Este artigo busca explicar aspectos das contribuições no interesse das categorias profissionais ou econômicas e como a doutrina e jurisprudência buscaram auxiliar na definição de suas características.
Conforme já demonstrado em outros artigos sobre as contribuições especiais, estas não eram consideradas tributos, ao tempo da promulgação da lei n. 5.172/1966 – o Código Tributário Nacional (CTN). A maioria delas foi criada em um contexto que visou dar maior proteção aos trabalhadores, com o objetivo de mitigar os riscos sociais (desemprego, acidentes de trabalho, etc.) que ameaçavam a continuidade do exercício de atividades profissionais.
Estas contribuições foram criadas em uma época em que havia uma necessidade de garantir uma gama de direitos no ambiente do trabalho – sendo que, em sua maioria estavam vinculadas às relações trabalhistas, profissionais ou econômicas. Dado este contexto, foram impostas pelo governo federal, mas como forma de proteger o trabalhador, ou de garantir o exercício de determinadas profissões por conselhos profissionais, que buscariam fiscalizar o exercício destas atividades.
Desta forma, o ambiente legal brasileiro promoveu algumas inovações com o objetivo de equilibrar estas relações profissionais. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT, de 1943) é uma destas inovações. As contribuições sindicais (de sindicatos de trabalhadores e as dos sindicatos dos patrões – ou patronais), bem como as contribuições-anuidade (dos conselhos profissionais) são exemplos destas inovações, sendo as contribuições sindicais e as contribuições-anuidade.
Conforme preceitua o CTN, a natureza jurídica específica de um tributo é definida pelo fato gerador de sua respectiva obrigação, sendo irrelevantes para defini-lo as demais características formais previstas em lei e a aplicação do produto de sua arrecadação. Essa definição é compatível com a teoria tripartite: nas três espécies (impostos, taxas e contribuição de melhoria) o que se observa de fato é o fato gerador – não obstante sua receita possa ser vinculada ou não. Nesta teoria este aspecto não é relevante.
Dentro deste panorama de industrialização e desenvolvimento econômico, fica evidente que, no período de suas respectivas criações, ainda que não fossem consideradas tributárias, possuíam uma característica comum: a sua finalidade, da qual decorre a vinculação de suas receitas.
As contribuições sindicais foram criadas pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1943. Em seus artigos 578, 579 e 580, é previsto um sistema baseado em um recolhimento de um dia de salário dos trabalhadores filiados. Como o sindicalismo não surgiu de forma espontânea, e não havia nenhuma certeza de como ele poderia se manter, a solução do governo federal à época foi a seguinte: a filiação dos trabalhadores juntamente com seu recolhimento seria compulsória.
Desde a alvorada da industrialização no Brasil, a partir da década de 30, o estado brasileiro se vê como agente indutor e condutor do desenvolvimento. E vê as relações de trabalho em um contexto no qual o trabalhador é o lado mais fraco, seja porque é o que mais perde em crises econômicas (desemprego), seja porque não possui força de negociação face a seus patrões (hipossuficiência).
Ocorre que no Brasil a industrialização, entre a década de 30 e o pós II Guerra, foi em grande parte induzida e conduzida de forma governamental. O governo federal de então utilizou-se de leis promulgadas em outros países, como a Carta del Lavoro, que deu origem à CLT brasileira. E não havia ainda sindicatos no Brasil. Entre as questões relacionadas às discussões entre uma classe de empregadores e empregados, deveriam existir os sindicatos, instituições que representam o interesse de seus filiados, neste caso os trabalhadores.
E a esta instituição caberia a negociação dos interesses de cada categoria profissional, tanto com a empresa individualmente, como com grupos de empresas de um determinado setor econômico. E quando houvesse interesses que envolvessem um setor da economia como um todo, também existiriam os sindicatos dos patrões (ou patronais). Dessa forma ficou estabelecido o formato das negociações entre trabalhadores: sindicatos de trabalhadores negociando com uma empresa, ou sindicatos de trabalhadores discutindo com sindicatos patronais.
Mas uma questão persistia: como os sindicatos se manteriam funcionando? Toda essa estrutura precisa de recursos financeiros para ser efetivamente utilizada, e ainda assim, funcionar. E a solução encontrada pelo governo foi implantar a ideia de contribuição no interesse de uma categoria profissional então nascente: a contribuição sindical, em que cada parte (trabalhadores e empresas) financiariam seus próprios sindicatos. No caso dos trabalhadores foi convencionado que sua parte seria um dia do salário do trabalhador por ano. No das empresas, um percentual de seu capital social. E estas contribuições seriam obrigatórias.
Tal contribuição foi fiscalizada pelo Ministério do Trabalho durante décadas, com base no recolhimento das empresas, que a descontavam de seus empregados e a recolhiam para a Caixa Econômica Federal. Foi de competência exclusiva da União instituí-la e cobrá-la com a denominação também de “imposto sindical”.
A contribuição sindical teve a finalidade de possibilitar uma rede de proteção ao trabalhador, sob algumas atividades: assessoria jurídica, recolocação profissional, clubes de empregados, serviços médicos, ensino, atividades culturais, negociação de aumentos salariais com os patrões e outras atividades.
A ideia presente no raciocínio parecia ser a de garantir uma vida aos sindicatos, pois uma vez com filiação e pagamento de contribuição compulsória, eles certamente poderiam se manter até que, no futuro, com a crescente conscientização do trabalhador, essa compulsoriedade (filiação e pagamento) poderia ser revista. Entretanto, desde a década de 40 as contribuições sindicais se mantiveram ativas até a promulgação da CF/88, quando foram assimiladas pela teoria pentapartite.
No caso de determinadas categorias profissionais, o exercício profissional representa toda uma categoria, de forma que existe uma preocupação válida em que exista no país um exercício adequado desta profissão. Um bom exemplo é o médico: alguém colocaria sua vida nas mãos de um cirurgião que não sabe o que está fazendo?
A mesma dúvida vale para profissionais em variados campos de atuação: advogados, contabilistas, auditores, dentistas, ortopedistas, neurologistas, corretores imobiliários, engenheiros, arquitetos – e esta lista é aparentemente infindável.
De que forma a população poderia confiar em qualquer destes profissionais? Simples, com cada categoria profissional possuindo uma espécie de conselho composto de profissionais desta determinada categoria, que cuidaria da fiscalização e vigilância das práticas profissionais em sua área de atuação.
A atuação destes conselhos de categoria não se limitaria meramente a fiscalizar o exercício das atividades de seus filiados, mas também a promover discussões, simpósios, encontros da categoria, buscar registrar e divulgar melhores práticas, compilar normas de práticas profissionais e mesmo promover cursos de formação e especialização de profissionais na representada categoria profissional.
Desta forma, o conselho, através de seus membros, garantiria a evolução de melhores práticas de sua profissão, visando sempre atingir um patamar de excelência no exercício das atividades, bem como coibindo, ao mesmo tempo, práticas que pudessem colocar em risco a confiança das pessoas nos profissionais, funcionando como uma garantia de qualidade e segurança para a sua respectiva categoria profissional. E desta forma foram criadas diversas autarquias profissionais, visando a regulamentação e fiscalização profissional de várias especialidades profissionais.
De forma análoga aos sindicatos, os conselhos também seriam mantidos por contribuições similares às sindicais, contribuições profissionais que seriam cobradas como anuidades de filiação aos respectivos conselhos da categoria profissional. Vários destes conselhos inclusive ditam regras para provas que analisam a habilidade profissional, permitindo apenas a quem cumpra os requisitos mínimos para a aprovação para o exercício da profissão. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) faz exatamente isso. O Conselho Federal de Contabilidade (CFC) conduz anualmente seu exame para a aprovação dos próximos contabilistas. O Conselho Federal de Medicina regula muitas das atividades dos médicos.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/88), as contribuições especiais passaram a ser consideradas tributos, com a recepção pelo Supremo Tribunal Federal da teoria pentapartite dos tributos (impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais). Neste panorama, as espécies contribuições sindicais e as contribuições profissionais passam a integrar o gênero “contribuições especiais”. É inegável a feição tributária destas contribuições, que sempre foram obrigatórias por lei. Evidentemente, tais contribuições sindicais e profissionais seriam objeto de discussões judiciais que geraram e ainda geram jurisprudência.
Existem algumas decisões em jurisprudência interessantes sobre as contribuições sindicais e profissionais. Já é antiga a súmula STJ-66: “Compete à justiça federal processar e julgar execução fiscal promovida por conselho de fiscalização profissional”. O tribunal da cidadania entendeu nesta súmula que os conselhos são autarquias federais.
O STF, em outra ocasião, recebeu uma ação na qual foi consagrada a Súmula 666-STF, depois transformada em Súmula Vinculante 40-STF: “A contribuição confederativa de que trata o art. 8º, IV, da Constituição Federal, só é exigível dos filiados ao sindicato respectivo”. Ela foi necessária para pacificar que a contribuição confederativa cobrada dos associados não é a mesma contribuição sindical – que os sindicatos também queriam cobrar de empregados sindicalizados e não sindicalizados.
O Supremo, já há algum tempo possui entendimento de que as anuidades cobradas pela OAB de seus associados não são contribuições profissionais, pois a visão compartilhada pelos colegiados dos tribunais superiores (STF e STJ) é a de que a OAB é uma instituição essencial na defesa de justiça, e assim deve gozar de liberdade para exercer suas prerrogativas.
Em decorrência desta interpretação, a anuidade da OAB é considerada crédito civil, não sendo considerada sequer tributo – cuja prescrição não é a de 5 anos, como qualquer tributo, mas 20 anos.
O egrégio tribunal teve uma ação que questionava a constitucionalidade da lei n. 12.514/2011, resultado de conversão de Medida Provisória, que tratava das contribuições-anuidade. O pleito se baseava em três teses para a inconstitucionalidade da lei: a primeira tese alegava que a MP 536/2011 tratava dos médicos residentes, tendo adicionado anuidades que não constavam no projeto de lei original. A segunda tese era a de que essa lei tratava de uma norma geral – tema que só poderia ser tratado por lei complementar federal. A terceira linha de argumentação se baseava na ideia de que essas contribuições poderiam representar uma espécie de confisco, a depender da renda auferida por seus associados.
O Supremo rechaçou todos os 3 pedidos pela inconstitucionalidade. Na primeira tese, porque ainda não havia sido aceita a tese do “contrabando legislativo” (situação em que assuntos que não possuem pertinência com o projeto de lei são incluídos nele, os famigerados “jabutis”), portanto não aceitou a inconstitucionalidade. O segundo pedido foi negado pois o STF reconheceu que não é necessária lei complementar para instituir estas contribuições (uma vez que não são novas, são existentes há mais tempo do que a CF/88 existe.
O terceiro argumento se baseava em uma correspondência entre os ganhos auferidos e eventualmente uma situação desfavorável de quem ganha menos, submetido a um tributo que, no limite, pode soar como confisco. O egrégio tribunal entendeu que não houve confisco, uma vez que a lei n. 12.514/2011 instituiu um escalonamento de valores a serem pagos – circunstância que sugere uma aplicação do princípio da capacidade contributiva.
Em outra ocasião, foi questionada a constitucionalidade da lei n. 11.000/2004, lei essa que delegava aos conselhos profissionais a prerrogativa de fixarem elas mesmas seus valores de anuidade sem previsão legal. Como esta lei foi analisada antes da tese da “deslegalização” para os valores de anuidade, sendo feita de maneira indiscriminada, tendo a lei sido declarada inconstitucional, em sede de mais uma jurisprudência do STF sobre as contribuições sindicais e profissionais.
A última questão que gerou jurisprudência do Supremo sobre contribuições de interesse das categorias profissionais ou sindicais foi sobre uma ação que pleiteava a inconstitucionalidade do Decreto-Lei 1.661/1971, sob a alegação de que havia bitributação pela sua cobrança. As alegações buscavam a aceitação da tese de que, pelo motivo de poder ser utilizada a metragem do imóvel rural para a base de cálculo para a cobrança da contribuição sindical rural, tal circunstância configurava bitributação, por ser similar à base de cálculo utilizada para o Imposto Territorial Rural (ITR).
A bitributação ocorre quando um mesmo fato gerador é cobrado por entes diversos. Ela é diferente do bis in idem, que ocorre quando o mesmo fato gerador pode ser utilizado para dois ou mais tributos. Em que pese a aparente confusão entre os dois conceitos o caso foi mesmo levado ao Supremo sob a ótica de bitributação – que foi rechaçada pelo egrégio tribunal, que entendeu nesta jurisprudência ser constitucional e recepcionada a exigência destas contribuições sindicais e profissionais. Além disso, o Supremo entendeu neste caso e em outros que a simples coincidência entre aspectos do fato gerador não configura por si só uma identidade semelhante aos dois tributos. E, sim, também não existe a exigência de que tributos diferentes tenham necessariamente fatos geradores distintos: essa exigência vale somente para tributos da mesma espécie.
As constituições e leis brasileiras, em diversas épocas, valorizam o trabalho de forma geral, dada a sua importância na criação de riqueza e superação de condições adversas de vida, pois o trabalho traz oportunidades, crescimento e desenvolvimento econômico. E isso não é novidade.
O que ocorre no século XX é uma série de transformações que mudam o mundo como um todo. A industrialização, o sindicalismo, as grandes guerras, a revolução russa, a evolução do mercado consumidor e uma infinidade de acontecimentos geraram necessidades de se pensar o bem comum de forma mais abrangente. Dessas premissas surgiu o desenvolvimento do movimento sindical, as negociações salariais, o próprio conceito de previdência social, além de exigências mínimas de qualificação profissional.
No entorno deste panorama, vê-se que de um lado o sindicalismo que precisa defender o lado de uma categoria profissional ainda nascente, tida como incapaz de fazer valer suas pretensões, embora já fossem muito numerosas. De outra parte, a evolução do direito do consumidor (em busca de padrões mínimos de qualidade de serviços) e a vulnerabilidade de determinadas categorias profissionais a crises econômicas trouxe a necessidade de haver conselhos profissionais que fiscalizassem e garantisse um “selo” de qualidade – além de promover um ambiente de evolução profissional da categoria como um todo. O mundo pós guerras aumentou estas exigências trazendo em cima de tudo isso o conceito de um estado que promovesse o bem-estar social: o Welfare State (Estado do bem-estar social). Mas tais premissas e conceitos não são absolutos: eles mudam com o passar do tempo, podem e devem ser revistos, haja vista as recentes discussões em jurisprudência sobre as contribuições sindicais e profissionais. Uma evidência disso é o ambiente legal brasileiro ter promovido a reforma da CLT brasileira que aboliu a exigência da contribuição sindical em 2017.
Ricardo Pereira de Oliveira
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