Olá pessoal!
Hoje tivemos a prova para a Defensoria Pública do Distrito Federal. De forma muito sumária e rápida, resolvemos, aqui, todas as assertivas que diziam respeito ao processo penal.
Segue o gabarito e algumas rápidas e objetivas ponderações.
89) Sentença penal concessiva de perdão judicial é classificada como suicida, em razão dos seus efeitos autofágicos.
ERRADO. A sentença concessiva de perdão judicial, de fato, é vista como “autofágica”, porquanto embora reconheça o crime e a culpabilidade do réu, acaba isentando-o da pena. Ocorre que essa sentença não é classificada como “suicida”. Por sentença suicida entende-se aquela em que a parte dispositiva (conclusão) contraria a fundamentação, em flagrante contradição. A sentença que concede perdão judicial (instituto expressamente previsto no CP – art. 121, § 5º) não é contraditória e não está eivada de vício.
90) Em se tratando de contravenção penal punida com pena de multa, admite-se subsidiariamente, em caso de inércia do Ministério Público, a ação penal sem demanda.
ERRADO. Na medida em que a Constituição Federal, no artigo 129, inciso I, estabelece competência privativa do Ministério Público para a propositura da ação penal pública, conclui a doutrina que qualquer dispositivo legal que permita a outro agente, como o delegado de polícia ou o juiz, por exemplo, a instauração de um processo, não foi recepcionado pela Constituição Federal. Prevalência do sistema acusatório que, numa de suas perspectivas, não admite ação penal sem demanda, sem provocação da parte.
Nesse sentido, Norberto Avena:
“Veja-se que não foi recepcionado pela Constituição Federal o denominado procedimento judicialiforme, previsto no art. 26 do CPP, no qual se permitia que a ação penal pública nas contravenções penais fosse iniciada por auto de prisão em flagrante ou por meio de portaria expedida pelo juiz ou pela autoridade policial” (AVENA, Norberto. 2017. Processo penal. 9ª. São Paulo : Método, 2017
91) A sentença proferida em ação de prevenção penal será exclusivamente de absolvição, ainda que aplique especificamente medida de segurança aos inimputáveis que praticarem fato definido como crime ou contravenção penal.
CERTO. Por ação de ‘prevenção penal’ entende-se a ação penal intentada com o propósito de aplicação de medida de segurança aos inimputáveis descritos no art. 26 do CP. ‘Prevenção’, justamente, porque o objetivo não é o usual, de punição, de aplicação de pena. Refere-se, portanto, aos indivíduos portadores de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto. Veja o que dispõe o Código Penal:
Art. 26 – É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
A sentença que aplica medida de segurança não é tida como uma sentença condenatória, mas sim ‘absolutória imprópria’. Por essa maneira de pensar, esse tipo de ação penal só poderá ter como resultado a absolvição: ‘imprópria’ (para quando reconhece a prática do injusto e aplica medida de segurança) e ‘própria’ (para as demais situações do art. 386 do CPP, e aí o réu não está sujeito a nenhuma ‘sanção’).
Manoel foi denunciado pela prática de homicídio doloso; o processo seguirá as regras do rito do tribunal do júri.
Considerando a situação hipotética precedente e acerca dos procedimentos relativos a processos da competência do tribunal do júri, julgue os itens seguintes:
97) Ao final do juízo de acusação contra Manoel, entre outras decisões, é permitido ao magistrado proferir decisão de despronúncia, o que equivale à decisão de impronúncia.
ERRADO. A ‘despronúncia’ é um termo utilizado pela doutrina (embora não haja qualquer menção nesse sentido no CPP) para se referir à revisão ou reforma da decisão de pronúncia; seja pelo tribunal (em reforma), o que é mais comum, seja pelo próprio juiz em juízo de retratação. Mas em ambas as situações, perceba-se, por efeito de recurso interposto pela parte (que no caso seria RESE).
O item peca ao afirmar que esta é uma das decisões possíveis de serem tomadas pelo magistrado ao final da primeira fase procedimental, o que é falso. Ou acontecerá em sede de juízo de retratação recursal, ou será determinada pelo juízo ad quem.
Nesse sentido:
Dá-se o nome de despronúncia: a) à decisão do juiz que se retrata, em recurso em sentido estrito, impronunciando o réu; b) à decisão proferida pelo tribunal, quando do julgamento de recurso em sentido estrito contra decisão de pronúncia, que afasta a competência do Tribunal do Júri, impronunciando o réu (Edilson Mougenot Bonfim, 2013).
Ao final da primeira fase apenas quatro decisões são permitidas ao juiz: pronúncia, impronúncia, absolvição sumária e desclassificação.
98) Na sessão de julgamento pelo plenário do Júri, Manoel, estando presente, tem direito de permanecer calado em seu interrogatório; no entanto, nos debates orais, o acusador poderá fazer uso do argumento de que “Quem cala, consente!”.
ERRADO. Embora o acusado tenha direito ao silêncio, conforme se depreende do art. 478, II do CPP, as partes não podem fazer referência a isso (ao exercício desse direito) em seu prejuízo, sob pena de nulidade do julgamento. Dessa forma, é vedado ao acusador fazer uso do argumento de que “quem cala, consente”.
Art. 478. Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências: […]
II – ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo.
99) Para eventual julgamento de Manoel pelo plenário do tribunal do júri, o conselho deverá ser formado por número ímpar de juízes e seguir o modelo escabinado, segundo o ordenamento jurídico brasileiro.
ERRADO. O Brasil adota o modelo tradicional ou puro em relação à composição do Tribunal do Júri, e não o modelo escabinado. Em suma, no modelo tradicional, cabe exclusivamente aos jurados o julgamento da causa (enquanto juízes do fato), incumbindo-se o juiz presidente (togado) das demais funções (art. 497 do CPP). No modelo escabinado, diferentemente, o julgamento cabe tanto aos magistrados leigos quanto aos magistrados togados (de forma conjunta e equivalente), modelo esse que pode ser verificado no âmbito da Justiça Militar, nos chamados Conselhos de Justiça.
Confira as percucientes lições de Leonardo Barreto Moreira Alves nesse sentido:
“Outrossim, o tribunal do júri brasileiro segue o modelo tradicional de composição, tendo em vista que o julgamento da causa compete exclusivamente aos jurados, ao passo que ao juiz-presidente, na segunda fase do procedimento, são estabelecidas apenas as funções elencadas no art. 497 do CPP.
Desse modo, verifica-se que, para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida e aqueles que lhes são conexos ou continentes, o Brasil não adota o denominado modelo escabinado, modelo em que há a atuação de órgão colegiado composto por juízes leigos de carreira, os quais, em pé de igualdade, decidem conjuntamente a causa” (ALVES, Leonardo Barreto Moreira. 2017. Processo penal. 7ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017).
100) Caso o advogado particular de Manoel falte injustificadamente à sessão plenária de julgamento do júri, o juiz nomeará imediatamente defensor público para promover a defesa técnica nessa mesma sessão, sendo, em regra, vedado o seu adiamento nessa hipótese.
ERRADO. A falta injustificada do procurador do acusado, sem a constituição de outro, normalmente ensejará o adiamento do julgamento, com a comunicação do fato ao presidente da Seccional da OAB, informando-se a data designada para a nova sessão (art. 456 do CPP). Registre-se que a ausência do defensor, sem escusa legítima, tem o condão de adiar o julgamento apenas uma vez, por imposição legal (§ 1º do mesmo artigo). Como forma de assegurar que o julgamento será realizado na segunda vez, o § 2º do mesmo dispositivo legal estabelece a prévia intimação da Defensoria Pública.
Dessa forma, não há nomeação ‘imediata’ de Defensor Público ao acusado, tampouco é vedado o adiamento da sessão, razão pela qual o item está errado.
Art. 456. Se a falta, sem escusa legítima, for do advogado do acusado, e se outro não for por este constituído, o fato será imediatamente comunicado ao presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, com a data designada para a nova sessão.
§ 1º Não havendo escusa legítima, o julgamento será adiado somente uma vez, devendo o acusado ser julgado quando chamado novamente.
§ 2º Na hipótese do § 1º deste artigo, o juiz intimará a Defensoria Pública para o novo julgamento, que será adiado para o primeiro dia desimpedido, observado o prazo mínimo de 10 (dez) dias.
101) Se os jurados reconhecerem que Manoel praticou crime de homicídio culposo, então, nesse caso, haverá o que se denomina desclassificação imprópria; o juiz presidente passa a ser competente para o julgamento.
CERTO. Segundo a doutrina, desclassificação imprópria é a que afasta a existência de crime doloso contra a vida apontando de maneira específica qual o crime cometido (no caso, os jurados reconheceram o homicídio culposo). Prevalece o entendimento de que, nessa situação, será competente o juiz presidente para o julgamento da causa.
Confira as lições de Renato Brasileiro:
“[…] desclassificação imprópria: ocorre quando o Conselho de Sentença reconhece sua incompetência para julgar o crime, mas aponta o delito cometido pelo acusado. É o que ocorre, a título ilustrativo, quando o Conselho de Sentença, após responder afirmativamente aos quesitos relativos à materialidade (e letalidade) e à autoria (ou participação), desclassifica a imputação para homicídio culposo. Nessa hipótese, prevalece o entendimento de que o juiz presidente é obrigado a acatar a decisão dos jurados, proferindo decreto condenatório pelo delito por eles indicado. Portanto, enquanto a desclassificação própria não vincula o juiz presidente, a desclassificação imprópria tem caráter vinculativo” (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Volume Único. 5ª Ed. JusPodivm. Salvador. 2017).
Valter, preso em flagrante por suposta prática de furto simples, não pagou a fiança arbitrada pela autoridade policial, tendo permanecido preso até a audiência de custódia, realizada na manhã do dia seguinte a sua prisão.
A partir dessa situação hipotética, julgue os seguintes itens:
102) Na audiência de custódia, ao entrevistar Valter, o juiz deverá abster-se de formular perguntas com a finalidade de produzir provas sobre os fatos objeto do auto da prisão em flagrante, mas deverá indagar acerca do tratamento recebido nos locais por onde o autuado passou antes da apresentação à audiência, questionando sobre a ocorrência de tortura e maus tratos.
CERTO. O item refere-se a duas das disposições do art. 8º da Resolução 213/2015 do CNJ (incisos VI e VIII), acerca das medidas a serem observadas pelo magistrado por ocasião da audiência de custódia:
Art. 8º. Na audiência de custódia, a autoridade judicial entrevistará a pessoa presa em flagrante, devendo:
VI – perguntar sobre o tratamento recebido em todos os locais por onde passou antes da apresentação à audiência, questionando sobre a ocorrência de tortura e maus tratos e adotando as providências cabíveis;
VIII – abster-se de formular perguntas com finalidade de produzir prova para a investigação ou ação penal relativas aos fatos objeto do auto de prisão em flagrante;
103) Na audiência de custódia, caso não tenha advogado particular, Valter poderá contar com a assistência de defensor público, que acompanhará o ato na presença do juiz, do promotor de justiça, do secretário de audiência e dos policiais que promoveram a prisão.
ERRADO. De fato, Valter poderá contar com a assistência de defensor público na realização do ato. Todavia, nos termos do art. 4º, parágrafo único da Resolução 213/2015 do CNJ, é expressamente vedada a presença, na audiência, dos policiais que promoveram a sua prisão:
Art. 4º. A audiência de custódia será realizada na presença do Ministério Público e da Defensoria Pública, caso a pessoa detida não possua defensor constituído no momento da lavratura do flagrante.
Parágrafo único. É vedada a presença dos agentes policiais responsáveis pela prisão ou pela investigação durante a audiência de custódia
104) Segundo o Código de Processo Penal, na audiência de custódia, diante da constatação da desnecessidade de prisão preventiva e da situação de pobreza de Valter, o juiz deverá estabelecer a liberdade provisória desvinculada e sem fiança.
ERRADO. Na hipótese apresentada, deverá o magistrado conceder liberdade provisória sem fiança, nos termos do art. 350 do CPP, sujeitando Valter ao cumprimento das obrigações constantes dos arts. 327 e 328 do CPP:
Art. 350. Nos casos em que couber fiança, o juiz, verificando a situação econômica do preso, poderá conceder-lhe liberdade provisória, sujeitando-o às obrigações constantes dos arts. 327 e 328 deste Código e a outras medidas cautelares, se for o caso.
Art. 327. A fiança tomada por termo obrigará o afiançado a comparecer perante a autoridade, todas as vezes que for intimado para atos do inquérito e da instrução criminal e para o julgamento. Quando o réu não comparecer, a fiança será havida como quebrada.
Art. 328. O réu afiançado não poderá, sob pena de quebramento da fiança, mudar de residência, sem prévia permissão da autoridade processante, ou ausentar-se por mais de 8 (oito) dias de sua residência, sem comunicar àquela autoridade o lugar onde será encontrado.
É uma liberdade provisória ‘vinculada’ ou condicionada portanto. A vinculação ou as condicionantes são aquelas dos arts. 327 e 328 do Código de Processo Penal.
Espero ter ajudado!
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