndio jurídico!
Obrigado.
=)
Igor
Bom dia Dr. gostaria de saber o posicionamento quando se tratar de medição fornecida exclusivamente do exterior, pois a casos que ocorre erros nos lotes dos medicamentos, que compromete o abastecimento dos Estados e Municípios, comprometendo assim pessoas carentes de continuar o seu tratamento. Posso nesse caso demandar contra a União por ter deixado o estoque zerar sem nenhuma garantia de reposição aos entes e consequente a sua saúde dos carentes que necessitam exclusivamente dessa medicação.
Obrigado pela matéria!
Olá, tudo bem?
Não vi exatamente julgados neste sentido.
Contudo, penso que seria possível demandar a União Federal sim.
Se o estado se compromete a fornecer e não possui estoque, penso ser cabível sim a demanda.
Combinado?
Abraços,
Igor
Bom dia Dr. gostaria de saber o posicionamento quando se tratar de medição fornecida exclusivamente do exterior, pois a casos que ocorre erros nos lotes dos medicamentos, que compromete o abastecimento dos Estados e Municípios, comprometendo assim pessoas carentes de continuar o seu tratamento. Posso nesse caso demandar contra a União por ter deixado o estoque zerar sem nenhuma garantia de reposição aos entes e consequente a sua saúde dos carentes que necessitam exclusivamente dessa medicação.
Obrigado pela matéria!
Parabéns pelo Artigo, Dr. Igor! Extremamente claro e amplo.
Gostaria de saber o seu posicionamento jurídico a respeito dos três requisitos estabelecidos pelo STJ para fornecimento de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS. Haveria neles algum tipo de inconstitucionalidade, tendo em vista o art. 196, da CF estabelecer acesso igualitário à saúde?
Ademais, o requisito de impossibilidade de custeio do cidadão com o medicamento se daria mediante uma análise de hipossuficiência lato sensu ou seria hipossuficiência no caso concreto? Pois, apenas a título de exemplo, mesmo um cidadão que tenha rendimentos de 15 mil reais por mês, não teria condições para arcar com medicamentos cuja dose seja no valor de 23 mil reais, como muito se vê nos casos de medicamentos direcionados ao tratamento de câncer.
Desde já, agradeço.