Este artigo busca explicar aspectos das contribuições de intervenção no domínio econômico (CIDE) e como a jurisprudência buscou auxiliar na definição de suas características.
As contribuições de intervenção no domínio econômico são espécie do gênero contribuições especiais. E as contribuições especiais não se enquadravam no conceito original de tributo, pois a base do direito tributário brasileiro é ainda a lei n. 5.172/1966 – o Código Tributário Nacional (CTN), cuja teoria do conceito de tributo era a teoria tripartite: a de que as espécies tributárias são os impostos, taxas e contribuições de melhoria.
No período entre guerras, o estado brasileiro passa a assumir um papel de indutor do desenvolvimento econômico. Neste diapasão, o estado gradativamente vai intervindo mais e mais como um garantidor de direitos sociais, procurando equilibrar a balança de poder entre empregados e empregadores. No pós 2.a guerra, o estado brasileiro assume de forma mais preponderante este papel, estabelecendo definitivamente os contornos de um estado de bem-estar social.
A teoria econômica, nesse período, vê o estado como o ente capaz e responsável por reduzir desigualdades sociais, por atrair investimentos, ou mesmo investir o próprio recurso público onde o investimento privado não consegue ou não quer chegar. Da mesma forma, o estado é visto também como o agente que pode estabilizar a economia, assolada por crises cíclicas, típicas de seu funcionamento.
Da moderna teoria econômica vem o conceito de 3 funções interventivas do estado na sociedade: a alocativa, a distributiva e a estabilizadora. A função alocativa do estado trata de prover os bens que a iniciativa privada não forneceu ao mercado. A distributiva, de distribuir os recursos estatais de forma a diminuir a desigualdade social. E a estabilizadora, de manter a estabilidade econômica ao longo de crises econômicas.
Conforme preceitua o CTN, a natureza jurídica específica de um tributo é definida pelo fato gerador de sua respectiva obrigação, sendo irrelevantes para defini-lo as demais características formais previstas em lei e a aplicação do produto de sua arrecadação. Como é possível notar, nesta teoria não importa onde é empregada a receita de um tributo. Entretanto, as contribuições sociais são caracterizadas justamente pela vinculação de suas receitas.
Neste panorama o estado brasileiro aparece como um agente ativo, que toma medidas intervindo na atividade econômica, através de um controle fiscalizatório com vistas a regular ou coibir abusos de poder por parte das empresas, ou por meio de uma atividade de fomento, buscando incentivar um setor econômico escolhido pontualmente como estratégico.
E para realizar estas atividades são instituídas as Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (CIDEs), que possuem eminentemente um caráter extrafiscal – característica que prima não pela arrecadação ou fiscalização, mas principalmente como ferramentas de planejamento, corrigindo distorções e abusos de determinados segmentos da economia, de forma a equilibrar as relações de poder econômico, ou mesmo induzindo condições para um melhor desenvolvimento de um setor específico.
Nestes aspectos, as CIDEs são reconhecidas como mais uma espécie do gênero “contribuições especiais” e assimiladas, com o advento da Constituição Federal de 1988 (CF/88), pela teoria pentapartite dos tributos que foi recepcionada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), além de serem de competência exclusiva da União.
As CIDEs mais conhecidas são a CIDE-Royalties, instituída pela lei n. 10.168/2000, cuja finalidade é atender o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação, para fomentar o desenvolvimento tecnológico brasileiro, mediante o incentivo da pesquisa.
A alíquota da contribuição é de 10%, e os sujeitos passivos serão empresas ligadas ao setor de tecnologia, que contratem, licenciem, paguem, creditem, entreguem, empreguem ou remetam royalties por contratos de transferência de tecnologia. A fiscalização deste tributo é da Receita Federal do Brasil (RFB).
Há também a CIDE-Combustíveis, instituída pela lei n. 10.336/2001, a CIDE-Combustíveis incide sobre a importação e a comercialização de petróleo e gás natural – e seus derivados –, e álcool etílico combustível. Ela é destinada a financiamento de projetos ambientais, programa de infraestrutura de transportes e pagamento de subsídio a preços ou transporte de combustíveis.
São contribuintes da CIDE -Combustíveis o produtor, o formulador e o importador, pessoa física ou jurídica, que realizarem operações de importação e de comercialização, no mercado interno de vários combustíveis.
A base de cálculo da Cide é a unidade de medida legal para os produtos importados e comercializados no mercado interno, enquanto as alíquotas do tributo – que podem ser diferenciadas em razão da natureza do produto – são específicas, o que quer dizer que não possuem base em percentual. Por exemplo, R$ 0,10 por litro de gasolina, ou R$ 0,05 por litro de diesel. A CIDE -Combustíveis também é fiscalizada pela RFB.
Entre as CIDEs, existem alguns exemplos. Há contribuições extintas, como a CIDE do também extinto Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), cobrada dos produtores para o custeio da atividade interventora da União na indústria canavieira nacional, ou a CIDE do Instituto Brasileiro do Café (IBC), que era cobrada dos exportadores de café, sob valor fixo em dólar, o que caracterizava uma espécie de “confisco cambial”, por reter parcela da venda de café no exterior.
Há outras CIDEs ainda vigentes, como o Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante – AFRMM (lei n. 10.893/2004): cobrado mediante a incidência de alíquotas diferenciadas sobre o frete, dependendo do tipo de navegação (internacional, de cabotagem, fluvial ou lacustre), por ocasião da entrada da embarcação no porto de descarga. A finalidade do adicional é a de fomentar a atividade comercial da Marinha Mercante e a indústria de construção e reparação naval.
Outra CIDE é o extinto Adicional de Tarifa Portuária – ATP (lei n. 7.700/88): era aplicável às operações realizadas com mercadorias importadas ou exportadas, objeto do comércio na navegação de longo curso. O produto da arrecadação estava vinculado à aplicação em investimentos para melhoramento, reaparelhamento, reforma e expansão de instalações portuárias.
Há também a Contribuição ao INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), de finalidade específica de promoção da reforma agrária e de colonização, visando atender aos princípios da função social da propriedade e a diminuição das desigualdades regionais e sociais. A arrecadação será destinada a programas e projetos vinculados à reforma agrária (e atividades complementares).
Por último, há a Contribuição ao SEBRAE da lei 8.029/90, que apesar de ter sido instituída como contribuição parafiscal do sistema “S”, também é considerada uma das contribuições CIDE, em sede de jurisprudência.
Entre as jurisprudências mais conhecidas no direito tributário pós CF/88 existe a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, ao assimilar a teoria pentapartite, recepcionou as contribuições do tipo CIDEs como espécie do gênero contribuições especiais. A decisão é fundamental pois adapta a doutrina tributária para compreender duas características deste novo gênero: o aspecto tributário (compulsoriedade de sua cobrança) e a vinculação de suas receitas para atingir suas finalidades essenciais.
Decorrência deste raciocínio inovador é o caso da análise do mesmo egrégio tribunal sobre o Adicional de Taxa Portuária (ATP), que em jurisprudência reconheceu seu status de contribuições CIDE. Como o produto da arrecadação sempre esteve vinculado “à aplicação em investimentos para melhoramento, reaparelhamento, reforma e expansão de instalações portuárias” – ou seja, às suas finalidades essenciais de seu segmento – o tributo configurava exemplo irretocável de contribuição de intervenção no domínio econômico.
Essa tese sobre contribuições do tipo CIDEs foi manifestada em outra jurisprudência também no Supremo, anos depois, sob a Súmula 553-STF: “O Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) é contribuição parafiscal, não sendo abrangido pela imunidade prevista na letra “d”, III, do art. 19 da Constituição Federal.”
A ideia no acórdão que originou a súmula é a de que o AFRMM é uma contribuição de intervenção no domínio econômico. Não é nem taxa nem imposto, mas um terceiro gênero tributário, ou uma subespécie da espécie tributária contribuição.
Já no Superior Tribunal de Justiça (STJ) houve uma ação contestando a cobrança da contribuição ao INCRA, alegando haver uma similaridade, uma espécie de bis in idem, de forma a ser compreendida como contribuição social. Após algumas decisões conflitantes, o STJ pacificou o entendimento de que esta contribuição não se confunde com contribuição social, sendo contribuição de intervenção no domínio econômico. O entendimento nesta jurisprudência é o de que, como a contribuição se destina ao implemento de atividades e programas de reforma agrária, ela só poderia ser uma das contribuições CIDE.
Por derradeiro, há a decisão sobre a natureza da contribuição ao SEBRAE, originalmente compreendida como contribuição parafiscal do sistema “S”. O Supremo e o STJ chegaram à conclusão em jurisprudência de que se trata de uma das contribuições CIDE. A premissa é a de que o SEBRAE não possui qualquer finalidade de fiscalização ou regulação das atividades das micro e pequenas empresas, mas, sim, o objetivo de influenciar positivamente, valendo-se de sua atuação de fomento e apoio, nas empresas ligadas às áreas industrial, comercial e tecnológica.
A industrialização inegavelmente trouxe desenvolvimento ao país. Este movimento no Brasil começou com as indústrias de base e infraestrutura, como a Companhia Siderúrgica Nacional, a Companhia Vale do Rio Doce e a Petrobrás. Ao longo do pós guerra esse movimento de industrialização induzido pelo estado trouxe outros agentes privados e outros investimentos na atividade produtiva, seja de capital nacional ou estrangeiro.
Desde o início ligado ao desenvolvimento econômico pela industrialização, o estado gradualmente buscou se posicionar de uma função de atuação direta para uma atuação mais indireta, para atividades de regulação, fiscalização e fomento.
Esta transição muda o conjunto de responsabilidades no sistema econômico brasileiro: retira o estado de funções que não estão entre suas especialidades e o reposiciona onde o estado pode melhor cumprir suas funções sociais: a de assistir a seus cidadãos, não os deixando desamparados perante o abuso de poder econômico visando a dominação dos mercados, mas também buscando sempre aplicar a justiça, nas mais variadas áreas.
Nesse contexto se dá a criação e instituição das contribuições de intervenção no domínio econômico – para promover o desenvolvimento da economia de variados setores e de também sopesar o interesse da coletividade. O sucesso do desempenho deste papel depende de quão sólida for a segurança jurídica e de quão justo o sistema de que o estado brasileiro se vale para equilibrar esses interesses.
Ricardo Pereira de Oliveira
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