A coação moral irresistível é um assunto muito interessante e relevante, porém algumas vezes é confundida com outros conceitos do Direito Penal. Assim, é importante que se consiga diferenciar esta excludente de culpabilidade de outras exceções previstas na lei penal.
Olá, meus amigos, tudo bem? Hoje vamos tecer alguns comentários sobre a coação moral irresistível, uma das excludentes de culpabilidade aceitas em nosso ordenamento jurídico.
Os elementos hoje conhecidos como tipicidade, antijuridicidade, culpabilidade e punibilidade nem sempre estiveram dispostos de forma clara na doutrina penal. Estas figuras, chamadas atualmente de conceitos analíticos do delito, tomaram maior relevância a partir do período neoclássico, por meio dos escritos de Edmund Mezger. Mais tarde, no chamado finalista, foram desenvolvidos de maneira mais detalhada, em especial por Hans Welzel.
Tais construções teóricas se prestam, sobretudo, à sistematização e à aplicação coerente da legislação penal, permitindo que o intérprete possa, no caso concreto, subsumir de maneira ordenada o fato à norma.
No finalismo, dolo e culpa, elementos vinculados à vontade – ao psiquismo do agente –, são completamente deslocados da análise da culpabilidade e passam a integrar a tipicidade. A ação humana passa a compreender elementos de ordens objetiva e subjetiva. Para essa escola de pensamento, não há como se falar em injusto quando a conduta é praticada sem dolo e sem culpa, mesmo que exista nexo de causalidade entre ação e o dano a terceiro.
Entende-se que o Código Penal do Brasil adotou a teoria final da ação (finalismo). Assim, considera-se crime:
a) toda conduta humana injusta, comissiva ou omissiva, (conduta típica);
b) que não possa ser justificada perante o ordenamento ou de acordo com a ordem social vigente (conduta antijurídica); e
c) que dada as condições particulares do agente seja reprovável (conduta culpável).
A punibilidade, para a extensa maioria dos autores, é consequência do crime e não o integra como elemento essencial.
Há uma confusão recorrente entre os juristas sobre as excludentes de antijuridicidade e as excludentes de culpabilidade. Assim, é adequado fazermos uma breve exposição sobre elas.
Hans-Heinrich Jescheck afirma que as excludentes de antijuridicidade se constituem em autorizações para que, sob determinadas condições, se aja de forma contrária ao direito. Ou seja, quando adequadamente presentes, as causas de justificação permitem que o agente pratique legalmente ato proibido sem incorrer em prática delitiva.
O Código Penal traz, de forma expressa, quatro situações de exclusão da antijuridicidade:
a) legítima defesa (art. 25);
b) estado de necessidade (art. 24); e
c) estrito cumprimento do dever legal e exercício regular do direito (ambas previstas no art. 23, III).
A despeito da ausência expressa na lei outras causas (supralegais), a doutrina entende tal situação como natural e decorrente do caráter fragmentário do Direito Penal.
Por sua vez, como explica Luiz Regis Prado, a culpabilidade corresponde à reprovação pessoal dada à conduta de um agente. Importante ressaltar que, para ser reprovável, a atuação do sujeito precisa ser autônoma e deve haver a possibilidade de ser distinta. Ou seja, no caso concreto, a censura só pode se destinar às condutas individualmente evitáveis.
A culpa, como se sabe, há muito passou a integrar a própria tipicidade do fato. É neste momento em que se avalia se determinada conduta foi praticada de maneira dolosa ou culposa. Portanto, não se pode confundir culpa com culpabilidade.
A culpabilidade constitui um juízo de censura ou reprovação pela realização do injusto típico (quando podia o autor ter atuado de outro modo). Culpabilidade, enuncia Welzel, ‘é reprovabilidade de decisão da vontade’.
Daí que culpabilidade depende, perante o ordenamento jurídico brasileiro, da presença de imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa.
Em relação à ilicitude (ou antijuridicidade) e à culpabilidade, temos para a primeira uma autorização para a prática de ato típico, ao passo que para a segunda temos a não reprovação (censura) em decorrência da conduta típica. Assim, podemos dizer:
Enquanto a ilicitude é um juízo de desvalor sobre um fato típico, a culpabilidade é um juízo de censura ou de reprovação pessoal endereçado ao agente por não ter agido conforme a norma, quando podia fazê-lo (poder do agente/resolução de vontade).
Por fim, as excludentes de culpabilidade estão previstas no art. 22 e 26 a 28 e do Código Penal.
A coação moral irresistível, junto com a obediência hierárquica a ordem não manifestamente ilegal, é uma das excludentes de culpabilidade em que temos inexigibilidade de conduta diversa por parte do sujeito.
Nosso Código Penal prevê expressamente no seu art. 22 essas duas situações que excluem a culpabilidade, em razão da inexigibilidade de comportamento diverso. Em outros termos, são causas legais que excluem a culpabilidade por eliminarem um de seus elementos constitutivos, qual seja, a exigibilidade de comportamento de acordo com a ordem jurídica.
Isso significa que o agente praticou ato típico, ilícito (ou antijurídico) e é pessoa imputável e com consciência acerca da ilicitude daquela ação. No entanto, no caso concreto, não se poderia exigir conduta diferente de sua parte.
Partindo disso, é importante diferenciar a coação moral da coação física. Neste último cenário, não se fala em exclusão da culpabilidade do agente, mas sim da falta de tipicidade da conduta, já que o sujeito é mero instrumento usado por um terceiro. No caso, a ação é realizada sem qualquer envolvimento de vontade e de decisão. Luiz Regis Prado explica essa distinção da seguinte forma:
A coação física irresistível, “vis absoluta”, exclui a própria ação por ausência de vontade. Nesse caso, o executor é considerado apenas um instrumento mecânico de realização da vontade do coator, que, na realidade, é o autor mediato.
Trata-se, como se vê, de uma forma de autoria mediata e não de uma forma de excludente de culpabilidade.
O exemplo mais usado em sala de aula e nos livros jurídicos para ilustrar a coação moral irresistível é o do gerente de banco que, tendo seu filho sequestrado, é forçado a efetuar um furto de quantia vultosa na agência bancária em que trabalha. Não se espera que um pai, sabendo da possibilidade de lesão ou de morte de seu filho, se recuse a realizar a subtração.
Neste caso, este gerente realiza a conduta típica de subtrair coisa alheia móvel para si ou para outrem. E não há causa que torne este ato juridicamente autorizado, isto é, trata-se de uma conduta também ilícita (ou antijurídica).
Porém, não há culpabilidade em sua ação, já que há um vício na sua manifestação de vontade e não pode exigir conduta diversa de um pai que tem seu filho ameaçado.
Mas quando a coação moral realmente se torna irresistível? A impossibilidade de resistência, como o próprio nome diz, ocorre quando o sujeito não é capaz de se opor àquela demanda. O indivíduo passa a ter uma conduta distinta do esperado em outras condições (em situação “normal”). Mas, naquele caso, não se poderia esperar outra ação dele.
Cezar Roberto Bitencourt descreve a irresistibilidade da coação do seguinte modo:
Na coação moral irresistível existe vontade, embora seja viciada, ou seja, não é livremente formada pelo agente. Nas circunstâncias em que a ameaça é irresistível não é exigível que o agente se oponha a essa ameaça — que tem de ser grave —, para se manter em conformidade com o Direito. (…) A irresistibilidade da coação deve ser medida pela gravidade do mal ameaçado, ou seja, dito graficamente, a ameaça tem de ser, necessariamente, grave. Essa gravidade deve relacionar-se com a natureza do mal e, evidentemente, com o poder do coator em produzi-lo.
Veja o que o autor coloca: a possibilidade de resistência deve ser aferida de acordo com a situação real e específica daquele caso e dependerá da gravidade da ameaça. Não se pode falar, portanto, em irresistibilidade quando estamos diante de ameaças genéricas, abstratas, pouco contundentes ou não praticáveis.
Assim, percebemos que o agente que pratica uma conduta típica não pode se esquivar da repreensão penal se valendo de uma suposta coação moral irresistível quando: a) a situação de ameaça é pouco provável de ocorrer e b) quando existe uma outra opção de conduta mais adequada em termos jurídicos.
Neste artigo sobre a coação moral irresistível vimos que:
– Atualmente o delito é conceituado como uma conduta típica, antijurídica e culpável.
– Culpa e culpabilidade são elementos distintos e que devem ser analisados em momentos diferentes.
– As excludentes de antijuridicidade (ou de ilicitude) são autorização para se agir de forma contrária ao direito.
– As excludentes de culpabilidade, por sua vez, são situações em que determinada conduta não é reprovável ou censurável.
– A coação moral irresistível é uma das excludentes de culpabilidade em que temos a inexigibilidade de conduta diversa. Não se exige que o sujeito aja de maneira diferente.
– Deve ser moral e não física, já que neste último caso estaremos diante de um caso de atipicidade da conduta em decorrência de autoria mediata.
– A irresistibilidade de coação precisa ser avaliada de acordo com todas as circunstâncias do caso em concreto e deve ser grave.
Bons estudos e um abraço a todos.
Referências
BITENCOURT, Cezar Roberto. Coleção Tratado de Direito Penal: parte geral. 26. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. v. 1, p. 619. (edição digital). Sobre os conceitos de crime, temos: “Além dos conhecidos conceitos formal (crime é toda a ação ou omissão proibida por lei, sob a ameaça de pena) e material (crime é a ação ou omissão que contraria os valores ou interesses do corpo social, exigindo sua proibição com a ameaça de pena), faz-se necessária a adoção de um conceito analítico de crime. Os conceitos formal e material são insuficientes para permitir à dogmática penal a realização de uma análise dos elementos estruturais do conceito de crime.”
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de Derecho Penal: parte general. Espanha: Imprenta, 2002. p. 346 e 347.
NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Penal: parte geral: Arts. 1º a 120 do Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 438. (edição digital). Sobre o conceito de conduta, vale consultar o autor: “No prisma jurídico, o conceito de conduta adquire diferentes pontos de vista. Na visão finalista, que adotamos, conduta é a ação ou omissão, voluntária e consciente, implicando um comando de movimentação ou inércia do corpo humano, voltado a uma finalidade.”
PRADO, Luiz Regis. Tratado de Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120 do CP. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. v. 1, p. 210 (edição digital). Sobre a adoção da teoria finalista pelo ordenamento jurídico brasileiro, temos: “Em 1937, durante o Estado Novo, Alcântara Machado apresentou um projeto de Código Criminal Brasileiro, que, submetido ao crivo de uma comissão revisora, acabou sendo sancionado, por decreto-lei de 1940, como Código Penal, passando a vigorar desde 1942 até os dias atuais, ainda que parcialmente reformado. Dentre as leis que modificaram o Código Penal em vigor, merecem destaque a Lei 6.416, de 24 de maio de 1977, e a Lei 7.209, de 11 de julho de 1984, que instituiu uma nova parte geral, com tópicos de nítida influência finalista.”
Luiz Regis Prado, ao discorrer sobre as excludentes, entende que três são as fontes possíveis para a justificação da conduta e que não há, no ordenamento pátrio, taxatividade acerca delas. Temos assim: “As fontes das causas de justificação são: a lei (estrito cumprimento de dever legal e exercício regular de direito), a necessidade (estado de necessidade e legítima defesa) e a falta de interesse (consentimento do ofendido). O Código Penal brasileiro enumera, de modo expresso, ainda que não taxativo, as principais causas de justificação (art. 23, CP) e o excesso punível (intensivo ou extensivo), doloso ou culposo, que a todas se aplica (art. 23, parágrafo único, CP).” PRADO, Luiz Regis. Tratado de Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120 do CP. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. v. 1, p. 942. (edição digital).
Até mais.
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