O objetivo deste artigo é mostrar e explicar as mudanças no ensino brasileiro com Emenda Constitucional n° 53/2006 e o FUNDEB. O ensino foi sempre pensado como um caminho para a autonomia e desenvolvimento das pessoas, visando a ampliação de possibilidades profissionais, políticas e sociais. O termo compreendeu, ao longo da história da humanidade, características de raciocínio lógico-dedutivo, habilidades e conhecimentos específicos que capacitassem o indivíduo a interagir, operar e transformar a sociedade na qual ele está inserido.
Por esse motivo, a educação, como forma de instrução, esteve desde a história da antiguidade, para filhos de uma elite que pagava aos filósofos pela sua educação, como ocorria na Grécia Antiga. Durante o Império Romano, a educação seguiu a maioria destes preceitos.
Com a decadência do Império Romano, coube à Igreja Católica as atribuições de educação da sociedade, utilizando-se de verdadeiros manuais de educação liberal, como o Trivium e Quadrivium, que buscavam uma formação multidisciplinar, mas ainda sem ser profissionalizante.
Após o século XV, o Trivium e Quadrivium são gradualmente transformados pelas descobertas trazidas com as grandes navegações, a difusão da imprensa, o Renascimento, a Reforma Protestante e o Iluminismo, sendo substituídos pelos estudos em ciências humanas ou humanidades.
Com a formação dos estados modernos a educação passa a ser mais relacionada com uma formação multidisciplinar que habilita as pessoas para o trabalho. Aos poucos, os sistemas legais e constitucionais dos estados modernos vão reconhecendo a educação como direito do cidadão, gradualmente estabelecendo a educação como um dever do estado.
Consequentemente, o estado vai se tornando o garantidor e mantenedor de um sistema obrigatório e público de ensino, que visa levar condições mínimas de desenvolvimento ao seu povo, na busca da formação de cidadãos. Por esse contexto, a educação consta como direito básico em várias constituições, fazendo parte de uma das políticas públicas mais disseminadas por todo o mundo.
Inclusive o direito à instrução consta da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948.
A primeira constituição brasileira a tratar de educação como política de estado é a Constituição Federal de 1934 (CF/34), que inclusive incumbiu a União, Estados e Municípios a prover educação, descrita como direito de todos. Os índices de analfabetismo no Brasil, entre os maiores de 15 anos, na época, eram de mais de 65% na população, de acordo com dados do IBGE.
Desse dado é possível inferir o tamanho do desafio para prover educação como direito subjetivo. A CF/34 estabeleceu o ensino primário (o ensino primário era então da 1° a 4° série) como integral, gratuito e obrigatório, extensivo aos adultos. Esta educação seria aplicada, conforme a CF/34, por um plano nacional de educação, proposto pelo Conselho Nacional de Educação e aprovado pelo Poder Legislativo. Este plano nacional de educação tinha previsão de ser periódico (mas não determinava um prazo de duração).
Tal era o reconhecimento do problema do déficit educacional que, mesmo vedando a dispensa de concurso para profissionais do magistério, a CF/34 abria a possibilidade de contratação de professores nomeados, nacionais ou estrangeiros, por tempo certo. Ainda estava prevista a vitaliciedade e inamovibilidade dos cargos de professor concursado. Havia também a previsão de que nunca menos de 10% da renda da União com impostos, sendo, para os Estados, nunca menos de 20% de suas receitas com impostos, para a manutenção e desenvolvimento dos sistemas educativos.
A Constituição Federal de 1937 (CF/37) continua com as mesmas diretrizes de educação, e a Constituição Federal de 1946 (CF/46) estabeleceu que o ensino primário é gratuito e obrigatório, sendo que o ulterior (posterior ao primário) será gratuito aos que comprovarem insuficiência de recursos. As diretrizes de educação seguem as mesmas, com a inovação de instituir a obrigação para as empresas industriais, comerciais e agrícolas que tenham mais de 100 empregados de manter o ensino gratuito a seus empregados e aos filhos destes.
Com vistas a efetivar estes princípios e metas, foi promulgada a lei n° 4.440/64, que instituiu a contribuição do salário-educação.
A Constituição Federal de 1967 (CF/67) institui que o ensino primário somente será ministrado em língua nacional, mas também estabelece que o ensino dos 7 aos 14 anos será obrigatório para todos e gratuito nos estabelecimentos primários oficiais. É uma mudança importante, porque estipula um aumento do período do ensino obrigatório e gratuito, que passa de 4 anos para 8 anos.
Tal atribuição se fazia necessária tendo em vista que, entre os anos 60 e 70, o analfabetismo foi reduzido de 39,7% para 33,7%, necessitando, ainda, de mais ações governamentais que reduzissem o analfabetismo.
Mais leis ainda promoveram melhorias na educação brasileira, como a lei n° 5.692/71, a primeira lei de diretrizes e bases para o ensino de 1° e 2° graus – lei que estipulou o ensino de 1° grau, dos 7 anos aos 14 anos, composto de 8 anos letivos, bem como o 2° grau, posterior ao 1° grau, ainda não obrigatório, destinado à formação integral do adolescente.
Tanto a CF/67 como a lei n° 5.692/71 permanecem válidas até a Constituição Federal de 1988 (CF/88). A CF/88 eleva a educação a direito social, estabelecido como dever do Estado e da família, bem como prevê que o sistema federativo composto pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios a trabalhar em regime de cooperação para proporcionar os meios de acesso à população. A CF/88 também impôs que, na gestão dos sistemas de ensino, a União aplicará, anualmente, nunca menos que 18% de sua receita com impostos, da mesma forma que os Estados, Distrito Federal e Municípios nunca menos que 25% de suas respectivas receitas de impostos.
A lei n° 9.394/1996 estabelece novas diretrizes e bases para a educação no Brasil, substituindo a anterior lei n° 5.692/71. A educação, dever da família e do Estado, possui como finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. A lei aumentou o ciclo de educação básica e obrigatória, dos 4 anos aos 17 anos, compreendendo a organização reformulada do ensino, que passa a compreender a pré-escola (4 a 5 anos de idade), fundamental (de 9 anos de duração, matrícula a partir dos 6 anos) e o ensino médio (antigo segundo grau). Ela também aumenta o número de dias letivos anuais, de 180 dias da lei 5.692/71 para os atuais 200 dias letivos.
Posteriormente, para estimular o atingimento desses objetivos foi promulgada a lei n° 9.424/96, que instituiu o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) para valorizar a atividade dos professores da rede pública.
A CF/88 então, tendo em vista a importância que a educação assumiu no país, estabeleceu e impôs a educação como direito social, mas não somente isso: ao longo do texto constitucional, o diploma legal dispôs sobre como o sistema é estruturado. Mas programas governamentais desse porte demandam uma estruturação ainda maior, bem como seu custeio.
A Emenda Constitucional n° 53/2006 (EC 53/2006) foi promulgada depois de 10 anos da lei n° 9394/1996, visando reforçar a estrutura estatal para a educação pública. Ela diminui a idade mínima para o atendimento em creches e pré-escolas de 6 anos para 5 anos de idade (art. 7°, XXV). A EC 53/2006 muda o parágrafo único do art. 23, prevendo leis complementares para a cooperação entre os entes da federação (já prevendo que há a necessidade de mais leis do que somente uma).
A EC 53/2006 também muda a terminologia “pré-escolar” para “infantil”, no art. 30, VI, para a adequação à estrutura educacional atual. Muda também dispositivosdo art. 206, V, substituindo o termo “profissionais do ensino” para “profissionais da educação escolar”, desmembrando no item VIII o piso salarial profissional nacional, também prevendo em um parágrafo único que a lei disporá sobre as categorias dos profissionais da educação pública, bem como prazo para elaboração ou adequação de seus planos de carreira no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
A Emenda Constitucional n° 53 ainda inclui no art. 208, entre os deveres do Estado, a garantia de educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças de até 5 anos de idade. No art. 211, que fala sobre a cooperação entre os entes federativos, inclui o §5°, que determina que a educação básica pública atenderá prioritariamente o ensino regular.
No que concerne ao custeio, a EC 53/2006, no art. 212, modifica o termo “ensino fundamental” para “educação básica” (expandindo para pré-escola e médio, além do fundamental) e inclui a distribuição das cotas estaduais e municipais do salário-educação proporcionalmente ao número de alunos matriculados na rede pública de ensino.
Além destas mudanças, a Emenda n° 53 traz alterações no Ato das Disposições Transitórias (ADCT) da CF/88. O ADCT compreende disposições de transição especiais entre um regime constitucional anterior e o vigente. No ADCT são alteradas as disposições sobre as ações de educação, a serem custeadas pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), que passa a substituir o extinto FUNDEF; é estabelecido um prazo de 14 anos para atingir os mínimos constitucionais de aplicação em ações de educação; são definidos valores mínimos para complementação dos fundos de educação para a União, bem como a definição de crime de responsabilidade do chefe do Executivo que não cumprir com os valores mínimos a cargo da União.
Com todos esses elementos, já é possível notar a gradual expansão em importância que a educação foi adquirindo, desde as constituições de 1824 e 1891, em que não se previa um papel estatal em educação, para as constituições de 1934, 1937, 1946 e 1967, em que o constituinte originário compreende a necessidade de garantir o acesso a uma educação mínima, já prevista como um direito social.
Ao longo do século XX, o estado brasileiro vê no analfabetismo brasileiro um problema que impede o desenvolvimento do país, sendo necessária a intervenção do poder público como agente para assegurar o desenvolvimento intelectual de sua população através de um sistema de ensino completo e abrangente.
A Constituição de 1988 (CF/88) então acompanha as tendências e consolida a educação como um direito social a todos os cidadãos, mas inclusive um dever da família e do Estado, buscando universalizar a educação pública e gratuita. Entretanto, conforme o tempo passa, as exigências também aumentam. Diferentemente da CF/34, não se trata mais de apenas garantir o ensino primário (que era de 4 anos). A CF/88 e a lei de diretrizes básicas da educação de 1996 já compreendem uma educação básica de 12 anos (ensino fundamental e médio), além da pré-escola dos 4 a 5 anos.
Tais mudanças não são realizadas sem repercussões. A primeira delas é que concretizar direitos sociais na Constituição sempre exige uma integração entre todos os participantes do sistema federativo. Com o sistema federativo previsto na CF/88, isso demanda cooperação e coordenação entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Além disso, como todas as ações governamentais também exigem recursos financeiros, há também a questão do custeio do sistema.
Estes pontos tornam complexas as questões sobre a universalização do ensino gratuito e obrigatório no Brasil, trazendo sempre, entre outras coisas, a necessidade de sempre avaliar, sob uma ótica pragmática, quão efetivas as ações governamentais são ao longo do tempo.
Ricardo Pereira de Oliveira
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