Como entender o Controle de Constitucionalidade – Parte I

Olá, queridas e queridos! Como vocês estão? Traremos uma série de artigos que tem como objetivo desmistificar o Controle de Constitucionalidade. Tendo em vista a longa extensão do tema, precisaremos de dois artigos para tentar tratá-lo de forma simples e objetiva. Vamos lá?

Objetivos do artigo

Sabemos que Controle de Constitucionalidade é um daqueles temas que traz arrepios a grande maioria dos candidatos. Por outro lado, acreditamos que isso acontece pela vasta quantidade de informações sobre o tema. Qual é o nosso objetivo? Evidenciar os seguintes pontos que, em nossa opinião, são os mais cruciais, de maneira clara e objetiva:

  1. O que é Controle de Constitucionalidade? (Parte I)
  2. Classificações do Controle de Constitucionalidade (Parte I)
  3. Quem pode incitar o Controle de Constitucionalidade? (Parte I)
  4. Tipos de ações do Controle de Constitucionalidade e suas principais características (Parte II)

Os itens 1 a 3 serão tratados nesse texto e os demais no segundo artigo. Essa divisão possui o intuito de separar as informações em blocos que façam sentido e facilitem a compreensão do assunto. Além disso, salientamos que todo o conteúdo do texto é referente ao Controle de Constitucionalidade na esfera Federal. Faremos isso já que certas peculiaridades são possíveis em âmbitos estaduais.

1) O que é Controle de Constitucionalidade?

Leis, decretos, atos normativos, outros instrumentos infralegais e as relações de todos esses itens entre si formam um ordenamento jurídico. Dentro desse sistema chamado ordenamento jurídico, também está incluída a constituição. A pirâmide de Kelsen esboça a relação de hierarquia presente entre as normas de um ordenamento jurídico. Ela pode ser aplicada ao caso brasileiro.

Pirâmide de Kelsen: hierarquia das normas num ordenamento jurídico

No ordenamento jurídico brasileiro, o texto constitucional é a norma diretriz para todas as outras. Isso quer dizer que os atos e normas infraconstitucionais, que no caso são todos os existentes com exceção da própria Constituição Federal, não podem contrariar o conteúdo apresentado pela Constituição Federal.

Não é permitido que um ato hierarquicamente inferior à Constituição confronte suas premissas, já que não haveria harmonia das próprias normas, gerando insegurança jurídica para os destinatários do sistema jurídico. Uma norma do quadrante do meio da pirâmide que contrarie a Constituição, que está acima, não respeita a hierarquia existente. O fato é que, em alguns casos, é exatamente isso o que acontece. O conteúdo de atos infraconstitucionais viola a Constituição, o que pode ou não gerar o Controle de Constitucionalidade.

Em suma, o Controle de Constitucionalidade consiste em verificar se um ato infraconstitucional está em conformidade com a Constituição. Ou seja, se a relação de hierarquia entre eles é obedecida. No conceito de ato infraconstitucional, estão incluídos leis ordinárias, leis complementares, decretos, resoluções de tribunais.

Dessa forma, tentaremos utilizar o termo ato o máximo possível, já que não se limita somente às leis. Durante todo o texto, utilizaremos muito o termo “constitucionalidade”. Ela consiste em verificar se um ato infraconstitucional respeita tudo aquilo apresentado na Constituição Federal. Ou seja, se os atos presentes nos dois degraus debaixo da pirâmide estão de acordo com o topo.

2) Classificações do Controle de Constitucionalidade

Há três maneiras de classificar o Controle de Constitucionalidade.

2.1) Sistema de Controle: Difuso/Concreto x Concentrado/Abstrato

Difuso/Concreto

O sistema difuso/concreto consiste em avaliar o ato infraconstitucional, aquele que tem a constitucionalidade questionada, dentro de condições específicas de um caso concreto em particular. Na hipótese de o ato ser julgado como inconstitucional, por meio do método difuso, há o afastamento da execução desse ato nessa situação concreta específica em que ele deveria ser aplicado.

Exemplo: José impetrou uma ação contra Ana, referente à situação X. Nessa situação X, seria necessário que a lei A fosse aplicada. No decorrer do processo, José, que é uma das partes da ação, suspeita que a lei A seja inconstitucional. Nesse exemplo, a constitucionalidade ou não da norma é essencial para que o caso concreto, no caso a situação X, seja julgado.

Dessa forma, é possível que, dentro dessa ação, a constitucionalidade da lei A seja avaliada. Percebe-se que o objetivo principal da ação é a situação X que ocorreu entre José e Ana e não a constitucionalidade da lei A. Contudo esta última será avaliada dentro desse processo, de forma incidental e excepcional.

Voltando à explicação mais geral. Nesse sistema, o ato considerado inconstitucional continua válido para todas as outras ocasiões, exceto para aquele caso concreto em que a verificação ocorreu. Assim, o controle também é chamado de concreto, pelo fato de considerar a situação concreta em que ele acontece. Os efeitos da decisão são, em regra, inter partes, válidos somente para o caso em questão e ex tunc, retroativos.

Esse sistema de controle é exercido por qualquer juiz ou tribunal, fato que o caracteriza como difuso, que significa espalhado. Todas as esferas normativas (leis ou atos normativos federais, estaduais, distritais e municipais) estão sujeitas a esse método.

Um dos temas mais cobrados é o recurso extraordinário, que se classifica como difuso/concreto. Comentaremos sobre ele na parte II do artigo.

Concentrado/Abstrato

O controle no sistema concentrado/abstrato somente pode ser realizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ou seja, concentra-se no STF, fato que explica sua denominação. Nesse método, o objetivo da ação, que funciona como meio para o controle, é verificar a constitucionalidade do ato normativo. Dessa forma, a verificação da constitucionalidade do ato se dá em tese, independentemente da existência de um caso concreto.

Exemplo: uma lei federal Z começou a produzir efeitos após a sua promulgação. O Procurador Geral da República possui fortes indícios que a lei Z seja inconstitucional. Isso faz com que ele entre com uma ação para verificar sua adequação ao exposto no texto da Constituição Federal. Nesse caso, o objetivo da ação é exatamente verificar a constitucionalidade da norma, sem a presença de um caso concreto.

Pela falta do caso concreto, é dito que o controle se dá em abstrato. Como tal verificação ocorre num contexto geral, os efeitos são, em regra, erga omnes, ou seja, aplicáveis para todos. Em relação ao aspecto temporal, os efeitos da decisão são, em regra, ex tunc. Isso quer dizer que retroagem ao início da produção de efeitos do ato, invalidando todos esses efeitos.

O controle concentrado possui 4 meios distintos de operacionalização, sendo o principal a ação declaratória de inconstitucionalidade (ADI). Falaremos um pouco mais sobre todos eles na parte II, tópicos 4) e 5).

2.2) Esfera de Poder pela qual é realizado: Judiciário, Legislativo e Executivo

Muitos candidatos possuem a ideia de que o Controle de Constitucionalidade ocorre somente por meio do Poder Judiciário. É verdade que essa é a via mais tradicional de ocorrência, porém, não é a única. É possível que ele seja realizado por membros do Poder Legislativo e também do Executivo. Dessa forma, ele pode ocorrer por meio de todos os três Poderes: Judiciário, Legislativo e Executivo.

Como isso acontece? Acreditamos que seja mais didático apresentar essas situações exemplificativas juntamente à próxima classificação: o momento em que o controle acontece.

2.3) O momento em que ocorre: Prévio/Preventivo e Póstumo/Repressivo

Prévio/Preventivo

Esse controle acontece antes do ato produzir efeitos, ou seja, é anterior a sua promulgação. Esse tipo de controle possui caráter tipicamente político e os dois exemplos clássicos de sua atuação são os seguintes:

  1. Após a aprovação de um ato pelo Congresso Nacional, este é encaminhado para a apreciação do Presidente da República. Quando o presidente veta o ato, alegando sua inconstitucionalidade, temos um exemplo de controle imposto pelo Poder Executivo.
  2. Durante o processo legislativo de aprovação de leis ou emendas à Constituição, há uma etapa em que se dá a análise de sua constitucionalidade. Essa análise é realizada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Por fazer parte do Poder Legislativo, consiste em um controle que ocorre na esfera do Legislativo.

Ainda há um terceiro caso, o qual é considerado exceção no controle preventivo. Um Parlamentar, membro do Congresso Nacional ou da Câmara dos Deputados, impetra um mandado de segurança.  Ele alega a inobservância do devido processo legislativo constitucional no decorrer da análise de um projeto do Poder Legislativo. Dessa forma, o Poder Judiciário deverá julgar o mandado de segurança, verificando a constitucionalidade de tal projeto.

Póstumo/Repressivo

O controle póstumo/repressivo acontece após a promulgação do ato infraconstitucional, ou seja, quando já está produzindo efeitos. Possui caráter tipicamente jurídico. Os dois sistemas citados acima, concreto/difuso e abstrato/concentrado, são duas vias em que se dá o controle póstumo/repressivo.

Aqui, assim como no controle prévio/preventivo também há casos que são considerados exceções ao seu caráter típico.

  1. O Presidente da República deve se recusar a executar ato que, em sua visão, seja inconstitucional. Na situação em que essa recusa acontece, temos um caso de controle repressivo exercido pelo Executivo.
  2. As medidas provisórias são atos infraconstitucionais de exceção, que podem ser criados pelo Presidente da República. Uma característica importante é que elas começam a produzir efeitos logo da sua criação e somente depois passam pela aprovação do Congresso Nacional. A rejeição de uma medida provisória, pelo Legislativo, é um exemplo de controle repressivo, pelo ato já estar produzindo efeitos.
  3. Atos normativos do Executivo que exorbitem o poder regulamentar ou os limites de delegação legislativa devem ser sustados pelo Congresso Nacional, conforme disposto no art. 49, V, da CF/88. Outro caso em que o ato já vinha produzindo efeitos, sendo o controle repressivo realizado pelo Legislativo.

3) Quem pode incitar o Controle de Constitucionalidade?

Para esse tópico, iremos fazer a distinção entre os dois sistemas: concreto/difuso e concentrado/abstrato.

3.1 Quem pode incitar o controle concreto/difuso

Os quatro grupos abaixo detêm a competência de propor o controle difuso, são chamados de legitimados:

  • Partes do processo
  • Terceiros admitidos como intervenientes no processo
  • Representante do Ministério Público
  • Juízes ou Tribunais, de ofício

Para que os legitimados façam sentido, é importante lembrar em quais condições ocorre o controle difuso. Vamos voltar ao exemplo em que José impetrou uma ação contra Ana. Como fora dito, a constitucionalidade da lei A foi verificada em uma ação que não possuía tal verificação como objetivo principal.

Nesse caso, quais seriam os legitimados para incitar a verificação da constitucionalidade da lei A? Vamos comentar sobre o primeiro e o último grupo, já que são mais aptos a serem exemplificados na situação.

José e Ana, que no caso são as partes do processo, são legitimados. A depender de em qual esfera a ação estiver sendo julgada, seja por um Juiz singular ou por um Tribunal, é possível que o(s) julgador(es) incite(m) tal verificação de ofício. Isso significa que aquele que está julgando pode, por vontade própria, provocar a realização da análise de constitucionalidade. Lembrando que essa análise somente é possível quando estritamente necessária para o julgamento do caso concreto, objetivo principal da ação.

3.2 Quem pode incitar o controle abstrato/concentrado

Tendo em vista que o controle concentrado é realizado exclusivamente pelo STF, os legitimados para o propor são mais específicos e estão elencados no artigo 103 da Constituição Federal. Segundo a doutrina, há dois grandes grupos de legitimados: universais e temáticos.

Universais

  • Presidente da República
  • Procurador Geral da República
  • Mesa da Câmara dos Deputados
  • Mesa do Senado Federal
  • Conselho Federal da OAB
  • Partido Político com representação no Congresso Nacional

Temáticos

  • Governador de Estado/DF
  • Mesas das Assembleias Legislativa ou Câmara Legislativa do DF
  • Confederação Sindical ou entidade de classe de âmbito nacional

O que caracteriza essa distinção entre legitimados universais e temáticos? Tudo gira em torno da pertinência temática. Trata-se da exigência de que o órgão que pretende discutir a constitucionalidade de uma lei demonstre claramente que a decisão final tenha ligação direta com o interesse e com a atividade desenvolvida pelo órgão ou ente.

Os legitimados universais não necessitam demonstrar a pertinência temática, enquanto os temáticos têm de demonstrá-la. Pode parecer bastante abstrato, mas, quando o grupo dos legitimados temáticos é analisado, acaba fazendo sentido.

Já imaginou o Governador do Maranhão impetrando uma ADI em face a ato que atinge somente o estado de Pernambuco? Pois é, realmente não faz sentido e geraria trabalho indesejado ao STF. Esse é o objetivo da necessidade de pertinência temática a certos legitimados.  

Vamos falar sobre questões? Esse é um tema que costuma aparecer em provas. Uma pegadinha que é bastante clássica é a presença em assertivas de “Câmara dos Deputados” e “Senado Federal”. Muitos acabam assinalando como assertivas corretas, porém, estão erradas já que a lista cita as Mesas dos dois órgãos. Depois desse alerta você não vai cair nessa pegadinha!

Nos vemos na parte II

Esperamos que tenham aproveitado a nossa primeira parte sobre o Controle de Constitucionalidade. Trata-se de um tema fascinante e que vale a pena ser estudado. Na parte II, traremos os tipos de ação que possibilitam o controle e suas principais características, temas muito cobrados em provas. Nos vemos lá!

Desejo ótimos estudos a todos e um grande abraço!

Caio Castilho.

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Caio Castilho

19º colocado na área de auditoria e fiscalização na SEFAZ SC 38º colocado na SEFAZ GO (28 vagas) Graduado em Engenharia de Materiais pela UFSCar (Universidade Federal de São Carlos)

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