Este artigo se destina a expor e explicar causas não-litigiosas de extinção do crédito tributário e como a doutrina e jurisprudência guiaram o alcance desse conceito. A extinção do crédito tributário pressupõe, antes de mais nada, a existência desse crédito.
Retrocedendo um pouco mais, o crédito tributário somente pode ser criado com o surgimento da obrigação tributária principal – que surge com a ocorrência do fato gerador. O fato gerador, por sua vez, é aquela situação ocorrida no mundo dos fatos que coincide com a hipótese de incidência, que foi prevista em lei, elencando uma situação que, uma vez concretizada, estabelece o vínculo jurídico-tributário entre o sujeito ativo (o ente estatal competente para cobrar o tributo) e o sujeito passivo (o contribuinte ou responsável, quem deve pagar o tributo).
O surgimento da obrigação tributária não é suficiente para possibilitar a sua exigibilidade pela administração tributária. Para isso é necessário o procedimento vinculado e obrigatório chamado lançamento, que é declaratório da obrigação tributária e constitutivo do crédito tributário. Com este procedimento, passa a ser criado o crédito tributário, que é obrigação tributária tornada líquida e certa: líquida quanto ao valor pecuniário, mensurável, ao mesmo tempo que certa quanto à sua exigibilidade.
Constituído o crédito tributário, ele somente pode ser encerrado ou extinto com seu respectivo pagamento – o que é lógico, uma vez que a obrigação tributária principal é a obrigação de pagar prestação pecuniária. Todavia, o pagamento não é a única causa de extinção do crédito tributário. Há ainda outras causas não-litigiosas de extinção do crédito tributário, tais como: a compensação, a remissão, a prescrição e a decadência, o pagamento antecipado e a homologação deste e, por último, a dação em pagamento em bens imóveis.
À exceção da decadência e prescrição, abordadas em artigo anterior, todas essas causas de extinção não-litigiosas serão analisadas neste artigo.
Essas causas de extinção do crédito tributário estão elencadas na lei n. 5.172/1966, o Código Tributário Nacional (CTN), que foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 (CF/88) como lei complementar, em jurisprudência redigida pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O pagamento é a principal forma de extinção não-litigiosa do crédito tributário, sendo disciplinado por um conjunto de normas específicas dos artigos 157 a 169. Quanto às formas de pagamento, são expressamente aceitas a moeda corrente, cheque ou vale postal, além de prever a estampilha – uma espécie de selo fiscal. A legislação tributária pode determinar as garantias exigidas pelo pagamento em cheque ou vale postal – desde que não impossibilite ou o torne mais oneroso que o pagamento em moeda corrente.
O pagamento de um crédito não presume, quando parcial, das prestações em que se decomponha, bem como, quando total, de outros créditos referentes ao mesmo ou de outros tributos. Aqui a presunção de pagamento funciona diferentemente da presunção prevista no Código Civil – a de que o pagamento de uma prestação posterior presume o pagamento da anterior.
Outra determinação do CTN é que a imposição da penalidade não elide (ou seja, não afasta ou dispensa) o pagamento integral do crédito tributário. Afinal de contas, em jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) “(…) observa-se que crédito tributário não diz respeito apenas a tributo em sentido estrito, mas alcança, também, as penalidades que incidam sobre ele.”
O local de pagamento é outra definição importante. Salvo disposição em contrário da legislação pertinente, o local de pagamento é a repartição competente do domicílio do sujeito passivo. Isso se dá em função do caráter portável do crédito tributário, ou seja, a obrigação reside com seu portador. Quanto ao tempo do pagamento, quando a legislação não fixar o período, o vencimento do crédito tributário ocorre em 30 dias depois da data de notificação do sujeito passivo.
No pagamento antecipado de tributos lançados por homologação, ocorre o pagamento, que é antecipado, porque neste tipo de lançamento todos os atos concernentes à formação do crédito tributário são realizados pelo sujeito passivo, cabendo à autoridade administrativa tão somente a extinção não-litigiosa pela homologação do pagamento (a verificação do pagamento do tributo) – que pode ser expressa (com manifestação da autoridade) ou tácita (sem manifestação). Depois de 5 anos da ocorrência do fato gerador, está extinto o direito da fazenda pública de lançar o tributo.
E se ocorrer pagamento a maior? Neste caso, o sujeito passivo possui até 5 anos após a extinção do crédito tributário, pleiteando a repetição do indébito (a restituição do valor pago a maior). Caso a fazenda pública denegue (negue a restituição), o contribuinte pode pleitear a ação anulatória da denegatória de seu direito a receber. Este prazo não pode ser suspenso, somente interrompido, recomeçando seu curso, pela metade de seu turno, a contar da data da intimação validamente feita à fazenda pública.
A compensação pode ocorrer quando as duas partes (sujeitos ativo e passivo) da relação jurídico-tributária são devedores e credores ao mesmo tempo. Desta forma há a extinção de obrigações recíprocas que se reputam pagas.
Conforme preceitua o CTN, no art. 170: “A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública.
Parágrafo único. Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei determinará, para os efeitos deste artigo, a apuração do seu montante, não podendo, porém, cominar redução maior que a correspondente ao juro de 1% (um por cento) ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento.”
Assim é possível notar que há uma faculdade do ente tributante em possibilitar a compensação como uma extinção não-litigiosa, não uma obrigação. Não é suficiente que o CTN disponha a respeito, deve haver lei disciplinando este instituto, por parte de cada ente tributante.
Posteriormente foi incluído o art. 170-A: “É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial.” Simplesmente porque não faz sentido englobar débitos contestados judicialmente em uma compensação, visto que os mesmos podem ser extintos judicialmente.
A jurisprudência do STJ admite o mandado de segurança para a declaração do direito à compensação, na súmula STJ-213: “O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária.” Entretanto, o mesmo tribunal veda em sua jurisprudência a compensação por liminar, conforme súmula STJ-212: “A compensação de créditos tributários não pode ser deferida por medida liminar cautelar ou antecipatória.”
A remissão de crédito tributário acontece quando o fisco, por ato unilateral, concede o perdão da dívida tributária. A remissão, como causa de extinção não-litigiosa, exige lei que a estabeleça, conforme o art. 172 do CTN: “A lei pode autorizar a autoridade administrativa a conceder, por despacho fundamentado, remissão total ou parcial do crédito tributário, atendendo:
I – à situação econômica do sujeito passivo;
II – ao erro ou ignorância excusáveis do sujeito passivo, quanto a matéria de fato;
III – à diminuta importância do crédito tributário;
IV – a considerações de eqüidade, em relação com as características pessoais ou materiais do caso;
V – a condições peculiares a determinada região do território da entidade tributante.
Parágrafo único. O despacho referido neste artigo não gera direito adquirido, aplicando-se, quando cabível, o disposto no artigo 155.”
A remissão deve ser prevista em lei a considerações especiais, como à situação econômica do sujeito passivo; a erro ou ignorância que possam ser desculpáveis por parte do sujeito passivo quanto à matéria de fato; à diminuta importância do crédito tributário em questão, cujos custos de cobrança sejam maiores; a considerações de equidade, buscando atenuar um efeito adverso ao contribuinte, tendo em vista características pessoais ou materiais do caso; por último, a condições peculiares a determinada região do território da entidade tributante.
A remissão não gera direito adquirido, sempre dependendo de lei, em relação a cada uma de suas concessões. O artigo 155 do CTN se refere à moratória, com as considerações de que será revogada de ofício, sempre que se apure que o beneficiado não atendia ou deixou de atender aos requisitos da mesma – cobrando-se o crédito tributário acrescido dos juros de mora, nos casos de dolo ou simulação do beneficiado ou em terceiro em benefício daquele; ou sem imposição de penalidade, nos demais casos.
A dação em pagamento em bens imóveis é o ato do sujeito passivo em que, não possuindo fundos suficientes para pagar o crédito tributário, oferece bem ou bens imóveis de sua propriedade com o fito de extinguir a obrigação.
Como outras formas de extinção não-litigiosa do crédito tributário, a dação em pagamento em bens imóveis é uma forma indireta de extinção, e, portanto, depende de lei que estabeleça as condições em que se poderá oferecer bens imóveis em pagamento.
Cabe lembrar que o próprio CTN abre essa possibilidade em seu art. 3.o: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”
A dação em pagamento em bens imóveis como causa da extinção não-litigiosa do crédito tributário não constava do texto original do CTN, tendo sido incluída posteriormente pela Lei Complementar n. 104/2001. Como o CTN foi recepcionado pelo Supremo como Lei Complementar, por tratar materialmente de assunto de normas gerais sobre direito tributário, somente uma outra Lei Complementar poderia incluir mais uma hipótese de extinção do crédito tributário.
Neste raciocínio, as causas de extinção do crédito tributário, tanto as não-litigiosas como as contenciosas são hipóteses exaustivas – ou seja, somente pode ser incluída qualquer outra causa por meio de Lei Complementar, a exemplo do que ocorreu com a dação em pagamento em bens imóveis.
Sobre essa causa de extinção não-litigiosa, o STF julgou uma lei do Distrito Federal que incluía a dação em pagamento em bens imóveis e móveis, também. À época, o excelso tribunal entendeu que a hipótese de dação em bens móveis ofendia a exigência constitucional de licitação dos entes federativos, declarando a lei inconstitucional. Não cabe, então, ao ente federativo receber seus tributos por outros meios além dos estabelecidos no art. 156 do CTN.
A obrigação tributária principal, surgida com a ocorrência do fato gerador, inicia o vínculo da relação jurídico-tributária entre sujeito ativo, que é competente para exigir o pagamento do tributo, bem como o sujeito passivo, contribuinte ou responsável, que irá suportar o encargo de satisfazer essa obrigação, tornada líquida e certa pela constituição do crédito tributário.
Existem várias formas de causas de extinção do crédito tributário, que se dividem em não-litigiosas e contenciosas. As formas não-litigiosas são, respectivamente: o pagamento e o pagamento antecipado com a ulterior homologação do pagamento; a compensação; a remissão e a dação em pagamento em bens imóveis.
O pagamento é a mais simples causa de extinção não-litigiosa do crédito tributário. Ele pode ser feito em espécie, cheque (documento de ordem de pagamento à época do CTN), vale postal ou estampilha, que é um tipo de selo fiscal. A lei pode disciplinar o pagamento por qualquer uma destas formas – desde que não as torne mais difíceis ou mais onerosas ao contribuinte. O pagamento antecipado com ulterior homologação do pagamento tornou-se a mais comum entre as hipóteses de pagamento, típica de tributos lançados por homologação.
A compensação é um instituto emprestado do direito civil, situação em que as partes são, concomitantemente, credoras e devedoras. Desta forma, desde que prevista em lei que estabeleça as condições para que a compensação ocorra, as obrigações mútuas se compensam até as suas respectivas extinções.
A remissão é a causa de extinção não-litigiosa do crédito tributário baseada no perdão da dívida tributária. Por definição, deve também estar prevista em lei e se aplica ao crédito tributário, total ou parcialmente. Na remissão, o perdão incide sobre o conjunto do crédito tributário (tributo + penalidades).
Por último, uma causa de extinção não-litigiosa acrescentada ao CTN foi a dação em pagamento em bens imóveis, em que o sujeito passivo, tolhido de recursos para realizar o pagamento do tributo, oferece bens imóveis para a extinção de sua obrigação. A dação em pagamento em bens imóveis precisa estar prevista em lei que estabeleça condições que o sujeito passivo deverá atender.
Ricardo Pereira de Oliveira
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