Este artigo se destina a expor e explicar a extinção contenciosa do crédito tributário e como a jurisprudência e a doutrina a disciplinaram. O caminho do crédito tributário se inicia com a ocorrência do fato gerador, que, uma vez ocorrida no mundo dos fatos, promove a subsunção (convergência) da situação prevista em lei com a ocorrida no mundo real, determinando então o surgimento da obrigação tributária.
Entretanto, em que pese a ocorrência do fato gerador, sozinho ele é incapaz de constituir o crédito tributário, havendo necessidade do mesmo ser definitivamente constituído pelo procedimento administrativo vinculado e obrigatório conhecido como lançamento. É o lançamento que constitui o crédito tributário, conferindo liquidez (quanto ao valor) e certeza (quanto à exigibilidade).
Uma vez constituído o crédito tributário, ele pode ser extinto pelo seu pagamento, na maioria das ocasiões. Mas há outras hipóteses também, como causas de extinção em que não há litígio entre as partes, expostas no artigo sobre causas não-litigiosas de extinção do crédito tributário.
Há ainda causas contenciosas de extinção do crédito tributário. O contencioso é um processo administrativo ou judicial, onde as partes (o sujeito ativo e o sujeito passivo) discordam sobre algum dos elementos da relação jurídico-tributária (base de cálculo, alíquota, contribuinte) ou mesmo sobre a real existência da obrigação.
Como consectário da jurisdição una, a Constituição Federal de 1988 (CF/88) possibilita sempre aos litigantes a satisfação última de seu pleito na esfera judicial, conforme o inciso XXXV do art. 5.o: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”. Entre outras garantias estabelecidas pelo art. 5.o, é possível conceber que o Judiciário possibilita causas de extinção contenciosas, que também são previstas elencadas na lei n. 5.172/1966, o Código Tributário Nacional (CTN), tais como: a transação, a conversão do depósito em renda, a decisão administrativa irreformável, a decisão passada em julgado e a consignação em pagamento.
A transação é uma causa contenciosa de extinção do crédito tributário que é tornada possível quando, em meio a uma ação judicial, ambas as partes aceitam fazer concessões com o fim de encerrar o litígio.
A doutrina reconhece a transação preventiva, que ocorre antes da ação judicial, bem como a transação terminativa, depois do início da ação judicial. O CTN admite apenas a transação terminativa, estabelecendo que somente a lei disponha sobre as condições em que se dará a transação, bem como a autoridade competente para concessão da transação. De acordo com o que prevê o artigo 171: “A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e conseqüente extinção de crédito tributário.”
Apesar da leitura taxativa que o STF faz das causas de extinção não-litigiosas ou contenciosas do crédito tributário, o Superior Tribunal de Justiça, em sua jurisprudência, já extinguiu judicialmente o crédito tributário por confusão, visto que, ao realizar a desapropriação indireta de propriedade inadimplente com o IPTU, o município, foi ao mesmo tempo, devedor e credor do crédito tributário
A leitura atenta ao CTN mostra que este preceptivo é uma faculdade do ente tributante, não uma obrigação. Desta maneira, o ente somente investirá neste expediente quando concluir que ele é necessário, conveniente ou oportuno. Se o contribuinte for vencedor na disputa, sendo assim o crédito improcedente, ele poderá levantar o depósito – que é tomar de volta o valor depositado. Por outro lado, se o fisco sair vencedor, o depósito será convertido em renda da fazenda pública – entendendo-se, é claro, que o crédito tributário será determinado procedente.
Dentro do tema de conversão do depósito em renda, e se a ação chegar a seu termo (fim), sem que tenha se decidido quem teve razão? De acordo com o STJ, com a extinção do processo sem resolução de mérito, o depósito do montante integral realizado pelo contribuinte deve ser convertido em renda da Fazenda Pública.
Ambas as decisões (a administrativa e a judicial) são causa de extinção contenciosa do crédito tributário. A diferença entre as duas é que a decisão administrativa irreformável é aquela que é favorável ao contribuinte, restando frustrada a pretensão do fisco de cobrar o crédito do contribuinte.
Caso o contribuinte tenha a decisão administrativa irreformável contra si, ele ainda poderá recorrer através da via judicial. E aguardar a resolução da lide, através da decisão judicial passada em julgado – que poderá ser favorável ou desfavorável a ele.
Quando o valor é depositado integralmente, não incidem juros de mora nem correção monetária sobre o montante depositado. Quando parcial, incidem juros de mora e correção monetária sobre a diferença não depositada.
A consignação em pagamento acontece quando, em determinadas situações, o contribuinte consigna a importância do tributo em juízo – só que essa consignação é possível somente em algumas ocasiões, conforme leitura do art. 164: “A importância de crédito tributário pode ser consignada judicialmente pelo sujeito passivo, nos casos:
I – de recusa de recebimento, ou subordinação deste ao pagamento de outro tributo ou de penalidade, ou ao cumprimento de obrigação acessória;
II – de subordinação do recebimento ao cumprimento de exigências administrativas sem fundamento legal;
III – de exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, de tributo idêntico sobre um mesmo fato gerador.
§ 1º A consignação só pode versar sobre o crédito que o consignante se propõe pagar.
§ 2º Julgada procedente a consignação, o pagamento se reputa efetuado e a importância consignada é convertida em renda; julgada improcedente a consignação no todo ou em parte, cobra-se o crédito acrescido de juros de mora, sem prejuízo das penalidades cabíveis.”
Assim, a consignação em pagamento pode ser realizada em caso de subordinação ao pagamento de outros tributos, penalidades ou obrigações acessórias; à exigências administrativas sem amparo legal; e à exigência de tributo idêntico por outro ente tributante.
A decisão judicial sobre a consignação em pagamento vai determinar, no caso de mais de um ente tributante, quem é o ente competente para receber o tributo. Ademais, nos outros casos em que há somente um ente tributante, se procedente a consignação, o tributo se reconhece pago, convertendo a importância depositada em renda. Caso contrário, o crédito tributário é cobrado acrescido de juros de mora, sem prejuízo das penalidades aplicáveis.
Com o advento da ocorrência do fato gerador, ocorre o surgimento da obrigação tributária principal. No entanto, somente o surgimento da obrigação tributária não torna a relação jurídico-tributária capaz da exigência do pagamento. Isso somente é conseguido com a constituição do crédito tributário, atividade administrativa plenamente vinculada e obrigatória, tendente a verificar a ocorrência do fato gerador; determinar a matéria tributável; calcular o montante do tributo devido; identificar o sujeito passivo; e, sendo o caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Constituído definitivamente o crédito tributário, ele somente pode ser extinto. E existem causas não-litigiosas da extinção do crédito tributário, bem como causas contenciosas da extinção do crédito tributário. Há também a extinção por meio da decadência e prescrição, que não são nem contenciosas, nem não-litigiosas – abordadas em outro artigo.
O foco deste artigo foi evidenciar as causas contenciosas da extinção do crédito tributário. Em virtude do amplo acesso ao Poder Judiciário, do princípio da jurisdição uma, do direito à ampla defesa e ao contraditório, e com a garantia da celeridade dos processos administrativos e judiciais – a CF/88 buscou atender a todo e qualquer cidadão, no exercício de seus direitos.
Desta forma, temos as causas de extinção contenciosa do crédito tributário representadas pela transação; a conversão do depósito em renda; a decisão administrativa irreformável, a decisão passada em julgado e a consignação em pagamento.
A transação ocorre durante o curso da ação judicial, quando a lei concessiva estabelece concessões mútuas que satisfazem o crédito tributário e ele é assim extinto.
A conversão do depósito em renda acontece quando o contribuinte deposita judicialmente a importância do tributo devido, enquanto discute o assunto na esfera judicial.
Levada a ação a seu termo, caso o contribuinte seja vencedor, ele pode levantar (sacar) o valor depositado e se o contribuinte perder a causa, o fisco terá o valor depositado convertido em renda. Quando a extinção do processo ocorrer sem a análise do mérito, o STJ já decidiu em jurisprudência que o valor depositado deve ser convertido em renda em favor da fazenda pública – utilizando o princípio “in dubio pro societate” – na dúvida, em prol da coletividade.
As decisões administrativas irreformáveis e as decisões judiciais passadas em julgado apontam a mesma situação. A diferença fundamental é que a decisão administrativa irreformável somente possui valor se operada em favor do contribuinte. Se a decisão administrativa de que não cabe mais recurso for contra o contribuinte, ele ainda pode recorrer ao Poder Judiciário – que terá a última palavra, neste caso.
Por último, há a causa de extinção contenciosa do crédito tributário na consignação em pagamento, que é realizada em três situações: de recusa da autoridade administrativa do recebimento, ou o pagamento for subordinado ao pagamento de outro tributo, ou cumprimento de obrigação acessória; quando o pagamento for subordinado ao cumprimento de exigências sem fundamento legal; e quando mais de um ente tributante cobra o mesmo tributo, incidente sobre o mesmo fato gerador.
A consignação em pagamento, então, é um instituto em que o contribuinte se defende de exigências desarrazoadas – ou quando existem dois entes que entendem serem competentes para cobrar o mesmo tributo, como quando ocorre a cobrança do IPTU em áreas limítrofes municipais.
Ricardo Pereira de Oliveira
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