Este artigo busca explicar aspectos das contribuições sociais (uma das contribuições especiais) e como a doutrina e jurisprudência têm ajudado à adequada definição de suas características.
No direito tributário brasileiro um dos pilares que embasam seus princípios e regras é a lei n. 5.172/1966, o Código Tributário Nacional (CTN), bem como a Constituição Federal de 1988 (CF/88).
Como na época da promulgação do CTN o direito tributário no Brasil aplicava a teoria tripartida ou tripartite, somente havia previsão de três espécies tributárias: impostos, taxas e contribuições de melhoria. Cada uma destas espécies possuía características únicas, que diferenciavam estas espécies.
É importante notar que ao longo da existência do CTN, antes da vigência da CF/88, a teoria tripartida preceitua o que define a natureza do tributo: é o fato gerador de sua obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la tanto sua denominação e demais características formais adotadas pela lei, bem como a destinação legal do produto de sua arrecadação.
Embora já fosse claro que nas taxas e nas contribuições de melhoria haveria uma vinculação estatal, ao passo que nos impostos não haveria essa vinculação, a doutrina majoritária não entendia ser relevante a vinculação de receita para definir a natureza jurídica do tributo e questão. Tal entendimento é o de um estado que não possuía, ainda, um papel prestacional.
A Constituição Federal de 1988, no bojo da teoria pentapartida ou pentapartite, veio a introduzir como espécies tributárias mais duas novas espécies: os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais: contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas e a contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública (esta última inserida pela Emenda Constitucional n. 39/2002). Como o assunto é farto em teoria e em jurisprudência, este texto abordará somente as contribuições sociais para o custeio da seguridade social (também conhecidas como contribuições da seguridade social).
A seguridade social é uma função estatal e da sociedade relativamente recente, vindo ao longo do século XX e no Brasil, mais notadamente, no pós II Guerra Mundial. A seguridade social compõe-se de três áreas de atuação: saúde, previdência e assistência social.
No panorama pós guerra, em que o estado passa a possuir um caráter mais prestacional, são criadas as entidades parafiscais, que agem como extensões do estado, buscando prestar estes serviços e atingir a maior parte possível da coletividade.
No capítulo referente à ordem social, é apresentado o sistema nacional de seguridade social: um conjunto de ações, do poder público e da sociedade visando proteger e manter o núcleo de alguns direitos sociais, referentes à saúde, previdência social e assistência social.
Na área da saúde, esta passa a ser entendida como um direito social, que a todos deve abranger, independentemente de estado civil, posição social, idade, sexo ou mesmo nacionalidade. A saúde passa a ser um direito em que se busca a universalidade. Todos deverão ser atendidos, independentemente de poder pagar por ela ou não. Saúde é direito de todos.
A previdência social tem como premissa é de prover pelo trabalhador durante períodos de afastamento, seja por doenças, por acidentes do trabalho, pela impossibilidade de exercer atividades na velhice, enfim, um conjunto de situações que acarretam uma redução ou até mesmo interrupção de sua capacidade de trabalhar e o rendimento da gestante, por meio do salário-maternidade. A previdência deve ser paga pelos beneficiários dela – ou seja, tem caráter contributivo (para desfrutar do sistema é preciso contribuir) e solidário (formando uma rede protetiva social na qual se busca atender a todos que dela fazem parte).
A assistência social tem como objetivo atender os hipossuficientes: aqueles que estão em posição carente de recursos, seja por se tratar de pessoas pobres, seja para os idosos sem condições de subsistência, seja por se tratar de deficientes físicos e portadores de outras enfermidades que prejudiquem sua integração ao mercado de trabalho. Desta forma a assistência social deve ser dada a quem dela necessitar.
Esses três parágrafos foram para explicar o complexo sistema de seguridade social brasileiro. Novamente, frise-se que o objetivo deste texto é compreender as contribuições sociais – como já definida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF).
Na parte previdenciária, uma rede protetiva especial, mantida financeiramente pelos trabalhadores e empregadores, sustentaria o trabalhador por um breve período (até sua recuperação ou adaptação) ou até sua morte (aposentadoria) indo até mesmo além dela (pensões por morte) – como uma espécie de seguro. Este conceito é inovador para a teoria tripartida, pois prevê um estado do bem estar social (Welfare State), que busca dar mais assistência aos seus cidadãos.
Pela primeira vez desde a teoria tripartida, a vinculação das receitas de um tributo passa a ser importante para defini-lo, juntamente com a descrição de seu fato gerador. Só que, do mesmo que acontece com os empréstimos compulsórios, a vinculação de receita a uma finalidade vai dar a “cara” que este tributo vai ter. Essa vinculação vai definir a identidade destes novos tributos, como as contribuições sociais – dando uma característica a essas contribuições: a parafiscalidade.
A CF/88, em seu artigo 149, prevê: “Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
§ 1º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, por meio de lei, contribuições para custeio de regime próprio de previdência social, cobradas dos servidores ativos, dos aposentados e dos pensionistas, que poderão ter alíquotas progressivas de acordo com o valor da base de contribuição ou dos proventos de aposentadoria e de pensões.
§ 1º-A. Quando houver déficit atuarial, a contribuição ordinária dos aposentados e pensionistas poderá incidir sobre o valor dos proventos de aposentadoria e de pensões que supere o salário-mínimo
§ 1º-B. Demonstrada a insuficiência da medida prevista no § 1º-A para equacionar o déficit atuarial, é facultada a instituição de contribuição extraordinária, no âmbito da União, dos servidores públicos ativos, dos aposentados e dos pensionistas.
§ 1º-C. A contribuição extraordinária de que trata o § 1º-B deverá ser instituída simultaneamente com outras medidas para equacionamento do déficit e vigorará por período determinado, contado da data de sua instituição.”
Esta disposição na constituição é um tanto extensa. Para resumir, ela traz as seguintes informações: há a previsão de um sistema geral de previdência social, de competência da União, e a razão para isso é porque, por se tratar de um sistema nacional, isso deve ser centralizado por um sistema de âmbito nacional. Todos os empregados, empregadores e outros tipos de trabalhadores (profissionais liberais, etc.) deverão se filiar a este sistema.
A segunda observação é que cada ente federativo poderá instituir um regime próprio, que será custeado pelas contribuições que ele instituir.
O terceiro ponto trata da sustentabilidade do sistema. Como se trata de um sistema contributivo, a geração que trabalha sustenta os benefícios da geração que está aposentada. O dinheiro da contribuição dos ativos (que estão trabalhando) sustenta os inativos (aposentados e pensionistas). E se o dinheiro não der? Bom, então poderá haver contribuições sobre os benefícios previdenciários que estão sendo pagos.
E se a situação for tão ruim que mesmo cobrando dos aposentados e pensionistas se possa cobrir as despesas? Bom, ainda há a possibilidade da instituição de uma contribuição extraordinária, que, em conjunto com outras medidas, ajudará a mitigar o déficit. Existem alguns princípios da seguridade social que acabam se tornando características das contribuições sociais. Um desses princípios é a diversidade da base de financiamento e outro, a capacidade contributiva, conforme se pode verificar:
“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (contribuições sociais, tratadas aqui)
b) a receita ou o faturamento; (PIS e COFINS que serão tratadas em outros artigos)
c) o lucro; (CSLL que serão tratadas em outro artigo)
II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, podendo ser adotadas alíquotas progressivas de acordo com o valor do salário de contribuição, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social; (contribuições sociais, tratadas aqui).
III – sobre a receita de concursos de prognósticos (contribuições sociais, tratadas aqui).
IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar” (PIS e COFINS Importação que serão tratadas em outro artigo).
A título de curiosidade, existem outras contribuições, que serão estudadas nos próximos artigos (sim, são mais algumas contribuições, em decorrência do objetivo de diversidade de base de financiamento da seguridade social, com possibilidade da instituição de outras).
Outra característica das contribuições especiais é a referibilidade. A referibilidade trata da relação entre o tributo devido e o contribuinte que o paga: se a referibilidade é direta, o tributo é taxa. Se a referibilidade é indireta, beneficiando uma determinada categoria, trata-se de uma contribuição. A solidariedade e a referibilidade impõem que a seguridade social seja financiada por todos, dentro da capacidade contributiva de cada um, visando beneficiar toda uma coletividade abrangida pela seguridade social.
As contribuições sociais devem respeitar os princípios da legalidade (só podem ser instituídas, aumentadas ou reduzidas por lei), da anterioridade especial (os efeitos sobre aumentos devem aguardar o mínimo de 90 dias após a publicação da lei).As contribuições sociais aqui tratadas foram instituídas pela lei federal nº 8212/1991 (a lei orgânica da seguridade social) e também regulamentadas pelo Decreto nº 3048/1999, que também define outras disposições sobre o custeio da seguridade social. A parte das empresas está no artigo 201,I, II (empresas), 198 (trabalhadores) e 212(concursos de prognósticos). Entretanto, ainda assim fez-se necessária a intervenção judicial que gerou jurisprudência acerca dessa nova espécie tributária: as contribuições sociais.
Contribuições sociais e jurisprudência
As contribuições sociais são uma espécie tributária relativamente nova e, consequentemente, geraram diversas discussões em âmbito judicial. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui duas súmulas, a Súmula 351-STJ: “A alíquota de contribuição para o Seguro de Acidente do Trabalho (SAT) é aferida pelo grau de risco desenvolvido em cada empresa, individualizada pelo seu CNPJ, ou pelo grau de risco da atividade preponderante quando houver apenas um registro”. A outra é a Súmula 458-STJ: “A contribuição previdenciária incide sobre a comissão paga ao corretor de seguros.”
Há mais casos de jurisprudência aplicada sobre contribuições sociais pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Em duas diferentes ocasiões, o Supremo definiu a constitucionalidade de alíquotas diferenciadas para instituições financeiras. A contribuição patronal (dos empregadores) em geral corresponde a 20% dos rendimentos pagos em folha de pagamento. A lei da seguridade social prevê 22,5% sobre a massa de salários pagos pelas instituições financeiras – isso de forma a valorizar sua maior capacidade contributiva, e isso foi considerado constitucional pelo STF.
Outra situação em que a jurisprudência trouxe luz diz respeito à incidência das contribuições sociais sobre os ganhos auferidos pelo empregado. Existem empresas que pagam outras verbas junto ao salário, e entendiam, antes da vigência da Emenda Constitucional n. 20/98 (EC 20/98) que cabia recolher sobre o salário, mas não sobre todos os rendimentos – visto que alguns deles não são estáveis, não ocorrem sempre, ou não eram vistos como salário: um exemplo disso era o auxílio periculosidade. Por esses motivos, foi editada a EC 20/98, para deixar explícito que os ganhos não são somente salário, mas todos os regularmente pagos, seja qual for a denominação. E em jurisprudência o egrégio tribunal reconheceu que, as contribuições sociais a cargo do empregador incide sobre os ganhos habituais do empregado, antes ou depois da EC 20/98.
As contribuições sociais patronais incidem não somente sobre a folha salarial, podendo incidir sobre outras bases e cálculo, como é o caso do empregador rural, incidindo através de um percentual sobre sua receita bruta (2,5%). Em duas situações a jurisprudência do STF atestou a constitucionalidade formal e material desta forma de cálculo de contribuições sociais.
As contribuições especiais foram incluídas no direito tributário com algumas funções bem distintas, em subespécies. A primeira delas são as contribuições sociais (ou contribuições para a seguridade social).
Os primeiros sistemas previdenciários no Brasil eram privados, compostos de acordos entre empresas e empregados, e as caixas de aposentadoria de algumas categorias de trabalhadores, como os portuários, os servidores públicos, os mineradores – criadas inicialmente pela Lei Eloy Chaves, de 1923.
Durante o pós-guerra, o estado brasileiro foi passando por uma transição na qual foi se redefinindo como um estado de bem-estar social. Com isso, foi gradualmente assumindo a gestão de um sistema de previdência pública, em um contexto histórico que englobou a saúde, a assistência social e culminou na promulgação da CF/88, consolidando todo esse complexo no que chamamos hoje de seguridade social. Porém, assumidas estas funções como estatais, ainda ficava uma situação pendente: como sustentar financeiramente esse gigantesco sistema? Neste ponto a doutrina se adaptou e assimilou a ideia das contribuições sociais.
A importância destas contribuições remete a uma ideia de estado que entende o trabalho como um direito social e um dos pilares da dignidade humana, mas ao mesmo tempo reconhece que nem todos os cidadãos possuem condições de exercer atividade profissional.
Existem situações que podem impedir a plena realização deste direito. Deficiência física, idade avançada, enfermidades incapacitantes diversas e até mesmo outros problemas que impõem dificuldades intransponíveis para as pessoas.
Enquanto isso, o mundo pós guerras exige dos estados nacionais uma maior dedicação em atender suas populações, como a universalização da saúde, a assistência social às populações carentes, seja para mitigar condições mínimas de vida, ou visando à integração ao mercado de trabalho, sem falar na aposentadoria ou pensão relativos ao trabalho de toda uma vida, de quem não mais se pode esperar plena capacidade para exercer sua atividade profissional.
Tais atividades exigem não mais um estado que provê liberdades negativas (um estado que não interfere), mas um estado que busca assegurar direitos positivos, um estado garantidor (prestacional). Um estado que busca diminuir as desigualdades sociais. Todavia, esse sistema de seguridade possui um custo que deve ser sustentado pelas contribuições sociais, tendo a jurisprudência que resolver os questionamentos que possam surgir ao longo do processo da busca por alternativas para o custeio do sistema.
Neste contexto, é importante analisar como a mudança do papel exercido pelo estado vai impactar na vida dos cidadãos, ainda que tenha que prever o custeio deste modelo. Afinal, as medidas de eficiência, eficácia e efetividade ajudam a explicar melhor para a sociedade como ela está sendo beneficiada, pois nada é mais importante que demonstrar como cada Real está sendo utilizado para a melhor prestação de serviços de seguridade social possível.
O sistema de previdência social no Brasil é do tipo de repartição, e baseado no conceito do pacto de gerações. Isso significa que a geração no mercado de trabalho paga as contribuições para financiar o sistema que paga os aposentados e pensionistas de hoje – bem como os trabalhadores de amanhã pagarão suas respectivas contribuições que irão financiar os que amanhã forem aposentados e pensionistas.
Um dos problemas que esse sistema pode ter é que, caso haja uma diminuição demográfica, a geração seguinte pode ser menor – no extremo, pode não conseguir sustentar o sistema no futuro. É por isso que um dos princípios da seguridade social é a diversidade da base de financiamento – o que permite a criação de outras fontes para custear este sistema.Nos próximos artigos serão explicadas outras contribuições que hoje já custeiam este sistema: Programa de Integração social e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Ricardo Pereira de Oliveira
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