Intercorrências, mera percepção do operador de Direito ou pura constatação de termos do Direito Administrativo
Em momento pós eleição de Jair Messias Bolsonaro, retornou à pauta a extradição de Cesare Battisti como uma das primeiras medidas a serem adotadas pelo novo Governo.
O Ministro do Interior da Itália, Matteo Salvini, em sua conta do Twitter, depois de cumprimentar o recém eleito Presidente pediu ‘que reenvie para a Itália o terrorista vermelho Battisti’ – E dopo anni di chiacchiere, chiederò che ci rimandino in Italia il terrorista rosso #Battisti.
Importante relembrar que no atual Governo, o Ministro da Justiça, Torquato Jardim, em uma entrevista, deu a entender que o presidente Michel Temer poderia extraditá-lo. Ou seja, é um tema sempre à espreita na relação Brasil / Itália. Por isso, agora não seria diferente.
Battisti foi condenado à prisão perpétua na Itália por ter cometido 4 (quatro) homicídios – dois policiais, um joalheiro e um açougueiro -, na década de 1970. Membro do grupo Proletários Armados para o Comunismo (PAC), a defesa nega o envolvimento do ex-ativista em assassinatos e acusa o governo italiano de perseguição política.
O Pleno do Supremo Tribunal Federal, nos dias 09 e 10 de setembro de 2009, iniciou o julgamento conjunto do Pedido de Extradição nº 1085, formulado em 04 de maio de 2007, pelo Governo da Itália, contra Cesare Battisti, e do Mandado de Segurança nº 27875, também impetrado pela República da Itália, contra ato do Ministro da Justiça brasileiro, à época, Tarso Genro. Após pedidos de vistas, o julgamento foi concluído em 18 de novembro de 2009.
Cesare Battisti encontrava-se preso no Brasil desde 18 de março de 2007, em decorrência do mencionado processo de extradição1, tendo em vista a sua condenação à prisão perpétua em 2 (dois processos) criminais na Itália, pela prática dos 4 (quatro) homicídios supracitados cometidos no final da década de 1970.
Todavia, o caso teve maior repercussão na imprensa nacional e italiana a partir de janeiro de 2008, quando o então Ministro da Justiça, Tarso Genro, concedeu o status de refugiado2 político a Battisti, em pedido formulado por este ao Comitê Nacional para Refugiados (CONARE).
Em 2010, sob a égide do Governo Lula, o relator do Pedido de Extradição nº 1085, Ministro Cezar Peluso, entendeu que a concessão de refúgio pelo então Ministro da Justiça foi ilegal, sob o fundamento de que Battisti não cometeu crimes políticos, mas delitos comuns, que não estão prescritos. Destacou que os diplomas legais vigentes à época – Estatuto dos Refugiados, atual Lei de Migração (Lei Federal nº 13.445, de 24 de maio de 2017), e a Lei nº 9.474/97 (art. 3º, III) – vedavam a concessão do refúgio a quem tenha cometido crime hediondo.
Ressaltaram, além disso, os Ministros do STF, em questão de ordem, que sua decisão sobre o pedido de extradição não vinculava o Presidente da República, que discricionariamente pode – ou não – conceder a extradição, após o reconhecimento da legalidade do pedido na fase judicial do processo.
Ademais, o julgamento do STF é somente autorizativo, incumbindo ao Presidente da República decidir pelo deferimento – ou não – do pedido, com fundamento genérico no art. 84, VII, da Constituição da República Federativa do Brasil (que prevê ser de sua atribuição celebrar tratados, convenções e atos internacionais).
Juridicamente, o STF somente declarou a ilegalidade do ato político praticado pelo Ministro da Justiça brasileiro, reconhecendo que Battisti não é refugiado político, portanto, caberia, sim, a sua extradição para a Itália, salientando, mais uma vez, que seu julgamento não vincula o Presidente da República, mas somente analisa a legalidade e a procedência do requerimento, a quem incumbe deferir – ou não – o pedido de extradição.
Depois de decorridos quase 10 anos, o italiano está no Brasil, atualmente, por força de uma liminar dada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, tendo em vista que Battisti, em 2017, foi preso ao tentar ultrapassar a fronteira entre o Brasil e a Bolívia com U$S 6 mil e 1,3 mil euros, tendo sido a prisão revogada.
O ministro Luiz Fux concedeu o pedido dos advogados, convertendo o Habeas Corpus (HC) em Reclamação e submeteu o caso a julgamento. Como o processo ainda não foi julgado, a tal liminar segue com validade e impede qualquer medida que vise tirá-lo do país.
A tese da defesa gira em torno de que ‘a abrangência que a doutrina dá à disposição do art. 54 da Lei nº 9.784/1999, apontando que sequer expediente administrativo poderia ser instaurado para invalidar um ato administrativo praticado há mais de 5 (cinco) anos. Neste âmbito, entende-se, inclusive, que já existe efetivo ato coator ilegal, pois que a própria autuação de expediente administrativo para revisão da decisão sobre extradição do paciente já se reveste de patente ilegalidade’.
No entanto, a Procuradora-geral da República (PGR), Raquel Dodge, emitiu parecer na Reclamação no sentido contrário e destacou que cabe ao Presidente da República tomar a decisão.
A PGR afirmou que a decisão do Supremo, em 2009, ao ter discutido o tema deixou expresso que a entrega de estrangeiros para fins de extradição não cabe ao Poder Judiciário, pois trata-se de medida de natureza política, e, portanto, discricionária do Presidente da República. Avaliou, dessa forma, a ‘cabeça’ do Ministério Público (MP), que essa decisão é passível de revisão pelo chefe do Executivo a qualquer tempo.
Isso em se considerando que o Pedido de Reconsideração da decisão do Executivo apresentado pelo governo da Itália em nenhum momento busca a anulação do decreto, o qual foi assinado no último dia de mandato do ex-presidente Lula; busca, sim, a sua revogação, o que decorre da discricionariedade do ato.
Segundo Raquel Dodge,
‘a decisão do presidente da República que nega a entrega de estrangeiro para fins de extradição é insindicável pelo Poder Judiciário. Daí, contudo, não há inferir a impossibilidade de revisão pelo Chefe de Estado da decisão de entrega do estrangeiro. A Suprema Corte já reconheceu que, uma vez autorizada judicialmente a extradição, a decisão de entrega de estrangeiro é decisão política, afeta à soberania da República Federativa do Brasil, cuja autoridade competente para a decisão é, exclusivamente, o presidente da República’. (grifos nossos).
Sobre se a decisão atingiria a segurança jurídica afirma,
‘não há falar, na espécie, em direito adquirido, sendo a decisão passível de revisão a qualquer tempo, pois decorre do exercício da soberania pátria’. (grifos nossos).
No processo, a Advocacia-Geral da União (AGU) seguiu mesma linha e defendeu que o ‘STF nunca enfrentou a possibilidade de reavaliação da decisão’.
Defende a AGU que,
‘fora fixado o entendimento no sentido de insindicabilidade do ato extradicional praticado pelo Presidente da República em relação tão somente ao Poder Judiciário. Em nenhum momento, os Ministros se manifestaram pela impossibilidade de o próprio Chefe de Estado revisar o ato presidencial anterior’. (grifos nossos).
Para a AGU, não há prazo de modo que decisão sobre extradição sofra algum tipo de reavaliação, sendo que o pedido de extradição foi formulado pela República Italiana em fevereiro de 2007, tendo prazo prescricional de 20 (vinte) anos,
‘forte em tais razões, pode-se concluir que a revisão do ato do Presidente da República que nega a extradição de estrangeiro não está submetida a prazo prescricional ou decadencial, e que a competência para revisar o ato presidencial que indeferiu o pedido de extradição, e revogá-lo, segundo critérios políticos de conveniência e oportunidade, é único e exclusivo do próprio Presidente da República’. (grifos nossos).
Como traçado acima, anulação e revogação encontram-se em compartimentos distintos ao se tratar de extinção de atos administrativos emitidos pela Administração Pública, no caso, pelo seu chefe, o então Presidente da República.
Enquanto a anulação (ou invalidação) é o desfazimento do ato administrativo em virtude de ilegalidade, possuindo, portanto, efeitos retroativos ex tunc, ou seja, desde a sua origem; a revogação é a supressão de um ato administrativo válido e discricionário por motivo de interesse público superveniente, tornando-o inconveniente ou inoportuno. Possuindo, assim, efeitos ex nunc – não retroativos e sim prospectivos -, retirando o ato da revogação em diante (ato válido e sem vício)3.
Nesse sentir a Súmula nº 473/STF dispõe que ‘a Administração pode anular seus próprios atos (autotutela), quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial’. Ou seja, aferida a ilegalidade, deve ser promovida a anulação do ato administrativo, sendo, portanto, obrigação da Administração, de ofício ou por provocação, ou pelo Judiciário por provocação.
Contudo, a doutrina consente em deixar de anular um ato cujo prejuízo for maior que a sua manutenção. Sempre que existir a anulação de um ato, devem ser resguardados os efeitos já produzidos em relação aos terceiros de boa-fé.
No entanto, como discorrido acima, aqui não se trata de direito adquirido, uma vez que não se adquire direito de um ato ilegal4, não há que se invocar quer seja segurança jurídica, quer seja boa-fé no que diz respeito a ilegalidade na concessão de condição de refugiado, uma vez que Battisti cometeu delitos comuns (e não crimes políticos), que não estão prescritos, não estando sujeitos ao prazo previsto no art. 54, da Lei nº 9.784/1999, como quer fazer crer a defesa. O caso configurado é, pois, por todo o dito, o de extradição.
Dessa forma, frisa-se tratar, no contexto delineado, da extinção de um ato administrativo por conveniência e oportunidade da Administração, por isso, o tratamento a ser dado é de revogação de um ato discricionário.
A revogação é ato privativo da Administração que praticou o ato a ser extinto – por retirada -, conforme sustentado pelo STF, pela PGR, pela AGU.
Na revogação não há ilegalidade, e é justamente por isso que o Poder Judiciário não pode revogar um ato praticado pela Administração.
O que está em jogo é muito mais que um pedido de extradição, como tantos outros constantes no rol que o STF julga.
Em resposta à mensagem de solicitação do Ministro do Interior da Itália, Matteo Salvini, o filho do recém eleito Presidente Jair Bolsonaro, devolveu em sua conta do Twitter que o ‘presente está chegando! Obrigado pelo apoio, a direita fica mais forte’, escreveu Eduardo Bolsonaro.
Certo é que durante a campanha presidencial, Bolsonaro se comprometeu a extraditar Battisti.
1 A extradição, diferentemente da expulsão e da deportação, é o único procedimento que possui uma fase administrativa e outra judicial. Em uma primeira etapa, há o recebimento do pedido de extradição, por via diplomática, com versão em português dos documentos (providenciados pelo país requerente), instruído obrigatoriamente com cópia autenticada ou com o original da sentença condenatória ou da decisão penal proferida. Na sequência, o Ministério das Relações Exteriores encaminha o pedido ao Ministério da Justiça, cujo titular determina a prisão do extraditando e o deixa à disposição do STF. Em seguida, tem início a segunda etapa do processo, competindo exclusivamente ao STF julgar o pedido (art. 102, ‘g’, da Constituição), manifestando-se somente sobre a legalidade e a procedência da extradição não adentrando no mérito do julgamento que motivou o requerimento.
2 O STF não declarou a inconstitucionalidade do ‘art. 33. O reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio’. (Lei Federal nº 9.474, de 22 de julho de 1997).
3 A Administração deve anular os atos por ela praticados os quais contenham vícios insanáveis, mas pode anular ou convalidar os atos com vícios sanáveis que não acarretem lesão ao interesse público, nem prejuízo a terceiros.
4 STF – MS 28.273/DF
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Explica muito bem.
Obrigado.