Concursos Públicos

A mitigação da característica inquisitória do inquérito policial

Entenda como ocorreu o possível enfraquecimento da inquisitividade do inquérito policial, com o advento de novas Leis

Olá, estrategistas! Tudo bem?

O ano de 2021 está recheado de concursos públicos na área policial, são milhares de vagas para fazer diversos concurseiros felizes.

Por essa razão, é essencial a preparação do aluno, bem como, ficar por dentro dos conteúdos de maior incidência nas provas.

O inquérito policial é um dos temas mais cobrados em concursos das carreiras policiais.

A ideia aqui é transmitir, utilizando esse assunto, conhecimentos relevantes, pois as bancas estão amadurecendo e se aprofundando nos temas.

No presente artigo, trataremos do aspecto e a característica inquisitória do inquérito policial, e seus reflexos diante dos princípios norteadores dos direitos fundamentais presentes na Carta mãe, a Constituição Federal de 1988.

Incialmente, iremos falar um pouco sobre o nascimento do inquérito policial e sua evolução até os dias atuais, veremos também o que influenciou a mitigação da característica inquisitória do inquérito policial.

Igualmente, compreenderemos de que modo é tratado os princípios da ampla defesa e do contraditório nessa fase instrutória.

inquérito policial

O Surgimento do Inquérito policial

 Sabe-se que o inquérito Policial é o principal procedimento investigativo que é disciplinado pelo Código de Processo Penal de 1941.

A palavra inquérito, vem do latim e remonta a ideia de interrogar, perguntar, sua expressiva força se instalou ainda desde os tempos medievais, ganhando maior significado no movimento da Inquisição, idealizado pela Igreja Católica.

Possuía os métodos mais cruéis para se questionar o indivíduo, implicava muitas vezes a perda de bens, restrição de direitos e liberdades e não muito raro, resultava em mortes, com aplicação de torturas para se obter a confissão ou delação do criminoso.  

A partir disso, as autoridades policiais foram contempladas com a incumbência de investigar os crimes, atuando mediante diligências a fim de revelar a autoria, circunstâncias e materialidade dos delitos, avançando-se no decorrer dos anos, até o atual modelo que hoje conhecemos.

Logo, o inquérito policial é um procedimento investigativo administrativo de natureza inquisitória, que tem por objetivo arrecadar informações para instauração da ação penal, dando assim justa causa para sua propositura.

A inquisitoriedade e o advento da Lei 13.245/16

A inquisitoriedade é a primeira característica que mais se evidencia no inquérito, nela não há muito espaço para igualdades e liberdades individuais, pois não se subordina aos princípios do contraditório e ampla defesa.

A investigação é conduzida de forma parcial, ou seja, o Delegado é o responsável por sua condução sem a participação do investigado.

Contudo, é importante deixar claro que nessa fase não é possível tratar o investigado como acusado, isso se dá por ser um procedimento administrativo, e não processual.

Por esse motivo, não afronta os direitos fundamentais nem os princípios inseridos no art. 5º, inciso LV, da CF, também dele não se origina nenhuma sanção direta.

Com o surgimento da Lei 13.245/16, que alterou o art. 7º da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil), foram concedidos direitos importantíssimos ao advogado ainda na fase no inquérito, conforme segue

XIV – examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital;

XXI – assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração:

a) apresentar razões e quesitos;

Verifica-se, pois, que a mencionada assistência transpassa a ideia de amparo total, também integrando a apresentação de razões e quesitos, e não mais mero acompanhamento.

Perante essas alterações, tornou-se precário o caráter inquisitório do inquérito, portanto, não se pode afirmar que o inquérito perdeu o status inquisitório.

Em contrapartida, também está correto dizer que ascendeu brechas para o abrandamento do referido atributo.  

A  mitigação do inquérito policial sob a interpretação da CF

No curso das investigações, a questão gira em torno se os direitos fundamentais do investigado estão ou não sendo garantidos nessa fase pré-processual.

Pois bem, Constituição Federal, no artigo 5º, LV, “garante o contraditório e ampla defesa aos litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral”.

Assim, apesar de não haver a inclusão do inquérito policial na normativa em tela, é imaturo concluir que tais princípios não são de fato observados.

Em análise do conteúdo desses princípios, conclui-se que também são aplicáveis na investigação, para tanto, o vocabulário “administrativo”, no artigo da CF supramencionado.

Ou seja, o legislador não quis limitar apenas ao processo judicial ou administrativo.

Por consequência, utilizou-se o termo “aos acusados em geral”, assim, fica claro o direito de se ampliar ao investigado tais garantias.

Sendo assim, é de se destacar que, segundo entendimento doutrinário, a CF deve ser interpretada de forma ampla e seus princípios garantidores dos direitos fundamentais, de forma exemplificativa.

O objetivo é buscar sempre uma maior compreensão em benefício do homem, diferente da forma taxativa que limitaria a aplicação dos princípios da ampla defesa e contraditório.

Afinal, o indiciado, já é parte de um litígio onde seu direito de ir e vir, e sua reputação moral diante da sociedade, está em risco de ser lesionada.

Isso decorre, por ser o indiciado alvo de investigação de uma suposta prática de crime.

Ademais, vale ressaltar que às partes ainda não é possível interferir na instrução investigatória.

Por seu turno, é permitido requerer qualquer diligência que será realizada ou não, ficando assim a critério da autoridade, como dispõe o art. 14 do CP:

“O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade.”

O inquérito policial sob a ótica do princípio do contraditório

Primeiramente, vale enfatizar que segundo o Código de Processo Penal, o inquérito policial não contempla os direitos fundamentais do contraditório e ampla defesa, sendo por esse motivo, qualificado como inquisitivo.

Nesse sentido, CAPEZ, 2014, p.110, assim disserta:

Caracteriza-se como inquisitivo o procedimento em que as atividades persecutórias concentram-se nas mãos de uma única autoridade, a qual, por isso, prescinde, para a sua atuação, da provocação de quem quer que seja, podendo e devendo agir de ofício, empreendendo, com discricionariedade, as atividades necessárias ao esclarecimento do crime e sua autoria.

A princípio, é necessário esclarecer que, no contraditório, as partes devem livremente deduzir suas alegações, apresentar provas e criticar a atuação dos envolvidos no procedimento.

Isso ocorre tanto nos procedimentos processuais como também nos procedimentos pré-processuais.

Ocorre ainda a possibilidade de apresentar provas e criticar a atuação dos envolvidos no procedimento, o qual o acusado está sendo submetido.

Em outras palavras, são elementos intrínsecos no contraditório a necessidade de informação e a chance de reação, são recursos plenamente garantidos na persecução penal.

À vista disso, com a aprovação da súmula vinculante nº 14 do STF, permitiu-se entendimentos que sustentam a contrariedade real no procedimento investigativo, assim dispõe a súmula:

“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”

Desse modo, não se pode negar que existe uma atuação da defesa na fase investigativa, mesmo não havendo, de fato, o contraditório.

A ampla defesa no inquérito policial

A ampla defesa é o centro do processo penal, é a garantia do acusado de fazer valer os exercícios de sua defesa.

É a salva guarda do arguido, em face da imputação ali contra ele atribuída.

Apesar disso, no procedimento investigativo, o que há de fato são atos de defesa.

Tal como a participação do advogado que foi ampliada e a prerrogativa de acessar o conteúdo já documentado.

Outrossim, só pode existir a ampla defesa se estivermos diante de uma imputação já formalizada.

Pois no inquérito policial não existe acusação formalizada, mas atos de investigação que perseguem a verdade real dos fatos.

Para ao final, constatar se houve ou não o cometimento de um crime, com eventual indiciamento do acusado.

Ademais, a maioria dos doutrinadores expressa entendimento desfavorável quanto à presença tanto da ampla defesa quanto do contraditório, no procedimento investigativo.

Como exemplo, assim entende o doutrinador Mirabete[1], pois defende que o inquérito deve sim ser inquisitivo, vejamos:

“Constitui um dos poucos poderes de autodefesa que são reservados ao Estado a esfera da repressão ao crime, com caráter nitidamente inquisitivo, em que o réu é simples objeto de um procedimento administrativo.”

Da mesma forma, outros doutrinadores afirmam que no inquérito policial, a ausência de relação processual, e a inexistência do acusado, não autorizam, com base no texto constitucional, o amparo dos princípios em estudo no procedimento investigativo.

Desta feita, a defesa se manifesta por uma série de direitos que devem ser assegurados ao investigado.

Um desses direitos é o de ter ciência e de ser ouvido sobre a imputação.

Semelhantemente, também o direito de ter conhecimento das investigações, de realizar ou requerer diligências.

Como o assunto é abordado nas provas

Preliminarmente, vamos compreender o que é a característica “inquisitiva” do inquérito policial.

Tal característica deve ser entendida como imprescindível para uma investigação eficiente.

Uma vez que se ampara na independência funcional da autoridade responsável pela apuração preliminar.

Frisa-se assim que, há uma corrente minoritária o qual admite haver o contraditório e a ampla defesa em sede investigatória.

A corrente maioritária entende que para um indivíduo ter direito à ampla defesa e contraditório, ele precisa saber do que está sendo acusado, e isso ocorre somente após formulação e o recebimento formal da acusação.

Marta Saad[2] ensina: “se não se mostra apropriado falar em contraditório no curso do inquérito policial, seja porque não há acusação formal, seja porque, na opinião de alguns, sequer há procedimento, não se pode afirmar que não se admite o exercício do direito de defesa, porque esta tem lugar em todos os crimes e em qualquer tempo, e estado da causa, e se trata de oposição ou resistência à imputação informal, pela ocorrência de lesão ou ameaça de lesão”

Desde 2017, as bancas de concursos têm cobrado o assunto de diferentes modos, o entendimento predominante e assertivo é o de que apesar da natureza inquisitiva do inquérito, não se faz necessária a aplicação plena do princípio do contraditório, conforme jurisprudência dominante, assim cobrou a banca CESPE, em um concurso de Delegado de Polícia.

Depreende-se, pois, que para o ordenamento jurídico brasileiro, o contraditório e ampla defesa não serão totalmente afastados.

Consequentemente, serão apenas diferidos para etapa oportuna.

Desse modo, fica garantido ao indivíduo a informação, possibilidade de reação e oportunidade de influenciar na decisão a respeito de sua liberdade.

Conclusões

Pelo exposto, sabe-se que o inquérito policial é um importante instrumento no que diz respeito à efetividade da aplicação da reprimenda.

Ao passo que dele se emerge os elementos iniciais verdadeiramente fundamentais à tomada de sanção estatal.

Indiscutivelmente, inexiste a presença do contraditório e ampla defesa, dado que não há reciprocidade na fase investigativa.

Esse fato ocorre porque não possui a mesma estrutura dialética existente no processo.

Assim sendo, não é que não haja qualquer extensão do contraditório e a ampla defesa, a questão é que há sim, um certo grau ou nível, ainda que pequeno, quanto a esses direitos fundamentais, conforme artigo 5º, LIV.

Por fim, com a chegada da lei 13.245/2016 e consequente ampliação do direito à defesa, cresceu o entendimento de que o caráter inquisitório do inquérito policial está sendo mitigado.

Desta maneira, teve como resultado a elevação da aplicabilidade dos direitos fundamentais ao instrumento investigativo.

Concluindo, não espere a divulgação dos editais para começar a se preparar, busque informações e estude com antecedência.

Salienta-se ainda que o presente artigo não substitui os cursos precípuos voltados ao tema aqui apresentado.

Esperamos que tenham gostado. Até a próxima, pessoal!


[1] MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 17. ed. São Paulo : Atlas, 2005, p. 82.

[2] (SAAD, Marta. O Direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: RT, 2004. p. 221-222.)

Gisele Belo Canto

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