Olá, meus amigos. No artigo de hoje vamos abordar o tema do Empréstimo Compulsório decorrente de calamidade pública e entender os pressupostos para instauração deste que pode vir a ser um tributo inédito em face da Constituição Federal (CF) de 1988.
Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir Empréstimos Compulsórios:
I – para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência;
II – no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, “b”.
Perceba então que, dentre as possibilidades que permitem a instauração desse tributo, analisaremos a primeira parte do inciso I, isto é, despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública (a nível nacional).
Então, sempre que nesse artigo for citado “Empréstimo Compulsório”, estaremos tratando do Empréstimo destinado a origem de recursos para atender a despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública.
Com a proliferação do Covid-19, o Congresso Nacional aprovou em 20 de Março de 2020 o pedido de reconhecimento de calamidade pública enviado pelo Governo Federal, previsto para durar até 31 de Dezembro (DL Nº6). O reconhecimento deste permite que o Executivo gaste mais do que o previsto e desobedeça às metas fiscais para custear ações de combate à pandemia, além de estabelecer uma permissão fática para a instauração de um tributo inédito nos termos da Constituição Federal de 1988, o Empréstimo Compulsório.
Nas palavras do Governo, o reconhecimento do estado de calamidade pública é necessário “em virtude do monitoramento permanente da pandemia Covid-19, da necessidade de elevação dos gastos públicos para proteger a saúde e os empregos dos brasileiros e da perspectiva de queda de arrecadação”.
Como dito, este tributo visa a atender as despesas extraordinárias decorrentes da calamidade pública. Extraordinárias são as despesas que objetivam satisfazer necessidades públicas acidentais, realizadas em situações imprevisíveis, o que demanda, em contrapartida, uma receita extraordinária. Então, como vivemos em uma crise fiscal, mesmo antes da pandemia, os recursos ordinários certamente ficarão escassos e, assim, possibilitaria a instituição do Empréstimo Compulsório.
O artigo 148 da CF determina que o Empréstimo Compulsório decorrente de calamidade pública seja instituído mediante lei complementar e esta, segundo o artigo 69 da Magna Carta, depende de maioria absoluta para sua aprovação. Vejamos:
Art. 69. As leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta.
Maioria absoluta se alcança pelo primeiro número inteiro maior que a metade dos representantes da casa legislativa. Como exemplo, 81 senadores representam os Estados e o Distrito Federal, sendo a metade deles igual a 40,5. Logo, o primeiro inteiro maior que 40,5 é o número 41.
Sendo assim, para aprovação da lei instituidora do tributo serão necessários votos de 41 senadores e 257 deputados federais.
Dúvida que poderia surgir é se o Empréstimo Compulsório decorrente de calamidade pública poderia ser instituído através de uma lei delegada ou através de medida provisória. A resposta é que não poderia por expressa vedação Constitucional.
No artigo 68, § 1º, a CF veda expressamente que Lei Delegada verse sobre matéria reservada à Lei Complementar.
Art. 68. As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional.
§ 1º Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar (…)
E no artigo 62, a mesma vedação é feita em relação à medida provisória. Confusão pode ser feita pois medida provisória é adotada em caso de relevância e urgência, pressupostos estes que se enquadram nos dias atuais, todavia, pelo fato de ser matéria reservada à lei complementar, o Empréstimo Compulsório não pode ser instituído por medida provisória nos termos do artigo 62 da CF.
Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.
§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
(…)
III – reservada a lei complementar;
Então, por imperativo Constitucional a única espécie normativa possível para instituição do Empréstimo Compulsório é a lei complementar.
A Magna Carta estabelece o pressuposto fático para a instituição do Empréstimo Compulsório decorrente de calamidade pública, mas não traz os elementos essenciais da relação jurídico tributária do tributo, logo, a CF não aborda qual é o fato gerador apto a cobrar a exação. Não podemos confundir pressuposto fático com fato gerador.
Pressuposto fático é a situação inafastável que assegura a legitimidade da instituição deste tributo, isto é, a calamidade pública.
Fato gerador é a materialização da hipótese de incidência (abstração prevista em lei apta a estabelecer a relação jurídica tributária). Nas palavras de Geraldo Ataliba: “é a materialização da hipótese de incidência, representando o momento concreto de sua realização, que se opõe à abstração do paradigma legal que o antecede”.
A CF, como dito acima, estabelece que, o Empréstimo Compulsório decorrente de calamidade pública pode ser instituído por lei complementar. Todavia, a CF não traz os elementos essenciais do tributo. Estes aspectos, a Lei instituidora que irá definir.
Então, a lei complementar, de iniciativa concorrente entre o legislativo e o executivo em face do art. 61, §1º, II, b da CF, terá a função de definir os elementos indispensáveis da relação jurídica tributária. Esta lei federal deverá tratar qual será o fato gerador apto a cobrar o tributo, qual será a base de cálculo, a alíquota e o sujeito passivo.
Portanto, tenha em mente que o fato gerador não é a calamidade pública e sim a situação abstrata que será definida em lei complementar que será capaz de deflagrar a relação jurídica tributária.
Nas palavras de Eduardo Sabbag “O Empréstimo Compulsório é a prestação pecuniária – imposta pela União, por lei complementar – que, visando atender constitucionais pressupostos autorizativos, alcançará, autônoma e compulsoriamente, signos presuntivos de riqueza, sob a promessa de ulterior devolução do importe mutuado e tributariamente exigido”.
Apesar do legislador federal possuir certa liberdade nos aspectos materiais da relação jurídica tributária, assim como para definir o fato gerador do tributo, há de se respeitar os Princípios Constitucionais sob pena de inconstitucionalidade da instauração do tributo.
O Empréstimo Compulsório deve obedecer ao Princípio da Legalidade Tributária (art. 150, I, da CF), sendo instituído apenas por lei complementar como visto anteriormente.
Deverá observar também o Princípio da Irretroatividade (art. 150, III, a, da CF) sendo vedado à União instituir o tributo em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído.
O Empréstimo Compulsório decorrente de calamidade pública deve obediência, ainda, ao Princípio da Isonomia Tributária (art. 150, II, da CF) servindo de corolário o Princípio da Capacidade Contributiva (art. 145, §1º, da CF). Nas palavras de Sacha Calmon Navarro “a capacidade econômica do sujeito passivo pode ser bem aferida, no cotejo com o Empréstimo Compulsório, garantindo-se a isenção aos mais carentes, que merecem passar ao largo do sacrifício fiscal que lhes é imposto”. O princípio da capacidade contributiva, como parâmetro de desigualdade na tributação, visa garantir o mínimo existencial, não sendo plausível pensar que duas pessoas em situações econômicas distintas sejam tributadas pela mesma carga fiscal.
Exceção será feita ao princípio da anterioridade tributária. O Empréstimo Compulsório para atender a despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública (lembrando que estamos nos referindo apenas a este Empréstimo Compulsório) não se subordina, nem ao princípio da anterioridade anual nem ao princípio da anterioridade nonagesimal (art. 150, §1º, da CF). Em face da urgente necessidade de ingresso financeiro, este Empréstimo já poderá ser exigido no dia seguinte ao da sua instituição.
O artigo 148, parágrafo único, assevera que:
Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios:
(…)
Parágrafo único. A aplicação dos recursos provenientes de empréstimo compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua instituição.
Observe então que, a vinculação da receita do Empréstimo Compulsório é constitucionalmente atrelada ao pressuposto fático que lhe deu origem, isto é, vinculada a despesas extraordinárias decorrente da calamidade pública produzida pela proliferação do vírus Covid-19.
Espera-se que o dinheiro seja destinado a investimentos no setor da saúde, na recuperação econômica do país dentre outros pontos sensíveis, nos quais há falta de recursos ordinários, sob pena de responsabilização penal, civil e administrativa dos gestores.
O Supremo Tribunal Federal tem entendimento firmado no sentido de que a restituição do Empréstimo Compulsório decorrente de calamidade pública deverá ser realizada na mesma espécie em que este foi recolhido. Como o tributo é pago em dinheiro, a devolução deste também o será. Logo, a União deverá retornar ao contribuinte o valor da quantia emprestada com todos os acréscimos necessários a recomposição do valor original compulsoriamente ofertado.
De tudo que foi exposto, afirma-se que há sim toda a conjuntura propícia para a instauração deste tributo, porém não podemos afirmar categoricamente se haverá ou não a cobrança de tal exação.
Há no Congresso Nacional o Projeto de lei complementar 34/20, de autoria do Deputado Federal Wellington Roberto (PL-PB), que visa instituir o Empréstimo Compulsório de empresas domiciliadas no País com patrimônio líquido igual ou superior a R$ 1 bilhão a fim de atender exclusivamente às despesas urgentes causadas pela situação de calamidade pública relacionada ao novo coronavírus (Covid-19).
Para mais informação:
https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2241701
Deixe sua opinião. O que você acha sobre a instauração?
Um grande abraço!
vinicius.veleda@estrategiaconcursos.com.br
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Ótimo artigo. Uma aplicação perfeita de um conceito teórico ao mundo real.
Parabéns.
postagem clara e objetiva!
Ótima explicação! Texto claro e bem feito.