Este artigo busca explicar aspectos dos empréstimos compulsórios e como a doutrina e jurisprudência têm ajudado na interpretação e aplicação destas características.
No que se refere a empréstimos compulsórios é necessário buscar conceitos que estão presentes no direito financeiro e no direito tributário. O direito tributário no ordenamento jurídico brasileiro pela lei n. 5.172/1966, o Código Tributário Nacional, bem como a Constituição Federal de 1988.
Ocorre que, quando da promulgação do CTN, o direito tributário no Brasil aplicava a teoria tripartida ou tripartite, somente prevendo três espécies tributárias: impostos, taxas e contribuições de melhoria. E nesta teoria estas três espécies possuíam funções e características muito bem definidas. Por exemplo: taxas e contribuições de melhoria possuíam fatos geradores vinculados, ou seja, estavam vinculados a um fazer estatal. No caso das taxas, esse fazer estava conectado a um exercício do poder de polícia, ou a um serviço prestado ou colocado à disposição do contribuinte. A contribuição de melhoria estava vinculada a um custo de obra pública de que houvesse valorização imobiliária, sendo o custo da obra ou a valorização imobiliária a expressão do que seria “ressarcido” ao estado. Por outro lado, o que se daria com o imposto seria justamente a falta de vinculação estatal a qualquer atividade relativa ao contribuinte – ou seja, o imposto seria uma espécie tributária que se basearia na solidariedade, na capacidade contributiva, fatores que são do contribuinte e não do estado.
Essas vinculações possuem razão de ser. No caso das taxas, o que busca é bancar o custo estatal da fiscalização (que é o poder de polícia, neste contexto), ou o custo da prestação do serviço, com o intuito de abranger o máximo de contribuintes possível, de forma a inclusive minorar o custo aos patamares mais baixos possíveis, e desta forma objetivando a modicidade, outra característica dos serviços públicos. No caso das contribuições de melhoria, o que se pretende é ressarcir o estado pela obra realizada, no mínimo e no máximo, de forma a evitar o enriquecimento indevido do estado, pois nem todos vão poder pagar por todos os custos oriundos da obra pública.
Nos impostos, o ente estatal procura atender aos custos da atividade de serviços públicos que beneficiam a coletividade, mas de maneira que é impossível determinar ou quantificar por cidadão. A segurança fornecida pelo estado aproveita aos cidadãos em diferentes graus: nem todos os cidadãos andam por todos os locais que se servem desta proteção pelo mesmo período, com o mesmo grau de exposição, ao mesmo tempo. O mesmo ocorre com a saúde, com a educação e com o funcionamento da administração pública em geral, de forma que tais custos só poderiam ser pagos por impostos.
O mundo pós guerras trouxe uma relação do estado com o cidadão mais, digamos, abrangente. Além do advento do estado do bem-estar social (Welfare State), que incluiu mais serviços prestados pelo estado, sendo que a visão do papel do estado foi influenciada, no sentido de compreender mais papéis a serem atendidos pelo orçamento público. Dessa maneira, o orçamento público passou a ser visto como um meio para concretizar três funções do estado: a alocativa (de alocar bens para a economia), a distributiva (de redistribuir parte de sua riqueza acumulada aos mais necessitados) e estabilizadora (de manter a estabilidade econômica em períodos de recessão). O foco aqui são as funções alocativa e estabilizadora.
A função alocativa do estado busca prover bens. Em um país eminentemente agrário, entre as duas guerras mundiais, como o Brasil, alguns setores simplesmente não exerciam atração sobre o empresariado. Ou exigiam aportes de investimento muito grandes, com relativamente baixa possibilidade de retorno. O nível de incerteza ou mesmo de insegurança jurídica não incentivava tais investimentos. Num primeiro momento, o estado buscou suprir esta lacuna, com a criação da Petrobrás e da Companhia Siderúrgica Nacional. Mas o estado brasileiro não teria dinheiro para atuar – mesmo que de forma subsidiária – em todos os setores em que houvesse lacunas do setor privado.
A função estabilizadora, como seu próprio nome diz, é a de manter a estabilidade em momentos de crise, que podem surgir por ocasião de crises – calamidades, convulsões de ordem nacional, guerra externa ou sua iminência.
Neste ponto, para melhor exemplificar esta questão, deve-se olhar subsidiariamente no direito financeiro. É preciso lembrar que o direito tributário não trata do custeio estatal em si – mas daquela relação jurídico-tributária estabelecida entre quem cobra (o estado, o sujeito ativo desta relação) e quem tem que pagar (o contribuinte, o sujeito passivo). O direito financeiro vai enfrentar a questão do orçamento público. Parece bobagem, mas o direito financeiro vai buscar nas receitas que entrarão nos cofres públicos quais despesas o orçamento público poderá assumir. Retornando: como conseguir recursos públicos para alocar bens ou atender a despesas extraordinárias?
Uma solução encontrada para esse problema foi a instituição de empréstimos compulsórios. Só que, à época, o direito tributário não compreendia o empréstimo compulsório na teoria tripartida – embora o CTN previsse a sua existência. Como resolver esse dilema? O direito financeiro possui receitas originárias (que tratam da exploração do patrimônio público e diversas atividades econômicas), que são não compulsórias – e as receitas derivadas (que existem em função do poder de império do estado, os tributos).
As receitas originárias se baseiam em uma relação voluntária e bilateral, como um contrato, entre o estado e seus cidadãos – como a prestação de serviços entre empresas privadas e clientes. Exemplos disso são o pedágio cobrado pela utilização de estradas, e as tarifas de consumo de água tratada e energia elétrica. Os empréstimos compulsórios foram concebidos como uma relação bilateral, entre estado e contribuintes, em que estes entregariam valores necessários para investimentos que se fizessem necessários, que, posteriormente, seriam devolvidos aos cidadãos pagadores. Dentro dessa relação a natureza não seria tão unilateral, pois esta “exigência” seria lastreada em uma espécie de contrato – é claro, instituído por lei. Assim, os empréstimos compulsórios não foram concebidos como tributos, mas como um outro tipo de receita originária. Algo de uma natureza, por assim dizer, híbrida.
E assim os empréstimos compulsórios foram “encaixados” no CTN: uma receita adicional, que não se daria em função diretamente do poder de tributar, para situações específicas, e que depois seriam retornadas aos cidadãos. Tudo conforme prevê o artigo 15 do CTN: “Somente a União, nos seguintes casos excepcionais, pode instituir empréstimos compulsórios:
I – guerra externa, ou sua iminência;
II – calamidade pública que exija auxílio federal impossível de atender com os recursos orçamentários disponíveis;
III – conjuntura que exija a absorção temporária de poder aquisitivo.
Parágrafo único. A lei fixará obrigatoriamente o prazo do empréstimo e as condições de seu resgate, observando, no que for aplicável, o disposto nesta Lei. “
O entendimento sobre empréstimos compulsórios, inclusive no Supremo Tribunal Federal (STF), era de que os empréstimos compulsórios não seriam tributos. A Súmula STF 418 diz: “O empréstimo compulsório não é tributo, e sua arrecadação não está sujeita à exigência constitucional da prévia autorização orçamentária.” Esta súmula atualmente foi superada, o que significa que não possui mais vigência, no que se refere ao entendimento da jurisprudência sobre a natureza dos empréstimos compulsórios.
Por que isso ocorreu? A súmula STF 418 foi publicada em 1964, e essa jurisprudência se refere a um princípio chamado anterioridade orçamentária – que exigia prévia aprovação em lei de qualquer espécie de receita antes de ser incluída no orçamento. É possível inferir que a referida jurisprudência se refere mais a uma necessidade de liberdade orçamentária, do que a tratar do que exatamente são os empréstimos compulsórios: tributos ou empréstimos.
Com o advento da CF/88, o empréstimo compulsório passou a ser previsto, mas com redação cuidadosamente modificada. O comando passou a ser, “Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios:
I – para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência;
II – no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, “b”.
Parágrafo único. A aplicação dos recursos provenientes de empréstimo compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua instituição.”
É importante ressaltar que o empréstimo compulsório, após a CF/88, somente pode ser instituído por lei complementar. A observação das situações guarda tratamentos distintos quanto ao princípio da anterioridade tributária – o princípio que determina que os tributos instituídos ou aumentados em um exercício (ano civil) só possam ter seus efeitos no exercício seguinte. No item I, a causa é extraordinária, possuindo necessidade de efeitos imediatos, portanto, sendo exceção à anterioridade de exercício. No item II, em que pese ser urgente e relevante, é causa especial, devendo respeitar a anterioridade tributária.
A CF/88 trouxe os empréstimos compulsórios como uma exação do estado que ainda ocorreria em situações imprevistas, extraordinárias. Entretanto, não mais haveria a possibilidade de tal situação exigir absorção temporária do poder aquisitivo. Esta previsão, contida na redação do CTN, permitia muitas interpretações sobre como poderia ocorrer essa “absorção temporária” – podendo ser inclusive interpretada como uma espécie de confisco. A despeito de estar contida na redação do CTN, a doutrina majoritária e a jurisprudência do Supremo entendem que este dispositivo não foi recepcionado na constituição atual.
Outra característica importante trazida com a Constituição Federal de 1988 é que os empréstimos compulsórios possuem receitas vinculadas, como nas contribuições especiais. A interpretação cabível é simples: a receita deve ser aplicada nas finalidades que embasaram a cobrança, sob pena de o tributo ficar descaracterizado.
A CF/88 passou a englobar os empréstimos compulsórios, juntamente com as contribuições especiais (sociais, de intervenção no domínio econômico e no interesse das categorias profissionais) também como espécies tributárias. É nesta acepção que a jurisprudência do STF compreendeu que a CF/88 acolheu a teoria pentapartida na definição de suas espécies tributárias – incluindo os empréstimos compulsórios desta feita como espécie tributária.
Em outra ocasião, em um caso de empréstimo compulsório sobre a aquisição de combustíveis, o Supremo declarou inconstitucional a forma de devolução descrita no Decreto-Lei n. 2.288/86, que consistia em cotas do Fundo Nacional de Desenvolvimento – ao invés de operar-se na mesma espécie em que recolhido.
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), a jurisprudência está relacionada aos empréstimos compulsórios criados pela lei nº 4.156/62 com o objetivo de financiar a expansão e a melhoria do setor elétrico brasileiro em uma época onde em muitos lugares do país não havia energia elétrica. Na conta de luz do consumidor, além da tarifa normal, era cobrado determinado valor a título de empréstimo compulsório – que foi exigido até 1993.
O valor arrecadado era destinado à Eletrobrás (Centrais Elétricas Brasileiras), sociedade de economia mista federal responsável pela expansão da oferta de energia elétrica no país. Tanto a lei nº 4.156/62 como o Decreto-Lei nº 1.512/76 previram outra peculiaridade: o reembolso ao contribuinte em participação acionária sobre a Eletrobrás. Em jurisprudência do STJ, esta é a única possibilidade de devolução aos contribuintes de empréstimos compulsórios em espécie diferente do que foi paga ao erário.
Em outro julgado no STJ, em 2015, foi publicada a Súmula STJ 553: “Nos casos de empréstimo compulsório sobre o consumo de energia elétrica, é competente a Justiça estadual para o julgamento de demanda proposta exclusivamente contra a Eletrobrás. Requerida a intervenção da União no feito após a prolação de sentença pelo juízo estadual, os autos devem ser remetidos ao Tribunal Regional Federal competente para o julgamento da apelação se deferida a intervenção.”
Ainda no STJ, em 2019 chegou outra ação sobre a diferença de correção monetária não paga nem convertida em ações. Nesta jurisprudência sobre empréstimos compulsórios, o STJ entende ser cabível a incidência de juros remuneratórios à taxa de 6% ao ano.
Como é possível notar, o estado buscou sustentar suas atividades e prestações de serviços à sociedade em um conjunto de tributos que comportava três espécies. Com a modernidade e as teorias sobre o funcionamento da sociedade e da economia, foi se fazendo necessário buscar outras fontes de custeio que justificassem a apoiassem outras prestações estatais.
Com o advento da industrialização, as economias nacionais foram gradualmente ficando mais dinâmicas. No entanto, também foram tornando-se mais suscetíveis aos problemas de superlotação urbana, desemprego, e carências que ficaram mais evidentes com a chegada da própria sociedade industrial.
É importante conhecer todos os meios pelos quais o direito tributário pode cobrar tributos dos cidadãos. O empréstimo compulsório surgiu como mais uma destas espécies que busca atender a compromissos que aparecem de forma episódica, pontual – mas que precisam ser atendidos pelo estado, com brevidade, de alguma forma – , seja para resolver problemas de organização de um setor econômico, em que não existe a presença do setor privado, seja para prover serviços que visem a melhorar a vida de seus habitantes. Ou ainda para atender a situações emergenciais que exijam grande vulto de recursos financeiros para conter e controlar os danos decorrentes destes acontecimentos.
Ricardo Pereira de Oliveira
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