Este artigo busca explicar aspectos das contribuições sociais gerais e como a doutrina e jurisprudência buscaram auxiliar na definição de suas características. Aqui se buscará aclarar aspectos do salário-educação e contribuições ao sistema “S”.
Conforme já exposto em outros artigos sobre as contribuições especiais, elas não possuíam previsão na teoria tripartida da lei nº 5.172/1966, o Código Tributário Nacional (CTN) – da mesma forma que as contribuições sociais da seguridade social, PIS, COFINS, CSLL e CPMF, elas passaram a ser tributos depois da promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/88).
Ao buscar um ponto de partida para melhor explicar estas definições (que são mais recentes) é preciso sempre lembrar que o CTN foi criado com base em uma teoria tripartite dos tributos – o que resulta em apenas três espécies tributárias: impostos, taxas e contribuições de melhoria. Um ponto nem sempre lembrado, mas necessário para entender as transformações sociais e do direito é o contexto histórico das épocas.
O Brasil é um país de dimensões continentais cuja industrialização foi tardia, sendo que, na época da promulgação do CTN, o país ainda era predominantemente rural. O êxodo urbano gerou uma crescente mão de obra que precisava de educação e treinamento. Muitas destas necessidades eram para o trabalho urbano.
Naquele momento houve o reconhecimento de que ambas tinham de ser satisfeitas para um contínuo e melhor desenvolvimento do país. A universalização da educação era uma necessidade importante, pois sem educação básica o próximo passo – o treinamento, que envolvia cursos de aprendizagem profissional – seria impossível.
Uma das medidas encontradas para atender às demandas crescentes de profissionais aptos a trabalhar na indústria, comércio e serviços – as três áreas econômicas do país de então – foi a criação de entidades de direito privado que funcionaram como “escolas de profissões”.
Em um momento posterior, houve também a percepção de que não somente a crescente massa de trabalhadores oriundos das áreas rurais precisava de treinamento – mas, acima de tudo, a próxima geração. Contudo, a necessidade não era mais somente de capacitar profissionalmente, tendo o estado brasileiro a missão de trabalhar na base, educando em primeiro lugar as próximas gerações.
Este é o ponto de partida para compreender o momento em que, também como advento de um mundo saído de duas guerras, o estado brasileiro se imbui da missão de prover educação e treinamento profissionais e que as empresas financiariam parte disso.
Em um ponto, houve a criação dos serviços sociais autônomos: o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), o Serviço Nacional de Aprendizagem para o Comércio (SENAC), o Serviço Nacional de Aprendizagem para o Transporte (SENAT).
Neste mesmo raciocínio, para propiciar também benefícios a estes profissionais no sentido cultural e recreativo foram criadas as entidades Serviço Social da Indústria (SESI), o Serviço Social do Comércio (SESC) e o Serviço Social do Transporte (SEST), que se ocupariam de prover uma estrutura de clubes, atividades culturais e escolas para os trabalhadores filiados a elas. Isso compôs o sistema “S”, como ficou conhecido este complexo de atividades.
O legislador brasileiro depois percebeu que mesmo treinando e capacitando uma geração de trabalhadores, era necessário dotar a população crescente de pré-requisitos que propiciassem uma educação mais abrangente, de forma a universalizar esta educação prioritária e necessária.
Dentro desta lógica são criadas as duas contribuições descritas aqui: as contribuições para os serviços sociais autônomos (também chamadas de contribuições para o sistema “S”) e o salário educação.
A expressão “contribuições sociais gerais” foi reconhecida no Superior Tribunal de Justiça (STJ) em jurisprudência que consagrou essas contribuições como distintas das contribuições sociais.
As contribuições sociais já estavam denominadas pelas leis anteriores à CF/88, pois se referiam a recursos que seriam vertidos para o financiamento de Previdência, depois pertencendo ao montante de recursos que seriam vertidos para uma finalidade maior – representada pelo conceito de seguridade social.
As contribuições sociais gerais foram assim nominadas pelos tribunais superiores por serem destinadas a serviços prestados para a coletividade, por instituições nem sempre pertencentes ao estado, mas que cumprem uma prestação mais próxima de um papel estatal. E entre as contribuições sociais gerais encontram-se o salário-educação e as contribuições do Sistema “S”.
A contribuição salário-educação foi criada sob a égide da Constituição Federal de 1969 (pela Emenda Constitucional 1/1969). Na época ela foi instituída como uma contribuição opcional, instituída como uma alternativa às empresas agrícolas, industriais e comerciais de manter o ensino obrigatório gratuito de seus empregados e respectivos filhos entre os sete e catorze anos. Como na época a contribuição era facultativa, não possuía caráter tributário.
Foi criada em 1964, por meio da Lei nº 4.440/1964, tendo como objetivo a suplementação das despesas públicas com a educação elementar (ensino fundamental), adotando como base de cálculo 2% do salário mínimo local, por empregado, mensalmente.
Com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 (CF/88), a contribuição do salário-educação ainda era facultativa. Depois da CF/88, foram promulgadas duas leis com a previsão deste tributo: a lei nº 9424/1996 (que tornou o recolhimento do salário-educação obrigatório), e a lei nº 9766/1998. Resumindo, ela é cobrada por um percentual do salário mínimo multiplicado pelo número de empregados registrados na empresa.
Este montante arrecadado é fiscalizado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e repassado para o Banco do Brasil, onde vai integrar o Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE), de onde é integralmente redistribuída entre o Estado e seus Municípios de forma proporcional ao número de alunos matriculados no ensino fundamental nas respectivas redes de ensino, conforme apurado pelo censo educacional realizado pelo Ministério da Educação.
Desta maneira, é possível ver de que forma uma contribuição facultativa, sem caráter tributário foi se transformando, sob a teoria pentapartite assimilada pela jurisprudência dos tribunais superiores, em uma das contribuições sociais, com feições definitivamente tributárias, sendo a partir deste momento compulsória e compondo o conjunto das espécies tributárias.
Por outro lado, as contribuições do Sistema “S” são contribuições que sustentam serviços sociais autônomos. Estes serviços são mantidos por pessoas jurídicas de direito privado, que não fazem parte da administração pública, mas que pelos serviços sociais e de formação profissional prestados por elas – o que as torna legítimas destinatárias do produto da arrecadação dessas contribuições.
Estas instituições englobam entidades que são pessoas jurídicas de direito privado, que não pertencem à administração direta (governo, ministérios e secretarias) ou à administração indireta (autarquias, fundações públicas, e empresas estatais). Elas atuam como se fossem extensões do estado, embora não estejam vinculadas ou subordinadas a ele – e por esse motivo também são chamadas instituições paraestatais.
Todo o sistema foi construído para que Confederações das empresas do setor cada entidade por contribuições destas empresas – o que torna estas contribuições parafiscais.
Dentro do contexto das leis trabalhistas que passaram a regular as relações do trabalho, houve a promulgação de leis que institucionalizaram, gradativamente, as entidades que compõem o sistema “S”.
O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) foi criado pelo decreto-lei n. 4.048/1942. No início a arrecadação do SENAI era um valor mensal por empregado das empresas filiadas à Confederação Nacional da Indústria (CNI). Esse sistema foi alterado no decreto-lei n° 6.246/1946, quando a arrecadação passou a corresponder a 1% do valor total da folha de pagamento das indústrias.
O Serviço Social da Indústria (SESI) é uma rede de instituições paraestatais brasileiras e de atuação em âmbito nacional. Foi criado em 1 de julho de 1946 com a finalidade de promover o bem-estar social, o desenvolvimento cultural e a melhoria da qualidade de vida do trabalhador que atua nas indústrias, de sua família e da comunidade na qual estão inseridos.
O SENAC foi criado pelo decreto-lei 8.621/1946. Funciona da mesma forma que o SENAI, sendo administrado pela Confederação Nacional do Comércio. O Serviço Social do Comércio (SESC) funciona de forma análoga ao SESI. Foi criado pelo Decreto-Lei n° 9.853/1946.
O SEST SENAT (Serviço Social do Transporte e Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte) foi criado pela lei n.º 8.706/1993, oferecendo os mesmos serviços que seus congêneres SENAI e SENAC. O SENAT é o braço profissionalizante da iniciativa, ao passo que o SEST é braço de recreação, cultura e bem-estar, similar aos SESI e SESC.
O Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (SESCOOP) é integrante do Sistema Cooperativista Nacional. Foi criado pela Medida Provisória nº 1.715, de 3 de setembro de 1998, e suas reedições, regulamentado pelo Decreto nº 3.017, de 6 de abril de 1999.
O Serviço Nacional de Aprendizagem Rural foi criado pela Lei nº 8.315, de 23/12/91, é uma entidade de direito privado, paraestatal, mantida pela classe patronal rural, vinculada à Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Desperta a população do campo com oferta de ações de Formação Profissional Rural, Atividades de Promoção Social, Ensino Técnico de Nível Médio, presencial e a distância, e com um modelo inovador de Assistência Técnica e Gerencial.
O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) é uma entidade privada brasileira de serviço social, sem fins lucrativos, criada em 1972, com o nome de CEBRAE (Centro Brasileiro de Apoio à Pequena e Média Empresa). Tem como objetivo a capacitação e a promoção do desenvolvimento econômico e competitividade de micro e pequenas empresas, estimulando o empreendedorismo no país. Um grande marco para a consolidação do SEBRAE foi a promulgação da Lei Complementar n. 123/2006 – o estatuto das micro e pequenas empresas, lei que também implementou o Simples Nacional.
Importante notar que em todas estas instituições paraestatais os moldes estruturais de atuação foram estabelecidos pelas primeiras delas: o SENAI e o SENAC. As empresas se estruturam em Confederações Nacionais do setor econômico, e são os contribuintes das contribuições que sustentam o sistema que forma os profissionais do seu setor, além de fornecer as ações para a melhoria da qualidade de vida de seus trabalhadores. A única exceção a este modelo é o SEBRAE – que não possui uma Confederação de seu “setor”, porque, uma vez que promove o empreendedorismo – gera efeitos em vários setores.
As contribuições depois foram incorporadas na CF/88, na redação do artigo 240: “Art. 240. Ficam ressalvadas do disposto no art. 195 as atuais contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical.”
Atualmente ,a alíquota da contribuição empresarial para os serviços de aprendizagem (Senai, Senac e Senat) é de 1%. As exceções são o Senar, que tem contribuição variável de 0,2% a 2,5%, e o Sescoop, para o qual a alíquota é de 2,5%. Já os serviços sociais (Sesi, Sesc e Sest) recebem 1,5% da folha.
Em termos de jurisprudência, quase não há jurisprudência sobre os temas de contribuições sociais gerais. Existe a já consolidada Súmula STF-732: “É constitucional a cobrança da contribuição do salário-educação, seja sob a Carta de 1969, seja sob a Constituição Federal de 1988, e no regime da Lei 9.424/1996.”
A súmula foi necessária porque ações contestavam decretos-leis posteriores, o Decreto-Lei nº 1.422/1975, ao delegar ao Poder Executivo a atribuição para alterar a alíquota do salário-educação, contrariado o princípio da reserva absoluta de lei em matéria de tributos e contribuições, competência conferida ao Poder Legislativo. A mesma ação alegava a incompatibilidade do Decreto nº 76.923/1975 – que aumentou a alíquota da contribuição (que então era facultativa, de 1,4% para 2,5%), e a Lei nº 9.424/96, que tornou obrigatório o pagamento da contribuição.
Em que pese as aparentes inconstitucionalidades, o Supremo sopesou ambas frente aos objetivos constitucionais de universalização do direito à educação, entendendo que o prejuízo aos objetivos educacionais do país seria irremediavelmente atingido, em detrimento de milhões de educandos. Disso se decorre a decisão pela constitucionalidade da cobrança.
Em outra jurisprudência sobre contribuições sociais gerais, o STJ recebeu ação que questionava o pagamento de contribuições ao sistema “S” por empresas prestadoras de serviços, que se recusavam a recolher a contribuição ao SENAC. Como o SENAC realiza atividades que inicialmente eram relacionadas ao comércio, as empresas prestadoras de serviços alegavam não estar ligadas a este sistema – portanto não podendo recolher esta contribuição por esse motivo.
A alegação foi rechaçada pelo tribunal da cidadania, pois o entendimento do tribunal na situação foi o seguinte: tais empresas prestadoras de serviço auferem lucros, e com esse produto remuneram os seus sócios; desta forma, funcionam como estabelecimentos comerciais. Outro ponto de vista foi o de que os empregados destas empresas não poderiam ser excluídos dos benefícios do SESC – logo, se estas empresas não pertencessem a outra Confederação, não cabia elas se eximir de recolher a contribuição.
E isto gerou a jurisprudência em súmula do STJ, a de número 499: “As empresas prestadoras de serviços estão sujeitas às contribuições ao Sesc e Senac, salvo se integradas noutro serviço social.”
Em outra jurisprudência sobre contribuições sociais gerais, o STJ reconheceu na contribuição do SEBRAE a caraterística de uma contribuição ao domínio econômico (CIDE). Em parte, isso se deve à característica sui generis da situação do SEBRAE, que não é exatamente administrado por uma confederação de empresas de setor, a exemplo das outras contribuições.
As contribuições sociais gerais vieram em um contexto de um estado mais prestador, um estado que buscasse diminuir um déficit social, e a permitir também a integração de milhões de brasileiros ao trabalho.
No caso do trabalho, havia uma grande necessidade de levar o país a uma economia moderna, com o desenvolvimento que uma larga escala de industrialização permitiria a um país ainda predominantemente rural. É preciso lembrar que o Brasil ainda possui dimensões continentais, e o desenvolvimento econômico trazido pela industrialização seria a melhor opção para integrar o país e interligá-lo.
E num primeiro momento, as empresas tiveram a responsabilidade de serem os agentes que propiciariam esta transição para esta economia mais moderna – através de suas escolas profissionalizantes e complexos que promoviam ações visando ao bem-estar da população. A jurisprudência dos tribunais superiores reconhece este fato ao analisar ações que questionam o pagamento destas contribuições sociais gerais.
Entretanto, com o passar do tempo, a globalização trouxe outros desafios: a mobilidade dos fatores de produção, que passaram a circular mais livremente através das fronteiras dos países. Para investimentos e trabalho, o capital necessário precisa encontrar leis favoráveis, mão de obra bem formada e relativamente mais barata, e uma estrutura de custos mais enxuta.
As leis que instituíram as contribuições sociais gerais sustentaram e fortaleceram um sistema de formação de profissionais, mas também tornaram esta estrutura bem mais cara, e não possibilitaram a criação de empreendimentos que facilitassem a criação de empresas menores.
Economias mais maduras no mundo também possuem grandes empresas. Porém, possuem em contrapartida um número muito maior de empresas médias e até pequenas, demonstrando inclusive que a maior parte dos empregos em número ficam entre as pequenas e médias empresas. Isso, em parte, se deve a um ambiente com segurança jurídica, mas com mais liberdade para empreender e menos custos ao pequeno empreendedor.
Com o advento da Lei Complementar n. 123/2006 (o estatuto da pequena e média empresa, a lei que institui o Simples Nacional), isso começou a mudar. Estas empresas optantes não estão obrigadas ao recolhimento das contribuições ditas parafiscais. Nos últimos anos, têm surgido iniciativas, como o Projeto de Lei 6505/19, que determina que a contribuição das empresas ao chamado “Sistema S” será facultativa e limitada a 1% da remuneração paga mensalmente aos empregados.
Ricardo Pereira de Oliveira
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