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A pena de castração química é constitucional?

 

Olá, pessoal

Para quem não me conhece ainda, meu nome é Renan Araujo e sou professor aqui no Estratégia Concursos, lecionando as matérias de Direito Penal e Processual Penal.

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Neste artigo vamos analisar a castração química como pena criminal e como requisito para concessão de benefícios na execução penal, a fim de entender quais são os principais pontos de discussão a respeito do tema, bem como analisar a constitucionalidade, ou não, de tal intervenção corporal.

A castração química consiste na utilização de medicamentos hormonais que visam à redução drástica da libido do indivíduo. Não se confunde, portanto, a castração química da castração cirúrgica, em que os testículos ou os ovários são removidos do corpo humano, bem como difere da emasculação (remoção de pênis e escroto com os os testículos).

Diferentemente da castração cirúrgica, a castração química não é definitiva, de forma que a manutenção da redução da libido depende do uso contínuo de medicamentos destinados a este fim.

A castração química passou a ser utilizada em alguns países (EUA e Rússia, por exemplo) como forma de punição a indivíduos que tenham sido condenados por crimes sexuais graves. No Brasil, alguns projetos de Lei já foram apresentados com esta mesma finalidade. Como exemplo, podemos citar o PL 7021/2002 e o PLS 552/2007, ambos rechaçados pela Comissão de Constituição e Justiça. Os dois previam a castração química como pena: o primeiro como pena para os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, e o último previa a pena de castração química para alguns crimes sexuais quando o infrator fosse considerado pedófilo.

Mais recentemente, podemos citar o PL 5398/2013, cujo autor é o presidente eleito, então deputado federal, Jair Bolsonaro.

O referido PL 5398/2013, dentre outras disposições, prevê duas alterações na Legislação Penal, ambas relacionadas à castração química como requisito para concessão de benefícios na execução penal. Vejamos:

“Art. 83. (…)

Parágrafo único. Para o condenado por crime doloso, cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, a concessão do livramento ficará também subordinada à constatação de condições

pessoais que façam presumir que o liberado não voltará a delinquir e, nos casos dos crimes previstos nos artigos 213 e 217-A, somente poderá ser concedido se o condenado já tiver concluído, com resultado satisfatório, tratamento químico voluntário para inibição do desejo sexual.” (NR) (sem grifos no original)

[…]

“Art. 2º. (…)

… 2o A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente, e, se reincidente específico nos crimes previstos nos artigos 213 e 217-A, somemente (sic) poderá ser concedida se o condenado já tiver concluído, com resultado satisfatório, tratamento químico voluntário para inibição do desejo sexual.

(NR)” (sem grifos no original)

Como se vê, a primeira delas se refere à concessão do benefício do livramento condicional, que, nos crimes de estupro e estupro de vulnerável (arts. 213 e 217-A do CP), ficaria condicionada à conclusão de tratamento químico voluntário para inibição do desejo sexual. A outra se refere à progressão de regime no caso de reincidentes específicos em crime de estupro e estupro de vulnerável, que também estaria condicionada à conclusão satisfatória do tratamento químico voluntário.

A proposta, portanto, não prevê a castração química (ou tratamento químico para inibição do desejo sexual, como queiram) como pena a ser imposta ao agente quando da prática destes delitos, e sim como requisito para a obtenção, pelo condenado, dos benefícios da progressão de regime e do livramento condicional. O condenado, portanto, não estaria obrigado a se submeter ao tratamento, mas não poderia, em caso de recusa, obter alguns benefícios na execução penal.

A pergunta que fica é: seriam tais propostas constitucionais?

A Constituição Federal estabelece em seu art. 5°, XLVII, que:

Art. 5º (…) XLVII – não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados;

d) de banimento;

e) cruéis;

Podemos perceber, desta forma, que determinados tipos de pena são terminantemente proibidos pela Constituição Federal.

Esta vedação é considerada cláusula pétrea pela Doutrina, de maneira que apenas com o advento de uma nova Constituição seria possível falarmos em aplicação destas penas no Brasil.

Mas, a castração química se enquadra em qualquer destas hipóteses?

Os críticos deste tipo de sanção apontam para a inconstitucionalidade por se tratar de pena de caráter cruel, por violar a dignidade humana, ao submeter o condenado a situação desumana, degradante.

Alegam, ainda, que a Constituição Federal e o Pacto de San José da Costa Rica estabelecem que o preso tem direito à sua integridade física e psíquica, e que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.

A análise da constitucionalidade da castração química como pena criminal passa, portanto, pela compreensão de sua natureza. Considera-se, de fato, uma sanção cruel, desumana ou degradante? Pode-se equiparar a castração química a penas medievais, como o esquartejamento, a mutilação, etc.?

De fato, a submissão de qualquer pessoa a tratamento químico para inibição do desejo sexual gera sofrimento, mas o sofrimento é inerente a toda e qualquer pena. A pena não é prêmio, é (também) castigo. A pena de multa gera sofrimento. A pena privativa de liberdade gera sofrimento.

Toda e qualquer pena vai gerar, inevitavelmente, uma lesão a um bem jurídico do infrator, como forma de retribuição pelo mal causado e tentativa de prevenir a prática de novas infrações penais (função eclética da pena): a pena privativa de liberdade afeta o direito de ir e vir, a pena de multa afeta o patrimônio, etc.

Aliás, o que é mais degradante: ser submetido a um tratamento químico para inibição da libido, mas manter a vida social normalmente, ou ser privado de sua liberdade de locomoção por 15, 20 anos, permanecendo recluso em celas de poucos metros quadrados juntamente com outros 20 ou 30 detentos?

A alegação de que o tratamento químico é degradante pode fazer algum sentido numa realidade nórdica, mas na realidade brasileira soa como escárnio, considerando o nível de degradação humana imposta pelo sistema carcerário brasileiro. E esse panorama não vai mudar, isso é utopia.

Outro argumento que se utiliza para refutar a constitucionalidade da castração química é a vedação ao bis in idem, ou seja, a proibição de que alguém seja duplamente punido pelo mesmo fato. Este argumento é frágil.

A uma, porque bastaria estabelecer a castração química como única pena para o delito; a duas, porque a cumulação de penas não significa dupla punição. Basta imaginar que diversos tipos penais estabelecem como sanção, cumulativamente, a pena de privativa de liberdade e a pena de multa.

Por fim, a previsão do tratamento químico voluntário (caso do PL 5398/2013) como requisito para a obtenção de benefícios na execução penal também não parece afrontar a Constituição, na medida em que não constitui intervenção corporal forçada, mas requisito para concessão de benefícios.

É importante ressaltar que a posição de boa parte da comunidade jurídica sobre este tema é no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade do tratamento químico, seja ele voluntário ou não, por se entender que mesmo no tratamento voluntário haveria consequências negativas em caso de recusa, o que tornaria a escolha “viciada”.

A eficácia da castração química também é objeto de discussão, na medida em que se sustenta que o estupro não envolve apenas a libido, mas outras questões, como dominação e poder. Com relação a este aspecto, a verdade é que não existem análises conclusivas a respeito da eficácia da castração química na prevenção de crimes sexuais. Por outro lado, também não há qualquer comprovação de que as espécies de sanção penal já existentes sejam eficazes, muito pelo contrário.

O presente artigo não tem a pretensão de esgotar o tema, ou trazer respostas objetivas sobre um tema tão controverso, mas busca servir de ponto de partida para a reflexão e o debate.

É isso, meus amigos! Deixem sua opinião nos comentários! O que vocês acham dessa pena?

 

Bons estudos!

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Prof. Renan Araujo

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Renan Araujo

Ver comentários

  • Excelente artigo, prof. Eu, pessoalmente, sou a favor da castração química como pena até pq os meios de punição empregados na atualidade não cumprem com a função que deveriam, o tal de efeito pedagógico da pena. Além do mais, rechaço qualquer possibilidade de considerar a pedofilia como doença, como alguns tem propalado por aí. Obrigada.

  • Bom dia prof. na minha singela opinião, mais degradante, desumano ou cruel são as vítimas de estupro, por exemplo; pois ficarão traumatizadas por toda a vida e o meliante feliz da vida por um momento de prazer. Concordo sim, com a castração química desses indivíduos, especialmente os reincindentes. Afinal, direitos humanos (como princípio norteador de um Estado Democrático de Direito), segundo a Carta Magna, DEVERIA servir para a prevenção, e como correção, deveria também pensar nas vítimas, que de igual forma são humanos também. Por fim, quem pratica os crimes previstos nos Projetos-Lei supracitados, antes de praticá-los, deveriam pensar nas consequências.

  • Gostaria de parabenizar o professor Renan pela sequência de belos artigos que vem fazendo, sempre linkando uma aplicação prática com os diplomas legais. Eu particularmente não estudo Penal, mas tenho tomado gosto pelo assunto devido aos artigos. Tem um assunto que gostaria muito de ver por aqui também: a proposta do governador eleito da utilização de Snipers para abater marginais que portam armas de guerra no RJ. Eu sou bastante favorável ao tema, mas seria interessante uma análise jurídica e até que ponto o direito à vida pode inibir tal ação.
    Mais uma vez meus parabéns!
    Forte abraço

  • Muito bem explicado prof. É preciso que este tema seja amplamente discutido, não só em relação ao delinquente mas também em relação à vítima. É preciso que as vítimas sejam ouvidas e que as penas sejam impostas para inibir que novos casos aconteçam.

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