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A cobrança indevida de dívida e a jurisprudência

Introdução

O objetivo deste artigo é explicar o dever de indenizar por motivo de cobrança indevida de dívidas e a jurisprudência a respeito desse tema. O direito civil é o direito que rege as relações entre as pessoas, entre os particulares. Quando duas partes negociam, elas estabelecem um vínculo jurídico de direitos e obrigações comutativos (isto é, direitos e obrigações de cada uma das partes).

O conceito de um código civil vem da Europa do séc. XXVIII, com a era do despotismo esclarecido. O despotismo esclarecido foi uma forma de explicar um comportamento na formação de Estados da época, de característica agrícola, nos quais a burguesia possuía muito pouco poder. Nesse contexto, o poder se centralizou em um soberano, que baseado ainda na doutrina do livro Leviatã, de Thomas Hobbes, que defendia a prerrogativa dos poderes do rei perante a sociedade, no sentido de manter a ordem geral.

Essa doutrina se baseou não somente no absolutismo, mas também nos ideais do Iluminismo e progresso. Com base nestes conceitos os reis de Estados do leste europeu (como Áustria, Prússia e Rússia) se viram como condutores da sociedade através dos poderes do Estado, no sentido de viabilizar o desenvolvimento de seus respectivos povos.

Em Portugal, a expressão do despotismo esclarecido teve como expoente o Marquês de Pombal, ministro do rei D. José I. O primeiro código civil das sociedades modernas é o código civil prussiano de 1794. No Brasil, depois da independência, mesmo após a proclamação da república, o primeiro código civil foi a lei n° 3.071, de 1916.

O primeiro código civil brasileiro trata de diversos assuntos do direito entre os particulares, entrando em vigor de 1° de janeiro de 1916 até a vigência até o ano de 2002. Entre os assuntos diversos no código, há o Título VII, que trata das obrigações por atos ilícitos, que, entre outros, envolvem a cobrança indevida de dívidas.

Assumir uma dívida não é fácil, imagine se o credor abusar do poder de cobrar, por uma cobrança indevida.

O Código Civil de 1916, Obrigações por atos ilícitos e cobranças indevidas de dívidas

A lei n° 3.071/1916 (o nosso primeiro código civil) possui quase dois mil artigos, sendo alguns deles destinados ao Título VII – das obrigações por atos ilícitos. Esta parte do código civil, enquanto vigorou, se referia aos danos causados de uma pessoa à outra e ao dever de reparação do dano causado. O conceito de indenização vem dessa ideia de reparar, restaurar uma situação que havia anteriormente ao dano causado. Existem dois dispositivos que tratam de cobranças indevidas de dívidas.

Um deles é o art. 1.530: “O credor que demandar o devedor antes da vencida a dívida, fora dos casos em que a lei o permita, fica obrigado a esperar o tempo que faltava para o vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas em dobro.”

Quer dizer, se o credor cobra a dívida antes de vencida, fica obrigado a esperar até a data de vencimento negociada, descontar os juros e pagar as custas em dobro – a pena por constranger o devedor a pagar a dívida antes do prazo negociado.

O segundo é o art. 1.531: “Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas, ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar o devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que lhe exigir, salvo se, por lhe estar prescrito o direito, decair da ação.”

Neste artigo foi implantada a reparação por uma dívida cobrada pelo credor ao devedor e essa situação foi prevista de duas formas: ao cobrar a dívida paga ou a dívida em valor maior do que o devido.

A dívida paga, no todo ou em parte (sem ressalva das partes já quitadas) obriga o credor a pagar ao credor o dobro do valor cobrado. Pois bem: se um credor cobra, por exemplo, R$ 2.000,00 de um devedor cuja dívida original era R$ 2.000,00 que foi paga, ele deverá pagar ao devedor a quantia de R$ 4.000,00. A dívida cobrada em valor superior ao devido obriga o credor a devolver o valor equivalente. Então, se o credor exigir R$ 3.000,00 de uma dívida não quitada de R$ 2.000,00 – ele será obrigado a devolver ao devedor o que cobrou de forma excessiva, os R$ 1.000,00.

Entretanto, havia duas ressalvas a esse direito de reparação. Um deles era o direito estar prescrito, conforme o texto do artigo 1.531. A outra ressalva era a do art. 1.532: “Não se aplicarão as penas dos arts. 1.530 e 1.531, quando o autor desistir da ação antes de contestada a lide.” Isso quer dizer que, se o credor desistisse da ação, antes da resposta do devedor, isso extinguia o dever de indenizar.

Se o credor desistir da ação judicial de cobrança indevida antes da contestação, ele não tem obrigação de indenizar.

O Código Civil de 2002, a obrigação de indenizar e as cobranças indevidas de dívidas

De forma mais estruturada, a lei n° 10.406/2002, o novo código civil, que substituiu o de 1.916, possui o Capítulo IX, que trata da responsabilidade civil. A responsabilidade civil surge quando alguém, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outra pessoa, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito (art. 186). Da mesma forma comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela ou pelos bons costumes (art. 187).

Retornando ao tema da obrigação de indenizar, o art. 927 inicia o capítulo determinando que qualquer pessoa que, ao cometer ato ilícito, causar dano a outra pessoa, fica obrigado a repará-lo.

A redação do art. 1.530 foi copiada integralmente para o art. 939: “O credor que demandar o devedor antes de vencida a dívida, fora dos casos em que a lei o permita, ficará obrigado a esperar o tempo que faltava para o vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas em dobro.”

A cobrança de dívida que existia no art. 1.531 foi transcrita para o novo código no art. 940: “Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.

Em ambas as normas, permaneceu a ideia do código civil de 1916, no sentido de refrear um abuso de poder do credor, que, de forma indevida e injusta, poderia coagir o devedor a pagar a dívida antes do prazo de vencimento. Ou, por uma possível má-fé, aproveitando-se de uma falta de organização do devedor, quer lucrar excessivamente às custas deste.

A cobrança indevida de dívida e a jurisprudência

Apesar de estabelecida nos dois códigos civis brasileiros, cobranças de dívidas indevidas já acionaram tribunais superiores. Nos registros do Supremo Tribunal Federal (STF) é antiga a Súmula 159-STF: “Cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá lugar às sanções do art. 1.531 do Código Civil.” Essa súmula é do ano de 1963 (quase 60 anos) o que indica que se reconhecia que pode haver uma cobrança considerada excessiva, mas feita de boa-fé, sem o interesse de causar dano ao devedor – não enseja indenização.

Este princípio de que a boa-fé é presumida também é seguido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). No Informativo do STJ n° 576, em um caso concreto, o colegiado do STJ entendeu que, para a indenização em dobro causada pela cobrança indevida de dívida, deve ser provada a má-fé do credor. Ou seja, para que a penalidade em dobro seja aplicável, deve ser provada a má-fé do credor.

No mesmo julgado o STJ compreendeu também que a sanção em dobro pela cobrança indevida pode ser postulada pelo réu na própria defesa, independendo de propositura de ação autônoma ou pelo manejo da reconvenção. Isso quer dizer que o devedor não precisa entrar com ação para requerer a penalidade: ele pode pedir na própria defesa contra a ação de cobrança. Isso poupa custos do devedor acionado juridicamente.

Duas últimas conclusões deste julgado pelo tribunal da cidadania são as seguintes: como pena eminentemente objetiva, a obrigação de indenizar em dobro independe da comprovação de dano – bastando que haja a cobrança judicial e comprovada má-fé do credor; e que essa indenização pode ser estendida às relações de consumo, uma vez que o Código de Defesa do Consumidor (lei n° 8.078/1990) possui a figura da indenização em dobro pela cobrança indevida no art. 42, parágrafo único.  A diferença é que no código é feita a referência à repetição ao indébito, mas na essência é a mesma coisa.

Para a indenização em dobro da cobrança indevida de dívida, a má-fé do credor deve ser comprovada.

Conclusões

Neste artigo buscou-se explicar a necessidade de um direito civil para reger as relações entre os particulares, bem como as origens destes mesmos códigos de direito civil, os códigos civis.

Tais leis cuidam de muitos interesses comezinhos de uma sociedade minimamente organizada, para assegurar o bom andamento das relações, através do cumprimento dos contratos entre as pessoas.

Entre os dispositivos no código civil brasileiro para assegurar as boas relações entre as partes, há um capítulo sobre a responsabilidade civil – que define o que é ato ilícito, quem o pratica, de que forma o pratica e que, ao causar dano deve reparar esse dano.

Um dos atos ilícitos previstos no código civil é a cobrança indevida de uma dívida. E ela pode assumir três formas: a cobrança indevida de uma dívida antes de seu vencimento, a cobrança indevida de uma dívida já paga, totalmente ou em parte e a cobrança indevida de uma dívida a maior do que o valor negociado.

A cobrança indevida da dívida antes do vencimento obriga o credor a esperar até o vencimento, descontar os juros e pagar as custas em dobro. De outra forma, a cobrança de uma dívida paga no todo ou em parte demanda que o credor devolva o que cobrou em dobro. Quanto à cobrança indevida a maior, fica o credor obrigado a devolver a quantia que exceder o que era a quantia originalmente devida.

Estas são as formas de cobrança indevida de dívida e as penalidades previstas aos participantes de negócios jurídicos que cometerem abuso de poder nessas relações.

Ricardo Pereira de Oliveira

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Ricardo Pereira de Oliveira

Formado em Administração de Empresas pelo Mackenzie, pós-graduado em Marketing pela ESPM. Concurseiro desde 2014. Auditor Fiscal da Receita Municipal de Campo Grande/MS Ex-Fiscal de Rendas de Taboão da Serra/SP

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