O objetivo deste artigo é explicar o que é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA – agência reguladora) e qual é sua finalidade.
Para entender o que faz esta instituição, é preciso entender como a administração pública no Brasil foi estruturada. Tanto no Brasil como no mundo inteiro, as administrações públicas passaram por fases, sendo que a primeira delas era de uma administração centralizada, composta por todo o aparato de governo agregado à função do executivo. Isso tinha uma certa lógica própria – afinal, o governante é quem comanda a administração pública.
Com o passar do tempo, essa centralização começou a dificultar a atuação do governo, por pelo menos três motivos: como todas as funções estavam juntas, havia uma dificuldade de priorizar as ações, já que, sem uma organização em departamentos, muitas ações ficavam sem recursos suficientes na distribuição do orçamento. Outro problema era de foco: sem uma departamentalização, não havia uma clara identificação de quais áreas deveriam ter recursos.
Em decorrência deste segundo problema, aparecia outro: quais ações e recursos seriam necessários para cada área da ação governamental? Sem uma organização do aparelho estatal, estas seriam questões impossíveis de responder. O primeiro passo nesse sentido foi a departamentalização da administração direta.
Por administração direta compreende-se todos os órgãos que não possuem personalidade jurídica própria, que pertencem a uma pessoa jurídica de direito público. Desta forma, em uma cidade, a entidade “município” é uma pessoa jurídica e as secretarias são órgãos desta pessoa jurídica. O mesmo acontece nos estados brasileiros, com suas respectivas secretarias, bem como no governo federal, cuja pessoa jurídica é a União, com seus respectivos ministérios.
Na organização dos departamentos da administração direta, ocorre a desconcentração, que é uma separação das atribuições por centros de competência – ocorre uma certa especialização funcional, mas a autoridade permanece com o poder central. Isso ainda mantém problemas como a falta de autonomia e responsabilidade do órgão – que permanecem na administração central. Isso começa a mudar quando ocorre a descentralização, como se verá adiante, sendo que a agência reguladora ANVISA pertence à administração indireta.
A administração indireta, por outro lado, possui algumas diferenças, dentre elas o fato de que são criadas por descentralização. A descentralização confere personalidade jurídica para o ente criado. Ou seja, a administração indireta é uma outra pessoa jurídica distinta do ente que a criou. Em decorrência disso, os entes da administração indireta são autônomos, isto é, possuem autonomia para tomarem suas respectivas decisões – bem como responsabilidade sobre as consequências de tais decisões.
Em decorrência das crescentes complexidades da ação governamental, bem como da também crescente necessidade de acompanhar os resultados das ações realizadas por meio do orçamento público, o Decreto-Lei n. 200/1967 é também é citado por parte da doutrina de gestão pública como um primeiro movimento de uma reforma estatal de cunho gerencial, onde se verifica um enfoque no sentido de libertar a administração indireta das amarras da administração direta.
Desta forma, o Decreto-Lei n. 200/1967 traz essas classificações em seu art. 4.o: “A Administração Federal compreende:
I – A Administração Direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios.
II – A Administração Indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria:
a) Autarquias;
b) Emprêsas Públicas;
c) Sociedades de Economia Mista.
d) fundações públicas.”
O foco aqui é a autarquia, conforme explicitado no art. 5.o: “Para os fins desta lei, considera-se:
I – Autarquia – o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada.”
Conforme explicado pelos dois artigos, a administração pública que precise de um melhor funcionamento de uma de suas atividades pode criar uma autarquia, cuja gestão administrativa e financeira será descentralizada. A criação de uma autarquia deverá ser por lei, sendo também por lei a sua extinção.
Isso significa que ela terá autonomia e liberdade para atuar, desde que se mantenha fiel aos objetivos contidos na lei de sua criação. Mesmo que não seja hierarquicamente subordinada ao ente que a criou, cabe à administração pública criadora a supervisão ministerial, que é a avaliação sobre se a autarquia cumpre os propósitos finalísticos de sua criação. A agência reguladora ANVISA possui esta independência.
A vigilância sanitária é um desdobramento dos serviços de saúde, pois esta subdivisão parte de um reconhecimento da correlação entre higiene, saúde e consequente melhor qualidade de vida da população em geral. A primeira manifestação neste sentido é o Decreto n. 2449/1897, que estabelece a Diretoria Geral da Saúde Pública, através da unificação dos serviços de higiene da União. Neste decreto já se prevê o monitoramento do exercício da medicina e farmácia.
A política sanitária prossegue com o Decreto-lei n. 3.987/1920, que, por sua vez, cria o Departamento Nacional de Saúde Pública. Neste documento já existem as expressões profilaxia rural (cuidados para a prevenção de doenças no campo), estudos sobre doenças transmissíveis, pesquisas sobre soros, vacinas e outras pesquisas científicas de interesse público. São previstas também a produção de estatísticas demográficas, monitoramento de epidemias, engenharia sanitária, fiscalização de esgotos e novas redes, bem como a fiscalização de clubes noturnos e casas de jogo.
Em 1923 é promulgado o Regulamento Sanitário Federal, através do Decreto n. 16.300/1923, sendo que em 1930 é criado o Ministério da Educação e Saúde Pública. Em 1942, por meio do Decreto n. 4275/1942, é criado o Serviço Especial de Saúde Pública – com a finalidade de desenvolver um serviço de cooperação entre os governos dos Estados Unidos e Brasil em matéria de saúde pública.
Em 1953 é criado o Ministério da Saúde e em 1961 o Código Nacional de Saúde separou as atividades de vigilância sanitária e vigilância epidemiológica, através do Decreto n. 49.974/1961. Posteriormente, a lei n. 6.630/1976 dispôs sobre a vigilância sanitária de medicamentos, drogas, insumos farmacêuticos, cosméticos, saneantes, entre outros produtos e a lei n. 6.437/1977 previu sanções sobre as infrações à legislação sanitária federal.
Mesmo com todo esse histórico, até a Constituição Federal de 1988 (CF/88) a vigilância sanitária era executada pela administração direta por meio do Ministério da Saúde, sem a existência da agência reguladora ANVISA. Isso só mudou depois de uma reforma administrativa, em 1995.
Com todo o histórico sobre a vigilância sanitária, é possível observar que estes serviços foram se desenvolvendo de forma gradual ao longo do século XX. Este segmento da saúde foi crescendo até se tornar um ministério de governo. Um dos problemas é que, dentro de um ministério como o da saúde, que abriga muitas atividades governamentais e serviços públicos, a vigilância sanitária perdia muito em eficiência.
Depois da promulgação da CF/88, o estado brasileiro, depois de algumas crises ao longo de sua história recente, passou por mais uma crise. Como na história do século XX o estado brasileiro foi sempre utilizado como um agente de desenvolvimento, o estado sempre gastou muito, o endividamento do estado brasileiro subiu assustadoramente nas últimas 5 décadas.
A crise de liquidez dos anos 80 atingiu toda a América Latina, em especial o Brasil. Foi nessa época que houve 14 planos de estabilização econômica, sendo o último deles o mais bem sucedido, o Plano Real. Uma das diferenças em relação aos anteriores é que o plano não só previa uma redução da inflação, mas a redução do gasto público.
Com a estabilização econômica, o governo eleito continuou a racionalização da máquina pública por meio da reforma do aparato estatal. Foi criado o Ministério da Reforma do Aparelho do Estado (MARE), um ministério temporário, que visava reordenar as atividades estatais. No diagnóstico do aparelho estatal estava uma divisão em 4 áreas: núcleo estratégico, atividades exclusivas de Estado, atividades não-exclusivas de Estado e produção de bens para o mercado.
O rumo para resolver o problema do inchaço do aparelho estatal brasileiro passava pelas seguintes medidas: recuperar a capacidade de formular políticas do núcleo estratégico; revitalizar autarquias e fundações estatais em um novo modelo institucional, como agências executivas e agências reguladoras; publicizar a prestação de serviços não-exclusivos do Estado (através de parcerias com instituições civis sem fins lucrativos; e privatizar a produção de bens para o mercado.
Na esteira dessas mudanças, a privatização envolvia duas questões: transferir a execução das atividades de produção de bens para o mercado para agentes privados, empresas, em regime de competição de mercado – mas sem esquecer do consumidor dos produtos e serviços, que poderia ser lesado sem melhorias na prestação de serviços. Foi nesse contexto que surgiram as agências reguladoras: autarquias em regime especial, que regulariam serviços recém-transferidos ao mercado privado, ou áreas que necessitavam de uma atuação mais sistemática do estado em regulação e fiscalização para o funcionamento mais adequado de cada segmento de mercado. E a ANVISA é uma dessas agências reguladoras.
A ANVISA como agência reguladora surgiu com a lei n. 9.782/1999, que criou o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, estabelece em seus dois primeiros artigos: “Art. 1º. O Sistema Nacional de Vigilância Sanitária compreende o conjunto de ações (…) executado por instituições da Administração Pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que exerçam atividades de regulação, normatização, controle e fiscalização na área de vigilância sanitária.
Art. 2º Compete à União no âmbito do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária:
I – definir a política nacional de vigilância sanitária;
II – definir o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária;
III – normatizar, controlar e fiscalizar produtos, substâncias e serviços de interesse para a saúde;
IV – exercer a vigilância sanitária de portos, aeroportos e fronteiras, podendo essa atribuição ser supletivamente exercida pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios;
V – acompanhar e coordenar as ações estaduais, distrital e municipais de vigilância sanitária;
VI – prestar cooperação técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios;
VII – atuar em circunstâncias especiais de risco à saúde; e
VIII – manter sistema de informações em vigilância sanitária, em cooperação com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.”
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) é uma agência reguladora (autarquia em regime especial) que possui autonomia administrativa e financeira. Sua função precípua é, através de definição da política nacional de vigilância sanitária, proteger a população brasileira através da normatização, consentimento, fiscalização e sanções aos descumpridores de suas normas.
Isso significa que a ANVISA possui competência para editar normas de vigilância sanitária que devem ser seguidas pelos operadores ou empresas do sistema. Ela possui também autoridade para conceder autorizações, licenças ou registros que serão conferidos àqueles que seguirem suas normas. A agência também possui poder de polícia para fiscalizar os que estão submetidos às suas normas. Por último, a ANVISA possui com fundamento no mesmo poder de polícia poderes para punir os que descumprem suas normas, ou para tomar medidas emergenciais ou preventivas como a interdição de estabelecimentos.
A finalidade da agência reguladora ANVISA é promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e consumo de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos, fronteiras e recintos alfandegados.
A missão institucional da agência é “Proteger e promover a saúde da população, mediante a intervenção nos riscos decorrentes da produção e do uso de produtos e serviços sujeitos à vigilância sanitária, em ação coordenada e integrada no âmbito do Sistema Único de Saúde”.
Complementando suas definições institucionais, sua visão é “Ser uma instituição promotora da saúde, cidadania e desenvolvimento, que atua de forma ágil, eficiente e transparente, consolidando-se como protagonista no campo da regulação e do controle sanitário nacional e internacionalmente”.
Para empreender seus serviços a ANVISA atua em setores de consumo humano que envolvem questões de saúde tais como: alimentos, cosméticos, farmacopeia, medicamentos, produtos para saúde, saneantes, tabaco, agrotóxicos, serviços de saúde, sangue, tecidos, células, órgãos e terapias avançadas.
O conceito de agência reguladora prevê uma independência maior de seus dirigentes do que uma autarquia normal. No caso da ANVISA sua Diretoria Colegiada é composta por 5 membros (incluindo seu Diretor-Presidente), indicados pelo Presidente da República e por ele nomeados, depois de prévia aprovação dos mesmos pelo Senado Federal. O mandato desta diretoria colegiada é de 5 anos, vedada a recondução.
A independência funcional prevista em lei é uma das formas de permitir liberdade de atuação de seus fins institucionais buscando garantir que não ocorra a sua captura por interesses do Chefe do Executivo ou dos outros poderes. Na sua lei de criação existem outras exigências para garantir a idoneidade de seus dirigentes: é vedado o exercício de qualquer outra atividade profissional, empresarial, sindical ou de direção político-partidária; ter interesse direto ou indireto, em empresa relacionada com a área de atuação da Vigilância Sanitária; e até um ano após deixar o cargo, é vedado ao ex-dirigente representar qualquer pessoa ou interesse perante a Agência.
Ricardo Pereira de Oliveira
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