Neste artigo sobre o estado de necessidade, continuaremos nossa série sobre as excludentes de ilicitude, tema fundamental para a sua aprovação nos concursos das carreiras policiais.
Os concursos da área de Segurança Pública prometem inúmeras vagas nos próximos meses.
Confira aqui o levantamento realizado pela equipe do Estratégia.
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Vamos lá.
Segundo a doutrina dominante, o crime, em seu conceito analítico, compõe-se de fato típico, ilícito e culpável.
O segundo substrato do crime, ilicitude ou antijuridicidade, representa a contrariedade entre o comportamento do agente e o ordenamento jurídico.
Nas lições de Rogério Greco((GRECO, Rogério. Código penal comentado. 11. ed. 2017 Niterói, RJ: Impetus, 2017)):
É a relação de antagonismo, de contrariedade entre a conduta do agente e o ordenamento jurídico (ilicitude formal) que cause lesão, ou exponha a perigo de lesão, um bem juridicamente protegido (ilicitude material).
O Código Penal, em seu art. 23, elencou quatro causas excludentes da ilicitude(causas de justificação):
Art. 23 – Não há crime quando o agente pratica o fato:
I – em estado de necessidade;
II – em legítima defesa;
III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
Destaca-se que o Código Penal, em seus artigos 24 e 25, apenas definiu os conceitos de estado de necessidade e legítima defesa, ficando as definições das excludentes disciplinadas no art.23,III, a cargo da doutrina.
Ademais, segundo entendimento doutrinário e jurisprudencial as excludentes de ilicitude não se restringem às hipóteses elencadas no supracitado artigo, sendo admitidas causas supralegais de exclusão da ilicitude.
O conceito de estado de necessidade é extraído do art. 24 do Código Penal, in verbis:
Art. 24 – Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
§ 1º – Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.
§ 2º – Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.
Dessa forma, são requisitos do estado de necessidade:
a)perigo atual – É o perigo que está ocorrendo, tratando-se de situação presente. Nesse sentido:
Porte ilegal de arma de fogo – não comprovação de perigo atual e concreto – estado de necessidade não caracterizado
“1. Para caracterizar o estado de necessidade, não basta o mero receio de que o agente possa vir a sofrer um dano futuro e incerto, sendo imprescindível a presença de perigo atual e concreto.
2. A alegação de aquisição de arma de fogo com intuito de proteção não atrai a incidência da causa excludente de ilicitude do estado de necessidade.”Acórdão 1207499, 20160210004497APR, Relator: CRUZ MACEDO, Primeira Turma Criminal, data de julgamento: 10/10/2019, publicado no DJE: 17/10/2019.
Apesar de não previsto expressamente, a doutrina majoritária também considera incluso o perigo iminente;
b)situação não causada voluntariamente pelo agente – não se aplica a justificante se o agente tiver causado o perigo por sua própria vontade;
c)inexistência do dever legal de enfrentar o perigo – caso o agente tenha o dever de enfrentar o perigo, a exemplo de bombeiros e policiais, não pode alegar a justificante;
d)inevitabilidade da prática do ato – o estado de necessidade é subsidiário, apenas se aplicando nos casos em que o agente, à luz das circunstâncias do caso concreto, não podia afastar o perigo sem lesionar o bem jurídico alheio. Nesse sentido, entendem os Tribunais:
Para a caracterização do estado de necessidade é exigida a demonstração da impossibilidade concreta de evitar por outro modo o perigo, não sendo suficiente a mera alegação de estar desempregado para justificar o cometimento do crime. Crime de extorsão mediante sequestro que é cruel, hediondo e que leva a um profundo sofrimento das vítimas. Apelante que recebeu entre R$ 10.000,00 e 20.000,00 o que supera, em muito, o alegado estado de necessidade (TJ-RJ, AC 0438811-39.2012.8.19.0001, Rel. Des. Paulo Rangel, DJe 03/06/2015).
e)ameaça a direito próprio ou alheio – o estado de necessidade incide não apenas na proteção de bens jurídicos do próprio agente, mas também no de terceiros.
f)razoabilidade – o requisito é extraído do trecho: “cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se“.
A razoabilidade consagra a necessidade da ponderação dos bens em conflito, verificando-se se o bem defendido pelo agente é superior, igual ou inferior ao sacrificado. O tema será aprofundado na parte das teorias do estado de necessidade.
g)elemento subjetivo – é preciso que o agente tenha conhecimento de que age para se salvar de perigo atual protegendo direito próprio ou alheio.
Nas lições do Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. ART. 345 DO CP. EXERCÍCIO ARBITRÁRIO DAS PRÓPRIAS RAZÕES. ART. 14 DA LEI N. 10.826/2003 (CRIME-MEIO) ABSORVIDO PELO CRIME-FIM, ART. 235 DO CP. OCORRÊNCIA. ART. 24 DO CP. ESTADO DE NECESSIDADE. INCIDÊNCIA. CAUSA EXCLUDENTE DE ANTIJURIDICIDADE.
(…). 3. Aplicável ao caso o denominado estado de necessidade. A mulher do réu necessitava de tratamento médico e de medicamentos. Por conseguinte, foi necessário que o sujeito atuasse para evitar um perigo atual, isto é, com a probabilidade de dano, presente e imediata, ao bem jurídico (saúde de sua mulher), nos termo do art. 24 do Código Penal (causa excludente de antijuricidade). 4. O agravo regimental não merece prosperar, porquanto as razões reunidas na insurgência são incapazes de infirmar o entendimento assentado na decisão agravada. 5. Agravo regimental improvido.
STJ, AgRg no REsp 1472834 / SC, 6 T., j. 07/05/2015
A doutrina elenca uma série de classificações para o instituto. Para fins estudo para os certames públicos, seguem as mais importantes:
a)estado de necessidade próprio – ocorre nos casos em que o agente protege um direito ou interesse próprio;
b)estado de necessidade de terceiro – o autor do fato tutela um direito ou interesse de alheio;
c)estado de necessidade real – a situação de perigo, de fato, existe e dela o agente tem conhecimento;
d)estado de necessidade putativo – a situação de necessidade não existe, mas o agente, por erro, supõe que o perigo existe. Aplica-se a regra constante do art. 20, § 1º, do Código Penal.
e)estado de necessidade agressivo – a conduta lesiva recai sobre bem jurídico de terceiro inocente, que não concorreu para a produção do perigo;
f)estado de necessidade defensivo – a ação é praticada contra bem jurídico pertencente ao causador do perigo;
g)estado de necessidade recíproco – ocorre nos casos em que duas ou mais pessoas, de forma simultânea, atuam em estado de necessidade, umas contra as outras. A título de exemplo, cita-se a hipótese em que dois náufragos disputam a única tábua de salvação.
Em suma, duas teorias buscam explicar a natureza jurídica do estado de necessidade.
O Código Penal Brasileiro adotou a teoria unitária que apregoa que todo estado de necessidade será uma causa excludente da ilicitude.
Segundo a referida teoria, se o bem jurídico sacrificado for de valor igual ou inferior ao bem preservado, resta demonstrada a razoabilidade do agente, aplicando-se o estado de necessidade.
Entretanto, se o bem sacrificado for superior ao preservado, haverá apenas uma causa de diminuição de pena, mantendo-se o crime. Veja-se:
§ 2º – Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.
Por outro lado, a teoria diferenciadora foi adotada pelo Código Penal Militar.
A teoria diferenciadora apregoa a existência do estado de necessidade justificante (causa de exclusão da ilicitude) e do estado de necessidade exculpante (causa de exclusão da culpabilidade), tendo por base o valor dos bens jurídicos em conflito.
Dessa forma, se o bem jurídico sacrificado for de valor menor ou igual ao bem jurídico preservado, haverá estado de necessidade justificante.
Por outro lado, se o bem sacrificado tiver valor maior que o bem protegido, haverá estado de necessidade exculpante, excluindo-se a culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa.
Chegamos ao fim do nosso resumo sobre o tema estado de necessidade para carreiras policiais.
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Grande abraço a todos.
Victor Baio
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