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Consumidor compra produto e recebe uma pedra: o que diz o CDC?

Olá pessoal, tudo bem?

Me chamo Igor Maciel e sou professor de Direito do Consumidor do Estratégia Carreiras Jurídicas.

Hoje queria conversar com vocês sobre um assunto que permeou a mídia nos últimos dias.

No último dia 25 de agosto, um cliente dirigiu-se a uma grande loja de eletroeletrônicos para retirar um pedido de um smartphone feito pelo aplicativo da loja.

Porém, ao abrir o pacote na presença de funcionários e da gerente do estabelecimento, ele encontrou uma pedra no lugar do aparelho.

A gerência da loja informou ao consumidor que o cancelamento da compra com estorno seria válido apenas para compras no aplicativo e não lhe deu outras opções previstas na legislação, alegando que a responsabilidade pelo ocorrido seria da plataforma online da própria loja, com sede em cidade diversa.

A situação somente foi resolvida com a entrega do produto comprado, após o consumidor denunciar o ocorrido ao Procon, que, por sua vez, autuou a loja.

Casos como esse têm se apresentado com frequência no universo consumerista, especialmente em razão do crescente volume de compras realizadas através de meios eletrônicos.

Nesse cenário, o surgimento do Marco Regulatório da Internet decepcionou ao não contribuir efetivamente para a proteção dos consumidores, que continuaram a ser tutelados pelas disposições do Código de Defesa do Consumidor.

Outro diploma que deve ser considerado é o Decreto n. 7.962, de 15 de março de 2013, que regulamenta o CDC e dispõe sobre a contratação no comércio eletrônico abrangendo os seguintes aspectos: informações claras a respeito do produto, serviço e do fornecedor; atendimento facilitado ao consumidor; e respeito ao direito de arrependimento.

Este decreto determina que sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos utilizados para oferta ou conclusão de contrato de consumo devem disponibilizar, em local de destaque e de fácil visualização, diversas informações.

Dentre elas, podemos citar: prazo para utilização da oferta pelo consumidor; identificação do fornecedor responsável pelo sítio eletrônico e do fornecedor do produto ou serviço ofertado; endereço físico e eletrônico, e demais informações necessárias para sua localização e contato, dentre outras.

Referido diploma nada dispõe acerca da responsabilização do fornecedor diante de contratos consumeristas efetivados por meio da internet.

Porém, por se tratar da defesa de um direito fundamental, como é o Direito do Consumidor, conforme art. 5º, XXXII, da Constituição Federal de 1988, defende-se o diálogo entre as fontes, e não a preponderância de um diploma em face do outro, quer pelo critério cronológico, hierárquico ou da especialidade.

Assim, diante da ausência de norma específica sobre a matéria, necessária a incidência tanto das regras gerais do Decreto 7.962/2013 como também das regras do CDC relativas às relações oriundas dos meios eletrônicos.

Entretanto, na situação descrita, não há que se falar em responsabilidade por fato ou vício do produto, com aplicação das normas previstas nos artigos 12 ou 18 do CDC, uma vez que o produto adquirido não chegou nem mesmo a ser entregue.

No caso concreto, o consumidor recebera uma pedra no lugar do celular, sendo impossível aferir se houve vício ou defeito.

Vale lembrar que o vício do produto está relacionado à inadequação do produto ou serviço aos fins a que se destinam, enquanto que o defeito refere-se à insegurança do bem de consumo.

Ensina Bruno Miragem:

“No direito brasileiro, o regime de responsabilidade distingue-se em razão do dever jurídico violado pelo fornecedor. A responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço decorre da violação de um dever de segurança, ou seja, quando o produto ou serviço não oferece a segurança que o consumidor deveria legitimamente esperar. Já a responsabilidade pelo vício do produto ou do serviço decorre da violação de um dever de adequação, qual seja, o dever dos fornecedores de oferecer produtos ou serviços no mercado de consumo que sirvam aos fins que legitimamente deles se esperam”

O art. 12 do código consumerista definiu em seu § 1º um produto como defeituoso da seguinte forma:

§1º. O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I – sua apresentação;

II – o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III – a época em que foi colocado em circulação.

Por seu turno, o art. 18, ao tratar do vício do produto, fê-lo da seguinte forma: 

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

Portanto, a situação apresentada adequa-se, na verdade, à recusa do fornecedor em cumprir o disposto na oferta veiculada, o que é tratado pelo artigo 35 do CDC, nos seguintes termos:

Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:

I – exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;

II – aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;

III – rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.

Acerca da oferta, o art. 30 do CDC enuncia:

Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.

Trata-se da positivação na lei consumerista dos princípios da boa-fé objetiva e da transparência, ao vincular o produto, o serviço e o contrato ao meio de proposta e à publicidade, demonstrando que a conduta proba deve constar em todas as fases da relação contratual de consumo.

Segundo o Ministro Herman Benjamin, a norma traz um novo princípio, qual seja o princípio da vinculação, uma vez que o art. 30 do CDC dá caráter vinculante à informação e à publicidade.

Dessa forma, o art. 35 da lei consumerista confere ao consumidor alternativas de escolha livre para o exercício de seu direito de ver efetivada a oferta à qual o fornecedor vinculou-se.

Caso o consumidor opte pelo cumprimento forçado da oferta, ele poderá valer-se dos instrumentos processuais hábeis para concretizar esse direito existentes no art. 84 do Diploma Consumerista, tais como ação de obrigação de fazer, tutela liminar, multa diária, independentemente de pedido do autor, ou tutela específica, por meio de medidas necessárias, tais como busca e apreensão.

Se o consumidor escolher a rescisão do contrato com restituição do valor pago, monetariamente atualizado, vale lembrar que o direito a perdas e danos dependerá de comprovação de efetivo prejuízo material ou moral.

Sobre o tema, aliás, entendeu o STJ que é possível cumular dano moral com multa cominatória em razão de serem institutos com naturezas jurídicas distintas.

“(…) 3. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a inscrição indevida em cadastro de inadimplentes gera dano moral passível de indenização, salvo constatada a existência de outras anotações preexistentes àquela que deu origem a ação reparatória (Súmula n. 385 do STJ). 4. Referida indenização visa a reparar o abalo moral sofrido em decorrência da verdadeira agressão ou atentado contra dignidade da pessoa humana. 5. A multa cominatória, por outro lado, tem cabimento nas hipóteses de descumprimento de ordens judiciais, sendo fixada justamente com o objetivo de compelir a parte ao cumprimento daquela obrigação. Encontra justificativa no princípio da efetividade da tutela jurisdicional e na necessidade de se assegurar o pronto cumprimento das decisões judiciais cominatórias. 6. Considerando, portanto, que os institutos em questão têm natureza jurídica e finalidades distintas, é possível a cumulação. 7. Recurso especial provido” (REsp 1689074/RS, Rel. Ministro Moura Ribeiro, 3ª T., julgado em 16-10-2018, DJe 18-10-2018).

De qualquer forma, a responsabilidade civil que decorre da vinculação da oferta e da publicidade, em regra, possui natureza objetiva.

Nas palavras do Ministro Herman Benjamin:

“Sem dúvida alguma, a responsabilidade dos arts. 30 e 35 é objetiva, pois seu texto em nada alude à culpa do anunciante, razão pela qual não pode o intérprete agregá-la, muito menos num contexto em que, seja pela vulnerabilidade da parte protegida (o consumidor), seja pelas características do fenômeno regrado (a publicidade), o direito, antes mesmo da interferência do legislador, já se encaminhava na direção da objetivação da responsabilidade civil”.

Reforçando esse entendimento, não se pode esquecer que a quebra da confiança e da boa-fé objetiva gera uma responsabilidade sem culpa, o que, via de regra, está presente em relação à oferta ou publicidade.

Por fim, destaca-se ser incabível o argumento de que a loja física não poderia ser responsabilizada pela compra efetuada por aplicativo, pois tratam-se do mesmo grupo societário.

O art. 28, §2º, do CDC enuncia que as sociedades integrantes dos mesmos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis para os fins de incidência do Código de Defesa do Consumidor. Apesar de os comandos estarem inseridos no artigo referente à desconsideração, eles incidem para qualquer situação de responsabilidade civil encampada pelo Código do Consumidor, inclusive para os fins de responsabilização para cumprimento da oferta.

Nesse sentido, inclusive, já decidiu o STJ, em caso envolvendo contrapropaganda imposta à matriz e a filial de determinado grupo econômico, que essas, mesmo tendo CNPJs diferentes, não formam pessoas jurídicas diversas, mas apenas uma só, composta por unidades integrantes da mesma empresa. Vejamos trecho da ementa:

“(…) 2. O fato de as filiais possuírem CNPJ próprio confere a elas somente autonomia administrativa e operacional para fins fiscalizatórios – para facilitar a atuação da administração fazendária no controle de determinados tributos, como ocorre com o ICMS e o IPI -, não abarcando a autonomia jurídica, já que existe a relação de dependência entre o CNPJ das filiais e o da matriz. 3. A pessoa jurídica como um todo é que possui personalidade, pois é ela sujeito de direitos e obrigações, assumindo com todo o seu patrimônio a correspondente responsabilidade, sendo certo que as filiais são estabelecimentos secundários da mesma pessoa jurídica, desprovidas de personalidade jurídica e patrimônio próprio, apesar de poderem possuir domicílios em lugares diferentes (art. 75, § 1º, do CC) e inscrições distintas no CNPJ. 4. Havendo inadimplência contratual, a obrigação de pagamento deve ser imposta à sociedade empresária por completo, não havendo ensejo para a distinção entre matriz e filial, raciocínio a ser adotado também em relação a débitos tributários. (…)”

(STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 1.286.122/DF, Rel. p/ Acórdão Min. Gurgel de Faria, julgado em 27/08/2019.)

É isto meus amigos.

Espero que vocês tenham gostado da nossa análise jurídica.

Grande abraço e até a próxima,

Igor Maciel

Igor Maciel

Graduado na Universidade Federal de Pernambuco, com extensão na Universidade de Coimbra/Portugal. Especialista LLM em Direito Corporativo pelo IBMEC/RJ. Mestrando em Direito e Políticas Públicas pelo UNICEUB/DF. Advogado com atuação profissional centrada no Direito Tributário e no Direito Administrativo, especialmente na defesa de servidores públicos.

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