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Competência para julgar crimes eleitorais

Prezados alunos,

Fizemos questão de incluir esse artigo em todas as nossas turmas de direito eleitoral, diante das inúmeras dúvidas que surgiram a respeito desse tema. Afinal, a quem compete julgar crimes eleitorais praticados por juízes eleitorais, juízes dos TREs e por ministros do TSE?

Primeiramente vamos ressaltar que a jurisprudência já está pacificada no sentido de interpretar crime eleitoral como crime comum quando se trata de questão de competência. A seguir temos a posição do STF para confirmar essa tese:

EMENTA: COMPETÊNCIA CRIMINAL. Originária. Parlamentar. Deputado federal. Inquérito policial. Crime eleitoral. Crime comum para efeito de competência penal original do Supremo. Feito da competência deste. Reclamação julgada procedente. Precedentes. Inteligência do art. 102, I, "b", da CF. Compete ao Supremo Tribunal Federal supervisionar inquérito policial em que deputado federal é suspeito da prática de crime eleitoral. (Rcl 4830, CEZAR PELUSO, STF)

A segunda premissa é que a nossa Constituição é a legislação Maior no nosso ordenamento jurídico, todas as demais leis encontram nela o seu fundamento de validade, se uma lei for contrária à Constituição, ela será inconstitucional.

O Código Eleitoral, por sua vez, que é anterior e se submete à CF/88, tem em seu art. 22, I, d, dispositivo que contraria os arts. 102, I, c, e 105, I, da CF/88. Nesse caso, como há essa contrariedade, prevalece a CF/88. Veja os dispositivos do Código Eleitoral e da Constituição indicados:

Art. 22. Compete ao Tribunal Superior:
I – processar e julgar originariamente:
d) os crimes eleitorais e os comuns que lhes forem conexos cometidos pelos seus próprios Juízes e pelos Juízes dos Tribunais Regionais;

Art. 102. CF/88
Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I – processar e julgar, originariamente:
c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente;

Art. 105. CF/88
Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I – processar e julgar, originariamente:
a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais;

Com isso, o art. 22, I, d, do Código Eleitoral deve ser considerado não recepcionado pela Constituição de 1988.
Tanto é que no Código Eleitoral anotado pelo TSE há a ressalva de que os referidos artigos da CF/88 prevalecem sobre o art. 22, I, d, do Código Eleitoral, como poderemos ver a seguir:

Art. 22. Compete ao Tribunal Superior:
I – processar e julgar originariamente:
d) os crimes eleitorais e os comuns que lhes forem conexos cometidos pelos seus próprios Juízes e pelos Juízes dos Tribunais Regionais;
CF/88, art. 102, I, c: competência do STF para processar e julgar, nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os membros dos tribunais superiores; art. 105, I, a: competência do STJ para processar e julgar, nos crimes comuns e nos de responsabilidade, os membros dos tribunais regionais eleitorais. Disponível em: (http://www.tse.jus.br/hotSites/codigo_eleitoral/codigo_eleitoral.html)

Assim, se sabemos que para fins de competência a jurisprudência está pacificada em igualar crime eleitoral a crime comum e um dispositivo que está em confronto com a CF/88 é considerado não recepcionado por esta, temos as seguintes conclusões:

a) O STF é competente para julgar as infrações penais comuns (inclusive os crimes eleitorais) e os crimes de responsabilidade dos membros dos Tribunais Superiores (inclusive os do TSE);
b) Ao STJ cabe julgar nos crimes comuns (inclusive os crimes eleitorais) cometidos por membros dos Tribunais Regionais Eleitorais.

Por outro lado, permanece a competência dos Tribunais Regionais Eleitorais para julgar crimes eleitorais cometidos por juízes eleitorais, nos termos do art. 29 do Código Eleitoral:

Art. 29 do Código Eleitoral
Compete aos Tribunais Regionais:
I – processar e julgar originariamente:
d) os crimes eleitorais cometidos pelos Juízes Eleitorais;

Repare que essa competência do Código Eleitoral, ao contrário da competência para julgar os crimes dos ministros do TSE e dos juízes dos TREs, foi ressalvada pela Constituição, em seu art. 96, III, parte final:

Art. 96. Compete privativamente:
III – aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.

Assim, os TREss de cada respectivo estado julgam os crimes eleitorais cometidos por seus juízes.

Para confirmar o que concluímos aqui, trago na íntegra o voto do Ministro Djaci Falcão, no MS nº 20.409-DF, da RTJ 109/923 (Revista Trimestral de Jurisprudência 109, p. 923. disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoRTJ/anexo/109_3.pdf, que também foi citado no Acórdão do MS nº 1.501-RJ, no sentido de que o foro por prerrogativa de função dos membros dos tribunais superiores e dos TRE’s prevalece sobre a competência funcional decorrente da especialidade da matéria prevista no Código Eleitoral (lembrando que esse voto é anterior a CF/88):

O Sr. Ministro Djaci Falcão (Relator): Tenho para mim que a competência originária para o julgamento deste mandado de segurança, impetrado contra ato do Sr. Presidente da República, é do Supremo Tribunal Federal. Irrecusáveis são as considerações que nortearam o voto do eminente Ministro Rafael Mayer, data venia dos nobres Ministros Decio Miranda e José Guilherme Villela.
A Constituição no seu art. 119, inc. I, letra i, confere competência ao Supremo Tribunal Federal para processar e julgar, originariamente, «os mandados de segurança contra ato do Presidente da República». O preceito, que estabelece competência por prerrogativa de função, é límpido e terminante.
Quando o art. 137 da Constituição dispõe no sentido de que à lei cabe estabelecer a competência dos órgãos da Justiça Eleitoral, inclusive em relação ao processo e julgamento do mandado de segurança em matéria eleitoral (Inc. VII, In fine), pressupõe que não haja invasão da competência privativa maior, atribuída ao Supremo Tribunal Federal, de modo imperativo no art. 119, inc. I, letra i, do mencionado diploma. Aliás, regra idêntica estava inserida na Constituição de 1946 (art. 101, Inc. I, letra i).
Com Propriedade acentua o voto do eminente Ministro Rafael Mayer:
«O argumento tirado do art. 137 da Constituição, data venia, não me parece que deva subsistir, porque a delegação que é dada pelo texto constitucional à lei ordinária, não implica que ela possa modificar as competências estabelecidas basicamente no próprio texto» (fls. 54).
Essa exegese harmoniza-se com a que foi adotada no julgamento da Reclamação nº 10, relatado pelo eminente Min. Adalício Nogueira, e na qual se reconheceu a competência desta Corte para julgar originariamente Deputado Federal, por crime eleitoral, em virtude do foro especial, por prerrogativa de função (arts. 32, §2º, e 119, Inc. I, letra a, da Constituição Federal); afastando-se a aplicação do inc. VII do art. 137 da Lei Maior, que atribui aos órgãos da Justiça Eleitoral «o processo e julgamento dos crimes eleitorais».
Naquele caso, o reclamante, Deputado Federal, foi processado por crime eleitoral, perante a Justiça Eleitoral do Amazonas (RTJ 63/1).
Devo acrescentar que, na linha desse entendimento resta declarar a inconstitucionalidade da locução «ou mandado de segurança», constante da letra e, do inc. I, do art. 22, do Código Eleitoral (Lei nº. 4.737, de 15-7-65), que confere competência ao TSE para processar e julgar originariamente mandado de segurança relativo a atos do Presidente da República, por se contrapor ao disposto no art. 119, Inc. I, letra i, da Constituição da República.
Diante do exposto reconheço a competência desta Corte, para julgar o presente mandado de segurança.

Assim, confirmamos o entendimento de que o foro previsto na Constituição prevalece sobre o foro do Código Eleitoral também porque a prerrogativa de função prevista na Constituição (tribunais de cúpula julgam crimes de autoridades de cúpula) prevalece sobre a distribuição da competência pela matéria prevista no Código Eleitoral (tribunal eleitoral julga crime eleitoral).

Mas, como nem tudo são flores, vamos agora tratar da banca da FCC.

Como sabemos, nem sempre as bancas de concurso analisam o direito aplicável à espécie. Muitas vezes limitam-se a copiar e colar o dispositivo de uma lei sem verificar se ela foi revogada, não recepcionada pela Constituição ou superada pela jurisprudência.

Em Direito, especialmente, como é uma disciplina que está sempre em evolução, não há uma verdade absoluta, pois as leis são revogadas, a jurisprudência está em constante movimento e a própria hierarquia entre CF, leis, etc. provoca grandes complicações e dúvidas na hora de resolver as questões de concursos.

Bom, nesse caso temos como aliadas aquelas populares frases de cursinho em provas de múltipla escolha: “escolha a alternativa mais correta” ou em determinados casos “escolha a alternativa menos errada”. Isso pode nos ajudar, mas o que realmente pode determinar a escolha da opção correta é analisar a questão caso a caso, identificar o que a banca realmente quer e, ainda que a questão esteja errada ou passível de anulação, responde-la a partir das informações que foram fornecidas.

Vamos a uma recente questão da FCC sobre o tema acima estudado:

(FCC/2011/TRE-AP/Técnico Judiciário/Programação de Sistemas) Processar e julgar originariamente os crimes eleitorais cometidos pelos Juízes dos Tribunais Regionais Eleitorais, processar e julgar originariamente os crimes eleitorais cometidos pelos Juízes Eleitorais e processar e julgar os crimes eleitorais cometidos pelos candidatos a Prefeito Municipal, incluem-se, respectivamente, na competência
a) dos Tribunais Regionais Eleitorais, dos Juízes Eleitorais e do Tribunal Superior Eleitoral.
b) dos Tribunais Regionais Eleitorais, do Tribunal Superior Eleitoral e dos Juízes Eleitorais.
c) dos Juízes Eleitorais, do Tribunal Superior Eleitoral e dos Tribunais Regionais Eleitorais.
d) do Tribunal Superior Eleitoral, dos Tribunais Regionais Eleitorais e dos Juízes Eleitorais.
e) do Tribunal Superior Eleitoral, dos Juízes Eleitorais e dos Tribunais Regionais Eleitorais.

Podemos ver que essa é uma questão recente e, ainda assim, desatualizada. Olhando para as alternativas concluímos que tudo o que aprendemos anteriormente cai por terra diante dessa questão.

Mas temos que resolve-la!

Sabemos que na atual jurisprudência, para efeitos de competência, crime eleitoral e comum se igualam. Aprendemos também as competências do STF e do STJ nos crimes comuns e eleitorais.

Assim, para que uma das alternativas estivesse completamente correta ela deveria ser: x) do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Eleitorais e dos Juízes Eleitorais. Com fundamento nos arts. 105, I, a, CF/88, 29, I, d, CE e 35, II, CE respectivamente.

Como não há essa opção, temos esquecer “temporariamente” o que aprendemos e analisar a questão exclusivamente com base no Código Eleitoral.

Desse modo consideraríamos o art. 22, I, d do Código Eleitoral, que diz:

Compete ao Tribunal Superior:
I – processar e julgar originariamente:
d) os crimes eleitorais e os comuns que lhes forem conexos cometidos pelos seus próprios Juízes e pelos Juízes dos Tribunais Regionais;

E novamente os arts. 29, I, d, e 35, II, também do Código Eleitoral, que dispõe:

Art. 29. Compete aos Tribunais Regionais:
I – processar e julgar originariamente:
d) os crimes eleitorais cometidos pelos Juízes Eleitorais;

Art. 35. Compete aos Juízes:
II – processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos, ressalvada a competência originária do Tribunal Superior e dos Tribunais Regionais;

Finalmente acharíamos a resposta correta do gabarito:

“do Tribunal Superior Eleitoral, dos Tribunais Regionais Eleitorais e dos Juízes Eleitorais.” que é a alternativa “D”!

Por essa questão, observa-se que a FCC se esqueceu de aplicar o direito à espécie e se limitou a “copiar e colar” a competência prevista no Código Eleitoral, que não foi recepcionada pela Constituição.

Daniel Mesquita

Ver comentários

  • Professor, neste caso atual da lavajato, ontem foram apresentadas evidencias de crime eleitoral na campanha presidencial com doacoes "legais" das empreiteiras se caracterizando como fruto de corrupção e lavagem de dinheiro. Qual seria a competencia para eventual ação ? TSE ? STF ? Necessita autorização do Congresso ?

  • essa questão caiu novamente em uma prova de 2012 do TRE do PR.
    questão 19 de tec. em enfermagem.
    e a FCC copiou novamente o que esta no codigo eleitoral,e está CORRETA,quem tem a competência para processar e julgar originariamente os crimes eleitorais e os comuns que lhes forem conexos cometidos pelos juízes do Tribunal Superior Eleitoral eles afirmam que é o TSE! desse jeito fica complicado...:(

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