Este artigo busca explicar aspectos das contribuições sociais financeiras e como a doutrina e jurisprudência buscaram auxiliar na definição de suas características. No artigo sobre as contribuições sociais, foi explicado sobre as contribuições sobre folha de pagamento, salários dos trabalhadores e concursos de prognósticos. Aqui se esclarecerá sobre as contribuições CSLL e CPMF.
No direito tributário brasileiro um dos pilares que embasam seus princípios e regras é a lei n. 5.172/1966, o Código Tributário Nacional (CTN), bem como a Constituição Federal de 1988 (CF/88).
Como já é evidente, as contribuições sociais não existiam como tributos até a promulgação da CF/88. Foi na constituição de 1988 que a seguridade social foi prevista como um complexo que abrangia saúde, previdência social e assistência social, a ser financiado e mantido pelos poderes públicos e pela sociedade, através das contribuições sociais.
No contexto dessa evolução histórica, o então novo sistema de seguridade social precisaria ser mantido por estas contribuições sociais. Entretanto, o país já vivenciava o potencial problema do financiamento deste sistema no aspecto previdenciário. O sistema de previdência brasileiro é de repartição: isso significa que os trabalhadores ativos não pagam para a sua própria aposentadoria, e, sim, a dos atuais inativos (aposentados), que, quando ativos, financiavam a geração aposentada de sua época.
É por esse motivo, que, em previdência brasileira, se fala em pacto de gerações: o sistema funciona como se houvesse um pacto da geração atual – que paga a aposentadoria da geração anterior. Porém, isso traz alguns problemas: se há um decréscimo na taxa de natalidade, característica de quase todas as populações do mundo hoje, isso potencialmente pode levar a uma população em número relativamente menor, sustentando benefícios de uma população relativamente maior de aposentados.
E como se equaciona um problema assim? Uma das saídas é aumentar a idade de aposentadoria ou aumentar o tempo de contribuição. Mas, no Brasil, isso deve ser feito por Emenda Constitucional, o que torna o processo demorado (duas votações, nas duas casas legislativas, em dois turnos), além de suscetível às mais variadas pressões sobre qual deveria ser a idade de aposentadoria, ou o tempo de contribuição.
A outra saída é buscar novas fontes de arrecadação, instituindo outras contribuições.
Retornando ao nosso sistema, a Constituição Federal de 1988 (CF/88) previu o custeio do sistema, no artigo 195:
“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:
(…)
c) o lucro“; (CSLL que será tratada aqui).
O constituinte originário previu dois princípios para o custeio do sistema: o princípio da capacidade contributiva, que possibilitou alíquotas diferentes, pela natureza da atividade (empregadores recolhem 20% do salário do trabalhador e instituições financeiras, 22,5%), além da progressividade (quanto maior a expressão econômica, maior o percentual que pode incidir, aumentando o valor pago).
O princípio da diversidade da base de financiamento, por outro lado, busca fontes adicionais de custeio, para manter o equilíbrio atuarial do sistema (resumindo: que ele possa se manter sem prejuízos) – para manter o sistema sustentável. E aqui estão 2 contribuições sociais financeiras criadas com esse objetivo: a CSLL e a CPMF, que foram discutidas na jurisprudência .
Neste texto será utilizada uma tipificação que melhor define as contribuições sociais que incidem sobre movimentação financeira e lucro: contribuições sociais financeiras, pois ambas envolvem conceitos financeiros.
A Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) foi criada com a lei n. 7689/1988 (conversão da Medida Provisória n. 22/1988) como mais uma fonte de recursos para a seguridade social. Foi assim instituída, posteriormente agregada à legislação do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) na lei n. 9249/1995, com alguns de seus dispositivos atrelados à lei n. 10684/2003.
A CSLL incide sobre o lucro líquido, o lucro apurado depois das deduções dos custos e despesas operacionais, e receitas e despesas financeiras. Este lucro é o lucro antes das deduções do imposto de renda. Ou seja, a mesma base de cálculo sobre a qual incide o IRPJ incide também a CSLL.
A CPMF, por outro lado, possui uma história mais peculiar. Ela não foi inicialmente instituída como contribuição, mas como um imposto, o Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras (IPMF), que foi instituído pela Emenda Constitucional nº 3/1993.
O contexto da época era de uma forte crise econômica. Havia a necessidade de reforçar os cofres públicos e tal medida precisava ser urgente, abrangente e havia uma necessidade de buscar uma taxação que fosse ao menos proporcional. Um imposto que incidisse sobre todas as transações financeiras parecia cumprir todos esses requisitos.
Havia ainda a possibilidade desse imposto ser propagandeado como uma espécie de “imposto sobre grandes fortunas” – aquele previsto para ser instituído por lei complementar. De forma sucinta, ele não era nada disso. Mas poderia ser entendido assim: em 1993, como hoje, pouquíssimas pessoas poderiam se dar ao luxo de realizar transações financeiras, o que poderia dar uma “máscara” de imposto sobre “ricos”.
Some-se a isso uma isenção às transações em caderneta de poupança (notadamente, as economias dos “pobres”) e pronto: seria um bicho com olhos de gato, rabo de gato, corpo de gato, orelhas de gato, mas chamado comumente de lince (não é o tal do gato, mas que parece, parece).
Entretanto, dadas as circunstâncias, o IPMF teria que ser instituído urgentemente, naquele mesmo ano de 1993. Porém, como tudo feito com muita pressa, foi contestado judicialmente, tendo sido declarado parcialmente inconstitucional.
Desta forma, o governo federal da época teve que se adaptar e transformar a cobrança do imposto em outra espécie tributária que não precisasse aguardar o próximo exercício. Isso extinguiu o então IPMF (que foi revogado), que foi substituído pela Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF). O objetivo declarado também sutilmente mudou: a nova contribuição seria integralmente aplicada no sistema de saúde brasileiro.
Na época, a CF/88 permitia a edição de Medidas Provisórias pelo chefe do Poder Executivo, que vigorariam então por 30 dias – mas poderiam ser prorrogadas indefinidamente, podendo permitir, com as devidas prorrogações, que uma determinada medida provisória pudesse manter seus efeitos por anos, enquanto não fosse aprovada a lei que regulasse em definitivo seus efeitos. Isso permitiu que a CPMF tivesse a Medida Provisória constantemente prorrogada, com a posterior edição de lei instituindo a cobrança.
Com o advento da Emenda Constitucional n. 32/2001 (EC n. 32/2001) o tratamento para Medidas Provisórias mudou, para o prazo atual de 60 dias, prorrogáveis por mais 60 dias – sob pena de perder seus efeitos. O que ocorreu com a MP dessa contribuição é que ela é anterior a essa mudança, o que permitia, ainda, essas prorrogações. Assim surgiu a lei n. 9311/1996, que possibilitou a instituição e cobrança da CPMF no período de 1996 a 2007.
Entretanto, os efeitos de contribuições sociais financeiras como a CPMF eram muito negativos: como ela incidia indistintamente, salvo algumas isenções, toda e qualquer movimentação financeira (aplicação, resgate, saque, depósitos, empréstimos, contratos de câmbio, etc.) incidia muitas vezes em uma mesma cadeia produtiva, ficando passível de ser contestada e argumentada sua inconstitucionalidade em jurisprudência. Sem uma previsão de não cumulatividade, isso gerava um efeito cascata que, na prática, encarecia todos os preços da cadeia. Com o passar do tempo, esse efeito foi repassado a todos os preços.
Consequentemente, havia mais uma prorrogação da Medida Provisória a ser implementada em 2007. E, em uma votação no Senado Federal, essa prorrogação não foi aprovada. E 2007 foi o último ano em que a CPMF vigorou no Brasil.
Uma jurisprudência interessante foi a jurisprudência produzida sobre o julgamento do então IMPF (ainda não era CPMF) no Supremo Tribunal Federal (STF). O então imposto foi contestado em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) por ofender alguns princípios caros ao direito tributário nacional: o princípio da anterioridade e o princípio da imunidade recíproca.
O princípio da anterioridade pode ser definido como o princípio da não-surpresa: não pode haver lei que institua ou majore impostos que produza efeitos no mesmo exercício financeiro. Se um imposto é criado ou aumentado em um ano, seus efeitos só podem ser sentidos no ano seguinte.
Esse princípio já era previsto no CTN, no art. 104: “Entram em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorra a sua publicação os dispositivos de lei, referentes a impostos sobre o patrimônio ou a renda:
I – que instituem ou majoram tais impostos;
II – que definem novas hipóteses de incidência;
III – que extinguem ou reduzem isenções, salvo se a lei dispuser de maneira mais favorável ao contribuinte, e observado o disposto no artigo 178.”
O mesmo dispositivo foi previsto na CF/88, em seu artigo 150: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…)
III – cobrar tributos: (…)
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
É importante ressaltar que a redação da CF/88 manteve muitos dispositivos do CTN, de maneira que realmente era inconstitucional instituir um imposto que desrespeitasse esse princípio.
E também havia outro princípio, o da imunidade recíproca: esse princípio impõe que os entes federativos não podem cobrar impostos sobre suas rendas, patrimônios ou serviços. Quando o IPMF foi instituído, não houve previsão de que as transações financeiras dos entes federativos seriam isentadas, e isso era mais uma inconstitucionalidade apresentada ao STF, que, por sua vez, compreendeu inconstitucionais estes dois pontos. Esta jurisprudência reconheceu os direitos e garantias do contribuinte, no caso, como cláusulas pétreas (ou seja, não passíveis de revogação por outras emendas constitucionais).
No restante, a lei permanecia constitucional (exceto por esses dois pontos), podendo valer a partir de 1994. Com a jurisprudência, o legislador ordinário não podia esperar até o exercício seguinte, então a solução foi revogar a lei do imposto, e aprovar a lei de uma nova contribuição social (a CPMF).
O Supremo também reconheceu em sede de jurisprudência que todas as contribuições especiais (inclusive as contribuições sociais financeiras CSLL e CPMF) se submeteriam à lei complementar de normas gerais, mas que a instituição das contribuições já previstas na CF/88 poderia ser feita por lei ordinária. Já que não são impostos, não há necessidade de que tenham seus fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes estejam definidos em lei complementar. Todavia, caso a União institua novas contribuições, no exercício de sua competência residual (de onde vem a expressão contribuições residuais) deverá instituí-las por lei complementar.
Sobre a CSLL, houve um caso levado por empresas exportadoras ao STF sobre a imunidade de contribuições sociais sobre as receitas de exportação. O argumento das empresas pedia a extensão da imunidade para abranger também a CSLL. O Supremo rechaçou a tese em jurisprudência, diferenciando receita de lucro: as receitas são imunes à cobrança de contribuições sociais, ao passo que o lucro não é imune à incidência desta contribuição social financeira (CSLL).
Em outra jurisprudência recente o excelso tribunal reconheceu a constitucionalidade da lei 7.689/88, bem como as majorações de alíquota efetivadas pela lei n. 7856/89, por obedecerem à anterioridade nonagesimal. A majoração de base de cálculo, por outro lado, teve de respeitar a anterioridade de exercício, só podendo ser efetivada em 1990.
No estado brasileiro, a previdência social foi inicialmente criada com as caixas de aposentadorias da Lei Eloy Chaves. Estes sistemas foram mais uma das conquistas de uma era sindical e dos trabalhadores, no sentido de dar o devido amparo a uma classe crescente, que necessitava de segurança contra eventos que impossibilitassem o exercício laborativo, temporariamente ou permanentemente, que indicassem o envelhecimento e necessidade de encerramento de carreira, uma licença para a maternidade, ou mesmo a morte.
Com o passar do tempo, a administração pública se viu na necessidade de centralizar os diversos sistemas de caixas de aposentadorias privados em um sistema de previdência geral e centralizado, para todos os trabalhadores do país. A escolha para abrigar o maior número de beneficiários possível foi instituir um sistema compulsório, onde todos os trabalhadores fossem filiados automaticamente no contrato de trabalho.
No pós guerras, este conceito precisou ser ampliado: entrou em ação um estado do bem-estar social, que passou a ficar mais encorpado, absorvendo a saúde, a assistência social e aglutinando esses subsistemas em um sistema de seguridade social.
É importante observar como o direito tributário pode subsidiar na sustentação de um sistema tão abrangente, criando os tributos que irão sustentar o sistema, bem como as repercussões das decisões do legislador: se elas não forem bem justificadas, o resultado pode ser jurisprudências sobre contribuições sociais financeiras negativas, bem como a insatisfação dos cidadãos com o peso tributário delas.
Ricardo Pereira de Oliveira
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