A ideia deste artigo é explicar duas causas de extinção do crédito tributário – a decadência e prescrição – e como a jurisprudência refinou suas definições.
O direito tributário brasileiro é regido pelas disposições gerais da lei nº 5.172/1966, o Código Tributário Nacional (CTN) e a Constituição Federal de 1988 (CF/88). Quando se fala em decadência e prescrição, está se falando em extinção, fim do crédito tributário. Mas, antes de se falar em extinção do crédito tributário, primeiro é necessário aclarar como o crédito tributário é constituído.
O crédito tributário é o direito líquido e certo da Fazenda Pública de receber um tributo que é de sua competência. E ele só pode ser constituído se existir a obrigação tributária principal. A obrigação tributária é o vínculo jurídico entre o sujeito passivo, o contribuinte ou o responsável e o sujeito ativo, o ente estatal que possui a competência para cobrar o tributo, sendo que essa obrigação surge com a ocorrência do fato gerador, situação necessária e suficiente para gerar este vínculo, e que só pode existir quando prevista em lei.
De forma prática, para que se compreenda todo esse processo: o município possui competência na CF/88 para cobrar o ISSQN – Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, só que para isso primeiro precisa aprovar uma lei que defina qual é o imposto, o contribuinte ou responsável (se e quando houver este segundo), a situação que explique e esclareça qual é o fato gerador, apto a criar este vínculo (a obrigação tributária), e esta relação está já antecipadamente estabelecida, sempre que ocorrer, depois da promulgação (publicação da lei).
Ao ocorrer a situação prevista na lei, ocorre o fato gerador, que estabelece esse vínculo, essa relação jurídica entre quem deve pagar o imposto (contribuinte ou responsável) e quem deve receber este tributo (uma pessoa jurídica de direito público que possui competência para cobrá-lo).
Já se sabe que a obrigação existe, pois ocorreu o fato gerador. Então é só o ente competente cobrar o crédito? Não, não é somente isso. É necessário primeiro constituir o crédito tributário, através de um ato administrativo chamado de lançamento. O lançamento é definido como um ato administrativo, mas na verdade constitui um verdadeiro procedimento, dotado de alguns passos, que, na sequência, de acordo com o art. 142 do CTN: 1) verifica a ocorrência do fato gerador; 2) determina a matéria tributável; 3) calcula o montante do tributo devido; 4) identifica o sujeito passivo; e, se for caso, 5) propõe a aplicação da penalidade cabível (se houver alguma).
Isso pode ser feito a qualquer tempo? Desde que a situação que seja definida como fato gerador ocorra, sim. Entretanto, há um prazo máximo para que esse crédito tributário seja constituído. E aqui começa o assunto que compreende a decadência e prescrição.
Este prazo, de acordo com o CTN, no art. 173, I, é de cinco anos: “O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:
I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;
II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.
Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.”
Ou seja, através deste artigo, nota-se que, quando ocorre o fato gerador, a fazenda pública tem 5 anos para constituir o crédito tributário através do lançamento. E esse prazo varia, porque depende da situação descrita: se esse crédito for constituído pela primeira vez (ele não existia antes), o prazo é contado do primeiro dia do exercício seguinte a que esse tributo poderia ter sido lançado. Como assim?
Simples. Se em 14/06/2020 ocorreu o fato gerador e o tributo não foi automaticamente apurado pela autoridade tributária ou informado pelo contribuinte, o fisco possui esse prazo de 5 anos contado a partir do primeiro dia de 2021.
A segunda situação ocorre quando existe alguma nulidade no processo de lançamento, por exemplo o contribuinte não era aquele em que esse lançamento tinha sido feito. Com o contribuinte errado, o lançamento está viciado por um vício formal. E quando ocorre a anulação deste lançamento por vício formal. Desta forma, este prazo é “devolvido” para o fisco constituir novamente o crédito tributário.
Existem algumas controvérsias na doutrina sobre o que poderia ser de fato a decadência. Alguns autores entendem que a decadência não extingue o crédito, pois se ele não foi constituído, o crédito tributário ainda não existe – o que existe de fato é a obrigação, e se extingue o direito de constituir o crédito. O que é mais aceito é que a decadência é uma perda de um direito de constituir o crédito em decorrência da passagem do tempo.
Ou seja, de outra forma: a decadência é a extinção do crédito tributário por parte de uma inação da administração tributária em efetuar o procedimento administrativo de criar o crédito tributário através do lançamento, no espaço de tempo em que ele poderia ser criado. É a perda do direito de a fazenda pública de constituir o crédito, pois o fisco não agiu dentro do tempo necessário para criar este mesmo crédito tributário.
O fato gerador ocorreu, a obrigação tributária decorrente dele existe, mas o crédito não foi criado, porque não houve o lançamento. Faltou constituir o crédito tributário, portanto, ele não existe. Há autores na doutrina que inclusive apontam esse fato como uma espécie de paradoxo: o crédito foi extinto, apesar de ele não ter sequer existido.
A decadência não pode ser suspensa e nem interrompida.
Na prescrição, o fato gerador aconteceu, a obrigação existe, o crédito foi constituído devidamente. O que não sucedeu foi a cobrança judicial do mesmo, depois do vencimento da data de pagamento deste crédito e do descumprimento do contribuinte ou responsável no pagamento deste crédito.
No que se refere à prescrição, o CTN determina, em seu artigo 174: “A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.” Desta maneira, desde que constituído o crédito tributário, a fazenda pública possui 5 anos para realizar a sua cobrança judicial.
Por que esse prazo é necessário? Porque nem sempre o contribuinte ou responsável realiza o pagamento do tributo no prazo devido. Normalmente, o contribuinte possui um prazo de pagamento para o tributo. O prazo varia em função da espécie do tributo e do tipo de lançamento. Por exemplo, em muitas cidades o IPTU é cobrado no início do ano, nos meses de janeiro ou fevereiro. Existem prefeituras que concedem descontos para pagamentos à vista, ou parcelamentos sem desconto em até 12 vezes. Estados trabalham de maneira parecida com o IPVA.
Já impostos de caráter mais fiscal, que são cobrados de forma mais comum, como o ISSQN (serviços, municipal) e ICMS (circulação de mercadorias, estadual), são comuns práticas de recolhimento mensal, onde o valor devido em um mês pode ser recolhido até o dia 15 do mês subsequente.
Quando tais prazos vencem, e o contribuinte não realizou o pagamento, o fisco possui 5 anos para realizar o procedimento de execução fiscal – que consiste em inscrever o débito em dívida ativa (os valores devidos ao ente público), e depois realizar a execução fiscal (a cobrança judicial do débito).
Em geral, tanto no caso da decadência como na prescrição o prazo é contado conforme explicado até aqui. Essa contagem é realizada da mesma forma em tributos lançados de ofício (quando não há participação na elaboração do lançamento de informações prestadas pelo sujeito passivo) e tributos lançados por declaração (em que o lançamento é realizado conforme informações prestadas pelo sujeito passivo).
Entretanto, no caso de tributos lançados por homologação (quando o tributo é informado, calculado e pago pelo próprio contribuinte), os prazos de decadência e prescrição são contados a partir da data de ocorrência do fato gerador. Pois este lançamento funciona como se fosse “lançado”, ou “autolançado” pelo próprio contribuinte (pois quem lança é a autoridade tributária) – sob a condição de que a própria autoridade administrativa homologue (confirme) que o tributo foi informado, calculado e pago corretamente. E tal notificação pode ser feita por escrito ou tacitamente, quando ocorre o decurso do prazo sem que a autoridade tenha se manifestado. Exceto, é claro, em caso de dolo, fraude e simulação – casos em que o prazo a ser contado é o dos outros tipos de lançamento (ofício ou declaração).
Adicionalmente, a prescrição pode ser interrompida. “Art. 174. (…)
Parágrafo único. A prescrição se interrompe:
I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal;
II – pelo protesto judicial;
III – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
IV – por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor.”
As causas que suspendem a exigibilidade do crédito tributário também suspendem o prazo de prescrição. A suspensão do prazo para a contagem, e quando a suspensão cessa, o prazo volta a correr, de onde parou. Já a interrupção faz o prazo voltar ao inicial (zero).
Quando ocorre a interrupção, a contagem volta ao início. Ou seja, se um prazo estiver no seu quarto ano, perto de vencer, e ocorre alguma das causas de interrupção, o prazo é interrompido. A partir dessa causa, o prazo volta a contar do início. Isso quer dizer que nesse caso o prazo para cobrar este crédito pode chegar a 9 anos – ou até mesmo passar desse período.
A jurisprudência dos tribunais superiores, tanto no Supremo Tribunal Federal (STF) como no Superior Tribunal de Justiça (STJ), possuem entendimentos interessantes sobre a decadência e prescrição.
A doutrina majoritária possui uma clara distinção entre essas duas formas de extinção do crédito tributário. A decadência é a extinção do direito do fisco de constituir o crédito tributário através do lançamento – ou seja, o crédito tributário ainda não existe. A prescrição, por outro lado, é a extinção do direito do fisco de cobrar judicialmente o crédito tributário já constituído – aqui, o crédito tributário existe.
Em que pese a diferença entre decadência e prescrição, uma dúvida persistia e teve de ser respondida na jurisprudência: e quando o crédito não havia sido constituído por não terem sido prestadas as informações pelo sujeito passivo, qual contagem de tempo deveria ser considerada? Fosse decadência ou prescrição, qual contagem garantiria mais prerrogativas à Fazenda Pública?
Alguns autores entendiam que o prazo de 5 anos era por demais exíguo para que o fisco providenciasse as devidas medidas de apuração, lançamento, inscrição em dívida ativa e devida execução fiscal. E nessa linha doutrinária o STJ adotou a visão dos 5+5. Esta visão consistia no seguinte: se o crédito estivesse definitivamente constituído, então se tratava somente de um prazo de prescrição, que é de 5 anos. De outra banda, se o crédito tributário não estivesse constituído, a jurisprudência do STJ entendia que então haveria um prazo de 5 anos para constituir o crédito (findo o qual poderia haver decadência), e mais 5 anos para cobrá-lo judicialmente (caso o fisco ficasse inerte, ocorreria a prescrição).
Inclusive a lei n. 8212/1991, que trata do custeio da previdência social, previa o prazo de 10 anos para a cobrança do crédito tributário, o que ensejava essa compreensão providenciada pela teoria dos 5+5. Todavia, esta teoria foi reformulada na jurisprudência pelo STJ, que acabou substituindo a teoria do 5+5 por uma definição mais consolidada sobre se o crédito está constituído ou não – se não está, cabe discutir decadência, se está, é assunto de discutir prescrição.
Por esse motivo, o STF, não compartilhando a visão do STJ, promoveu a Súmula vinculante n.8: “São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-Lei 1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da Lei 8.212/1991, que tratam da prescrição e decadência do crédito tributário.” O Supremo sempre teve o entendimento de que não cabia a cumulação dos prazos.
Em outro precedente, o STJ aprovou a Súmula STJ-467: “Prescreve em cinco anos, contados do término do processo administrativo, a pretensão da Administração Pública de promover a execução da multa por infração ambiental.” Como a multa ambiental é aplicada com base no poder de polícia da administração pública, o tribunal da cidadania entendeu cabível a contagem quinquenal do prazo para a cobrança.
Em outra ocasião, o STJ aprovou a Súmula STJ-106: “Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadência”. Em suma: o prazo para o fisco providenciar sua cobrança é de 5 anos – não importando quanto tempo a justiça leve para dar sua sentença definitiva – pois este prazo nada tem a ver com a administração tributária, sendo inerente ao funcionamento da justiça.
Desta maneira, não cabe discutir prescrição se o mecanismo da justiça demorou muito tempo para dar a sua resposta. O prazo da fazenda pública de providenciar a execução fiscal (a cobrança judicial do crédito) é de 5 anos. Providenciar significa colocar sob a apreciação da justiça, sendo que a rapidez ou letargia do mecanismo judiciário não entra nesta contagem de prazos.
A mais atual destas jurisprudências sobre decadência e prescrição é a Súmula STJ-555: “Quando não houver declaração do débito, o prazo decadencial quinquenal para o Fisco constituir o crédito tributário conta-se exclusivamente na forma do art. 173, I, do CTN, nos casos em que a legislação atribui ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa.”
Nesta jurisprudência é possível notar que o tribunal da cidadania compreendeu que em um tributo lançado por homologação, quando não é declarado e muito menos pago, o fisco fica prejudicado em seu poder de fiscalização. Como homologar o que sequer foi declarado? Para possibilitar ao fisco seu poder de fiscalização, o STJ entendeu que em casos assim o prazo deve ser contado como se fosse um tributo lançado de ofício ou por declaração.
O crédito tributário possui características que tornam a sua constituição um conjunto de procedimentos bastante singular. O prazo para a sua constituição definitiva é uma parte importante deste procedimento, porque há um tempo para que este procedimento seja realizado. Se não fosse assim, isso permitiria algumas situações que trariam problemas aparentemente insolúveis e de alcance virtualmente infinito.
Essas situações poderiam envolver a constituição de um crédito tributário até 30 ou 50 anos depois. Qual segurança jurídica o contribuinte teria, neste caso? Quais os índices de correção de tal crédito? Qual o impacto financeiro de tais índices, cumulados em 30 ou 50 anos? E se o sujeito passivo não estiver mais vivo? Como proceder uma execução fiscal com um prazo tão longo, em que tantos fatos podem inviabilizar a própria cobrança?
Estas considerações trazem a necessidade de se estabelecerem prazos para a devida constituição do crédito tributário. E mesmo com tais considerações, em situações hipotéticas que envolvam suspensões e interrupções de prazos, o crédito tributário pode ter uma trajetória, entre sua constituição e extinção de mais de 20 anos, podendo inclusive chegar a prazos como 30 ou até 35 anos.
Alguns autores inclusive descrevem a decadência e prescrição como causas de extinção do crédito tributário como formas de atuação do tempo, no sentido de viabilizar e concretizar a segurança jurídica necessária nas relações jurídico-tributárias – compreensão que vem sendo compartilhada pela jurisprudência.
Os tribunais superiores têm buscado aplicar estes conceitos na análise dos casos de decadência e prescrição em suas próprias jurisprudências, com esse mesmo intento. Da mesma maneira, é importante ressaltar que eles concedem ao contribuinte o mesmo prazo para a discussão de suas razões neste assunto. Assim, se o contribuinte quiser discutir algum vício ou nulidade em seu respectivo crédito tributário, ele possui o mesmo prazo (5 anos) para contestar este crédito.
Ricardo Pereira de Oliveira
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Até mais!!
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